Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 43
Capítulo 43




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—Gin? - Ouvi a voz da Lily quando eu já começava a ficar inconsciente e abri os olhos de novo, me afastando do seu abraço.

Olhei para ela incentivando-a a continuar, mas ela me indicou que era o Harry me chamando. Levantei e me aproximei dele.

—Vai para casa, dorme um pouco. - Falou com a mão sobre a minha perna, quando sentei ao seu lado na cama.

Eu não queria soar indelicada e correr o risco de que os pais dele entendessem que eu não me sentia segura o suficiente para sair de perto, então só o olhei de um jeito contestador.

—Vai, depois você volta. - Sugeriu, aparentemente entendendo minha relutância.

—Se você sentir qualquer coisinha estranha me liga? - Pedi enfática.

—Na hora. - Prometeu.

—Vou levar seu celular, não faço ideia de onde foi parar o meu. - Avisei e ele assentiu. - E preciso de dinheiro, estava tudo na minha bolsa.

—Eu não sei se tem na minha carteira. - Falou pensativo.

—Aqui, Gin. - James me chamou e estendeu duas notas que somavam uma quantia bem maior do que eu precisaria para pagar a curta distância que o táxi percorreria.

—Obrigada. - Agradeci e peguei, disposta a devolver quando eu já tivesse de novo acesso à minha conta. - Depois eu volto. - Prometi me virando para o Harry novamente, e me abaixei para beijá-lo.

—Até amanhã. - Se despediu quando me levantei.

Nem respondi a isso, porque só ele mesmo para pensar que eu iria embora antes das cinco da tarde e conseguiria só voltar no dia seguinte. Apanhei as chaves e o celular dele, me despedi de James e Lily e saí. O ponto de táxi em frente ao hospital tinha um motorista livre, que se mostrou sorridente ao ouvir o endereço que indiquei e saiu dali rapidamente.

Saltei do veículo evitando olhar o ponto da calçada em que tínhamos sido abordados, e passei pelo portão do prédio olhando firmemente em frente. Quando alcancei portaria, o mesmo porteiro do dia anterior me interrompeu com um olhar ansioso:

—Como está o menino?

—Ele está bem. - Eu repetiria aquela frase para todo mundo que perguntasse, sem me cansar. - Vai ficar alguns dias no hospital, mas está tudo bem.

—Graças a Deus! - Exclamou e pareceu se lembrar de algo. - Espere um minuto, guardei para você. - Sumiu por trás do balcão e reapareceu segurando minha bolsa, para a qual eu olhei verdadeiramente surpresa. - Ficou na calçada, está tudo aqui dentro.

—Muito obrigada! - Agradeci com um sorriso sincero.

Não que a bolsa em si fosse importante, mas todos os documentos, cartões e as minhas chaves ali dentro estavam me deixando preocupada por supostamente estarem em mãos mal intencionadas.

—Não há de que. Mande lembranças minhas a ele. - Pediu bondosamente.

Garanti a ele que mandaria, e continuei meu caminho até o elevador. Eu já tinha ficado sozinha na casa do Harry muitas vezes, mas dessa foi estranho porque em nenhuma das anteriores houve um motivo sequer parecido para minha falta de companhia. Espantei esse pensamento e fechei a porta atrás de mim, disposta a fazer logo o que eu precisava.

Não fazia parte dos meus planos sair do lado dele de novo até que sua saúde estivesse boa o suficiente para ir embora junto comigo, então atravessei a sala e fui direto ao quarto pegar as roupas que ele precisaria quando fosse deixar o hospital. Visto a quantidade considerável de vezes que eu me trocava aqui por infinitas razões, roupas para mim também não foram um problema.

Coloquei tudo dentro da mochila que ficava na parte de cima do guarda roupa, tanto as peças dele quanto as minhas. Peguei a chave e o documento do carro dele sobre a mesa, e já estava me preparando para sair quando o objeto abandonado sobre o sofá me chamou a atenção e eu o acrescentei à pequena mala.

Desci direto para a garagem e saí em direção ao meu próximo destino. Cruzei as ruas calmas de sábado a tarde e levei poucos minutos até passar sem problemas pela portaria e estacionar em frente à casa que eu conhecia tão bem quanto a minha própria. Peguei o que precisava do banco ao meu lado e toquei a campainha, sendo atendida menos de um minuto depois.

—Oi. - Me antecipei para minha cunhada e dei um beijo em seu rosto.

—Oi, Gin. - Mione me cumprimentou, fechando a porta atrás de nós e me seguindo até a sala de estar. - Como o Harry está?

—Está ótimo, já acordou faz um tempo, comeu e aparenta estar bem disposto. - Contei sorrindo para onde meu irmão estava sentado com Rose no colo. - Oi, meu amor! - Falei para o sorriso quase banguela que ela abriu ao ouvir o som da minha voz.

Me sentei ao lado deles e dei um beijo no rosto do Ron antes de abraçar a pequena pessoa que já se jogava em cima de mim.

—Você deixou ele sozinho? - Me perguntou, achando estranho.

—Claro que não, os pais dele já chegaram. - Respondi, ganhando um beijo babado no rosto. - Só vim tomar banho e dormir um pouquinho, depois volto para lá.

—Quer comer alguma coisa? - Mione me perguntou, se sentando sobre as pernas do marido.

—Quero, por favor.

Brinquei um pouco com a minha sobrinha, enquanto me dividia entre comer e conversar com eles.  Respondi às suas dúvidas sobre o que aconteceu sem nenhuma surpresa, eu já esperava que depois de me ver mais calma o Ron fosse querer saber detalhes, e é claro que ele não diria, mas se antes já gostava do Harry, depois do meu relato sua cara dizia que ele tinha passado ao status de quase canonização na cabeça do meu irmão.

Dei um último beijo nas bochechas rosadas da minha florzinha e a entreguei sob protestos para o pai, antes de ir ao banheiro e tomar um banho quente. Tirei o excesso de água dos cabelos com a toalha, e saí de lá usando roupas limpas e me sentindo mais leve. Rose estava deitada quietinha no sofá quando passei pela sala, e seus olhos espertos se detiveram em mim enquanto eu ia até a lavanderia deixar o tecido felpudo com que me enxuguei.

—Quer dormir com a Tia Gin? - Convidei quando voltei, estendendo os braços em um convite que ela não entenderia agora, mas se tornaria claro quando nos deitássemos.

—Ginny, a noite ela não dorme. - Mione me repreendeu.

—Não mesmo, e quem se levanta para ficar com ela sou eu. - Ron completou sua reclamação, mas não dei atenção a eles.

—Me acorda daqui a quatro horas?

—Só isso?

—É suficiente. - Confirmei para seu olhar desconfiado. - Não mais do que isso. Dá tchau para o papai e a mamãe. - Rose abanou uma das mãozinhas para eles e saí de lá com ela, sob olhares reprovadores.

Me acomodei na cama adicional que havia no quarto dela, sobre um amontoado de lençóis rosa, e abracei aquele corpinho pequeno que se deitou de costas para mim, adormeci logo em seguida.

Acordei de um sono pesado e sem sonhos sozinha na cama, eu já esperava que um dos dois a tirasse dali depois de um tempo para não atrapalhar muito seus horários. Tateei em busca do celular no criado mudo e vi que ainda faltavam vinte minutos para completar as quatro horas que pedi ao Ron, mas decidi me levantar mesmo assim. Depois de uma passada rápida no banheiro, segui o barulho da TV e encontrei o casal na sala, deitados no sofá maior.

—Já vou, gente, obrigada. - Anunciei minha chegada e os dois se viraram.

—Não quer mesmo descansar mais um pouquinho? - Minha cunhada insistiu.

—Não precisa, já me sinto ótima. - Afirmei com segurança e dei um beijo em cada um. - Não se incomodem, podem continuar deitados.

—Ele pode receber visitas? - Ron me perguntou enquanto eu apanhava  sobre o sofá em frente a eles a mochila que trouxe comigo.

—Pode.

—Amanhã vamos vê-lo, diga que mandei um abraço.

—E um beijo. - Mione completou.

—Darei o recado. - Garanti e me despedi.

Cheguei ao hospital pouco depois das onze da noite, e encontrei Harry olhando entediado para a pequena TV em frente à cama. Seu olhar se desviou para o barulho da porta se abrindo e ele retribuiu meu sorriso com um olhar desconfiado.

—Já? - Perguntou em meio ao meu selinho de cumprimento.

—Uhum. - Confirmei sem dar atenção ao seu tom e me virei para James, sentado no sofá com a esposa cochilando em seu ombro. - Obrigada, James. - Agradeci, devolvendo o dinheiro a ele. - O porteiro guardou minha bolsa para mim. - Comuniquei frente aos olhares questionadores e me virei para Harry. - E te mandou melhoras.

Ele agradeceu com um aceno e eu olhei para meu sogro de novo, com as chaves do carro e da minha casa estendidas.

—Vão descansar um pouco também, vocês devem estar exaustos. Aqui tem as chaves da minha casa e da casa do Harry, fiquem a vontade onde preferirem. - Ofereci e o vi desviar o olhar para minha mão, dividido entre descansar e fazer companhia ao filho.

—Vai, pai, a Ginny não vai sair daqui mesmo. - Harry insistiu e eu assenti confirmando. - Além disso, parece que ela não precisa dormir.

—É verdade. - Falei rindo e ele nos acompanhou, pegando os objetos da minha mão.

O esperamos convencer a Lily de que era desnecessário ficar ali naquela posição desconfortável, e depois das despedida fiquei sozinha com Harry novamente. Voltei a me empoleirar do lado da cama dele e trocamos um beijo decente, agora que sem ninguém para presenciar a cena.

—Quanto tempo eu vou ficar aqui? - Perguntou quando nos separamos.

—Provavelmente mais dois ou três dias, depois você poderá ir embora.

—Que tédio. - Resmungou, se ajeitando com um pouco de esforço.

—Passei na sua casa e trouxe algumas coisas para você. - Comuniquei, me afastando e indo até a mochila deixada em cima do sofá. - Achei que fosse querer isso.

Seus olhos se iluminaram quando estendi em sua direção o livro que provavelmente ele tinha começado a ler depois de chegar da casa dos pais.

—Achou certo. - Agradeceu, deixando-o de lado quando voltei a me acomodar onde estava antes.

—Ron te mandou um braço e Mione te mandou um beijo, eles disseram que amanhã passam aqui para te ver.

—Obrigado. O Mike me disse que também vem com a Lisa.

—Você deixou muita gente preocupada, Ursinho.

—Eu imagino. - Falou distraído com o detalhe da minha blusa.

—Como você estava tão calmo? - Perguntei, tentando entender.

—Calmo? - Repetiu com uma risada. - Eu estava morrendo de medo, mas se eu me desesperasse você se desesperaria mais, e o que ia acontecer?

Sua lógica fazia sentido, ainda assim eu não sabia se conseguiria ter toda a frieza que ele teve. Sem frear meu impulso de tê-lo perto de mim, o puxei para um abraço carinhoso.

—Você me apresentou muito bem o significado de desespero ontem. Te olhando agora, sendo você de novo, parece que foi umas quatro vidas atrás. - Falei, deslizando os dedos pelos cabelos bagunçados dele. - O que é ótimo, porque eu quero esquecer logo. - Determinei, sacudindo a cabeça e me afastando para olhá-lo. - E meu carro já era.

—Que bom, agora compra um automático. - Falou como se eu tivesse me livrado de algo que não faz bem, e sugerindo a solução.

—De novo essa história. - Comentei, rolando os olhos e rindo da mesma implicância de sempre.

—Você vai me dar razão quando decidir me ouvir. - Afirmou, cheio de sabedoria.

—Já trouxeram seu jantar? - Mudei o rumo da conversa.

—Já, faz umas duas horas. - Seus olhos desviaram para a parte interna do meu cotovelo. - O que é isso?

Olhei onde sua mão encostou e vi o curativo que eu devia ter tirado quando tomei banho, mas não me lembrei. Puxei o pequeno esparadrapo impermeável e joguei no lixo ao lado da cama.

—Você precisou de transfusão, e nós temos o mesmo tipo sanguíneo.

—Que romântico, agora seu sangue corre nas minhas veias. - Declarou como se fosse uma poesia, e riu com vontade ao final, eu acabei rindo também. - Espero que não traga suas manias chatas.

—Se a gente tivesse uns treze anos, eu diria que já tira a necessidade do pacto de sangue.

—Poxa, por que não podemos fazer um de verdade? - Perguntou pensativo, aquele ar de piada.

—Como médica devo te dizer que eles são meio perigosos. - Alertei no mesmo tom.

—Eu vou ter que te morder forte para compensar, amor, tem que ter alguma coisa minha dentro de você também.

—E por acaso tem que ser seus dentes? - Comentei com uma careta.

—Não é assim que as cobras fazem?

—Esse meu sangue não te fez bem, amor. - Neguei com a cabeça, rindo.

—Colocaram meu sangue em você também? - Questionou confuso e eu neguei. - Então por que esse carinho? Quase não te reconheço.

—Tenho meus momentos. - Dei de ombros.

—Cadê seu celular? - Perguntou de súbito.

—Na minha bolsa, por quê?

—Me dá ele aqui, preciso perguntar quem é cada um dos nomes da sua lista de contatos. - Afirmou tentando fazer cara séria. - Acho que é esse seu sangue fazendo efeito.

Nós dois gargalhamos, e ele bocejou enquanto ainda ria.

—Por que você não tenta dormir um pouquinho? - Sugeri, sabendo que ele devia estar cansado.

—Quer deitar aqui comigo? Cabe você do meu lado e eu vou me sentir mais quentinho. - Pediu com um sorriso quase convincente.

—Eu adoraria, mas não vou correr o risco de te machucar sem querer. - Neguei, apertando-o em outro abraço. - Me chama se você quiser alguma coisa, ta bom? E não levanta sozinho.

—Ta bom, doutora. - Concordou e retribuiu meu beijo.

Apaguei a luz e deitei no sofá, me sentindo relaxada apesar de não conseguir me esticar completamente ali.

Acordei bem cedo no dia seguinte, e mesmo assim Harry já estava acordado e concentrado em seu livro. Depois de uma passada rápida no banheiro do quarto, me acomodei ao lado dele e ficamos conversando até a porta se abrir e os pais dele entrarem muito mais apresentáveis do que no dia anterior, e também mais relaxados.

—Bom dia, crianças.- Lily deu um beijo em cada um de nós.

—Trouxemos café da manhã para vocês. - James falou enquanto colocava duas sacolas sobre a pequena mesa ao lado.

Eles já haviam comido, então só eu e Harry fizemos isso em meio a uma conversa que passou o mais longe possível do acidente que todo mundo ali queria esquecer. Depois de descartadas todas as embalagens, me acomodei de novo ao seu lado e meus sogros continuaram sentados no sofá, mas uma batida na porta nos interrompeu antes que continuássemos o assunto.

—Com licença, Sr. Potter. - Anne entrou com o prontuário dele em mãos.

O olhar reprovador dela me encontrou ao lado dele na cama, e apenas para não continuar olhando para sua cara que me irritava a níveis absurdos, principalmente desde as últimas horas, desencostei do travesseiro e do braço dele atrás de mim, joguei as pernas para o lado e desci da cama, indo me acomodar entre James e Lily, que me deram espaço com a expressão de quem já tinham entendido tudo.

Nenhum de nós três falou nada enquanto ela fazia o trabalho dela com palavras e movimentos precisos, familiarizada com o que acontecia ali, mas prestamos atenção claramente quando ela afirmou que se continuasse estável como estava, ele iria embora no dia seguinte.

—Por que você não pode fazer isso? - Lily me perguntou assim que a porta se fechou atrás dela.

—Não é ético.

—Já não era desde o começo, qual o problema agora? - Falou com a maior naturalidade do mundo.

A espontaneidade do comentário nos fez rir.

—Agora todo mundo saberia que não estou sendo ética, pega mal. Que horas são, Ursinho?

O pai dele riu do apelido, como todas as vezes em que o ouviu.

—Onze e quarenta.

—Eu preciso resolver uma coisa, já volto.

Dei um beijo rápido nele e saí antes que perguntas fossem feitas. Atravessei os corredores até o andar da diretoria e fui recebida pelo Dr. Lupin assim que bati na porta.

—Dra. Weasley, entre, por favor.

Me acomodei na cadeira em frente à mesa dele e o esperei salvar algo no computador antes de se virar para mim.

—Fiquei sabendo que o seu namorado sofreu um acidente, não é?

—Sim, na sexta a noite.

—Ele está bem, espero?

—Está sim, obrigada.

—Fico feliz. - Afirmou solene e cruzou as mãos sobre a mesa. - O que posso fazer pela senhorita?

—Eu preciso das minhas férias, Dr. Lupin, para essa semana ainda.

Decidi ser direta, porque não seria uma conversa fácil de qualquer maneira. Ele coçou a testa, escolhendo as palavras, e se voltou para mim cauteloso.

—Veja bem, Dra. Weasley, como eu te disse no final do mês passado, esse é um momento difícil para ficarmos se uma cirurgiã ortopédica. É período de férias escolares, festas de final de ano, a quantidade de acidentes é enorme.

—Eu entendo, e por isso não insisti um mês atrás, mas as circunstâncias são outras agora e eu realmente preciso. - Afirmei sem titubear. - Eu não estaria aqui insistindo se não fosse tão importante e necessário.

—Desculpe, Dra. Weasley, mas realmente não posso ajudá-la.

E agora vinha a frase que eu esperava não ter que usar.

—Então eu me demito e o hospital me recontrata em um mês. - Falei calmamente, mas os olhos dele se arregalaram.

—Se demite? - Perguntou incrédulo, eu apenas concordei com um aceno. - E por que o hospital te recontrataria?

—É claro que se vocês encontrarem outra de mim nesse pequeno espaço de tempo eu vou entender perfeitamente. - Deixei toda a modéstia de lado ao dizer isso, eu sabia muito bem que me substituir não seria assim tão fácil.

Ele respirou fundo e me encarou, sem esconder que não gostou nada do que ouviu.

—É realmente tão importante?

—Eu não insistiria tanto se não fosse. - Repeti minha afirmação.

Dr. Lupin pegou o telefone em cima da sua mesa e discou um número que não consegui identificar de onde estava.

—Sarah? Preciso de uma gentileza, que vocês agendem as férias da Dra. Weasley para começar amanhã. Sim, eu sei que é um pouco em cima, mas preciso que esteja tudo pronto amanhã. Obrigado.  - Ele desligou o telefone e fez um gesto de mãos muito irônico, que poderia ser traduzido como “algo mais?”.

—Obrigada, Dr. Lupin, muito obrigada mesmo. - Ele concordou com um aceno e eu me levantei para sair.

—Ginny? - Me virei espantada pela maneira inusual dele falar comigo. - Espero que ele se recupere bem.

—Eu também, doutor, obrigada.

Saí da sala dele com a sensação de dever cumprido, e exultante por ter conseguido o que queria. O caminho de volta ao quarto foi feito sem pressa e sem encontrar ninguém que me parasse pelos corredores, quando entrei estranhei encontrar o Harry sozinho.

—Cadê seus pais?

Ele desviou o rosto da tela do celular e deixou o aparelho de lado.

—Foram comer alguma coisa. Tudo bem?

—Uhum. - Sentei ao lado dele na cama, ficando frente a frente. - Quero te fazer um convite.

—Eu não estou muito apto a atividades que demandem esforço físico, mas faça.

—Deixa eu levar você para casa? Para a minha casa, eu quero dizer, e cuidar de você esses dias que você vai ficar de repouso.

—Mas você vai trabalhar, Gin, que diferença faz ficar na sua casa ou na minha?

—Não vou, estou oficialmente de férias. - Contei quase com orgulho.

—Isso que você foi resolver? - Perguntou com tanta surpresa que foi engraçado, concordei com um aceno. - Mas como você conseguiu? Achei que era impossível férias nessa época.

—Fui bem persuasiva, disse que se ele não me desse férias eu me demitiria e o hospital poderia me recontratar em um mês.

—Estou chocado! - Afirmou me olhando surpreso.

Dei de ombros, convencida, e ele riu.

—Mas e então, vamos? Ficar um mês fazendo nada comigo em casa, vinte e quatro horas por dia? - Deslizei a mão pelo cabelo dele enquanto repetia o convite.

—Só um mês? - Me puxou para mais perto, em um abraço.

—Temos que começar de algum lugar, não?

Aquele sorriso feliz que eu adorava preencheu o seu rosto.

—Vamos, doutora, vai ser ótimo. - Aceitou satisfeito. - Só que vou precisar buscar algumas coisas na minha casa.

—Eu pego tudo que você precisar, não é muito legal você ficar fazendo esforço, só me faz uma lista.

—Ganhei uma babá ou uma empregada? - Perguntou para provocar.

—Se repetir isso vai ganhar um soco. - Devolvi no mesmo tom e ele gargalhou.

—Obrigado, Ratinha, vou adorar ser cuidado por você. - Me puxou para um beijo.

Antes que tivéssemos a chance de aprofundar o ato a porta se abriu e Mike passou por ela, com uma menininha de cachos loiros no colo, que se alvoroçou toda assim que viu o padrinho que fazia tudo o que ela queria.

—Parem, lindinhos, chegamos. - Anunciou escandaloso.

Ergui os olhos e vi Lisa fechando a porta logo atrás dele.

—Como você está? - Mike deixou o tom brincalhão de lado quando perguntou ao Harry, sentando a filha do lado dele na cama.

Tomando o cuidado de mantê-la afastada do peito machucado, Harry a abraçou e encheu o pescoço dela de beijos que a fizeram rir alto.

—Muito dolorido, mas me sinto muito bem. A Gin disse que é normal a dor, não tem com que se preocupar.

—Você deu um susto enorme na gente, sabia? - Lisa se aproximou e o cumprimentou também.

Chamei a Meg, que se inclinou na minha direção sem pestanejar, e fui até o sofá com ela em meu colo.

—Ei, mocinha, tudo bem?

Ela já falava algumas palavrinhas soltas e eu me divertia com suas tentativas de conversar e contar tudo o que sabia. Me distraí por vários minutos mudando o penteado dos seus cabelos cheios e arrancando gargalhadas, tirando fotos dela com meu celular e deixando que ela fizesse o mesmo comigo, mas levantei a cabeça por reflexo quando ouvi meu nome.

—Oi? - Perguntei sem saber a quem exatamente, os três estavam rindo.

—Eu estava dizendo que você é meio pesada.

—Obrigada, Mike, mais algum elogio? - Agradeci irônica, eles riram de novo.

—Você me disse que só teve vontade de bater na médica. - Harry falou desconfiado, um sorriso de canto.

—Mas foi, não encostei um dedo nela.

—Porque eu não deixei. - Mike completou, achando graça. - Mas a melhor parte foi descobrir que essa doutora elegante, educada, com formação superior e vocabulário culto, xinga pior que um pedreiro desdentado.

Não me senti sequer levemente constrangida quando todos eles irromperam em gargalhadas, inclusive Meg, embalada pelo som.

—Ninguém filmou essa cena? Por que eu tenho que sempre estar fora dos seus melhores momentos? - Harry lamentou.

—A gente tem que levar ela pra xingar o juiz com a gente, lindinho, vai ser muito divertido.

—Vamos considerar isso assim que eu puder fazer tudo. - Harry prometeu a ele.

Ron e Mione chegaram alguns minutos depois, com uma Rose espetacularmente bem vestida no colo, e a reunião estava completa. Talvez a quantidade de risadas e vozes altas não fosse própria para um hospital, mas era bom ter um encontro normal como esse tão pouco tempo depois de uma pequena amostra do que é o inferno.

Me sentei no sofá com a Rose no meu colo e a Meg de frente para ela no assento ao lado, brincando com as duas enquanto elas se dividiam em compartilhar seus respectivos ursinhos inseparáveis de pelúcia, e participei vez ou outra da conversa animada na minha frente.

Senti um olhar pesado em mim e encontrei o Ron me encarando do outro lado do quarto, atrás da Mione e com os braços ao redor dela. Aquele olhar tinha um monte de perguntas que eu entendi sem que ele precisasse dizer nada, e assenti com um sorriso e um suspiro visível, mostrando que estava tudo bem comigo e fazendo-o relaxar.

James e Lily se juntaram a nós pouco tempo depois, e não surpreendentemente ficaram depois que todos os outros saíram, deixando um ambiente muito mais calmo para trás e um Harry muito mais animado, não era do feitio dele gostar da tranquilidade de um hospital.

—Pai, mãe, a gente tem que conversar. - Harry falou enquanto eu ainda comia meu lanche natural que substituiria o almoço. - Vocês precisam ligar pra companhia aérea e remarcar o voo de vocês para o mais rápido possível.

Meus sogros se entreolharam sem dizer nada, as expressões nada convencidas.

—Não, Fofuxo, nós não vamos deixar você sozinho enquanto se recupera.

—Não vou ficar sozinho, mãe, vou ficar com a Gin.

—Mas ela trabalha o dia todo, Harry. - James argumentou, olhando de mim para ele.

Permaneci quieta, apenas observando a conversa.

—Não, ela conseguiu férias para a partir de amanhã. - Meu namorado explicou e os pais dele me olharam surpresos. - Vou ficar na casa dela enquanto estiver de repouso, não vou ficar sozinho.

Talvez eu não entendesse nada de ser mãe, mas eu entendia de ciúmes, e foi assim que Lily me olhou por um breve segundo, apenas um lampejo.

—Você não vai precisar da gente aqui?

—Não será necessário se incomodar, mãe, a Gin fica comigo e vocês podem ir aproveitar a viagem.

—Nem quer ir para casa conosco? - James também perguntou.

—Não, pai, aqui eu estou mais perto do hospital, vocês ouviram a médica dizer que preciso voltar aqui algumas vezes para as consultas de rotina ao longo da recuperação.

Eles pareceram meio incertos ao se encararem, e meu sogro deu um aceno discreto, que Lily pareceu não concordar muito.

—Tem certeza que tudo bem para você ficar sem a gente por perto? - Ela tentou mais uma vez.

—Tenho sim, a gente manda notícias todos os dias. - Harry a tranquilizou. - Vão aproveitar a viagem, estava marcado há tanto tempo.

—Vamos ver o que a companhia aérea pode fazer por nós. - James deu de ombros, concordando por fim.

Meu namorado teve alta na manhã seguinte e pareceu muito contrariado ao usar a cadeira de rodas para ir até o quarto, mesmo eu tendo garantido a ele que era apenas procedimento do hospital e ele deveria aceitar. O pai o ajudou a se acomodar no banco do passageiro e dirigi sem pressa até meu apartamento, meus sogros acomodados no banco de trás.

Eles conseguiram um voo para o fim da tarde e ainda pareciam temerosos de viajar nessas condições, mas fizemos o possível para tranquilizá-los. Eles negaram terminantemente uma carona para o aeroporto e preferiram pegar um táxi, assim Harry não se esforçaria e eu não o deixaria sozinho.

Depois de uma despedida muito sentida por parte dos dois, os acompanhei até a portaria e nos despedimos com um abraço caloroso e acolhedor, ao qual eu já estava completamente acostumada.

—Vocês dois vão ficar bem mesmo? - Lily me perguntou novamente.

—Vamos, Lily, não se preocupe.

—Claro que vão, meu bem, ela vai saber fazer tudo o que ele precisa. - James garantiu e me abraçou também. - Tchau, querida, qualquer coisa nos ligue.

—E obrigada mais uma vez, Gin. - Lily falou com a sinceridade transbordando.

—Não tem que me agradecer por isso, você sabe.

O motorista do táxi guardou as malas e fechou a porta traseira assim que eles se acomodaram. Tão logo o veículo se afastou do meio fio, dei meia volta e voltei para casa. Me agradava a ideia de pela primeira vez passar tanto tempo com o Harry, e eu estava ansiosa para começar logo.

—Voltei. - Anunciei, trancando a porta atrás de mim.

—Minha mãe mandou você não me deixar mexer no fogão pra eu não me queimar? - Zombou, abrindo os braços e me acomodando ao lado dele na minha cama.

—Falou, e também para não deixar você na banheira sozinho, porque você se afoga.

—E você ouviu bem, não é, doutora? Só banhos acompanhados pelos próximos dias.

—Perfeitamente bem, vou fazer minha parte direitinho. - Garanti.

A sensação quase eufórica que eu sentia em ser “nós” por mais tempo do que um final de semana ou do que os raros feriados prolongados em algum lugar diferente, era tão gostosa que não pude deixar de pensar por que não pensei nisso antes.


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoal!
Aos pouquinhos as coisas vão se ajeitando e ele vai ficando melhor.
E o que foi essa exigência para não trabalhar? Dra. Weasley tem novas prioridades agora, e eu adoro isso.
Ansiosa para saber a opinião de vocês.
Beijos e até o próximo.



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