Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 48
Capítulo 48


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Para quem ainda não sabe, estamos na reta final de DV, só mais três capítulos e fim. A parte boa é que já tem novidade vindo aí.
Mais detalhes, como capa, nome da história, sinopse e o epílogo vocês encontram no Diário de Histórias, meu grupo do FB.
Para quem ainda não faz parte, segue o link:
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Aproveitem o antepenúltimo capítulo.



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Os dois primeiros meses depois do casamento só não passaram mais rápidos do que nossas três semanas de lua de mel, onde não tínhamos nenhuma preocupação além de perder o horário do café da manhã do hotel, e os dias se arrastavam entre comidas exóticas, passeios interessantes e tardes na praia.

Quando chegamos em casa, tivemos um trabalho considerável para organizar em seus devidos lugares tantos presentes, mas assim que terminamos e tiramos todas as caixas do meio da sala, as coisas voltaram à rotina que eu tanto gostava.

Era sábado a noite e eu estava sentada na cadeira em frente à penteadeira que tinha trazido do meu apartamento quando me mudei, a única diferença era que agora além das maquiagens, havia sobre ela o arranjo lindo que o Ced fez com meu buquê e me presenteou, e o vaso de vidro transparente com todos os bilhetinhos coloridos que o Harry me deu em nossa noite de núpcias.

—Pronta? - Ele me perguntou, encostado ao batente da porta.

—Quase. O Mike já ligou apressando?

—Não, eu é que estou com fome.

Ele se deitou na cama atrás de mim e ficou olhando enquanto eu terminava de passar a máscara para cílios. O jantar na casa do amigo estava marcado para dali a quarenta minutos, então não estávamos exatamente atrasados.

—Pronto, vamos. - Estiquei a mão e o puxei para se levantar. - Não vou levar bolsa, coloca no seu bolso por favor.

Caminhamos para fora do quarto enquanto ele guardava meu celular. Nos acomodamos no carro dele e alguns minutos depois a Meg já estava pulando em cima do padrinho, assim que passamos pela porta.

Harry a pegou no colo e ganhou um abraço apertado, mas ela se inclinou para mim segundos depois, assim que entrei em seu campo de visão. Com ela no colo, cumprimentei um Mike mais sorridente que o normal e uma Lisa quase dando pulinhos no lugar.

O motivo do jantar justificava toda a felicidade que irradiava dos dois, e foi divulgado enquanto ainda estávamos nos servindo, porque eles não aguentaram esperar para dizer: Lisa estava grávida de novo. Ela nos contou tão radiante e empolgada que dispensava qualquer questionamento a respeito da intenção ou não de aumentar a família.

As felicitações foram recebidas com muita satisfação, depois vieram os detalhes de que eles estavam tentando há alguns meses e tinham recebido a confirmação naquela semana mesmo. A primeira consulta seria em duas semanas, mas eles tinham o palpite de que estavam com quase dois meses de gestação.

Vê-los tão felizes como estavam, o sorriso nunca abandonando os rostos e o carinho que tinham com a Meg e com o bebê que ainda levaria meses para chegar, me fez pensar novamente em algo que rondava minha cabeça com cada vez mais frequência no último ano: Harry e eu seríamos só nós dois para sempre?

Nos despedimos deles várias horas depois, quando a noite já tinha virado praticamente madrugada e Meg dormia profundamente no sofá, abraçada no ursinho de pelúcia que eu dei de presente antes dela nascer, e que era seu brinquedo preferido.

A caminho de casa, enquanto Harry dirigia ao som de um rock clássico que tocava baixinho, me acomodei virada para ele, encarando seu perfil concentrado no caminho e me questionando internamente se ele também se perguntava isso ou se estava bom assim, sem mais ninguém com quem dividirmos nosso tempo e nossa atenção.

—O que foi, Ratinha? - A voz dele me tirou dos devaneios.

—Nada, por quê?

—Está quieta e me olhando desde que saímos de lá.

—Só admirando. - Desconversei e apoiei minha mão em sua nuca, enroscando os dedos no cabelo dele em um carinho lento.

O assunto ficou para lá depois disso e durante o resto do final de semana, mas não saiu completamente da minha cabeça em nenhum momento.

Curiosamente, coisas sobre crianças, gravidez, família, bebês e tudo o mais relacionado a isso invadiu meu campo de visão durante todo o próximo mês, seja no trabalho, na rua e até mesmo na tela do meu celular e do computador, porque sempre havia uma coisinha ou outra que eu queria pesquisar sobre.

Me peguei uma ou duas vezes imaginando como seria a sensação de passar por tudo aquilo que eu só conhecia em teoria, carregar um bebê dentro de mim por nove meses, mudar minha alimentação e meus horários, mudar minha vida toda por causa dele.

Mudar minha vida toda. Aí estava a questão, eu queria mudar a minha vida? Eu adorava como era nesse momento, a falta de preocupação que me cercava quando eu chegava em casa e tudo o que tinha que fazer era aproveitar a companhia do meu marido. Mas como eu poderia saber se tudo não seria ainda melhor com alguém que, segundo dizem, amaríamos mais do que tudo?

O tamanho do espaço que essa ideia foi tomando na minha cabeça, os planos que eu já me pegava fazendo vez ou outra e o tempo cada vez maior que eu gastava pensando no assunto, foram me mostrando que sim, talvez eu quisesse mudar minha vida.

Eu tinha apenas uma cirurgia agendada para as dez da manhã e nenhuma consulta antes, e Harry iria de casa direto para um cliente, então não nos apressamos e aproveitamos para passar tomar café da manhã juntos em casa.

Ele terminou seu café com leite e estalou um beijo rápido na minha boca antes de se levantar e ir até o quarto colocar a gravata e o paletó. Terminei o meu e levei as canecas até a pia, enchi um copo com água e fui até a sala de jantar, onde minha bolsa estava em cima da mesa.

Tirei de lá de dentro a cartela com as pílulas anticoncepcionais que eu tomava todos os dias nesse horário, e parei a ponto de destacar o primeiro comprimido desse ciclo. Encarei as fileiras de pequenas capsulas rosas, perfeitamente enfileiradas, pensando que uma hora eu teria que parar com aquilo, por que não agora?

—Posso? - Harry perguntou parado atrás de mim, uma mão na minha cintura e a outra tirando o copo de água que eu segurava imóvel.

—Uhum. - Respondi inutilmente, porque ele já estava bebendo.

Uma hora também eu teria que conversar com ele sobre isso, saber o que ele pensa e se concorda, porque sua opinião contava tanto quanto a minha se passaríamos por isso juntos e a mudança seria dos dois.

—Ursinho… - Chamei pensativa, mas não dei a ele tempo de responder. - A gente podia ter um bebê, né?

E ele engasgou, literalmente.

O acesso de tosse dele se estendeu por alguns segundos e quando me virei de frente vi que seu rosto estava meio vermelho.

—Tudo bem? - Perguntei cautelosa, ele assentiu ainda tossindo. - Não é uma boa ideia?

Ele negou veemente com um aceno de cabeça e abriu a boca para dizer algo, mas começou a tossir outra vez e resumiu a frase a:

—”Peraí”.

Esperei tempo suficiente para ele se recompor e finalizar o copo de água antes de conseguir falar comigo, uma expressão muito elaborada:

—Sério?

—Sim, você não acha uma boa ideia?

—Não! Quer dizer, sim, é uma boa ideia. Uma ótima ideia. - Ele se embolou um pouco com as palavras e eu acabei rindo. - Você está mesmo pensando nisso?

—Estou, até demais ultimamente, você não pensa nisso?

—Penso.

—E por que não me falou? - Perguntei com a sobrancelha arqueada.

—Porque eu não sabia se você queria também, então achei melhor não falar nada.

—O que já conversamos sobre você não me dizer o que quer?

—Eu digo, Ratinha, mas para termos um bebê sua participação é bem maior que a minha, então sua vontade conta mais, não é? - Explicou apressado, mas logo assumiu um tom acusatório. - Você também não me falou.

—Estou falando agora. - Me defendi.

Nos encaramos por alguns segundos e caímos na risada, talvez só nós dois entendêssemos qual era a graça daquilo.

—Você escolhe umas horas para falar essas coisas bombásticas que não entendo, amor. - Resmungou olhando no relógio.

—Já precisamos ir?

—Sim, eu já estou meio atrasado. Continuamos a noite? - Concordei com uma aceno e ele apontou para a cartela na minha mão. - O que vamos fazer com isso?

Dei de ombros antes de dizer:

—Jogar fora?

—Deixa que eu jogo pra você.

Harry tirou os comprimidos da minha mão e me puxou pela cintura, grudando meu corpo ao dele e me enchendo de selinhos, que terminaram num beijo lento e profundo.

—Mas precisamos conversar sobre isso. - Falei séria.

—Vamos conversar sobre o que você quiser. - Prometeu com um sorriso enorme.

Eu já tinha me acostumado tanto a essa felicidade dele que não imaginava mais meus dias sem ela.

—Vou tentar chegar cedo.

—Eu já posso ficar ansioso? - Perguntou de costas, quando segurei o paletó para ele vestir.

—Você vai conseguir ficar ansioso sozinho ou vai ligar pra galera toda ficar ansiosa com você?

Ele riu descontraído e se virou para mim de novo.

—Tchau, Gin.

—Até mais tarde, amor. - Prendi o rosto dele entre as mãos e o beijei de novo.

—Bom trabalho.

—Para você também.

Fui com ele até a porta e nos beijamos rapidamente outra vez quando o elevador chegou. Assim que ele sumiu atrás das portas metálicas voltei para casa tempo suficiente para arrumar a mesa do café e me vestir, depois saí também.

Harry definitivamente não conseguia ficar ansioso sozinho, e fez questão de me deixar também, mandando mensagens durante todo o dia com textos do tipo: “Você sabia que vendem roupas do Homem de Ferro para bebês?” e “Da viúva negra também!”. Os textos sozinhos já me fariam rir, mas ele fazia questão de anexar também uma foto.

Consegui sair do hospital um pouquinho mais cedo do que meu horário normal, como consequência estacionei meu carro na garagem enquanto o Harry descia do dele, também chegando em casa. Ele fez questão de me acompanhar no elevador, enquanto eu bebia água, no chuveiro, quando fui até o meu guarda roupa me vestir e quando sentei no sofá, perguntando tudo do meu dia e falando sobre o dele, como fazíamos todos os dias.

—Vamos pedir comida hoje e ficar preguiçosos aqui? - Sugeri me aconchegando melhor na frente dele, ambos deitados no sofá.

Fiz os pedidos e ele recebeu nosso jantar quando a campainha tocou. Aguardei onde estava e ele trouxe para nós e se acomodou de frente para mim, as caixinhas de comida chinesa foram esvaziadas lentamente.

—Então, hoje eu conversei com uma colega minha do hospital.

—Luna?

—Não, uma ginecologista. - Ele me olhou subitamente mais interessado. - Ela recomendou esperar um mês antes de começar a tentar.

Deixei minha caixinha sobre a mesa e recostei no sofá de frente para ele, esperando.

—E o que você acha? - Me perguntou interessado.

—Eu acho que temos que fazer tudo direitinho, esperar quanto precisar e levar as coisas normalmente, sem pressa.

—Esperar a surpresa?

—Sim, uma hora vai acontecer. - Dei de ombros e ele concordou com um aceno.

—Estamos em outubro, será que vai ser presente de natal?

Ri com vontade da cara da expectativa dele.

—Isso não é bem esperar sem pressa, Harry.

—Eu quero muito isso, Gin, a iniciativa vir de você me deixou nas nuvens hoje o dia todo.

—Você não fica com de medo?

—Um pouquinho sim, mas é normal, não é? É uma criança que vai precisar de nós dois pra tudo e vamos ter que aprender. Mas seremos ótimos nisso, nosso bebê terá os pais mais legais do mundo.

Eu não conseguia ver tudo sob uma perspectiva tão positiva assim, mas preferia acreditar que ele tinha razão.

Exatamente um mês depois dessa conversa, nenhum dia a mais, Harry fez questão de me lembrar que já poderíamos começar a tentar, mas por algum motivo que nem eu soube explicar me vi respondendo:

—Ainda não, Ursinho, vamos esperar mais um mês?

—Em dezembro, então, nosso presente de natal. - Aceitou sem questionar, e parou de beijar meu pescoço apenas templo suficiente para alcançar o criado mudo e apanhar um preservativo.

Em dezembro justifiquei que estava muito corrido no hospital por causa das festas, em janeiro falei que a correria se devia às férias, em fevereiro aleguei que o bebê nascer em novembro não era uma boa ideia porque estaria muito calor, mas o Harry já nem fazia mais esforço para parecer convencido.

No começo de fevereiro, dois dias depois após minha última desculpa, ele me fez um convite enquanto jantávamos:

—Vamos para a praia no feriado, daqui duas semanas?

—Só nós dois?

—Sim, vamos ficar um tempinho sem ninguém, aproveitando um ao outro. - Falou colocando meu cabelo atrás da orelha e aproveitando o movimento para acariciar meu rosto.

Eu sabia que ele não me pressionaria, essa hipótese nem me passava pela cabeça, mas eu já me sentia cobrada, como se a cada dia ele esperasse uma resposta positiva minha para algo que eu mesma propus. Meu semblante preocupado não passou despercebido aos seus olhos muito hábeis em ler minhas reações.

—Ratinha, sem cobrança, sem pressão e sem se preocupar com nada. Vamos usar esse tempo pra relaxar e nem pensar em outra coisa, quando voltarmos conversamos se você quiser. Quero um final de semana com a minha esposa linda, só isso.

Eu sabia perfeitamente sobre o que ele estava falando, e agradeci internamente por Harry me entender tão bem.

—Vou ver amanhã no hospital se consigo a sexta livre, se não conseguir vamos no sábado e passamos o final de semana, pode ser?

—Está ótimo, me avisa quando souber.

Não foi difícil conseguir meu dia livre e ele pareceu bastante empolgado quando dei a notícia. Assim, na quinta feira a noite, algumas horas depois que ele saiu do trabalho, estacionamos na garagem da casa de veraneio dos meus sogros.

O clima abafado do litoral nessa época do ano estava convidativo o suficiente para aproveitarmos um pouco a piscina, apesar do horário avançado, e irmos dormir bem tarde. Passamos o dia seguinte na praia sob uma camada generosa de protetor solar e embaixo do guarda sol, porque nenhum de nós dois tinha melanina suficiente para resistir àquele verão todo, e só saímos de lá quando o sol estava se pondo.

Saí do banheiro descalça, com os cabelos molhados e confortavelmente vestida numa roupa leve, mas ainda conseguia sentir o ar quente e abafado que entrava pela janela aberta, dando uma vista bonita da piscina no quintal do fundo. Harry tinha tomado banho antes de mim e estava terminando de preparar uma salada leve para comermos, que era o mais condizente com o clima.

Passei pelo balcão que dividia a sala ampla da cozinha pequena e me encostei em suas costas, aproveitando que ele estava vestido apenas numa cueca boxer branca.

—Amor, cadê o controle do ar condicionado? Está muito quente. - Perguntei plantando um beijo na altura onde meu rosto encostava, pouco abaixo da linha do ombro.

—Acho que está no sofá, da uma olhada ali.

Encontrei o que procurava exatamente onde ele disse, e depois de fechar as janelas liguei o aparelho que refrescaria o ambiente. Voltei até a cozinha e me sentei no banco ao lado do balcão, esperando que ele terminasse para se juntar a mim.

—Você ainda tem essa saia? - Perguntou quando se sentou, uma vasilha cheia de folhas e alguns legumes foi colocada entre nós, e eu olhei para minha saia preta sem entender. - Você a usou para me seduzir na primeira vez que dormi na sua casa.

—Obrigada. - Aceitei o garfo que ele me entregou. - Você lembra de cada coisa. - Comentei espetando minha primeira garfada.

—Está bom? - Perguntou meio em dúvida, começando a comer também.

—Uhum, uma delícia.

Terminamos de comer e eu lavei a pouca louça que usamos antes de acompanhá-lo até a sala e me deitar no sofá.

—Quer dar uma volta? - Sugeriu ajoelhado no chão ao meu lado, se debruçando sobre mim e me dando um beijo no rosto.

—Não queria sair, está muito quente e eu quero aproveitar pra ficar um pouquinho só com você.

—É tão raro você conseguir esses feriados prolongados em casa que eu nunca sei o que fazer com tanto tempo livre do seu lado.

—Então é bom você começar a descobrir, odiaria saber que você casou comigo pra me deixar morrer de tédio nos feriados.

Ele riu e se levantou, indo até a TV e ligando num canal de músicas.

—Quer beber alguma coisa? - Perguntou abrindo o armário onde ficavam os copos.

—Não, obrigada.

—Olha, tequila. - Comentou puxando de lá de dentro uma garrafa ainda lacrada. - A última vez que bebi isso eu estava com a maior dor de cotovelo da vida, num boteco sei lá onde com a Mione.

Ri da menção a esse dia, que apesar de não ter visto eu podia imaginar quão engraçado havia sido.

—E eu era uma vaca. - Acrescentei despretensiosamente.

—Você não vai esquecer disso, né? - Negou com a cabeça, mas riu comigo.

Harry pegou um copo de dentro do armário, cortou alguns limões e colocou dentro de um prato para trazer para a sala junto com um montinho de sal.

—Quer? - Me ofereceu, despejando um pouco da bebida no copo, sentado na poltrona de frente para onde eu estava deitada.

—Não, obrigada.

O observei colocar uma pitada de sal no dorso da mão, lamber, beber todo o conteúdo do copo de uma vez e chupar um pedaço do limão sem nem ao menos fazer careta. Essa parte ficou por minha conta, e eu só estava olhando.

—Por que será que meus pais compraram tequila?

—Eles devem gostar, oras. - Dei de ombros. - Ou queriam uma festinha mais animada.

—Não, Ratinha, meus pai não fazem isso, são uns santos. - Falou categórico, me fazendo rir.

Jogamos conversa fora enquanto ele continuava seu ritual estranho, repetindo que nem lembrava como aquilo era gostoso e rindo cada vez mais fácil e por qualquer coisa. Era engraçado vê-lo ficar mais descontraído e com a postura relaxada a cada pequena dose que virava.

—Acabou. - Falou olhando para o prato vazio. - Vou cortar mais limões.

—Deixa que eu corto pra você, se não é bem capaz de você ficar sem dedo. - Me antecipei antes que ele levantasse da poltrona e tirei o prato do seu colo.

—Obrigado, amor da minha vida. - Agradeceu com um sorriso exagerado.

Ao contrário de mim, ele não ficava nada desequilibrado quando estava um pouco alegre, então colocou a garrafa no chão e me encontrou na cozinha quando comecei a cortar a primeira fruta. Senti sua chegada nada sutil quando ele encostou nas minhas costas sem muita suavidade e apoiou as mãos na minha cintura, me prensando contra a pedra da pia à minha frente.

—Oi, amor. - Saudou animado, me olhando cortar as fatias como ele tinha feito.

—Oi, amor. - Respondi rindo e limpei o beijo meio babado que ele deu no meu pescoço.

—Você está gostosa pra caralho com essa saia, sabia? - Elogiou e deu um tapa na minha bunda.

—Ai, Harry.

—Desculpa, princesa. - Alisou o local com carinho e eu ri do termo que ele nunca usava para falar comigo.

—Ta bom? - Perguntei apontando a quantidade já cortada de fatias.

—Pode cortar um pouquinho mais.

Fiz o que ele pediu enquanto o ouvia falar sem parar sobre um monte de coisas aleatórias, que iam desde lamentos por não ter golfinhos aqui a como ele estava feliz com o anúncio do lançamento do novo filme da Viúva Negra.

—Você parece com ela, sabia? - Virou meu rosto para ele e olhou com atenção.

—Se você está me olhando assim porque não lembra do meu rosto, acabou de arrumar um problema. - Ameacei com um sorriso contido, mas ele gargalhou escandalosamente.

—O seu rosto é lindo. Eu adoro seus olhos, já te falei isso?

—Já, eles também adoram você.

—Seus olhos são muito espertos. - Comentou especulativo, me fazendo rir com vontade do tom sério que usou.

Antes que eu pudesse me deitar de novo quando voltamos a sala, Harry pegou a garrafa e o copo e se sentou com as pernas esticadas no sofá onde eu estava, com as costas apoiadas em um dos braços. Coloquei o prato no colo dele e me sentei do lado oposto, adotando a mesma posição.

—Você é ainda mais tagarela bêbado. - Comentei e ele fez cara de desentendido.

—Não estou bêbado.

As palavras mais lentas não me davam essa impressão.

—Não? - Perguntei irônica.

—Não, mas vou ficar daqui a pouco. - Foi sincero, como se não fosse nada demais. - E você pode fazer o que quiser com meu corpo, não tem nenhuma objeção.

—Então fique logo. - Brinquei, mas ele levou a sério e encheu o copo mais do que o usual e virou de uma vez.

—Não precisa ser tão rápido. - Acrescentei.

—Tudo o que você me manda fazer tem que ser rápido, Ratinha.

—Eu mando em você? - Perguntei achando graça.

—Manda, ué, quem mais mandaria? - Deu de ombros com naturalidade, me fazendo gargalhar de novo.

Depois de mais duas doses ele se virou para mim e ofereceu de novo.

—Você não quer nem provar um pouquinho? É gostoso.

Pelo cara dele e o tanto que já tinha bebido devia ser mesmo, então me convenci.

—Quero, me da um pouquinho. - Ajoelhei entre suas coxas e sentei sobre os meus pés quando ele levantou o prato para eu me aproximar e depois o colocou sobre as minhas pernas.

Peguei um dos pedacinhos de limão, Harry virou a mão que eu o estava segurando e colocou uma pitada de sal em cima do dorso, depois me entregou o copo com a dose.

—Não engole o sal logo, deixa em cima da língua, aí você vira tudo e chupa o limão antes de engolir. Fica mais gostoso misturando os três na boca.

Fiz como ele orientou e me surpreendi, porque era realmente bom.

—É gostoso mesmo. Por que você me deu vodca ao invés disso quando inventou de me deixar bêbada? Eu teria bebido até mais feliz.

Esperei ele virar mais uma dose, e confirmei quando me perguntou se eu queria mais.

—Porque não tinha em casa e sabe lá quando você me deixaria fazer aquilo de novo. Não podia perder a oportunidade, então foi com o que tinha.

Bebi algumas doses consecutivas, e o gosto parecia ficar melhor e mais suave a cada uma delas.

—Meu pé está doendo, tira o prato aqui pra eu sentar direito. - Pedi depois de um tempo.

Harry deixou a garrafa e o prato no chão e me deu espaço para levantar, mas a sala rodou um pouco quando me impulsionei para cima e ele colocou as duas mãos na minha cintura para me segurar enquanto eu ria. Desisti de levantar e deitei para trás no sofá, me impulsionando os pés apoiados no assento para encostar onde eu estava antes.

—Sua oferecida. - Harry comentou e eu o olhei por entre meus joelhos afastados para entender sobre o que estava falando, seus olhos estavam pregados na visão nada comportada que minha saia curta estava proporcionando desse ângulo.

Me arrastei um pouco mais para trás e sentei de frente para ele, que imediatamente voltou a colocar o prato entre nós e pegar a garrafa e o copo do chão.

—Isso sobe rápido, né? - Comentei puxando mais uma dose para mim.

—Você que é mole.

Rolei os olhos para ele com superioridade, mas não continuei o assunto.

—Quer tirar a sua também? - Perguntou alisando minha perna, com movimentos imprecisos.

—A minha o que?

—Camiseta.

—Não.

—Tira, vai.

—Para de insistir, se não eu me convenço. - Falei com a cara fechada e ele gargalhou.

Foi engraçado e eu ri junto, mas resolveu e ele parou de pedir.

Peguei a garrafa e o copo, mas achei meio difícil continuar servindo as doses sem sujar o sofá, então dispensei a louça e bebi minha próxima dose direto do gargalo.

—Assim é bem mais fácil mesmo. - Harry comentou como se fosse uma ideia brilhante que não houvesse lhe ocorrido.

Alguns minutos e mais três doses depois, ele fez cara de quem tinha tido uma ótima ideia e se foi até a estante antes de parar na minha frente com um baralho na mão.

—Vem jogar comigo, faz tempo que a gente não brinca.

—Claro, você não deixa eu ganhar. - Bufei, mas escorreguei para o chão mesmo assim. - Senta aí.

—Você que não deixa eu ganhar.

—Porque eu sou a melhor nisso. - Confirmei convencida. - Ei, você me deu cartas a mais.

—Não dei, não.

—Deu sim… a não, são só duas.

Estava difícil para nós dois lembrar as sequências certas e definir quem ganhava a partida, então simplificamos o jogo ao máximo para a vitória pertencer a quem tinha a maior soma das duas cartas entregues, e foi bem mais fácil, mas também menos empolgante.

—Isso está muito chato, não quero mais jogar. - Deixei minhas cartas sobre o tapete e Harry fez o mesmo com as dele.

Estava difícil equilibrar o sal no dorso da mão, então ele o fez na palma para beber mais um pouquinho.

—Dá esse pra mim? - Pedi e ele me fez cara feia, mas estendeu a mão na minha direção.

Engatinhei o pequeno espaço entre nós e lambi a palma da mão dele antes de virar a garrafa já bem abaixo da metade.

—Essa lambida com tanta vontade me deixou até excitado. - Falou tentando sorrir de canto, mas não funcionou muito bem.

—Na mão? Essa sensibilidade aqui é nova.

—É que eu já conheço ela em outro lugar, aí fico imaginando.

—Imaginando o que? - Perguntei confusa, me sentando entre as pernas dele.

—Imaginando você, ué. Já quer tirar sua camiseta?

—Ai que droga, eu to tentando me fazer de difícil. - Resmunguei e ele pareceu solidarizado.

—Desculpa, amor, é que acho mais legal quando você está super fácil.

Achei legal ele ter sido sincero, e eu tinha a mesma opinião. Tentei tirar sozinha minha regata, mas não consegui me entender.

—Não consigo. - Falei derrotada.

—Deixa eu tentar.

A peça se enroscou no meu braço, no meu queixo, no meu cabelo e por fim foi tirada.

—Ai!

—Sou muito bom em tirar a sua roupa. - Comemorou com mais um gole da bebida.

—Ei, deixa pra mim.

Puxei a garrafa e dei mais um gole, Harry tentou tirar da minha mão e eu me inclinei para longe dele, mas acabei desequilibrando e acabei deitada no tapete em meio a uma gargalhada.

—Levanta, preguiçosa.

Tentei me equilibrar, mas estava difícil.

—Não consigo. - Confessei e desisti.

—Vou deitar aí com você, então.

Harry demorou um pouco mais que o normal para tirar a perna debaixo de mim e se acomodar com o rosto deitado em cima dos meus seios.

—Fofinho aqui em cima.

Eu ia responder, mas ele se arrastou e me deu um beijo que tinha gosto de sal, limão, tequila e Harry, acabei deixando pra lá.

Meu rosto afundado no colchão explicava o desconforto enquanto eu despertava, dormir de bruços era um terror. Pisquei algumas vezes para entender onde eu estava e vi o quarto do Harry entrar em foco ao meu redor. Levantei sem saber nem como eu tinha ido deitar e afastei a perna do Harry de cima das minhas coxas para conseguir me virar.

Com o movimento ele acabou despertando também e me olhou tão confuso quanto eu me sentia, os cabelos muito mais bagunçados do que o normal. A cara dele demonstrava tudo o que eu também estava pensando: o que aconteceu ontem?

—Bom dia. - Falou olhando em volta.

—Bom dia. Que horas a gente veio pra cama?

—Não faço nem ideia.

Sentei na cama e esfreguei os olhos, achei estranho não encontrar a dor de cabeça da vez anterior.

—Sua cabeça está doendo? - Perguntei achando estranho.

—Não. - Respondeu depois de ponderar um pouco.

Ele coçou os olhos e afastou o lençol que estava embolado em nós dois. Assim que o tecido foi jogado de lado ele olhou para baixo confuso.

—Por que eu estou sem roupa? - Olhou para mim e me viu com a saia e de sutiã, apenas a camiseta não fazia mais parte do meu traje. - E você não?

—Sei lá. - Olhei para o meu sutiã branco, agora com uma mancha escura enorme. - O que é isso?

Ele aproximou o rosto do meu seio e cheirou.

—Tequila. - Afirmou com o cenho franzido e deslizou o nariz pela minha barriga também. - Não acredito que eu fiz um body shot e não me lembro.

—Não acredito que você fez um body shot e não teve a brilhante ideia de tirar meu sutiã. E que cheiro ruim. - Coloquei as mãos para trás e abri o fecho, jogando a peça no chão. - Vou tomar banho, vamos?

Algo espetou meu pé quando pisei no chão e eu vi a cartela de Advil ali jogada, faltando dois comprimidos.

—Não sei como viemos parar na cama, mas me preocupei com a nossa dor de cabeça.

Peguei do chão e mostrei a ele, que achou graça. Harry me acompanhou até o banheiro e parou em frente ao espelho. Me preparei para tirar o resto das roupas, mas o grito dele me fez dar um pulo.

—Ginny!

—Oi? - Me virei sem entender o motivo da retaliação.

Ao invés de responder ele virou o pescoço para que eu visse a marca quase roxa de um chupão muito deselegante. Prendi o lábio entre os dentes, segurando a vontade de rir.

—Estava brincando de adolescente? - Perguntou irônico, os olhos semicerrados para mim.

Dei de ombros e empurrei minha saia para baixo, me surpreendendo ao não encontrar nenhuma peça por baixo, e eu tinha certeza absoluta que tinha vestido uma calcinha quando saí do banho na noite anterior. Olhei questionador para ele, que me olhava confuso.

—Eu queria muito lembrar o que aconteceu ontem. - Lamentou, me fazendo rir.

Tomamos um banho demorado e vestimos roupas leves antes de ir até a sala. Caminhei na frente dele, mas estaquei na porta quando vi o cenário à frente: o tapete cheio de cartas de baralho, a garrafa de tequila vazia no chão, um copo quebrado do lado do sofá, o prato sobre o assento e um monte de sal espalhado pelo tecido.

—Jogamos baralho? - Perguntei sem entender, porque aquela era a parte mais difícil de encaixar na noite anterior.

—Se lembre de nunca comprar tequila lá pra casa, acho que o resultado vai ser nós dois expulsos do prédio. - Falou com sensatez.

Peguei os cacos do chão enquanto Harry tirava o resto da bagunça. Depois de levar o prato para a cozinha ele voltou rindo e me mostrando o que eu lembrava ser a calcinha que estava usando no dia anterior, agora pendurada entre seus dedos.

—Não me pergunte o que isso estava fazendo em cima da pia, eu também estou querendo saber.

Nós dois rimos com vontade e chegamos à conclusão de que era melhor nem perguntar muito mesmo.

Concordamos que era uma boa ideia não envolver mais bebidas alcoólicas no resto da viagem e aproveitamos o final de semana com atividades que nós dois nos lembramos no dia seguinte.

O fim de semana passou tão rápido que num piscar de olhos eu já estava me despedindo dele na segunda de manhã para ir ao trabalho, de volta à mesma rotina de sempre. O que consequentemente nos fez voltar à mesma questão de antes de viajarmos: eu queria um bebê, mas estava com medo, Harry queria também, mas estava me esperando.

Março chegou com a mesma velocidade e uma nova notícia: Ron e Mione também seriam pais outra vez. E assim como Mike e Lisa, a felicidade dos dois poderia ser desenhada de tão visível.

Eles vieram até nossa casa nos contar e estenderam a visita noite adentro. Nos despedimos em meio a mais felicitações e Harry os acompanhou até a porta, depois se acomodou do meu lado no sofá. O jeito que ele me olhava dispensava qualquer pergunta ou comentário, estava tudo muito óbvio. Tudo o que eu não queria encarar, então me levantei e fui para o quarto.

Me deitei de costa para a porta, porque eu tinha certeza que ele viria atrás de mim, o que previsivelmente aconteceu dois minutos depois. Senti o colchão se afundar e a mão dele na minha cintura de um jeito carinhoso.

—Ratinha, eu acho que a gente deveria conversar.

—Sobre o que?

—Me fala qual é o problema, o que você está pensando, porque eu sei que tem algo errado.

—Não tem nada errado, Harry.

—Aah, Ginny, já passamos dessa fase, né? - Falou incisivo.

Bufei e me virei, deitando de costas no colchão.

—Eu estou com medo. - Confessei, puxando meu Dr. Coala para cima de mim e prendendo os braços ao redor dele. - Mas ao mesmo tempo eu quero, só que chega na hora de decidir e eu não consigo.

—A gente tinha conversado que é normal ter medo, lembra?

—Não, Harry, não é assim.

—Do que você tem medo então?

—De não ser uma influência positiva para ele ou ela, de não ser uma boa mãe.

Dizer aquilo em voz alta me deixou com vergonha, então evitei o olhar dele e arrumei o jaleco do meu ursinho de pelúcia.

—Mas por que você não seria uma boa influência, Gin? - A pergunta num tom de voz suave veio acompanhada de um carinho gostoso no meu cabelo.

—Sei lá… Eu comecei a ler alguns sites e blogs sobre isso e todos os lugares falam de um amor incondicional, diferente de tudo o que já sentimos e que nos torna dispostos a fazer, enfrentar e superar qualquer coisa. - Falei gesticulando, como se aquilo fosse só uma parte das informações. - E se não for assim?

—Claro que é assim, amor, seremos pais, e é isso que os pais fazem pelos filhos.

—Nem todos. - Virei para ele antes de completar a frase. - Eu não fui tudo isso, Harry, não o ajudei a superar nada, não deixei as coisas mais fáceis, não fui motivo o suficiente para… ficar. Nem eu, nem o Ron, mas eu é que estava ali todo dia.

Ele me encarou sem dizer nada por tempo suficiente para eu me sentir desconfortável e voltar a olhar para o bichinho nas minhas mãos.

—Não estou falando da mesma situação, porque eu tenho certeza absoluta que não sou igual a ele, mas é um exemplo. Existem muitas outras maneiras de ser uma má influência, não quero ser uma delas para a pessoa que supostamente será a mais importante da minha vida.

—Sabe o que eu acho? – Perguntou após um minuto de silêncio e virou meu rosto para ele. – Que só se preocupar com isso já mostra que você vai ser uma ótima mãe.

Sustentei seu olhar sem dizer nada.

—Ter um filho não é só dar roupa, comida e levar para a escola, e você já está preocupada com como ele vai ver o mundo, isso é o que mais importa na minha opinião. Eu também tenho medo de não me sair bem, mas sei que você vai puxar minha orelha se eu estiver fazendo cagada, posso fazer a mesma coisa com você se quiser.

O argumento dele me fez rir.

—Você vê o mundo muito descomplicado, né?

—E você vê complicado demais. – Devolveu sem pensar. – Você já percebeu como a Meg e a Rose adoram você?

—Já.

—Nosso bebê vai adorar muito mais, porque ele vai ter você por perto o tempo todo.

—Você fala como se ele já existisse. – Ri para descontrair o assunto, ele me acompanhou.

—Na minha cabeça ele já existe mesmo, na sua tenho certeza que também. Os links favoritos do seu computador são 20% sobre ossos e o resto sobre coisas de criança.

—Nosso conceito de privacidade é bem baixo, hein?! – Comentei sarcástica.

Ele fez um gesto indicando que isso era indiferente.

—Pra você chegar a me dizer que deveríamos ter um bebê, tenho certeza que passou meses pensando, pesando os fatos, imaginando como seria e racionalizando sobre tudo. Você não age por impulso nunca, então eu sei que você quer, só precisa de um empurrãozinho pra sair do lugar agora.

Ele tinha razão, do começo ao fim da frase.

—É...

—Vamos tentar, amor, e a gente vê no que dá. – Sugeriu num tom tão intenso, que eu tive vontade de fazer exatamente o que ele disse.

—Vamos. – Cedi por fim. – Mas pode ser no mês que vem?

Ele cobriu o rosto com as mãos e se jogou de costas na cama, rindo. Virei e me debrucei sobre ele.

—Mas estou falando sério, mês que vem sem falta.

Ele riu mais e destampou os olhos, nada nele mostrava que tinha acreditado em mim.

—Ta bom, Ratinha, quando você quiser.

Me acomodei nos braços dele, satisfeita em dividir o que me incomodava e aproveitando a sorte de ser casada com uma pessoa tão incrível.


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Notas finais do capítulo

E essa vontade de descobrir coisas novas com as mesmas notas de insegurança de sempre? Algumas coisas não mudam para a nossa doutora, não é?
Para o Harry também não, a mesma empolgação.
Ansiosa para saber o que acharam, não deixem de me dizer.
Beijos e até semana que vem.