Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 33
Capítulo 33


Notas iniciais do capítulo

Essa semana a linda da Fleamont fez uma recomendação muito inspiradora de DV! Esses retornos cheios de carinho e palavras de incentivo são o que me motivam. Muito obrigada! Espero que o capítulo de hoje te recompense com um pouquinho da felicidade que você me deu.



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Abri a porta assim que a campainha tocou, a toalha ainda no cabelo molhado do banho recém tomado.

—Oi, Ron. - O cumprimentei e me estiquei para receber seu beijo.

—Oi, tudo bem?

—Tudo. Já jantou?

—Não, e estou morrendo de fome, qual vai ser o cardápio? - Se jogou no sofá sem aguardar convite e colocou os pés sobre o assento.

—Salada e frango grelhado.

Ele me olhou com o cenho franzido:

—Está doente?

—Não, estou malhando.

—Era só o que faltava. - Rolou os olhos para mim, sem acreditar. - Se não tem outra opção.

Preparei um prato a mais e levei para o meu irmão no sofá, que se recusou a levantar e se servir na cozinha.

—Te dou uma chance para adivinhar quem é que está trabalhando com a Mione. - Puxou assunto um tempo depois.

—O Ced? - Chutei o óbvio, porque não fazia ideia.

—Antes fosse, queria mais quinze dele. - Olhei mais curiosa com sua veemência. - A Lilá.

Eu só não engasguei porque não estava mastigando nada, mas também não soube o que dizer.

—Como? - Foi minha única pergunta.

—A Mione me falava há uns dias já que tinha uma consultora trabalhando com ela, propondo mudanças e tal, até mandou ela fazer um curso em outra cidade. Aí cheguei esses dias pra buscar ela no trabalho e a tal consultora estava lá, era a bendita.

—E como foi?

—Desagradável, né? É incrível como ela é cara de pau o suficiente para ainda se sentir superior quando fala com todo mundo.

—Mas e você, aquela fixação toda nela, não, né?

—Pelo amor de Deus, Ginny, não sei o que eu tinha na cabeça na primeira vez, essas merdas não se repetem.

—Sei lá, você era todo apaixonadinho, dava até medo. - Dei de ombros diante do olhar incisivo dele, afirmando que aquilo não tinha a menor chance.

—Vê-la não mudou nada na minha vida, nem pra mais, nem pra menos, mas odiei ela ter feito a Mione se sentir mal, e a coitada ainda vai ter que passar o dia todo com aquela…

—Vaca. - Ajudei no adjetivo.

—É.

—Se eu posso opinar, a evolução que você fez da Lila para a Mione não é nem mensurável.

—Eu também acho. - Falou com um sorriso bobo.

—Sua opinião não vale, Ron, ela é meio distorcida.

—Tive cinco anos de Mione antes da minha opinião parar de ser confiável, então ela precisa e deve ser considerada nesse caso.

—Ta todo apaixonadinho, né, Ronald? - Baguncei o cabelo dele como provocação e ganhei um tapa na mão.

—Estou. - Confirmou e eu ri. - Sabe o que estou também? Procurando sua moral pra rir disso.

Dei de ombros com superioridade, espetando um pedaço do meu frango.

—Falando nisso, cadê sua sombra?

—Na casa dele, por quê? Está com saudades? - Ergui a sobrancelha, desafiadora.

—Eu não, e você?

—Também não, ele foi embora hoje de manhã. - Ri convencida, ele me olhou com desagrado.

Meu irmão se despediu logo depois de comer e me deixou sozinha. Depois de lavar a pouca louça que usamos, tomar banho e trocar algumas mensagens com meu namorado, me enfiei sob as cobertas e apaguei em um sono tranquilo.

O dia seguinte era dia de academia, como vinha sendo nossa rotina duas vezes por semana, por isso saí do hospital direto para a casa do Harry, que já me esperava vestido adequadamente para as atividades físicas. Eu estava gostando de fazer algo diferente com ele e era divertido ouvir as piadas do orientador físico, que aparentemente já me conhecia de tanto ouvir falar.

Assim que as portas foram destravadas, me joguei no banco do passageiro com o máximo de elegância que consegui, o que não foi muito. Ofeguei algumas vezes, tirei o cabelo suado da nuca e joguei a ponta do rabo de cavalo por cima do encosto de cabeça do banco do carro, tomando um longo gole de água na minha garrafa.

—Ratinha, você é muito mole. - Harry comentou tranquilamente, sentando do meu lado como se estivesse saindo de uma sessão de relaxamento, não de duas horas de ginástica.

—Eu te daria uma má resposta se falar não estivesse tão cansativo.

A gargalhada dele preencheu o carro já em movimento.

—O dia no hospital hoje foi um caos, passei o dia inteiro andando de um lado pro outro, você ficar falando “só mais um, só mais um” não me ajuda muito.

—Tadinha. - Falou com o rosto apoiado no meu pescoço, sem demonstrar que minha declaração dramática o comoveu minimamente.

Quando o semáforo abriu, ganhei um beijo e ele se virou para frente de novo.

—Você podia me levar no colo, né? Não quero nem me mexer. - Brinquei quando ele parou o carro na garagem, ao lado do meu.

—Não estou tão forte assim.

Ri com ele enquanto caminhávamos até o elevador, que por sorte não precisamos esperar porque estava parado na garagem.

—O que você fez ontem a noite? - Me perguntou enquanto subíamos, mantive o rosto encostado no peito dele.

—O Ron foi jantar comigo, depois falei com você e fui dormir. E você?

—Nada, só falei um pouco com o Mike. Ele e a Lisa estão bobos com a Meg.

—Imagino, ela é uma gracinha, quem não fica?

—Sua voz está tão manhosa que estou ficando com sono. - Comentou rindo, puxando meu rosto para cima.

—Eu também estou ficando com sono.

Passamos pela porta do apartamento dele e assim que entrei fui direto até o sofá, onde me deitei. Mal tive tempo de relaxar e Harry me puxou pela mão.

—Vem, preguiçosa, vamos tomar um banho e dar um jeito nisso.

A água quente fez seu papel em me relaxar, mas quando saímos do banheiro eu ainda me sentia muito dolorida. Troquei o meu robe de sempre pela camiseta que ele usou no dia anterior para dormir, que tinha a vantagem do seu cheiro gostoso, e me deitei na cama com as pernas dobradas e os olhos fechados.

—Se toda vez que eu fizer um exercício diferente doer desse jeito, vou repensar essa atividade.

—Quanta manha da sua parte, doutora. - Zombou, se acomodando ajoelhado entre as minhas pernas.

Antes que eu respondesse, Harry deslizou as mãos pela minha coxa, a atenção focada nos meus músculos doloridos. Minha frase se transformou em quase um gemido de alívio e ficou para lá enquanto eu apreciava o toque das mãos dele, firme o suficiente para aliviar a tensão e ao mesmo tempo carinhoso.

Fechei os olhos para me deixar relaxar enquanto ele massageava minhas pernas, desde a virilha até a panturrilha, me dando sono. O toque dele não tinha nada de inocente, mas o único objetivo era melhorar meu desconforto, isso era tão bom.

—Eu deveria ter feito isso antes. - Falei sem abrir os olhos.

—Academia?

—Não, deixar você cuidar de mim assim. É tão gostoso que não estou nem com vontade de ir para casa.

—Nós damos muito certo, Ratinha. - Comentou e eu abri os olhos para olhá-lo. - Eu gosto de bajular, você gosta de ser bajulada, não poderia ser melhor.

—Dá mesmo, então pode continuar.

Ele continuou por vários minutos, até parar e alisar minha coxa, finalizando com uma palmadinha.

—Já acabou?

—Minha mão já está ficando dolorida, dá uma folga.

—Cinco minutos são suficientes? - Brinquei e ele riu.

—Tem roupa minha aqui?

—Do hospital? - Concordei com um aceno. - Tem.

—Então acho que vou dormir aqui hoje.

—Apoio essa ideia, vou dormir bem melhor se você ficar. E se você me der um espacinho, também.

Fechei os braços e me arrastei para o travesseiro dele, abrindo espaço para que se deitasse ao meu lado. Harry me puxou para mais perto, fechando o braço em volta da minha barriga, me prendendo em um abraço.

—Falei com a minha mãe hoje, ela te mandou um beijo e perguntou quando vamos para lá de novo.

—Mande outro meu para ela. Quando você pensa em ir para lá? Se eu estiver livre, vou adorar te acompanhar.

—Vemos isso no final de semana, aí decidimos um dia em que nós dois possamos.

—Ta bom.

Fechei os olhos, relaxada o suficiente para adormecer, o movimento carinhoso dos dedos dele na minha cintura ajudando.

—Ratinha?

—Uhn.

—Quanto você gosta de mim?

A pergunta completamente fora de contexto me fez virar de frente para ele e me apoiei sobre o cotovelo, olhando-o de cima. A iluminação que se precipitava pelas frestas da janela não era suficiente para ver seu rosto claramente, apenas distinguir que ele estava deitado de costas, olhando para mim.

—Há alguma razão oculta para essa pergunta tão do nada?

—Você disse uma vez que gosta de mim, eu gostaria de saber quanto. - Ele levantou a mão e passou no meu rosto, colocando o cabelo atrás da orelha. - Estou muito na sua, minha linda, quero saber se não estou nessa sozinho.

—Muito. – Respondi com sinceridade. - Eu gosto muito de você.

—Muito quanto?

—O suficiente para que ficar longe de você seja mais difícil do que falar sobre o que aconteceu. No meu caso isso é muita coisa, Harry.

Vi o contorno do rosto dele se abrir num sorriso que eu não conseguia enxergar, mas sabia com perfeição como era.

—É suficiente para mim. – Afirmou satisfeito. – Eu adoro o seu jeito de gostar de mim.

—Adora, é? E como eu gosto de você?

—Você não força, não finge, não tenta agradar. Eu gosto disso, você é espontânea. - Ele deu ombros. - Não me lembro de nada que você já tenha feito ou dito que me pareceu ensaiado, tanto as suas respostas atravessadas como as carinhosas. Bom, só no dia do meu aniversário, mas aquilo você pode ensaiar sempre.

—Fingir não está nas minhas habilidades, Ursinho.

—Eu sei, isso é muito legal em você.

—Eu também gosto muito do seu jeito, não só comigo, eu digo no geral. Você é tão despreocupado, adoro isso.

A risada descontraída dele preencheu o quarto.

—Despreocupado?

—Sim, e isso foi a primeira coisa que me chamou atenção em você, não o fato de você ser bonito pra caralho.

—Mas isso ajudou, né? – Falou convencido.

—Sempre ajuda, né gato?

—Sem dúvidas, gata. – Respondeu irônico.

—Eu queria um pouquinho disso para mim.

—Da minha beleza?

—Não, eu não preciso de mais beleza. – Afirmei convicta e ele fingiu uma tosse. – Estou falando do seu jeito de ver as coisas, tudo é lindo na sua vida.

—É mesmo, aí você chegou para completar.

Sem que eu fizesse o menor esforço, meu rosto se abriu num sorriso bobo.

—E essa mania de falar a coisa certa na hora certa também me agrada.

Estalei um beijo na boca dele enquanto ria.

—Eu também queria um pouquinho de você quando te vi pela primeira vez.

—O que?

—Seus peitões, você não imagina como eu os queria na minha vida.

Não aguentei e acabei gargalhando.

—Estou sendo romântica, Harry, não quebre o clima.

—Eu também, amor, seu coração está logo embaixo.

A resposta descarada só me fez rir mais.

—Falando sério agora, eu queria saber como você era de verdade, por trás de toda a pose muito segura, da postura inabalável.

—E o que você tem a dizer agora que sabe?

—Eu gosto muito mais dessa versão usando só a minha camiseta e de cabelo molhado, aqui nós estamos no mesmo nível.

—Em todo lugar estamos no mesmo nível, Harry.

—Eu sei, é modo de falar. Mas demorei uns dois meses para parar de te ver em cima de um pedestal, você era boa em tudo, muito prática, independente, exalava confiança, não parecia ter nada que te abalasse, nem parecia que vivia no mundo real.

—Minhas fragilidades te atraem, então? – Comentei sarcástica.

—Nunca tive uma queda por princesas indefesas, fragilidades não me atraem. – Ri da resposta. – É que a imagem que você passa à primeira impressão é de que não há nenhuma, e isso desperta muita curiosidade, mas eu gosto mais da pessoa que você é de verdade.

—Vamos concordar que gostamos muito um do outro exatamente como somos, então.

—Concordo em concordar com isso. – Me estendeu a mão num acordo.

—Me conte alguma coisa que eu não sei. – Pedi, me deitando no ombro dele.

—Essa frase era minha.

—Agora é nossa.

—Odeio hospitais. – Confessou e eu me levantei de novo para olhar para ele.

—Sério?

—Muito sério, nunca reparou que na maioria das vezes te espero do lado de fora? – A declaração me fez rir. – Estou me habituando à recepção, são muitos meses te esperando lá, mas desde criança eu não suporto hospitais.

—Infelizmente eu não tenho o que dizer para essa declaração, nem tenho como te ajudar, desculpe.

—Não é como se eu não soubesse desde o começo, né? – Brincou descontraído.

—Exato, não pode nem dizer que omiti informações.

Terminei a frase em meio a um bocejo, o cansaço do dia se acumulando e me deixando sonolenta.

—Acho que vou dormir. –Anunciei,  coçando os olhos.

—Boa noite, Gin.

Ganhei um beijo demorado antes de me virar e me acomodar encostada em seu peito.

—Boa noite.

Quando meu despertador soou, parecia que eu tinha acabado de dormir. Não porque a noite foi ruim, mas porque estava muito confortável para sair desse abraço. Me desvencilhei com cuidado para não acordá-lo, tomei café da manhã rapidamente e me vesti para sair à tempo de não me atrasar.

Depois de uma manhã tranquila no trabalho, cheguei em casa pouco depois da uma da tarde e estranhei ao ver minha vizinha estacionando o carro quase ao mesmo tempo que eu na vaga ao lado. Desci do carro disposta a perguntar se ela queria ir almoçar em algum lugar, mas o que encontrei não foi uma expressão muito convidativa.

—Tudo bem, Mione? - Perguntei, parada ao lado da janela do motorista, aproveitando o vidro abaixado.

Ela me olhou meio transtornada, mas pareceu ter uma ideia brilhante assim que seus olhos pousaram em mim:

—Problemas no trabalho. Vai sair hoje? - Perguntou direta, o ritmo acelerado de sempre na voz.

—Não, só vou ficar em casa.

—Ótimo, vamos.

Levantei a sobrancelha em um questionamento mudo quando sem mais explicações ela deu partida no carro, esperando que eu entrasse.

—Vamos aonde?

—Dia de shopping. - Quase tive vontade de sair correndo quando ela contou o destino. - Tenho direito a um por ano com você, não é? É hoje, entra.

—Olha, Mione, se você ainda não sabia, isso deve ser a confirmação de que eu gosto muito de você. - Falei enquanto me acomodava ao lado dela.

A primeira vez que Mione me arrastou para o shopping com ela, dizendo que era rapidinho, foi no ano em que nos conhecemos e a tarde rápida dela rendeu seis horas, oito lojas e a compra de um monte de roupas que eu nem sabia que precisava ou queria. Nos divertimos, mas ainda assim não era meu programa preferido, então combinamos que eu toparia fazer isso uma vez ao ano. Da minha parte era modo de falar, mas ela levou muito a sério.

Eu já sabia o que esperar do resto do dia, e não foi nada diferente do que pensei: inúmeras lojas, Mione trazendo uma peça atrás da outra e me fazendo experimentar todas elas, pedindo minha opinião e no fim não dando muita atenção ao que eu estava dizendo, sacolas de compras se acumulando. Típica tarde com a minha melhor amiga, cheia de risadas e sem nenhuma preocupação, ela radiante e eu me embrenhando em todos os provadores possíveis, porque tinha que vestir tudo o que ela queria.

—Estou morrendo de fome. - Ela comentou assim que se acomodou no banco do motorista.

—Eu também. - Me sentei do lado e afivelei o cinto de segurança. - Vamos jantar com o Ron?

—Se não tiver prolema, vamos.

—Não tem, não, e ainda nos poupa trabalho.

Saímos para o trânsito um pouco mais agitado de fim de tarde, a velocidade bem abaixo da normal.

—E o Harry está bem?

—Está sim, estava na casa dele ontem, fui direto do trabalho.

—E entre vocês?

—Melhor impossível. - Contei satisfeita. - Te contei que conheci os pais dele?

—Não, e como foi com papai e mamãe arco íris? - Perguntou num tom de piada que não teve como não rir.

Contei a ela todos os detalhes de que me lembrei e nos embrenhamos pelas novidades do que tinha acontecido nos últimos dias, como a comemoração do aniversário dela e, infelizmente, a chegada repentina da ex esposa do meu irmão. Ela não estava nada confortável com a situação e eu entendia perfeitamente, principalmente agora que ciúme era um sentimento que também fazia parte do meu mundo.

Quando prestei atenção novamente, já estávamos atravessando a portaria do condomínio onde meu irmão morava.

—Chegamos cedo, ainda dá tempo de você experimentar as roupas de novo, fazermos umas combinações. - Minha cunhada comentou, olhando o relógio no painel do veículo.

—Mione, pra que você quer que eu experimente tudo isso de novo? Já coloquei tudo e desfilei na sua frente antes de comprar, só faltou fazer um penteado.

—Penteado? - Me olhou perigosamente empolgada. - Gostei dessa ideia.

—Eu estava brincando. - Emendei apressada, mas algo me dizia que já era tarde demais.

—Você disse que eu tinha direito a um dia de shopping por ano com você, então vamos fazer esse dia direito. - Determinou no momento exato em que estacionava o carro em frente à casa dele. - Você ligou pra ele pra saber se a gente podia jantar aqui?

—Não, mas nós podemos. As vezes eu apareço mesmo sem avisar, e trazendo você junto ainda diminui a chance pequena de que ele reclame. - Abri a porta e tentei sair sorrateiramente.

—Ginny, seja uma boa melhor amiga e pegue essas sacolas!

Rolei os olhos para ela, mas puxei todas as minhas compras do banco de trás antes de sair do carro.

Ela carregou as dela ao meu lado até a porta, quando fez menção de tocar a campainha eu a impedi mostrando minha chave.

—Ele sempre reclama que não sabe pra que me deu essa chave se eu nunca uso, aí as vezes eu me lembro. - Justifiquei enquanto destrancava a porta. - Ron, cheguei. - Gritei assim que demos um passo para dentro.

Deixei minha bolsa e a chave na mesinha ao lado, Mione fez o mesmo antes de me seguir até a sala. Eu esperava que a visão mais assustadora possível fosse meu irmão pelado no sofá assistindo TV, mas o que eu vi conseguia ser ainda pior que isso: Lila, em pessoa, com toda a sua aura carregada de tudo que eu não gostava, estava sentada na poltrona com um copo de água na mão.

Minha visão periférica registrou apenas brevemente a pose desconfortável do Ron no sofá, mostrando claramente que aquela não era uma visita bem vinda, e Mione se enrijecendo ao meu lado. Ignorei os dois, mas não consegui desviar meu olhar cínico da pessoa à minha frente, que me olhava com uma superioridade que não fazia mais jus a nada.

—Quem é vivo sempre aparece, hein? O que no seu caso é uma pena. Veio fazer o que aqui? Acho que seu bilhete disse tudo, não precisava ter se dado ao trabalho. - Cumprimentei o mais ácida que consegui.

—Ainda acha que a casa é sua, fedelha?

Por pura pirraça, porque ela odiava qualquer coisa fora do lugar, soltei minhas sacolas no chão de qualquer jeito e sentei no sofá com os pés sobre a mesa de centro.

—Sua é que não é. - Devolvi sem me intimidar.

Seu olhar varreu minha roupa antes de se fixar no meu rosto outra vez.

—Você conseguiu, hein? Médica, quem diria. Você sempre me pareceu tão burrinha.

—Eu sempre soube que você é uma péssima pessoa pra falar de inteligência, não me surpreende. Você é que se surpreenderia com quanta coisa mudou para melhor desde que você fez o favor de sumir.

—Na minha vida também, fedelha.

—Consigo ver daqui. Quem foi que conseguiu dar um jeito nesse seu cabelo? Espero que você tenha pago uma quantia digna pelo trabalho árduo que a pessoa teve.

Até para mim era estranho falar desse jeito, mas ela conseguia me fazer querer ser tão baixa quanto ela nas respostas e comentários.

—Você não evolui, né garota? - Perguntou com os olhos faiscando para mim. - Não cresce nunca.

—Não. - Concordei com um sorriso falso. - Mas me conta, o que você tem feito? Ouvi dizer que seu sobrenome agora é outro, estou muito curiosa sobre a outra vítima.

—Vitima? Eu só fiz bem a ele antes de nos separarmos.

—Ah, duvido muito.

—E eu não chamaria assim alguém como Draco, nem todo mundo regride na segunda tentativa. - Ela disse isso lançando um olhar furtivo na direção da minha amiga, e isso me ferveu o sangue mais do que quando estava falando de mim.

—Se eu fosse você nem começaria a me comparar com a Mione, Lilá, você vai sair daqui humilhada se fizer isso.

—Agora você tem amigas, fedelha? Que orgulho, quase sociável.

A menção da época em que ela ainda fazia parte da minha vida, e de quão difícil aquilo tinha sido para mim, não melhorou meu estado de espírito.

—Você não tem noção de quanta coisa mudou desde aquele tempo, mas eu te garanto que a vontade de quebrar a sua cara permanece firme e forte, então é melhor você calar a boca.

—Consigo ver que baixa você ainda é.

—Você não dizia que eu era um caso perdido? Estou te dando um pouquinho de razão, e devo ser a única pessoa que faz isso, você deveria agradecer.

—Você dizia isso? - Ron nos interrompeu pela primeira vez, me fazendo olhar para ele a tempo de vê-lo lançar um olhar cheio de raiva e indignação para ela.

Lilá sustentou o olhar dele com desafio, eu não falei nada.

—Lilá, eu nem sei o que você veio fazer aqui, mas é melhor ir embora. - Ele completou, vendo que ela não diria nada.

—Claro que você sabe, Ronald, eu vim conversar.

—Não acho que tenhamos o que conversar.

Felizmente, nesse momento, minha paciência era muito menor que a dele. Levantei do sofá e cruzei a sala até parar na frente dela.

—Acho que você ouviu, né? O código de etiqueta da Barbie com certeza te ensinou que é muito mal visto impor a própria presença, então eu vou te acompanhar até a porta pra você não demorar mais que o estritamente necessário.

Sustentei seu olhar até que ela levantasse e deixasse o copo sobre a mesa, apanhasse a bolsa e se encaminhasse à saída após um breve aceno com a cabeça. Lilá parou do lado da porta esperando que eu abrisse, mas ao invés disso fui até minha bolsa e puxei a carteira, de onde tirei algumas notas que minha raiva não me deixou ver de quanto eram.

—Você não dizia que eu te devia até... Como era mesmo? Ah, sim, eu te devia até o iogurte do meu café da manhã. Aqui, para o táxi, estamos quites. - Enfiei o dinheiro na mão dela sem dar tempo para questionamentos. - Olha, seu esmalte descascou, não sabe nem pintar uma unha?

—Você é muito insolente, Ginny.

—Eu sou, né? Pode sair, só estou esperando. Desculpe não abrir a porta, mas eu realmente não quero que você volte.

Nos encaramos por um minuto inteiro antes que ela girasse a maçaneta e finalmente desaparecesse da minha frente. Encontrar minha ex cunhada estava bem no fim da lista de coisas que eu ainda queria, mas não posso negar que me senti mais leve a cada olhar raivoso que ela me lançava.

Respirei fundo para dissipar a irritação que não era direcionada às outras duas pessoas presentes, e voltei à sala.

—Ela te falava mesmo aquilo? - Ron me perguntou com mais indignação do que eu me lembrava de ter visto.

—O que? Do iogurte? - Ele assentiu enquanto eu me sentava na poltrona onde ela estava. - Entre outras coisas que nem vem ao caso.

Ele assumiu uma expressão que era um misto de pedido de desculpas com raiva não calculada que me fez desviar o olhar. E focar em Hermione, com os braços cruzados e a expressão fechada, olhando fixamente para um ponto qualquer da sala.

—Vamos experimentar, Mione? - Tentei chamar a atenção dela para mim.

—Ah não, Gin, deixa isso para depois. - Eu a conhecia bem demais para saber que negar um convite desses era sinal suficiente de que algo a incomodava de um jeito pouco saudável.

Sendo bem sincera, no lugar dela eu estaria do mesmo jeito. Encarei isso como minha deixa para sair e deixá-los resolver o mal estar que aquela visita inesperada e indesejada tinha causado, o assunto que provavelmente se seguiria não era mais do meu interesse.

—Eu já vou, gente. - Anunciei, me levantando e pegando as minhas sacolas.

Mione me olhou alarmada, porque eu tinha vindo com ela.

—Vou de táxi, não se preocupe. - Emendei antes que ela falasse alguma coisa e dei um beijo em cada um. - Tchau, até mais.

Até fechar a porta atrás de mim, nenhum dos dois tinha dito uma palavra sequer.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!
Encontro com a ex cunhada não estava nos planos, né? Mas já que ela estava ali, por que não falar algumas coisinhas engasgadas? ahaha
E esses dois cada vez mais fofos?
Ansiosa para saber as opiniões de vocês!
Beijos e até o próximo.

Crossover: o que será que acontece agora que ficou só o Ron e a Mione? Não deixem de acompanhar Backstage para saber!



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