Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 34
Capítulo 34


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
DV ainda não está no fim, mas já tem novidade anunciada no grupo! Para quem ainda não está participando, segue o link de acesso:
https://www.facebook.com/groups/1104653872914067/
Lá você vai encontrar capa, título, sinopse e até o prólogo da nova história. Além de novidades e POVs do Harry.
Não deixe participar!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/687490/chapter/34

Quando cheguei ao meu prédio no sábado pela manhã após o plantão, parei o carro por um minuto na garagem antes de contornar e sair novamente para estacioná-lo na rua, em frente ao portão de pedestres, porque minha vaga já estava ocupada. Tranquei o veículo e subi para o meu apartamento que eu já sabia não estar vazio, prestes a encontrar exatamente quem eu queria ver depois de uma noite tão cansativa.

Assim que abri a porta, a primeira coisa que vi foi a roupa dele no sofá, jogada de qualquer jeito sobre o assento. Deixei minha bolsa ali também e fui até o quarto, já desabotoando a calça e deixando o sapato pelo caminho. Harry estava dormindo profundamente, deitado no meio da minha cama e com os braços ao redor do meu travesseiro.

Ri da visão das costas nuas e a postura relaxada, porque era exatamente como ele ficava na casa dele também. Ajoelhei ao lado dele rapidamente e me inclinei o suficiente para um beijo rápido em seu pescoço, me afastei a tempo de vê-lo resmungar um pouco antes de voltar a relaxar.

Terminei de me despir e entrei no banheiro para tomar banho, mas antes de entrar no chuveiro ri mais uma vez o ver a banheira ainda cheia de água e vários respingos pelo banheiro. Harry não conseguia passar sem deixar seu rastro de bagunça pelo caminho, mas eu já até gostava de identificar uma ou outra característica do meu namorado onde antes só tinha marcas minhas.

Voltei ao quarto alguns minutos depois, mais relaxada pelo banho, mas sentindo o cansaço pesar. Me acomodei no pequeno espaço ao lado dele, e assim que percebeu que não estava mais sozinho, Harry se sobressaltou e abriu os olhos, me recepcionando com um sorriso.

—Bom dia. – Cumprimentou em meio a um selinho, já colocando os braços ao meu redor.

—Você estava com saudade ou veio só bagunçar o meu banheiro? – Brinquei, fazendo-o rir e se deitar outra vez, o rosto escondido no meu pescoço.

—Eu estava aqui perto e já era um pouco tarde, mas te conto depois, estou com sono, deita aqui comigo.

Nem pensei em recusar a proposta, afinal eu também estava morrendo de sono. Virei de costas, me acomodei no abraço dele e fechei os olhos também, caindo na inconsciência logo depois.

Eu ainda estava meio dormindo quando senti o colchão ao meu lado afundar e fui apertada em um abraço confortável. Provavelmente eu tinha me descoberto enquanto dormia, porque o peito quente dele nas minhas costas foi a primeira coisa que senti quando realmente acordei.

—Hoje foi fácil. - Harry falou quando me virei e abri os olhos, ainda sonolenta.

—Foi, estou morrendo de fome e assim não dá para dormir.

Ele riu e me soltou para que eu levantasse. Depois de uma passada rápida no banheiro, fui seguida até a cozinha para preparar algo para comer.

—Você já almoçou? - Perguntei enquanto me decidia entre as opções na minha geladeira.

—Já, acordei cedo hoje.

—E posso saber para que? - Perguntei apanhando um pote de iogurte natural.

—Só isso? - Apontou para o meu almoço com descaso.

—Uhum. – Confirmei, tirando a tampa e pegando uma colher na gaveta.

—Ratinha, se você quer continuar endurecendo sua bunda com tudo aquilo de peso, tem que pelo menos comer direito.

Rolei os olhos para ele, mas abri a geladeira e peguei mais um.

—Pronto, dois. - Ignorei seu olhar irônico e comecei a comer. - Além disso, eu te garanto como especialista que minha bunda aguenta tudo aquilo de peso.

—Depois vai ficar me pedindo massagem.

—E você vai fazer. - Garanti, piscando para ele. - Por que você acordou cedo mesmo?

—Para terminar de ler um livro.

—Você trouxe até um livro? – Perguntei sem entender.

—Não, baixei uma cópia para o celular.

—Meu Deus, sério?

—Sim, e o final foi trágico, me deixou meio deprimido.

Eu comecei a rir, mas percebi que ele estava falando sério e parei.

—Te desejo um livro com final melhor da próxima vez, então. - Comi mais uma colherada e levei para o sofá o resto do meu almoço. - Sabe quem eu vi essa semana?

—Nem ideia.

Coloquei meus pés sobre o colo dele assim que se sentou ao meu lado.

—A vaca da minha ex cunhada, mulherzinha ridícula.

—Ela era tão péssima assim?

—Olha, considerando a pessoa com quem eu tive a honra de morar junto, acharia uma ofensa alguém dizer que gosta de nós duas do mesmo jeito. Mas é recíproco, ela também não gosta de mim.

Sua gargalhada descontraída me fez rir também.

—Como assim existe alguém que não gosta de você? - Falou bajulador.

—Existem duas pessoas, na verdade, Anne Smith também não gosta.

—Quem é essa?

—Uma médica antipática lá do hospital, se formou na turma da Luna.

—Aquela residente que tentou me atender e você não deixou?

—A própria.

—Só essas?

—Só, de resto todo mundo me ama.

—Meu Deus, que show de humildade. - Comentou sarcástico, rindo da minha resposta.

—Mas voltando à minha ex cunhada, imagina minha surpresa em chegar na casa do Ron e encontrá-la lá, estragando a decoração da sala dele.

—Pelo que me contaram, você a recepcionou muito apropriadamente. - Debochou.

—Contaram? - Perguntei com as sobrancelhas arqueadas. - Quem?

—Fui jantar com a Mione ontem.

—Ah, é?

—Ela e seu irmão terminaram justamente por causa dessa visita da sua ex cunhada.

Arregalei os olhos para ele, surpresa com a notícia.

—Você não sabia?

—Não, ninguém me conta mais nada. - Bufei, abrindo meu segundo iogurte. - Mas o que aconteceu?

—Pelo que entendi vocês duas apareceram lá meio de surpresa, é meio suspeito encontrar a ex mulher dele lá num dia qualquer a noite, não é?

—Por favor, a Lila nem existe pro Ron, e se estava lá por algum motivo que não atrasar um pouco mais a vida dele, tenho certeza que não teve sucesso.

—Você sabe disso, Ratinha, mas a Mione não é irmã dele e vê as coisas diferentes. Se fosse comigo, o Mike também entenderia como você.

Abri a boca para concordar, mas ele me interrompeu.

—Aliás, a Mione me deu um exemplo melhor. Se eu chegasse aqui e visse o cardiologista lindo e não sei mais o que no seu sofá, eu não ia gostar nada.

—Que cardiologista? – Franzi o cenho para ele.

—Me diga você que cardiologista, já que foi sua amiga que me falou dele, e cheia de elogios que não vou repetir. – Falou emburrado, me fazendo rir. – Mas deve ser aquele que eu vi aquele dia, a menos que você tenha uma coleção de cardiologistas.

Ri da cara de desconfiado que ele me lançava, a sobrancelha arqueada na minha direção.

—Não consigo imaginar como você e a Mione chegaram nesse assunto, mas só pode ser o Allan.

—Você apresentou a Mione pra ele, Ratinha? – Era uma pergunta aleatória, e ele a fez parecendo bem triste.

—Não, Ursinho, nós a encontramos no hall um dia e eu desejei bom dia, apenas, mas a Mione me encheu de perguntas depois. Eu não apresentei meus amigos e o Ron a ninguém antes. – Expliquei, mas ele não pareceu muito mais feliz com isso.

—E o que ele estava fazendo aqui? – Perguntou de braços cruzados.

Era a cara do Harry fazer perguntas e comentários sem pensar, e essa me fez rolar os olhos para ele.

—Harry! – Ele olhou para minha expressão sarcástica, imediatamente arrependido de ter perguntado. – Isso não tem a menor importância, amor, já faz muito tempo. Mas não enrola, me conta o resto da fofoca.

A expressão fechada dele se abriu num sorriso radiante que a princípio não me fez o menor sentido.

—Não tem muita fofoca mais, amor. – Falou sugestivo, me fazendo entender que eu o havia chamado assim por reflexo. Mas não me importei, encaixava. – Ela não gostou do que viu, com razão, e eles terminaram.

—É uma pena, o Ron estava muito feliz com a Mione, e acho que ela também junto com ele.

—O que nós vamos fazer? - Harry perguntou, perigosamente empolgado.

—Nós? - Arqueei a sobrancelha para ele. - Você não está colocando gente demais nessa frase, não?

—Não, eles estão tristes, por que não ajudar?

—Por que eles não pediram nossa ajuda? - Devolvi a pergunta e ele rolou os olhos.

—Eu acho que a gente podia pelo menos fazer os dois conversarem, a Mione não quis ouvir muito o que ele tinha a dizer.

—Quando ela quer ouvir, ele não fala nada, quando ele quer falar, ela não ouve, como a gente poderia ajudar assim? E sinceramente, acho uma péssima ideia me meter na vida deles, ainda corremos o risco deles não gostarem da intromissão.

—Ratinha, me desculpe a sinceridade, mas quem entende de riscos aqui sou eu e esse vale a pena.

Lancei um olhar cético a ele, mas não pareceu constrangê-lo.

—Não estamos mais na escola, Ursinho, a fase cupido da melhor amiga já deveria ter passado.

—Mas eles estão tristes separados.

—Eu sei, também preferia que eles estivessem juntos, mas o que posso fazer? Tive um trabalho do caramba pra resolver o meu relacionamento, você quer que eu resolva o dos outros também?

—Uma coisa não tem nada a ver com a outra, nosso relacionamento é bem fácil, você que era difícil. - Me corrigiu com o dedo em riste.

—A intenção é louvável, Harry, mas a ideia é péssima.

—Sem chance de te convencer?

—Nenhuma chance.

Ele bufou contrariado, como se eu tivesse atrapalhado o projeto mais legal da vida dele.

—Se eles tiverem que voltar, vai acontecer. - Dei de ombros.

Descartei o segundo pote em cima da mesa de centro e deitei a cabeça no colo dele. Harry não parecia muito satisfeito com o desfecho da conversa, mas deixou para lá.

—Eu vou te contar uma coisa, porque provavelmente vou falar demais qualquer hora e prefiro falar logo antes que você pense que estou te escondendo.

Eu não fazia ideia do que ele diria, mas a quantidade de explicações prendeu minha atenção.

—Agora estou até ansiosa para ouvir.

—Mas já te adianto que não tem nada demais.

—Harry, fala logo. – Apressei, minha curiosidade agora bastante aguçada.

—Fui jantar com a Mione ontem e ela bebeu um pouquinho acima do normal, aí eu precisei acompanhá-la até em casa.

—Vai virar hábito vocês dois se convidarem para presenciar momentos constrangedores um do outro agora?

—Eu espero não ter mais momentos desse para compartilhar. – Esclareceu, me fazendo rir. – Ela estava mal, tadinha, não dava para deixar ela se virar sozinha.

—E o que exatamente você precisou fazer por ela?

—Não muita coisa, só procurar a chave naquela bolsa enorme, e mais bagunçada que a sua, você tem que ver.

—Eu já vi, e nem a minha e nem a dela são bagunçadas, se quer saber. – Nos defendi, mas ele me olhou sem acreditar. – Que mais?

—Segurei e prendi o cabelo dela enquanto ela vomitava e chorava, e tirei a roupa dela pra ela deitar.

—Oi? – Arqueei tanto a sobrancelha que senti minha expressão ficando esquisita ao invés de desafiadora.

—Ela não estava conseguindo sozinha, Ratinha, e não era uma roupa muito confortável para dormir.

—Você tirou a roupa da Hermione?

—Ela é sua melhor amiga, Gin, estava precisando de ajuda.

—Exatamente, minha melhor amiga, mas não sei onde está especificado que meu namorado pode tirar a roupa dela.

Esse era um fato que me dividia entre a compreensão e a indignação. Hermione estava completamente dentro do meu grupo de pessoas total e completamente confiáveis, mas ainda assim não é uma cena legal imaginá-lo despindo outra mulher.

—Foi só pra ela dormir melhor, eu nem olhei nada.

—Sei...

—É sério, não olhei mesmo.

—Você tirou tudo? – De repente eu achei muito importante saber esse detalhe.

—Não! – Se apressou a negar. – Só a calça e a camisa, e ela estava com um sutiã e uma calcinha bem comportados, com certeza não era intensão que ninguém visse.

—Que bom que você não olhou mesmo. – Comentei irônica.

—Não olhei, isso foi minha visão periférica. – Se justificou rápido demais e eu acabei rindo e tirando toda a credibilidade da minha cara de brava. – Além disso, ela disse que eu não preciso me preocupar, porque quem gosta dos caras mais novos é só você.

Com isso minha pose acabou de vez e eu gargalhei.

—Ela disse, é? – Levei minhas mãos ao cabelo dele e baguncei, vendo-o concordar com um aceno, a expressão satisfeita com meu gesto. – Que bom que estamos todos esclarecidos, porque você é o meu garoto. – Me atentei a dar bastante ênfase ao pronome possessivo.

Puxei os cabelos dele um pouquinho mais forte, como eu sabia que ele gostava, e ganhei um sorriso atrevido.

—Você não está brava comigo, está? – Perguntou fazendo manha, deitando o rosto no meu pescoço e me dando um beijo ali.

—Não, porque é a Mione, mas se você inventar de tirar a roupa de mais alguém por aí eu vou quebrar sua mão em tantas partes que você não vai conseguir tirar nem a própria. – Ameacei séria, fazendo-o rir.

—Nossa, como você acordou violenta, Ratinha. – Provocou, me fazendo cócegas.

—Você que desperta meus piores instintos. – Devolvi no mesmo tom, segurando as mãos dele.

Harry levantou a cabeça de súbito, antes de me direcionar um olhar cauteloso:

—Não conta pro seu irmão.

—Vou pensar. – Ameacei, rindo de canto.

—Você vai sentir saudade de mim se eu aparecer boiando num rio qualquer por aí. – Alertou, parecendo sério demais em expor essa possibilidade.

—Eu vou?

—Vai, e dessa vez só vai te restar comprar um cachorro mesmo, e ele vai latir a noite.

Ri com vontade da explicação.

—Então me dê muitos motivos pra eu ficar com saudade de você e não contar para ele, pode começar agora.

Levantei a cabeça da sua perna quando ele se levantou e dei espaço para deitar ao meu lado. Coloquei minha coxa sobre sua barriga, deixando a minha perna totalmente ao alcance do seu carinho.

—Boa iniciativa, carinho é um bom jeito de começar. – Elogiei, os olhos fechados para aproveitar melhor o contato da mão dele com a minha pele.

—Como foi seu dia de shopping?

Cobri o rosto com as mãos só de lembrar, e só isso foi o suficiente para arrancar gargalhadas.

—Mione me fez experimentar uma infinidade de roupas, você não tem noção, até lingerie! Definitivamente prefiro comprar roupas sozinha.

—Você faz isso com bastante frequência, não é? Comprar roupas.

—Mais ou menos, quando estou com vontade. Nada como a Mione, você já viu o guarda roupa dela?

—Por que eu veria o guarda roupa da Mione? - Perguntou confuso.

—Sei lá, agora vocês jantam juntos na sexta à noite e você até tira as roupas dela, vai saber. - Ele rolou os olhos, mas ignorei. - Tenho certeza que tem coisa ali que ela nunca nem tirou a etiqueta, fora que até o aniversário de primeiro beijo do primo da amiga é motivo para comprar uma roupa nova. E também não vejo necessidade em experimentar a loja toda, às vezes mais de uma vez a mesma peça.

—É tão difícil te imaginar fazendo compras com uma amiga, na minha cabeça é uma cena que não te encaixa.

—Se a amiga não me fizer experimentar treze vestidos, apenas para falar para a vendedora que não deram certo e sair da loja sem nada, até que funciona.

—Deve ter sido uma tortura lenta. - Comentou consolador.

—Por um lado é bem legal, nós rimos bastante e conversamos a tarde inteira, mas experimentar tanta coisa é meio cansativo para mim e ela parece não se cansar nunca, ao contrário, a cada loja tem mais energia. Mas tem a vantagem da consultoria, aí sempre acabo comprando umas coisas também.

—Cadê? Quero ver.

—Depois te mostro, já guardei e não quero levantar daqui agora. O que vamos fazer hoje?

—Vamos fazer nada, ficar aqui o dia todo. - Sugeriu, deslizando os dedos pelo meu antebraço.

—Que boa ideia.

—Acho que vou te contar a história do livro, estou precisando dividir a mágoa.

—Conta, vou ficar deprimida com você.

Pelos próximos minutos fiquei escutando sobre Michael, Hanna, a Alemanha pós segunda guerra mundial, um romance improvável e como o fim dela foi triste. Era realmente deprimente, então acabei me compadecendo do estado de espírito dele antes de embrenharmos por assuntos mais legais.

A tarde já estava no fim e não havia mais luz do sol entrando pela janela do meu quarto, agora parcialmente escuro. A ideia era continuar namorando por muito tempo ainda, porque eu não estava com a menor vontade de escapar dos beijos que Harry estava distribuindo pelo meu pescoço enquanto deslizava a mão pela lateral do meu quadril, parcialmente deitado em cima de mim, e tirar minhas mãos das costas firmes dele estava fora de cogitação. Mas meu celular começou a tocar, tirando um pouco nossa atenção um do outro.

Puxei o aparelho de cima do criado mudo e estranhei ao ver o nome do meu irmão no identificador de chamadas, era difícil ele me ligar no sábado à noite. Mas aí lembrei que ele provavelmente não estava com a mesma companhia dos últimos meses e me apressei a atender.

—Espera aí, Harry. - Pedi antes de deslizar o dedo pela tela. - Oi, Ron.

—Ei, Gin, tudo bem? - A voz dele estava sem o tom seguro de sempre, um pouco cautelosa e mais lenta que o normal.

—Tudo bem, e você?

—Mais ou menos. Você está ocupada?

—Não, estou em casa. Você precisa de alguma coisa?

Eu suspeitava que ele precisava, sim, e sabia exatamente o que. Eu corria para ele por qualquer coisa que me incomodava, mas Ron só fez o mesmo uma vez e o motivo parecia se repetir. Saber que a aparição nada bem vinda da Lilá tinha a ver novamente com o fato do meu irmão estar triste desse jeito, só me deu mais vontade de agredi-la com muito mais do que palavras.

—Será que você podia vir aqui me fazer companhia? Eu queria conversar um pouco.

Harry levantou o rosto e me olhou curioso quando respirei fundo, contendo minha raiva que não era direcionada a ele, nem à minha vizinha, e muito menos à pessoa com quem eu conversava.

—Claro, Ron, eu já estou indo. Você jantou?

—Não.

—Vou levar alguma coisa para nós dois comermos juntos, então.

—Ok, estou te esperando.

Sem me dar tempo de responder, ele desligou e eu deixei o celular ao meu lado na cama.

—Ele está bem triste, não está? - Harry perguntou, pairando sobre mim com o cotovelo apoiado no colchão.

—Está, e eu vou ter que ir, não posso deixá-lo sozinho. - Puxei seu rosto para um beijo e o empurrei para o lado par conseguir me levantar. - O Ron nunca me pede colo, então ele com certeza não está nada bem.

—E você pede muito colo? – Perguntou, se sentando no colchão e observando enquanto eu vestia uma calça jeans que estava por ali.

—Mais do que deveria, mas não consigo evitar. – Respondi, encolhendo os ombros. - Desculpe sair assim.

—Tudo bem, eu entendo. - Ele fez menção de se levantar, mas não aparentou a menor vontade. - Só preciso dar um jeito nessa preguiça.

Arrumei minha camiseta no lugar e andei até ele, empurrando-o de volta para a cama.

—Não precisa, fica aí. Você está com a sua chave, se precisar ir embora antes de eu voltar tem como sair.

—Acho que vou aceitar sua sugestão. - Falou satisfeito, se acomodando de novo no meu travesseiro.

—Só que provavelmente não volto hoje.

—Tudo bem, Ratinha, vai lá ficar com ele.

—Não preciso te dizer para ficar a vontade, né? - Brinquei e ele abriu um sorriso que confirmava.

—Cuidado no caminho.

—Pode deixar. - Me inclinei e o beijei. - Tchau, Ursinho.

Em meio a um abraço, ele me acompanhou até a porta, me dando uma sequência de selinhos, e a fechou quando saí.

Parei numa pizzaria que havia no caminho e comprei nosso jantar, optando pelo sabor preferido do meu irmão: pepperoni. Estacionei em frente à casa dele e nem me preocupei em tocar a campainha, desci do carro com nossa pizza e entrei com a minha chave.

—Ron? - Chamei assim que abri a porta.

—Aqui na sala, pentelha. – Ouvi sua voz antes de conseguir vê-lo.

Ser chamada de pentelha era indício de que ele estava em um dia muito bem humorado ou bêbado, e a primeira opção definitivamente estava fora de cogitação.

—Oi, Nony. – Respondi chamando-o pelo nome que eu dizia ser o dele assim que aprendi a falar.

Seus olhos lacrimejaram na minha direção quando me abaixei para dar um beijo em seu rosto, me mostrando que minha escolha foi péssima e não o fez rir, como eu queria.

—Você lembra, Gin?

—Claro que lembro, ninguém me deixou esquecer. – Ele riu um pouco, o som muito mais largado que o normal, mas se fechou quando tirei o copo de whisky da mão dele.

—Ei, quem deixou?

—Hoje eu sou a irmã mais velha, não preciso de permissão. – Afirmei sem dar margem a contestação, levando a garrafa para a cozinha comigo.

Voltei com dois pratos e guardanapos para nós dois, me acomodei no sofá também e entreguei um ele.

—Trouxe seu sabor preferido.

—Você é uma linda, menina. – Elogiou antes de morder o primeiro pedaço.

Segurei o riso, porque não era exatamente engraçado vê-lo daquele jeito. Na minha opinião, estava mais para despedaçador, porque os sorriso e as piadas constantes combinavam muito mais com o rosto dele do que essa mágoa toda.

Comemos o primeiro pedaço em meio a um silêncio confortável, em que ele se manteve perdido nos próprios pensamentos.

—Eu atrapalhei sua noite, não atrapalhei? – Se lamentou, me olhando sentido.

—Não atrapalhou nada, não, Ron.

—Você estava com o moleque, não estava?

—Estava, mas ele não vai sair correndo. – Brinquei, mas ele riu completamente sem humor.

—De você as pessoas não fogem, né?

Se eu continuasse escolhendo tão mal assim minhas tentativas de distração, acabaria essa noite tendo que levar meu irmão depressivo ao psiquiatra. Por outro lado, o mais sensato seria fazê-lo falar logo tudo e depois deixar esse assunto de lado.

—Ron, me conta o que aconteceu. – Pedi, me virando de frente para ele.

—Ela não quis me ouvir, Gin.

—Me conta do começo, o que a Lilá estava fazendo aqui?

—Eu juro que não sei, por que está todo mundo desconfiando que eu ainda quero alguma coisa com aquela vaca?

Disfarcei a risada ao vê-lo chamando a ex desse jeito, o momento não era para rir.

—Não estou desconfiando, Ron, eu sei que você não quer absolutamente nada com ela, mas eu também não entendi o que era aquela cena.

Ele suspirou, com se fosse começar a explicar algo completamente complexo a alguém que não tem nenhum poder cognitivo.

—Gin, ela chegou aqui nem sei como e tocou a campainha. Que que eu ia fazer? Abri a porta, ué, e quase engasguei com a água que eu tava tomando quando vi aquele espantalho na minha frente.

Dessa vez foi impossível, eu ri com vontade.

—Espantalho?

—É, ela tá mais loira, você reparou? – Explicou a origem do apelido. – Me lembrou o cabelo de palha do Alfredo.

Gargalhei alto com a lembrança do espantalho que ele fez para mim quando eu era criança e ficava no sítio dos nossos pais.

—E depois, que aconteceu?

—Ela perguntou se podia entrar e já foi entrando, sentou ali parecendo estar muito confortável e disse que queria conversar. Me pediu um copo de água e depois mais nada, vocês chegaram.

—Você não estava muito confortável, né? Eu reparei.

—Eu não tenho nada pra falar com ela, eu tinha pra falar com a Mione, mas ela não quis me ouvir.

—O que aconteceu com vocês? Porque ouvi dizer que ela estava bem mal também.

—Ouviu dizer de quem?

—Ela e o Harry são amigos, e além disso ela gosta de você, então não tem como estar bem.

—Se ela gosta de mim, por que foi embora?

—Ron, você tem que concordar que foi meio suspeito, né?

—É por isso que eu queria explicar! – Falou com as mãos erguidas, como se eu não estivesse acompanhando a linha de raciocínio dele.

—Eu sei, Ron.

Ele estava parecendo tão triste, que eu comecei a achar que realmente precisava fazer alguma coisa.

—Mas posso dizer o que eu acho? – Não esperei pela resposta. – Isso é só de momento, Ron, vocês se gostam tanto.

—Eu gosto tanto mesmo, mas ela não deve gostar tanto assim.

Levantei de um pulo do sofá, chamando a atenção dele e transformando seu olhar triste em confuso, como se não estivesse entendendo nada do que eu estava fazendo. Tirei o prato do colo dele e coloquei na mesa de centro.

—Vem, vamos assistir um filme lá no seu quarto.

—Minha vida tá uma bosta, você acha que eu quero assistir um filme? – Perguntou bravo.

Não era muito legal da minha parte, mas a única coisa que consegui pensar para fazê-lo se distrair era apelar.

—Vamos, Ron, como você fazia comigo antes quando eu estava mal, relembrar os velhos tempos.

Ele pareceu bem contrariado, mas levantou e saiu pisando firme em direção ao corredor. Apaguei a luz da sala e o segui, encontrando-o já deitado na cama, todo emburrado. Liguei a TV e procurei um filme barulhento e sangrento o bastante para que ele não visse nada romântico ali.

Deitei ao lado dele e por alguns minutos isso o distraiu, mas minha tática não funcionou por muito tempo.

—A Mione não gosta desse tipo de filme, ela diz que tem sangue demais.

—Mas você gosta?

—Quando foi que gostei de sangue? Você é minha irmã, tinha que saber. – Falou ofendido.

—Eu estava perguntando do filme.

—Ah. Tanto faz, só to aqui te fazendo companhia.

Essa tática não estava funcionando também, então me virei de frente para ele, desviando minha atenção forçada da TV, porque eu também não estava assistindo nada.

—Eu comprei uma chapinha, sabia?

A informação foi tão do nada que eu nem soube o que dizer.

—Porque a Mione disse que precisava dessas coisas para se arrumar, mas eu não sei pra que ela quer arrumar, eu adoro os cachos bagunçados dela.

Minha amiga provavelmente odiaria ouvir que os cachos tão minuciosamente cuidados dela são considerados como bagunçados pelo meu irmão.

—Se você quiser, eu levo para mim, estou mesmo precisando de uma.

Eu não estava, mas não consegui pensar em nada melhor para dizer.

—Não, Gin, para de ser interesseira e compra uma, fui eu que escolhi a vermelha e não foi pra você. – Respondeu de cara fechada. – Eu queria que ela voltasse para usar de novo.

—Ela vai voltar, Ron.

—Você fala com tanta certeza que parece que sabe de alguma coisa.

—Sei que vocês se gostam, isso não é suficiente?

—Não sei, é?

—Pra mim foi, só precisei esperar a cabeça esfriar um pouco e ver melhor as coisas. Com vocês vai ser a mesma coisa.

—Não sei o que eu faço.

—Tenta conversar com ela, só da um tempo para esfriar a cabeça.

—E se for tempo demais?

—Não vai ser, eu te garanto.

—Queria ser tão confiante quanto você.

—Hoje eu sou a irmã mais velha, lembra? Eu sei das coisas. – Sorri convencida, e isso acabou fazendo-o rir também.

—Estou com sono.

Sentei na cama e encostei na cabeceira, dando espaço para que ele deitasse a cabeça no meu colo. Era tão estranho vê-lo assim que eu não sabia o que fazer além de me sentir triste também.

—Deita aqui, vou fazer carinho até você dormir, estou uma irmã mais velha muito legal hoje.

—Você vai ficar, não vai? Não vai embora também... – A frase dele morreu quando deitou a cabeça na minha coxa.

—Claro que não vou embora, Ron, vou ficar o tempo que você quiser. – Afirmei, deslizando as mãos pelos cabelos lisos dele, num carinho lento.

—Obrigado, pentelha.

O jeito que ele me chamava quando eu era criança quase me fez rir de novo, mas controlei e continuei meu carinho enquanto o sentia batucar um ritmo qualquer na minha perna. Aos poucos os dedos dele foram ficando mais lentos e as leves batidas na minha coxa cessaram de vez, indicando que ele havia caído no sono.

Me acostumei a ver o Ron como a minha fortaleza, o meu lugar seguro e inabalável onde eu desmoronava e ele permanecia firme e forte, a visão dele visivelmente triste e destruído por dentro não era a minha preferida, e me fazia querer de qualquer jeito fazer as coisas voltarem ao eixo normal.

Continuei o movimento dos meus dedos pelos cabelos vermelhos dele e me inclinei o suficiente para puxar o celular do bolso de trás, passava um pouco da meia noite, mas mandei a mensagem mesmo assim.

“Já dormiu?”

Harry me respondeu quase imediatamente.

“Não. Precisa de alguma coisa?”

“Eu topo, é bom que sua ideia seja realmente boa.”

Eu quase pude ver o sorriso de vitória dele com a minha mensagem, mas a resposta não era bem a que eu esperava:

“Vai funcionar, Ratinha, a gente só precisa decidir o que fazer.”

“Você não disse que sabia o que fazer?”, perguntei com a sobrancelha erguida para o aparelho.

“Não, eu só disse que deveríamos fazer alguma coisa... Mas tenho certeza que teremos uma ideia brilhante :)”

Rolei os olhos e encostei a cabeça na cabeceira atrás de mim, eu não sabia se acreditava menos no que estava lendo ou em concordar com isso.

“Estou vendo mesmo como você é ótimo com riscos, da até medo.”

“Sou o melhor, sério ;)”

Ri baixo para não acordar o Ron.

“Acho bom que seja mesmo. Vou dormir, boa noite.”

“Beijos ♥”

Ri para o desenho bonitinho de coração e respondi da mesma forma:

“Muitos ♥”

Deixei o celular de lado, me desvencilhei com cuidado e deixei o Ron deitado em um dos travesseiros. Fui rapidamente até o banheiro, troquei minha roupa pelo pijama e me acomodei ao lado dele para dormir, de forma alguma eu o deixaria sozinho.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Essa versão do Harry sincero e falando demais é tão fofa para mim, espero que vocês também tenham gostado!
Mas o que me chama mais atenção nesse capítulo é esse momento de irmãos que ela e o Ron compartilham, adoro a amizade deles!
Agora só falta saber o que esses dois vão aprontar, a Gin tem que estar muito triste por ele pra topar fazer parte desse plano louco que ela ainda nem sabe qual é hahaha
Ansiosa pelos comentários de vocês!
Beijos.

Crossover: para saber por que o Ron está tão triste assim, leia o último cap postado de Backstage:
https://fanfiction.com.br/historia/692675/Backstage/capitulo/28/