Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 49
Capítulo 49


Notas iniciais do capítulo

Antes de postar o penúltimo capítulo, preciso agradecer à Gabibarqueta pela recomendação incrivelmente inspiradora que me fez. É extremamente gratificante receber esse retorno por algo que eu faço com tanto amor e empenho, e suas palavras particularmente me emocionaram muito. Espero continuar causando isso em você e em muitas mais pessoas por aí, muito obrigada! ♥



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Os sintomas estavam mais que claros para mim há semanas, mas eu ainda tentava achar justificativas científicas possíveis para o que eram os enjoos de manhã, minha repentina aversão a presunto e os seios insuportavelmente doloridos há dias. A falta de menstruação foi só o que me deu coragem para comprar logo o teste e tirar a minha dúvida, porque se não fosse gravidez as possibilidades começavam a ficar preocupantes a partir daí.

Cinco minutos era o que a embalagem dizia que eu deveria esperar, mas mal tive tempo de levantar minha roupa e sentar em cima da tampa fechada da privada e a segunda listra apareceu, confirmando minha suspeita e tirando meu chão.

“Eu estou grávida”. Pensei, me sentindo enjoada de novo. “E o que é que eu vou fazer com um bebê?”.

Tirei o celular do bolso e liguei para a única pessoa que estava perto o suficiente para não me deixar surtar sozinha.

—Gato, você pode vir aqui comigo um minutinho? - Pedi quando Colin atendeu.

—Que voz é essa? Aqui onde? - Seu tom já estava alarmado.

—No banheiro feminino do centro cirúrgico.

—Tô indo.

Encerrei a ligação ainda sem conseguir desviar os olhos do teste na minha mão e tentando respirar fundo, porque já bastava ter vomitado o café da manhã, eu não colocaria o almoço para fora também.

—Gin? - Ele chamou contido do lado de fora e eu destranquei a porta da cabine onde estava.

Colin abriu a porta apreensivo e entrou quando fiz sinal para ele, fechando a porta atrás de si e parando no pequeno espaço que sobrava, os joelhos praticamente roçando os meus. Sem falar nada, estendi o teste para ele e esperei sua reação que demorou mais que o normal.

—Positivo. - Falou em voz alta, deixando o resultado ainda mais real. - Certo, e estamos felizes?

—Não sei. - Olhei para ele sem saber o que falar.

Ele se espremeu de alguma forma e abaixou até estar da minha altura.

—Eu acho que estamos sim, só estamos assustados. - Opinou e eu assenti, mais para não ficar parada do que por concordar.

Tentei a todo custo não pensar nas consequências a longo prazo e me convencer que eu ainda tinha meses até que o bebê chegasse, mas só conseguia pensar em como isso mudaria minha vida.

—Você está se sentindo bem? - Perguntou preocupado, pegando minha mão despretensiosamente, mas eu sabia que era para sentir meu pulso. - Quer ligar pro Harry?

Harry! Só pensar já me deixou enjoada de novo, eu tinha que contar pra ele logo, porque não quero mais ficar surtando sozinha e em silêncio, mas tenho quase certeza que ele vai fazer uma festa nada condizente com o que eu estou sentindo.

—Obrigada, gato, mas não precisa. - Puxei meu teste da mão dele e guardei no bolso do jaleco. - Vou pra casa.

—O que? Não! - Se levantou quando eu fiz o mesmo e se negou a sair da minha frente.

—Vou sim, não vou conseguir mais trabalhar hoje.

—Gata, não vou te deixar ir embora sozinha desse jeito, você está totalmente pálida e pode ser perigoso!

A proibição do meu direito de ir e vir livremente me irritou, e eu acabei gritando com ele.

—Eu estou grávida e não doente, sai da minha frente que eu quero ir embora!

Os olhos dele se arregalaram para mim, cheios de diversão e compreensão.

—Ai meu Deus, já começaram os hormônios. - Ele lamentou com cara de sofrimento, inexplicavelmente eu passei da raiva para o humor e gargalhei.

Malditos hormônios.

Ele destrancou a porta e saiu com a mão na minha cintura, e para minha alegria ficar completa Anne Smith estava entrando bem nessa hora.

—Olha só que surpreendente, vocês dois é uma possibilidade que realmente ninguém cogitava.

—Vai se foder, Smith. - Falei sem cerimônias ao passar por ela, e o Colin me acompanhou rindo.

—Reformulando, graças a Deus já começaram os hormônios.

Ri com ele até chegarmos em frente aos elevadores e meu amigo me puxou depois que apertei o botão, parando de frente para mim e segurando minhas duas mãos.

—Gata, não se preocupe que esse susto passa. - Assenti e ele abriu um daqueles sorrisos animadores. - E parabéns.

O abraço dele me deixou mais sensível do que eu gostaria e eu me afastei o mais rápido que pude assim que o elevador chegou.

—Obrigada, gato. Não conta pra ninguém por enquanto, ta? - Ele afirmou com um aceno e eu me virei.

O elevador estava vazio, então não precisei tentar sorrir para ninguém até chegar ao térreo. Fui até o vestiário, tirei o teste do bolso e guardei na minha bolsa para levar para casa, troquei de sapato e tirei o jaleco.

Durante todo o tempo em que suspeitei, consegui não olhar para a minha barriga de um jeito diferente, mas minha reação involuntária dessa vez foi olhar para baixo e colocar a mão sobre ela de uma forma muito mais carinhosa e protetora do que o normal. Sentei no banco atrás de mim por alguns minutos e afundei o rosto nas mãos, tentando não pensar em nada e pensando em tudo ao mesmo tempo.

Era pouco mais de duas da tarde quando passei pela porta da sala, horário totalmente atípico para eu estar em casa e muito antes do que o Harry chegaria, mas eu não conseguiria esperar até o fim da tarde para dividir isso. Deixei a bolsa sobre a mesa e fui até o sofá com celular no ouvido, esperando a operadora completar a chamada.

—Oi, minha linda. - Me atendeu sem demora.

—Oi, você está ocupado?

—Não, por quê?

—Você pode vir embora? - Eu planejava não desesperá-lo, mas meu pedido saiu como uma súplica urgente.

—O que foi, Gin? - Perguntou preocupado.

—Vem pra casa, amor, por favor. - Pedi de novo, esperando que fosse o suficiente.

—Já to indo, daqui a pouquinho eu chego. - Falou alarmado. - Está tudo bem? - Tentou soar normal ao perguntar.

—Uhum. - Confirmei meio perdida, porque eu não achava que estava tudo bem.

—Calma, amor, já estou indo. - Tentou me tranquilizar. - Beijos.

Encerrei a chamada e deixei o celular sobre a mesa de centro. Harry demoraria uns vinte minutos ainda para chegar, então fui até a cozinha beber água, peguei o teste na bolsa e levei comigo para a sala. Chutei minhas sapatilhas para o lado e deitei no sofá para esperar, meus olhos insistindo em se desviar de novo para aquele resultado assustador.

Ouvi o barulho da porta abrir alguns minutos depois e respirei fundo para encarar a reação mais importante de todas.

—Amor? - Ele chamou cauteloso, antes mesmo de fechar a porta.

Me sentei no sofá e a movimentação chamou a atenção dele, que se apressou a ir até lá. Harry parou na minha frente e me olhou sem saber o que esperar, não querendo demonstrar que estava nervoso além da aparência. Seus olhos me estudaram por um momento e ele sentou do meu lado um pouco mais aliviado quando notou que não havia nada fora do lugar em mim.

—O que foi, Ratinha? - Perguntou, deslizando o dedo pelo meu rosto.

Abri a boca duas vezes para falar e não saiu nada, eu não sabia como dizer a ele sem parecer decepcionada e perdida, e eu não achava que esse era o tom ideal para eu contar que teríamos um bebê. Então optei por não falar e só entreguei o teste a ele, que pegou da minha mão sem entender direito sobre o que se tratava.

Os olhos dele se arregalaram quando entendeu o que era, numa expressão de susto e surpresa que eu não saberia de imediato dizer se era bom ou ruim, mas pelo menos não era a empolgação com a qual eu não saberia lidar nesse momento. Não tive tempo nem de me sentir agradecida pela empatia e o sorriso mais radiante possível estampou seu rosto, me deixando frustrada. Apoiei o cotovelo nos joelhos e afundei o rosto na mão para não ter que ver.

—Olha o que você fez. - Foi a primeira coisa que pensei em dizer.

Antes de responder ele se ajeitou no assento e começou a afagar minhas costas.

—Nós fizemos, Ratinha. - Me corrigiu com gentileza.

—Eu não queria agora, Harry.

—E você queria quando, amor? Faz meses que você só fala disso, mas sempre deixa para o mês que vem.

Virei o rosto para ele antes de perguntar:

—Você fez de propósito?

—Claro que não! - Negou como se fosse uma ideia absurda. - Não sei direito nem quando eu fiz sem querer, estamos tomando cuidado e você sabe, eu nunca faria uma coisa dessa de propósito.

Ele estava visivelmente tentando conter o sorriso, os olhos desviando o tempo todo do meu rosto para a barriga e eu quase conseguia sentir as mãos dele tremendo para encostar ali, mas se controlando porque eu ainda estava assustada.

—Você está feliz, não é? - Perguntei apenas para confirmar o que eu já sabia ser um grande e veemente sim.

—Eu estou muito feliz, você não? - Devolveu afastando meu cabelo e colocando atrás da orelha.

Eu quase respondi com “não sei”, mas isso me pareceu tão inadequado que desisti. Encostei no estofado atrás de mim e o olhei sem responder, mas mesmo assim ele me devolveu um sorriso realizado e tranquilizador.

Mordi o lábio quando senti meus olhos marejados, mas não foi o suficiente para impedir as lágrimas de caírem e quando vi eu já estava chorando copiosamente sem nem saber direito o motivo.

—Não chora, Ratinha. - Pediu, me puxando para mais perto e me envolvendo num abraço aconchegante.

Como resposta eu só consegui chorar um pouco mais, mas me deixei envolver pela tranquilidade dele. Aos poucos acalmei a respiração e as lágrimas pararam de vir, quando me senti mais controlada saí do seu peito e me encostei de novo no sofá.

Sequei o rosto e respirei fundo antes de olhar para o Harry, cuja expressão só tinha se alterado para parecer mais feliz do que dois minutos atrás. Tirei a mão dele, ainda acariciando meu rosto, e pousei sobre a minha barriga onde agora morava quem seria a pessoa mais importante da nossa vida.

Se eu achava que já tinha visto meu marido emocionado, estava completamente enganada.

—Ah, você não vai chorar também! - Tentei dar uma bronca, mas terminei rindo e tendo que limpar mais algumas lágrimas que escorreram no meu rosto.

Não adiantou nada, porque ele riu comigo enquanto também limpava as próprias lágrimas.

—Desde quando você sabe? - Quis saber, se acomodando com o rosto encostado do lado do meu e a mão já por baixo da minha camiseta.

—Só tive certeza hoje, mas tem umas semanas que eu desconfio.

—E por que não me contou?

—Você ia ficar decepcionado se eu estivesse enganada. - Justifiquei e ele acabou concordando. - E eu não queria acreditar.

—Você está passando mal?

—Tenho enjoo todos os dias de manhã e não suporto nem o cheiro de presunto. - Falei com o cenho franzido.

—Não vou mais comprar, então. - Prometeu. - Você ainda não foi no médico, né?

—Não, mas preciso ir.

—Quero ir com você em todas as consultas. - Concordei com um aceno. - Todas mesmo!

—Ta bom, em todas mesmo.

Ele ficou quieto por um tempo, me encarando com os olhos brilhando de um jeito bem contagiante, e logo seu sorriso se transformou numa risada descontraída.

—Eu estou feliz pra caralho. - Confessou e eu ri também. - Já podemos contar para as pessoas e comprar algumas coisinhas, não é?

Era ruim quebrar a expectativa dele, mas eu não conseguia me adaptar tão rápido quanto o Harry a essas mudanças e precisava de um tempinho.

—Deixa eu me acostumar um pouco primeiro, por favor. Eu quero fazer tudo isso quando estiver feliz igual você.

—Sem problemas, quando você achar melhor. - Aceitou facilmente e me puxou para mais um abraço. - Você vai se acostumar logo, amor, ele vai pra todo lugar com você.

A lógica não fazia muito sentido, mas me fez rir de novo.

—Vou sim. - Afirmei, esperando profundamente estar certa.

Ele se afastou de repente como se parecesse lembrar de algo importante.

—Você está com fome?

—Não, eu almocei no hospital. - O tranquilizei e deitei de novo a cabeça em seu peito.

—Quer deitar um pouquinho pra descansar?

—Harry, eu não estou doente. - Avisei antes que ele começasse a me irritar com excessos de preocupação.

—Desculpe.

—Mas eu quero deitar sim, só estou avisando porque o Colin não queria nem que eu viesse para casa sozinha e isso me irritou, então não faça o mesmo.

—Ah, entendi. - Confirmou pensativo e me acompanhou até o quarto. - Mas se você estiver se sentindo mal vai me avisar, não vai?

—Claro, não vou ser irresponsável com nós dois.

—Eu sei que não, você vai cuidar muito bem de vocês dois. - Afirmou satisfeito, me envolvendo num abraço. - E por que o Colin sabe primeiro do que eu?

—Eu precisava surtar com alguém, ele estava perto o suficiente para ir me encontrar no banheiro.

Ele me olhou contrariado, mas não aparentava estar bravo.

—Será que é menino ou menina? - Perguntou depois de um momento de silêncio.

—Por enquanto não tenho nenhum palpite, ainda estamos nos apresentando. - Respondi rindo.

—Com quantos meses será que estamos?

—Acho que com quase três. - Ele me olhou questionador. - Lembra da praia? Tequila, ninguém lembrando de nada e uma bagunça enorme na sala? Só pode ter sido lá.

—Verdade… - Confirmou pensativo. - Pelo menos só vou esperar mais seis meses pra conhecer nosso garoto, já estou ansioso.

—Lá vem você de novo com essa ideia de que é menino!

—Dessa vez eu sinto que é, você vai ver.

—E se não for?

—Aí você vai ter que se conformar com o fato de eu amar outra mulher. - Me arrancou outra gargalhada.

—Se for mesmo quase três meses não vamos demorar muito para saber o sexo.

Ele não falou nada, só continuou fazendo carinho na minha barriga.

—Eu estou sentindo muito mais sono também. - Informei minutos depois, quando minhas pálpebras começaram a pesar.

—Quando você estiver em casa dorme o tanto que quiser, eu fico aqui com você.

Ri baixinho e me acomodei encostada a ele.

—Já estou gostando dessa bajulação toda.

—Sua mimada. - Acusou e deu um beijo no meu rosto. - Amo você, Gin.

—Também amo você, Ursinho. - Respondi e fechei os olhos para tirar um cochilo.

Mal cheguei a um minuto de silêncio.

—Posso conversar com ele um pouquinho enquanto você descansa, né?

Gargalhei e me soltei do abraço dele para deitar de costas na cama. Dobrei os joelhos para ficar mais confortável e levantei a camiseta.

—Fica a vontade, é seu também.

Os olhos dele brilharam e eu ganhei um beijo rápido, depois o Harry deslizou para baixo e parou com o rosto na direção do cós da minha calça.

—Oi… - Ele franziu o cenho e virou para mim. - Como eu o chamo?

—Você é a primeira pessoa com quem ele vai conversar, pode determinar o nome provisório. - Dei de ombros e olhei com expectativa enquanto ele parecia pensativo.

—Oi, filhote.

—Filhote? - Perguntei rindo.

Ganhei um olhar desconfiado em troca e ele não falou nada para mim, só virou para minha barriga de novo.

—Sua mãe não sabe deixar as pessoas conversarem sem se intrometer, mas é uma ótima pessoa.

Meu sorriso se transformou numa gargalhada alta que o fez rir também.

—E eu sou o papai. Desculpe só estar falando com você agora, se eu soubesse que você já estava aí ouvindo tudo, teria feito isso antes.

Harry levantou a cabeça para mim alarmado e olhou para baixo de novo.

—Seja o que for que você ouviu e não deve, ignore. É que a mamãe é bonita pra caralho, um dia você vai entender. - Terminou conspiratório.

Mordi o lábio para conter a vontade de rir.

—Você já está ensinando a criança a falar palavrões?

—Esqueça isso também. - Ele acrescentou depressa.

Fiquei apenas olhando enquanto ele conversava e não participei mais do assunto, mas era gostoso vê-lo tão feliz e satisfeito por algo que era só nosso. Não sei de onde o Harry tirava toda aquela criatividade, mas enquanto ele se apresentava, como ele mesmo justificou, mal consegui parar de rir, muito menos relaxar a ponto de dormir.

As conversas noturnas com a minha barriga viraram um hábito diário, e embora eu ainda não conseguisse fazer o mesmo, adorava essa atenção toda e a empolgação do meu marido.

Consegui marcar nossa primeira consulta apenas para três semanas depois que descobri, porque a obstetra que eu queria estava de férias e retornaria apenas nesse período. Precisei de muitos argumentos médicos para convencer o Harry de que não tinha problema esperar mais alguns dias.

A ideia de carregar alguém dentro de mim o tempo todo começou a ser mais agradável do que assustadora depois de alguns dias, e várias vezes durante as duas semanas que seguiram depois do “positivo” me peguei fazendo carinho na barriga, tentando imaginar como seria daqui a alguns meses, quando ele não estivesse mais ali, e me olhando no espelho de vários ângulos diferentes para ver se já havia algum indício visível da presença do meu bebê.

Apenas meu estômago não parecia muito adaptado ainda, e estava difícil encontrar alguma coisa que não me fizesse vomitar ou sentir mal depois depois de comer.

Depois de uma manhã tranquila no hospital, entrei na lanchonete no horário do almoço e mal consegui reprimir a careta de desgosto quando vi na vitrine todas as opções que eu teria se quisesse almoçar ali, então achei melhor nem tentar. Dei meia volta, deixei o jaleco no meu armário, peguei a carteira dentro da bolsa e decidi me dar um almoço decente no shopping.

—Bebê, você tem que me mostrar logo o que gosta, porque eu preciso comer por nós dois. - Falei comigo mesma enquanto caminhava pela calçada repleta de pessoas, acariciando despretensiosamente a barriga.

Fui direto até a praça de alimentação e quando meus olhos bateram na foto do cardápio de massas não tive dúvidas do que queria comer, minha boca enchendo de água enquanto eu encarava o macarrão apetitoso no meu prato também me deram esperanças de que eu teria uma refeição decente depois de muitas semanas.

Não sei por que eu nunca pensei antes em comer nesse restaurante, porque cada garfada que eu comia me fazia ter mais vontade. Quem me visse ali provavelmente pensaria que eu estava há alguns dias sem comer, mas não me preocupei com isso porque eu estava ocupada demais devorando meu espaguete.

Pousei os talheres sobre o prato vazio, descartei o guardanapo de papel, encostei na cadeira me sentindo muito satisfeita e olhei para baixo radiante:

—Você gosta de macarrão! Espere só até ver o que o papai faz, é incrível. A mamãe adora, sabia? Ele vai fazer muito pra gente.

Quando dei por mim eu estava com um sorriso meio bobo no rosto, e nem me incomodou o fato de que provavelmente algumas pessoas estavam me olhando. De repente me deu uma vontade louca de estar em casa com o Harry, eu adorava o jeito que ele ficava conversando com nosso filhote, e algo me dizia que o bebê também ficava muito feliz nesses momentos.

Eu não podia ir para casa e ligar para ele toda vez que sentisse uma vontade repentina e gritante de fazer isso, o que tinha se tornado meio constante nos últimos dias, mas podia fazer uma coisa que certamente o deixaria feliz. Levantei decidida e tomei o caminho oposto ao da saída, em direção a uma loja que já tinha me recebido muitas e muitas vezes desde que me tornei tia.

Entrei na loja de roupas infantis com uma sensação diferente das outras vezes, agora tudo ali de certa forma se encaixava na minha vida. Fui direto à sessão onde estavam as menores peças disponíveis e me permiti admirar tudo o que em breve estaria ocupando muito espaço na minha casa.

Se eu fosse olhar tudo o que estava com vontade, não voltaria para o hospital antes do fim do expediente, então me concentrei apenas em procurar algo para o qual Harry também olharia. No fim do corredor me deparei com a sessão de sapatos e meus olhos se chocaram com um par de mini pantufas com o rosto de um ursinho sorridente na frente, e eu não tive dúvidas do que deveria comprar.

Com um sorriso de satisfação estampado no rosto e a ansiedade de chegar em casa já me corroendo, mesmo faltando ainda algumas horas para isso, me dirigi ao caixa e pedi para que a operadora embrulhasse para presente o primeiro sapatinho do nosso filhote.

De volta ao hospital a hora não passou, talvez porque eu estivesse olhando o relógio a cada poucos minutos. Saí da minha sala imediatamente assim que o relógio indicou meu horário e o sistema mostrou que eu não tinha mais nenhum paciente, me troquei depressa e fui para casa.

Assim que passei pela porta o cheiro de comida me indicou que o Harry já estava em casa e onde eu deveria encontrá-lo. Deixei a bolsa no sofá de qualquer jeito, chutei para o lado minha sapatilha que estava ficando desconfortável ultimamente, e fui descalça até a cozinha. Envolvi sua cintura num abraço e beijei suas costas num contato direto com sua pele, já que ele não estava mais usando a camisa social.

—Chegou cedo. - Comentei com o rosto encostado nele.

—Tive reunião à tarde, vim direto para casa. Como vocês estão? - Se virou de frente e me deu um beijo.

—Estamos ótimos. Ele gosta de macarrão! - Contei satisfeita.

Harry deu alguns passos para o lado, se sentou em um dos bancos altos e me puxou para o meio de suas pernas.

—É mesmo? - Perguntou com um sorriso radiante.

—Sim, e eu já contei que o que você faz é uma delícia.

—E o que ele respondeu? - Colocou a mão por baixo da minha camiseta e fez carinho na minha barriga.

—Que está com vontade de experimentar.

Ele me olhou desconfiado, fiz minha melhor cara convincente.

—Vocês andam conversando muito?

—Com certa frequência, ele é um ótimo ouvinte.

O tom casual da nossa conversa deixava tudo mais legal, e a cara extremamente feliz dele já era rotina.

—Ele não fala nada? Que menino mal educado… - Ponderou pensativo.

—Ah, não, ele interage. Até me disse hoje do que gosta de comer.

Pontuei minha frase com um selinho.

—O que mais ele te disse?

—Ele ama você, sabia, papai?

—Então estamos começando bem?

—Muito bem, as suas conversas diárias o deixam super feliz. - Garanti satisfeita.

—Vou continuar, então.

—Não ouse parar! - Alertei e me inclinei sobre o balcão atrás dele, prendendo-o entre mim e o móvel. - E hoje nós compramos uma coisinha para você.

Puxei a caixinha colorida que Harry não tinha visto ali e entreguei. O olhar radiante enquanto ele abria a embalagem denunciava que ele sabia o que esperar. Ainda assim a surpresa ao ver o modelo escolhido foi uma gracinha e me fez rir.

—Preciso achar um de ratinho também, para ele ter os dois.

—Ah, não, não vamos fazer isso com ele, né? Pais tem que demonstrar amor e bom gosto. - Neguei com uma careta.

Harry riu com vontade e me puxou para um abraço satisfeito, o rosto escondido no meu pescoço, aspirando o meu cheiro.

—Temos que contar para as pessoas, amor, daqui a pouco vai dar para ver e eu não quero que descubram assim. - Falei, deslizando os dedos pelo cabelo dele. - Pelo menos não as pessoas pessoas importantes.

—Temos mesmo, e logo, eu to evitando atender as ligações da minha mãe já faz duas semanas, porque quando eu disser alô ela já vai querer saber o que aconteceu que minha voz está diferente. Daqui a pouco ela bate aqui na porta pra perguntar se eu estou bravo com ela por algum motivo.

Gargalhei do tom usado para dizer, não da frase que eu sabia não ser nenhum exagero.

—Vamos para lá no final de semana, o que acha?

—Fechado, te busco no hospital de manhã e vamos direto.

—E ela pode fazer aquele bolo gelado incrível. - Minha boca encheu de água só de pensar.

—Ela leva até na cama pra você, se quiser, é só dar a notícia.

Era bem capaz mesmo que levasse.

—Vou chamar o Ron e a Mione para jantarem aqui amanhã, tudo bem?

Harry concordou com um aceno e me deu um selinho com meu rosto preso entre as mãos.

—Eu sabia que você se acostumaria rapidinho.

—Sabia, não é? Você sempre sabe. - Rolei os olhos para ele.

—Sou o máximo. - Afirmou convencido.

—O que vamos jantar hoje?

—Não sei, eu estava só preparando uma omelete para mim, mal tive tempo de almoçar.

Franzi o cenho com a menção do cardápio, porque isso estava na lista do que eu não conseguia comer.

—Vou tomar banho enquanto você come, tudo bem?

Trocamos um beijo rápido e saí da cozinha levanto as mini pantufas comigo para o quarto. Deixei-as sobre a cama junto com meu Dr. Coala, tirei a roupa e entrei no banheiro.

Ron e Mione fizeram uma festa quando contamos a eles, com direito a abraços pra todo lado e um irmão me olhando com cara de bobo por toda a noite. Minha cunhada estava já no quinto mês de gravidez e sabia que era um menino, o Hugo, ela foi solícita o bastante para me oferecer ajuda com qualquer coisa que eu precisasse, inclusive moda gestante.

James pareceu estranhar nossa visita repentina, Lily não estava nem um pouco surpresa quando chegamos e nem quando contamos que eles seriam avós em breve, mas ambos ficaram radiantes e me encheram de mimos além do normal.

—Vocês só descobriram agora? - Ela nos perguntou um tempo depois, enquanto eu comia mais um pedaço do bolo gelado que ela fez rapidinho para mim depois que chegamos.

—Você sabia? - Harry perguntou por nós dois.

—Eu suspeitei, a Gin nunca torce o nariz pra nada e mal olhou para a comida quando veio aqui a última vez. Eu fiquei igualzinha quando engravidei de você.

A última vez que os visitamos foi na semana em que comecei a desconfiar, quase dois meses atrás.

A reação do Mike e da Lisa foi quase um escândalo, mas muito comedido porque Willian, o caçula deles, tinha menos de um mês de vida e estava dormindo no quarto enquanto conversávamos na sala. A pergunta dele não me surpreendeu:

—Lindinha, quando vamos contar pra ele que eu sou o pai?

—Não vamos, Mike, é segredo. - Respondi conspiratória, fazendo todos eles rirem.

A primeira consulta mostrou que a evolução do nosso filhote estava perfeita, completamente dentro do esperado. Segundo a obstetra, já seria possível ter ideia do sexo se o bebê estivesse numa posição favorável, mas ele não estava cooperando muito e suas perninhas bem fechadas adiaram a tentativa para um mês depois.

Isso não impediu que Harry chegasse todo dia em casa com um presentinho diferente, seja um brinquedinho criativo, um body escrito “eu amo o papai” ou uma coleção de livros infantis impressos em páginas estofadas e de plástico, para que o bebê possa babar e amassar a vontade.

Se as conversas noturnas com a minha barriga me deixavam bem despertas, as sessões de leitura de historinhas me davam mais sono do que eu conseguia controlar, e eu nunca ouvia muita coisa além do “era uma vez”.

Nosso primeiro aniversário de casamento foi comemorado a três, no sentido mais satisfatório possível. Embora um dos integrantes não conseguisse ver o cenário todo iluminado da cidade serrana e extremamente fria nessa época do ano, já era possível ver sinais dele e eu conseguia sentir quando ele se mexia, embora fosse muito suave ainda. Harry estava frustrado com isso, porque ele não conseguia sentir nada quando colocava a mão.

Nenhum de nós dois teve foco suficiente para trocar presentes de aniversário que serviriam apenas ao aniversariante, os dois vieram acompanhados de coisas para o bebê também, e tudo foi colocado no quarto de hóspedes, que já acumulava uma pilha considerável de coisas brancas, amarelas, verde água e uma infinidade de brinquedinhos.

O ultrassom seguinte confirmou que a intuição de pai do Harry era mesmo muito melhor quando o filho era dele de verdade, não havia nenhuma dúvida de que estávamos esperando um menino. Depois disso peças azuis se juntaram às coisas do nosso bebê, que pelo jeito teria mais roupa do que eu mesmo antes de chegar ao mundo.

—Amor. - Harry me chamou um dia, saindo do banheiro depois do banho e se sentando do meu lado na cama. - Eu estava pensando, agora que não somos mais só nós dois, poderíamos nos mudar para uma casa com mais espaço, o que acha?

—Acho que você tem razão, porque onde ele vai brincar?

—Estava conversando com a Mione esses dias, ela ainda está procurando uma casa maior pra ela e o Ron se mudarem, acho que vou dar uma olhada com ela.

—Eu acho uma ótima ideia: papai procura, mamãe e bebê ficam quietinhos aqui esperando. - Sugeri, sentindo preguiça só da ideia de sair visitando casas por aí.

—Como eu vou saber a que você vai gostar também?

—Eu confio no seu gosto.

—Ah, Gin, você tem que vir também.

—Você descarta as que não gostou e vemos as que você gostou, pode ser? - Ele me olhou contrariado, sem se convencer. - Amor, esse menino está ficando pesado.

—Ta, então você tem que me falar suas preferências. - Dei de ombros, mas ele estreitou os olhos na minha direção. - Você tem que querer alguma coisa, Ratinha, é a nossa casa.

—Quero banheira no nosso quarto. - Falei a única coisa da qual sentia saudade no meu apartamento.

—Tudo bem, vou ligar pra Mione amanhã e ver com ela as opções.

—Eu estava pensando numa coisa também. Já pensou em nomes?

—Nomes? - Falou pensativo e se deitou do meu lado. - Ainda não, você já?

—Só em um, nada mais parece combinar. Só faltam três meses, não podemos continuar chamando ele de filhote.

—Qual nome?

—James.

Ele me olhou com o cenho franzido por um instante.

—Por que você quer dar a ele o nome do meu pai?

—Não quero dar a ele o nome do seu pai, quero dar a ele o seu segundo nome, que eu adoro, ser o nome do seu pai também é só detalhe que eu consigo ignorar. - Expliquei minha lógica, e ela o deixou radiante.

—James Potter. - Testou por um momento. - Gostei também.

—Fácil assim?

—Combina. - Falou simplesmente. - Mas filhote é bonitinho, vou continuar chamando assim.

Virei para minha barriga já bastante aparente e falei bondosamente:

—A mamãe não vai deixar o papai te constranger na frente dos amiguinhos, meu amor.

A gargalhada dele encheu o quarto silencioso.

—Temos que decidir outra coisa também, os padrinhos.

—Ron e Mione. - Respondi sem nem precisar pensar.

Ele me olhou com a sobrancelha arqueada por um tempo.

—Por que não Mike e Lisa? Ron e Mione já são os tios.

—Mike e Lisa já são os sogros, de acordo com as suas afirmações de que ele também vai gostar de mulheres mais velhas e casar com a Meg. - Argumentei de imediato. - Amor, é importante pra mim que seja o Ron.

—Viu? Por isso eu acho que a gente podia ter mais um. - Falou despretensiosamente.

—Já falamos sobre isso, Ursinho, um só é suficiente para nós dois.

Ele rolou os olhos, mas não entrou nessa questão outra vez.

—Quando vamos convidá-los formalmente, então? Uma vez na vida eu tenho que ser o ameaçador, vou fazer isso exigindo que ele cumpra muito bem esse papel.

No fim, foi mais um convite cheio de felicidade do que de ameaças. Harry até tentou, mas Ron o cortou dizendo que ele tinha experiência nisso e que era bem provável que ele recebesse umas ligações desesperadas no começo, mas ele seria um bom padrinho e ajudaria o pai da criança também.

A partir do sétimo mês não consegui mais manter o mesmo ritmo de trabalho e reduzi minhas horas diárias no hospital, cancelando de vez os plantões noturnos, porque no final do dia eu já estava mais cansada do que conseguia aguentar para ficar andando de um lado para o outro o dia todo e de pé na sala de cirurgia.

—Gin, já chegou? - Harry gritou assim que abriu a porta, com uma empolgação tão grande que eu consegui ouvir mesmo estando embaixo do chuveiro.

Seguido pelo barulho da água, um minuto depois ele estava parado na minha frente, ainda vestindo as roupas sociais.

—Achei uma casa que eu quero que você veja.

Terminei de tomar banho e quando cheguei à sala encontrei a mesa de jantar cheia de panfletos de uma imobiliária. Peguei o primeiro deles e olhei as fotos do imóvel que não ficava longe da nossa casa, em um condomínio fechado que parecia com o que meu irmão morava até se mudar, no mês anterior. A construção era nova, com uma fachada moderna e espaço para três veículos estacionados na frente, cômodos amplos e bem iluminados e com um acabamento clássico e elegante.

—Ah não, é essa aqui. - Me entregou outro folheto, indicando que eu estava olhando o errado.

Olhei as novas fotos que ele me mostrou.

—Gostei mais da anterior. - Opinei sinceramente.

—Eu também, mas essa não da por enquanto. É muito cara.

—Mas eu vou pagar a metade, não vou?

—Mesmo assim, Gin.

—Não me importo de vender meu apartamento também.

—Amor, já fiz todas as contas, mesmo assim faltaria um pouco e não podemos ficar totalmente sem dinheiro. O único jeito seria vender esse apartamento também, mas já combinamos que é o presente de dezoito anos do James, eu não queria fazer isso.

Puxei o folheto de novo da mão dele e olhei com calma as fotos, era o tipo de casa na qual você se imagina morando sem nenhuma dificuldade.

—Você a visitou?

—Sim, hoje a tarde.

—Gostou?

—É perfeita para o que eu imagino para nós, e tem uma área legal no fundo.

Deixei os papéis sobre a mesa e fui até o quarto, peguei a pasta grossa cheia de papéis de dentro da gaveta do meu criado mudo e voltei até onde ele estava. Procurei um tempo entre documentos, diploma da faculdade e outras coisas que eu nem sabia direito o que era, até encontrar o cartão com um post-it colado, exatamente como o Ron me entregou.

—Toma, a senha é essa que está anotada, acho que dá para acessar pela internet.

Harry olhou confuso para o pequeno objeto que lhe entreguei, mas foi até o sofá buscar meu computador, que estava ligado ali em cima.

—Ratinha! - Falou espantado, alguns minutos depois. - Você tem uma vida dupla que eu não estava sabendo?

—Tenho uma herança. - Contei sem rodeios, ele me olhou sem dizer nada como todas as vezes que esse assunto surgia. - O dinheiro era suficiente, lembra? Eu te contei essa parte.

Ele continuou em silêncio, olhando para  tela. Fazia tanto tempo que eu não acessava aquela conta que não fazia mais ideia de quanto ainda tinha ali.

—Você nunca usou nada?

—Paguei a faculdade e comprei meu apartamento, depois que comecei a trabalhar nunca mais mexi.

Ele não falou mais nada, mas a surpresa estava estampada no rosto.

—Agora da?

—Nem precisa vender seu apartamento se não quiser. - Respondeu cauteloso, testando minha reação.

—Você pode fazer como achar melhor, amor, só me fala o que eu tenho que assinar.

—Mas você não vai nem me dizer se prefere vender o apartamento ou não?

—Pode decidir você, pra mim tanto faz.

—Mas Gin, é m…

—Amor, isso não é um debate. Era dinheiro suficiente para resolver a minha vida, está resolvendo a nossa, objetivo alcançado. Vai comprar a nossa casa dos sonhos e vamos ser super felizes lá, então use como for mais lucrativo porque você vai fazer isso muito melhor do que eu. - Peguei a pasta para colocar de volta onde estava. - Vou deitar lá dentro um pouquinho, ta bom? O dia hoje foi cansativo e o James está super agitado.

—Ta bom. - Ele segurou meu pulso e me puxou para perto dele, deu um beijo em mim e outro na minha barriga e me deixou sair.

Em qualquer outro momento da vida mexer com aquilo me deixaria triste, mas nesse em específico, com a sensibilidade à flor da pele e minha recente predisposição a chorar até com comercial de novela, era um assunto do qual eu preferia me afastar o máximo possível, porque tudo estava perfeito demais para eu me deprimir com o que quer que fosse.

Marcamos minha visita para alguns dias depois e assim que vi ao vivo tudo o que as fotos já tinham me mostrado, não tive dúvidas de que aquele deveria ser nosso lar. Depois de confirmarmos a compra e Harry terminar todos os trâmites relacionados ao pagamento e transferência de propriedade, fizemos apenas mudanças superficiais antes de nos mudarmos, pouco mais de um mês depois.

Eu não fiz nada além de colocar e tirar das malas todas as minhas roupas e as coisas do James, mesmo assim estava destruída quando terminamos, com uma necessidade de dormir por uma semana e os pés mais inchados do que eu achava ser possível. Para ajudar, o Hugo nasceu no mesmo final de semana e o meu descanso foi trocado por visitá-lo no hospital no sábado à noite.

—Bebê, está ficando pesado pra mamãe te carregar, você já está enorme, não demora muito pra chegar, ta bom? - Conversei com meu filhote, afundada na água da minha banheira nova.

James já era obediente desde a gestação, porque na mesma semana em que seria considerado normal, ele resolveu que era hora de conhecer o mundo. Só o momento é que não foi muito oportuno: no meio de um atendimento de urgência.

Era final de novembro e seria minha última semana no trabalho, mas ele estava com pressa e não quis esperar nem que eu terminasse de avaliar a fratura exposta à minha frente. Por sorte Luna estava à disposição e tomou a frente enquanto eu me concentrava nas respirações que diziam facilitar todas as horas de dor que eu tinha pela frente.

Harry chegou meia hora depois da minha ligação, mais nervoso do que eu e com cara de choro. Rolei os olhos para ele, mas não consegui brincar por muito mais tempo, porque Mione e Lisa não estavam exagerando quando disseram que doeria de um jeito que eu não conseguiria imaginar até chegar a hora.

Mas também era verdade a parte em que eu descobriria um amor completamente diferente assim que olhasse para ele, e tudo teria valido a pena.

James nasceu muito saudável e não precisou de nenhuma intervenção médica, então assim que saiu foi entregue a mim, e mesmo todo sujinho de sangue e chorando a plenos pulmões já me encantou e eu não consegui olhar para nada além daquela pessoa tão frágil que cabia tão perfeitamente no meu braço.

Ele ficou no meu colo até parar de chorar e se aconchegar a mim e eu conversei com ele o tempo todo, não me fazia a menor diferença que não estivéssemos sozinhos ali, porque era entre nós dois. Harry o acompanhou quando foi levado para os primeiros exames e procedimentos padrões, tão hipnotizado que nem notou a quantidade assombrosa de sangue e equipamentos médicos que havia ao redor.

Os meus procedimentos médicos padrões não demoraram a terminar também, e eu já estava melhor acomodada quando os dois voltaram. Aproveitando que não havia mais ninguém no quarto, Harry se sentou de frente para mim numa beirada da cama e James, já vestido com um dos seus muitos macacões, ficou entre nós dois, dormindo tranquilamente no colo dele.

—Ele é tão lindo, não é? - Comentei deslizando os dedos suavemente pela quantidade considerável de cabelos pretos e arrepiados que ele já tinha.

—Ele é perfeito.

Não sei quanto tempo ficamos olhando para ele sem dizer nada, eu não precisava explicar o que estava sentindo e nem perguntar para saber que Harry sentia o mesmo, afinal era o nosso filho.

—Deixa eu pegá-lo um pouquinho. - Pedi com os braços esticados.

—Vamos ter que dividir certinho o tempo, Ratinha, pra nós dois brincarmos igual.

James resmungou e se mexeu ao som da minha risada, fazendo uma careta que arrancou suspiros de nós dois, mas voltou a ficar quietinho no meu colo quando o embalei.

—É bom você se acostumar com barulho, filho, o papai é muito escandaloso. - O aconselhei diante do olhar divertido do Harry.

Nosso momento em família foi interrompido quando uma enfermeira que trabalha há muitos anos no hospital chegou para nos orientar como amamentá-lo, e não era assim tão fácil quanto parecia, mas algumas tentativas e vários minutos depois deu certo e descobri que nosso bebê provavelmente estava morrendo de fome. Ela nos deixou sozinhos de novo e orientou a chamá-la caso necessário, mas a partir daí já conseguimos fazer as coisas sem ajuda.

—É bem mágico, não é? - Harry quebrou o silêncio alguns minutos depois.

—O que?

—Ele. Não faz nem duas horas que chegou e eu já não imagino um minuto da minha vida sem ele, não dá pra explicar como é olhar esse rostinho e o que ele me faz sentir.

—Ele te faz sentir que você faria qualquer coisa pra ele continuar com essa serenidade toda.

—Qualquer coisa mesmo. - Confirmou satisfeito.

—Nós fizemos isso juntos, Ursinho. - Fiz carinho no rosto dele, que estava debruçado sobre as minhas pernas para olhar de perto enquanto nosso filhote mamava.

Harry me lançou um sorriso radiante, tirou minha mão do rosto dele e plantou um beijo na minha palma.

—Nós somos incríveis juntos, Ratinha. - Estendeu a mão entre nós. - Já fazemos até mágica, toca aí.

Ri enquanto ele batia a mão na minha em comemoração.

—Obrigada, Harry.

—Pelo que? - Voltou a se acomodar como estava, deslizando o nariz pelos cabelos ainda muito finos do nosso bebê, mas já sem dúvidas iguais aos dele.

—Por ser tão insistente.

Ele me encarou por um minuto inteiro sem dizer nada.

—Sempre que precisar, Dra. Weasley.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo certamente é um dos meus preferidos! Embora eu acho que seja meio suspeito eu mesma dizer isso, mas enfim...
Adoro todo o caminho que eles percorreram para chegar até aqui, e mais ainda como eles se completam nessa fase em que não é mais só os dois.
Doida aqui pra saber a opinião de vocês, então comentem!
Beijos e até semana que vem com o último capítulo.

NOVIDADE: minha próxima história já está postada. Quem viu? =)
https://fanfiction.com.br/historia/722691/Segundo_ato/



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