Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 32
Capítulo 32




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Toquei a campainha do apartamento em frente ao meu às cinco e vinte da manhã, já vestida com as roupas brancas de sempre, minha bolsa no ombro e o presente de aniversário da minha amiga cuidadosamente apoiado sobre a mão, torcendo que ela ainda não tivesse aquele modelo de bolsa. A marca eu sei que ela gosta, tem pelo menos umas cinco diferentes no armário, só pelas que eu consegui contar.

A porta se abriu e, não tão surpreendentemente assim, quem apareceu não foi Hermione, e sim o meu irmão, confortavelmente vestido apenas num short e descalço, os cabelos ainda completamente bagunçados.

—Não sei por que não me surpreendo. - Comentei irônica, alto suficiente apenas para ele ouvir e com um sorriso debochado.

—Nem eu, quem mais tem esses horários inconvenientes? - Afastou a porta para eu entrar e me deu um beijo quando passei.

—Cadê a Mione? - Deixei minha bolsa em cima do sofá enquanto ele trancava a porta novamente.

—No quarto.

Ele voltou à cozinha, de onde um cheiro gostoso de comida boa exalava, e eu fui até onde ele havia me indicado. Dei duas batidinhas rápidas na porta entreaberta e ela se virou para mim enquanto terminava de arrumar no lugar os cachos bem definidos do cabelo, ainda vestindo apenas uma calça mostarda de aparência muito elegante e só um sutiã preto na parte de cima, embora a camisa da mesma cor, provavelmente a sortuda entre suas infinitas, estava pendurada num cabide na porta do armário, o scarpin preto de camurça repousando logo abaixo no chão.

—Oi, Gin! - Me cumprimentou com um sorriso.

Entrei no quarto e trocamos um abraço demorado enquanto eu a felicitava, depois me sentei em sua cama e conversamos por alguns minutos até ela terminar de se vestir com o que eu imaginava ser o “look ideal para passar a imagem de profissional que está fazendo aniversário”.

—Comprei uma lembrancinha para você. - Estendi o embrulho a ela quando já estava pronta para sair.

—Obrigada!

Ela abriu a embalagem com cuidado e olhou maravilhada todos os cantos da bolsa marrom bem escuro que escolhi, os olhos admirados.

—Que linda! Adorei o modelo e a cor, não tenho nenhuma tão básica assim.

—Achei melhor não me arriscar muito, sabe.

Ela riu comigo e olhou no espelho de corpo inteiro com a bolsa nova parada em frente ao corpo.

—Combina, vou usar hoje.

Em alguns minutos ela trocou todo o conteúdo de uma bolsa coral para a que eu dei de presente e saiu do quarto feliz, comigo em seu encalço. Pelo menos ela realmente tinha gostado.

—Você já precisa ir ou quer tomar café com a gente, Gin? - Ela me perguntou quando chegamos à sala de jantar, onde meu irmão colocava na mesa três xícaras e algumas panquecas de aparência muito boa.

As horas me indicavam que eu já deveria estar quase chegando no hospital, mas poderia me atrasar alguns minutos para ficar com eles um pouco.

—Tenho alguns minutos, vou fazer companhia.

Me acomodei de frente para os dois e conversamos enquanto comíamos. A sincronia dos dois com algumas coisas tão cotidianas, como fazer uma refeição juntos, não negava o tempo que eles se conheciam e cultivavam tais hábitos. Era bom ver meu irmão relaxado e feliz assim.

—Obrigada pelo café e pela companhia, estava tudo ótimo, mas eu preciso ir. - Anunciei me levantando e eles fizeram o mesmo para me acompanhar até a porta.

—Tchau, Mione. - Trocamos mais um abraço. - O Harry te mandou um beijo.

—Obrigada, manda outro para ele.

Concordei com um aceno e depois de me despedir do meu irmão também fui para o hospital.

O dia estava tranquilo o suficiente para que no meu horário certo de saída eu já estivesse pronta para ir para casa e Colin ocioso na recepção.

—Oi, gato. - Cumprimentei com um beijo estalado na bochecha dele e me sentei sobre sua mesa. - Tudo bem?

—Oi, gata. Estou ótimo, e você também, só pela cara a gente nota.

Ri do comentário e jogamos conversa fora por alguns minutos.

—Está um tédio aqui hoje, queria fazer algo divertido. - Resmungou de braços cruzados.

—Que horas são?

—Seis e vinte. - Bufou de um jeito quase teatral. - Mais cinco horas ainda até eu ir para casa.

Tinha algo que eu precisava fazer e estava adiando, quem sabe não animasse a noite do Colin também.

—Quer dar uma escapadinha comigo até o shopping?

—Shopping? Você? - Perguntou estranhando, mas já se levantando da cadeira e enroscando meu braço no dele para me guiar porta afora.

—Estou surpreendente, não estou? - Me apressei para acompanhar seus passos maiores que os meus.

—Está, e isso está me deixando meio assustado ultimamente.

Demos a volta no quarteirão e entramos no shopping bem iluminado e bastante movimentado.

—O que vamos comprar aqui mesmo? – Me perguntou quando parei na frente dele na escada rolante.

—Roupas de ginástica.

—Oi? – Perguntou com a maior carga de ironia que conseguiu reunir.

—Oi, tudo bem? – Respondi com uma piada péssima e ri de mim mesma.

—Meu Deus, ele já está te contagiando inteira, daqui a pouco eu não te conheço mais.

Rolei os olhos para o exagero dele e enrosquei de novo seu braço para caminharmos pelo corredor até a loja de esportes.

—Para que você precisa de roupas de ginástica?

—Vou fazer academia com o Harry.

—Eu fico impressionado com as coisas que esse cara consegue de você, juro que fico! Eu achava que ele era só um rostinho bonito... – Ponderou pensativo.

—Eu também, gato. Também fico impressionada e também achava que era só um rostinho bonito. – Confessei e ele riu do meu lado, parando em frente a uma arara de calças leggings. – Me ajuda aí, não sei o que tanto comprar.

Nos separamos e passei as peças na arara, olhando com atenção para todas elas e apanhando uma calça preta sem estampas, que eu considerava ideal, e uma cinza que me lembrava moletom e achei legal.

—O que acha? – Colin perguntou, me mostrando uma roxa com estampas florais.

—Horrível. – Falei com o cenho franzido.

Ele me olhou feio e desviou os olhos para os cabides na minha mão.

—Preto e cinza? Nem pensar! – Determinou ultrajado, tirando os cabides da minha mão.

—Qual o problema com preto e cinza? – Puxei-os de volta.

—Deixe para ser sem graça no hospital, fora de lá você pode ser melhor que isso. Não gostou mesmo dessa?

—Colin, nem de flor eu gosto. – Respondi rolando os olhos.

—Tudo bem, vamos achar uma sem flor.

Voltou à sua busca e me estendeu duas peças um pouco mais discretas, com algumas estampas geométricas e a outra étnica.

—É... aí pode até ser. – Comentei pensativa, olhando-as.

—E esse aqui? – Me mostrou o outro cabide.

—Você quer que eu malhe de saia? Que senso de oportunidade péssimo, gato.

Ele revirou os olhos e me mostrou a parte de trás, era um short saia pink do mesmo tecido das calças.

—Ah sim, é bonito, vou experimentar.

Colin selecionou alguns tops, que segundo ele ficariam ótimos, e me acompanhou até o lado de fora do provador. No caminho parei em frente a uma arara de camisetas de aparência leve e puxei duas para mim.

—Para que você quer uma camiseta?

—Para colocar por cima desses tops que você me deu.

—Que desnecessário. – Comentou mais para ele mesmo do que para mim.

As calças que ele sugeriu ficaram boas, então decidi levar também, assim como as que eu tinha escolhido. Vesti em seguida o short saia que ele tinha encontrado e adorei, então abri a porta para mostrar para ele também.

—Adorei isso aqui. – Comentei, me virando para que ele visse.

—Eu também, ficou um arraso.

—Tem mais cores? – Perguntei, me virando de costas para o espelho de corpo inteiro e vendo como ficava atrás.

—Tem, vou lá pegar para você.

—Obrigada.

Fechei a porta de novo e comecei a sessão de tirar e colocar os muitos tops que ele me entregou, mas parei em um específico.

—Aqui, gata.

Abri a porta com a peça esticada para ele.

—Você estava mesmo pensando que isso aqui é minha cara?

—Por que não? – Olhou para a peça vermelha na minha mão com ar inocente.

—O que são essas fitas trançadas entre os seios, Colin? Que negócio horrível!

Ele gargalhou e puxou a roupa para a qual eu olhava com ultraje, substituindo o conteúdo das minhas mãos por mais seis peças iguais a que eu ainda vestia.

—Branco não. – Devolvi a ele. – Os outros vou levar.

—Por que branco não?

—Nem vou te responder.

Fechei de novo a porta e troquei as roupas justas e curtas pela que estava usando quando cheguei. Quando saí do provador ele já tinha devolvido o que não gostei e estava com o que eu ia levar na mão.

—Cadê a calça preta e a cinza? – Perguntei quando senti falta, já no caixa.

—Você não vai levar aquelas coisas sem graça, gata.

—Vou sim.

—Não vai, não.

Olhei feio para ele e me virei para a atendente que aguardava.

—Espera um minutinho, vou pegar mais duas peças.

Colin resmungou e enquanto eu ia até lá, o ouvi dizer para a moça como eu era sem graça. A observação me fez rir, mas não me incomodou. Apanhei o que fui buscar e voltei até eles.

—Obrigada. – Agradeci a ela quando me devolveu o cartão.

Peguei minhas sacolas de cima do balcão e saímos da loja.

—Você tem roupa suficiente para fazer cinco anos de academia, vamos ver se aguente cinco semanas pelo menos. – Meu amigo desafiou enquanto caminhávamos novamente até o hospital.

—Aguarde e verás. – Respondi da mesma forma.

—Você está mesmo animada assim?

—Não, mas o Harry não vai me deixar faltar. – Dei de ombros, explicando o óbvio, e ele gargalhou comigo. – Obrigada pela companhia, gato.

—Sempre que quiser.

Trocamos um abraço e ele se virou para a entrada do hospital, mas pareceu se lembrar de algo e me chamou.

—Ah, e o Harry vai gostar desse shortinho. Eu quase gostei.

A observação me arrancou outra gargalhada, suficiente para eu ainda estar rindo quando entrei no meu carro, do outro lado do estacionamento. Olhei as horas no painel do veículo depois de jogar as sacolas no banco do lado e me acomodar, ainda era cedo. Tirei o celular o bolso e digitei assim que a conversa com o Harry se abriu na minha tela:

“Oi! Está em casa?”

Não precisei esperar muito para a resposta afirmativa chegar.

“Vou aí :)”

Minutos mais tarde, quando abri a porta da casa dele, o encontrei deitado em sua cama, vestindo apenas uma cueca e ainda de cabelos molhados. O som alto era novidade, nunca o tinha visto ouvir música assim. Era um rock clássico, me agradava.

—Oi, Ursinho. - Deixei as sacolas e a minha bolsa no chão do quarto e me inclinei para um beijo.

—Oi, minha linda.

—Desde quando você ouve música alta assim? - Perguntei, me deitando sobre ele e roubando outro selinho.

—Só não escuto quando você está aqui.

—Por que?

—Porque eu acho que você não gosta.

A explicação simples e direta fez eu me sentir um pouco sem graça.

—Estou me sentindo muito chata agora, depois dessa declaração.

Ele rolou os olhos, como se não fosse nada demais, e me deu um beijo no pescoço.

—É a sua casa, você tem que fazer essas coisas se quiser.

—É a minha casa, eu quero que você se sinta bem aqui. Você gosta?

—De U2? - Perguntei e ele me olhou surpreso. - Sim.

—Alto assim?

—Eu não colocaria se estivesse sozinha, mas não ligo.

—Então ta, se você diz. - Deu de ombros e me empurrou para deitar do lado dele no colchão, mas sem desfazer o abraço.

—O que mais você não faz quando estou aqui?

—Não assisto séries.

—Por que?

—Porque é mais legal ficar com você. - Virou para o chão e puxou minha sacola, encerrando aquele assunto. - Presentes para mim?

—Acho que vai ficar meio apertado.

Me afastei e dei espaço para ele colocá-la entre nós e puxar a primeira peça de dentro, que por coincidência era a calça preta.

—Não acredito! – Me olhou surpreso e virou o resto do conteúdo na cama para olhar. – Isso é mais surpreendente que você reconhecer U2 só pelo solo do The Edge.

—Nunca sei se essas coisas que você diz são um elogio ou não, mas de qualquer forma obrigada. – Falei sarcástica.

Ele me ignorou deliberadamente enquanto olhava tudo.

—Precisava tanto? – Perguntou com o cenho franzido, olhando da quarta calça para a pilha de roupas ainda emboladas.

—Para não ter que voltar lá tão cedo. – Explique a lógica, me deitando de costas no colchão e dobrando os joelhos.

—O que é isso? Figurino para um programa de auditório?

Olhei para o lado e o vi segurando meu short saia azul piscina.

—Se for, estava na sessão errada, porque peguei junto com as roupas de training.

O olhar atravessado dele para mim me fez rir.

—Quantos você comprou? – Perguntou, levantando os que encontrava ali no meio.

—Acho que seis, um de cada cor, não quis trazer o branco.

—Que bom!

—Colin disse que você ia adorar, porque até ele quase gostou.

—Eu tenho quase medo do Colin. – Comentou rindo e me estendeu o bordô. – Veste aí, deixa eu ver.

Troquei a calça pelo short curto e justo que ele me entregou e virei de costas para que visse todos os lados.

—Mas é verdade, eu e todo mundo vamos adorar. – Comentou a contra gosto.

—Até eu gostei.

Me deitei de bruços ao lado dele de novo, enquanto terminava sua inspeção pelas minhas compras.

—E o tênis? – Perguntou, olhando para o chão a procura de outra sacola.

—Que tênis? Ai, droga. – Apoiei a testa no colchão, desanimada. – Vou ter que voltar lá.

—Você podia ter substituído tantos shorts por um tênis, por exemplo. – Sugeriu casualmente.

—Deixe meus shorts em paz, volto lá depois e compro um tênis.

A posição me cansou e eu me virei, fitando o teto acima de mim.

—E quando você começa?

Harry colocou tudo de volta na sacola e a deixou no chão novamente, depois se arrastou para o meu lado e deitou a cabeça no meu peito.

—Quando você vai de novo?

—Só semana que vem agora.

—Então começo no seu próximo dia, me avisa quando for e eu te encontro aqui quando sair do hospital.

—Ta bom. Já que vamos da minha casa, deixa as roupas aqui.

—Preciso lavar antes de usar.

—Eu faço isso para você.

—Já que insiste tanto... – O empurrei para o lado e deitei a cabeça no ombro dele, prendendo-o em um abraço. – Obrigada.

—Você vai adorar fazer exercícios, Ratinha.

—Vamos ver...

—Se não dos exercícios, pelo menos você vai me ver mais tempo, e isso você adora. - Afirmou convencido, nem me dei ao trabalho de negar.

No dia seguinte cheguei ao hospital e antes mesmo de atender minha segunda consulta do dia, por volta das sete da manhã, senti meu celular vibrar no bolso. Antecipei a notícia que receberia quando vi o nome da Lisa no identificador de chamadas.

—Oi, Lisa.

—Lindinha, é o Mike. Acho que é hoje! – A empolgação dele era notável.

Mudei imediatamente de direção no corredor e peguei o elevador que me levaria ao andar em que eles estariam.

—Vocês já estão no hospital?

—Já.

—Vou aí.

Parei no balcão do andar e puxei o nome dela no sistema para identificar o quarto, depois fui até lá e entrei após uma batida na porta. A encontrei deitada com a expressão um pouco assustada, mas radiante, e Mike andando de um lado para o outro sem conseguir se acalmar.

—E aí, papais? –Dei um beijo nele e fui até ela. – Como é que está?

Senti seu pulso por puro hábito e depois de uma olhada rápida nos monitores cardíacos dela e do feto voltei minha atenção ao seu rosto ansioso pelo que eu tinha visto.

—Não é minha área, mas aparentemente não poderia estar melhor. – A tranquilizei e ela respirou aliviada. – Como está?

—Segundo a enfermeira, com quatro dedos de dilatação e a bolsa já estourou.

—Então com certeza é hoje. – Afirmei e ela me lançou um sorriso entre ansioso e apavorado.

As contrações ainda estavam bem espaçadas, então consegui manter uma conversa calma com eles por alguns minutos, sem muitas interrupções, até que recebi um chamado da emergência, solicitando minha presença imediata.

—Droga, eu vou precisar descer. – Me levantei da poltrona onde estava sentada. – Mas não se preocupe, Li, está tudo ótimo e daqui a pouco ela está aqui.

—Obrigada, Gin.

Deixei os dois sozinhos de novo e corri até o pronto socorro para receber um acidente grave, no qual a perna da vítima, um adolescente de dezessete anos, foi quase totalmente amputada no local. A cirurgia necessária levou muito mais tempo do que eu imaginei, e só saí do centro cirúrgico quando passava das três da tarde.

Descartei minha roupa cirúrgica no local adequado e arrumei meu rabo de cavalo enquanto ia até o elevador, me sentindo acabada depois de tantas horas de trabalho e morrendo de fome devido o almoço ignorado. Tirei o celular do bolso assim que as portas se fecharam e vi que tinha uma mensagem do Harry, recebida cerca de uma hora atrás.

“Me liga quando puder?”

Selecionei o contato nos meus favoritos e esperei a operadora completar a chama, que foi atendida nos primeiros toques.

—Oi, Gin.

—Oi, Ursinho, falou com o Mike ou a Lisa?

—Sim, estou aqui no hospital. A Meg é uma graça, a minha cara.

Ri da afirmação convencida e ouvi uma voz de fundo reclamar, provavelmente o Mike.

—Qual é o quarto? – Esperei ele confirmar o numero e me dizer. – Ok, vou aí.

Cruzei os corredores e subi a escada para chegar até onde eles estavam, do outro lado do hospital, e encontrei o Harry sentado na poltrona de costas para a porta, Lisa sentada na cama com a expressão cansada, mas radiante, Mike empoleirado no colchão ao lado dela e um pacotinho de roupas rosas amontoado nos braços da mais nova mamãe.

—Oi! – Fechei a porta atrás de mim e me aproximei dela. – Que mocinha mais linda. Deu trabalho, Li?

—Se perguntar para mim, vou dizer que nunca fiz nada tão sofrido, mas a obstetra disse que foi muito rápido. – Contou sem se convencer muito do que dizia. – Ela não é perfeita?

—É, sim. – Confirmei e voltei alguns passos até o Harry, me acomodando sentada no colo dele. – Oi, Urs...

—Oi. – Me cortou e interrompeu minha frase com um beijo, me fazendo rir. – Dia difícil?

—Uhum, um adolescente que se acidentou de moto, quase amputou a perna no local. Chegou aqui com o fêmur exposto por causa das lacerações e uma fratura exposta na tíbia, sorte que consegui limpar e colocar tudo no lugar, os pinos encaixaram bem e nem precisei invadir tanto. Aquele ali vai demorar para colocar o pé no chão de novo, coitado.

Contei normalmente, mas os três estavam me olhando meio atônitos quando encerrei a narração.

—Menos detalhes da próxima vez, lindinha. – Mike pediu, com cara de nojo.

—Comeu?

—Não, quando te liguei tinha acabado de sair do centro cirúrgico. Preciso ir ver o paciente daqui a pouco, acho que ele ainda leva umas duas horas para acordar.

Ele enfiou a mão no bolso maior da mochila que estava no chão e me entregou um pacote de salgadinho.

—Toma.

—Pra que você tem salgadinho na bolsa? – Perguntei já com o pacote aberto e comendo o primeiro.

—Comprei voltando do almoço.

—Obrigada.

Mike e Lisa pareciam completamente alheios à nossa conversa, ambos olhando hipnotizados para a criança que dormia quietinha no braço dela.

—Onde é o banheiro? – Harry me perguntou alguns minutos depois.

—Vira a direita no corredor e vai até o fim, você vai ver. – Me levantei para ele sair do assento e entreguei a embalagem já vazia. – Joga no lixo para mim, por favor.

Voltei a me sentar na poltrona que ficava de costas para a porta e Lisa achou que era a hora ideal para tirar dúvidas sobre sua recuperação. O que era de conhecimento geral e estava ao meu alcance expliquei a ela, algumas recomendei que falasse com a obstetra mesmo.

Poucos minutos depois, o Harry entrou no quarto de novo e se acomodou no braço da poltrona ao meu lado. Me inclinei o suficiente para encostar a cabeça no peito dele e ganhar um carinho gostoso no ombro.

—Já não vejo a hora de ir para casa.

—Mas você internou hoje. – Harry argumentou.

—É que eu disse que teria uma surpresa esperando quando ela voltasse, agora ela está ansiosa. – Mike falou presunçoso e Harry o olhou com compreensão.

Seja o que for, é claro que ele sabia o que era.

—Pelo menos são só três dias, Li, o Harry até hoje não quis me dizer o que significam umas frases em alemão, e já faz meses. – Dei de ombros para ilustrar que o problema dela era menor que o meu.

—Mike, ich sagte ich liebe sie und sie nicht verstand. Soll ich übersetzen? – Harry perguntou ao amigo.

O rosto dele se abriu num sorriso sugestivo para mim e eu o encarei de volta com os olhos semicerrados. Os dois se conheceram na escola, se Harry aprendeu a falar alemão lá, claro que ele também sabia.

—lassen Sie es ein wenig neugierig sein. – Respondeu com tranquilidade.

—Ich denke, besser. – Harry falou em tom decisivo e se virou para mim. – Concordamos que é melhor não te contar.

Olhei desafiadora para ele e apoiei os cotovelos no joelho, mas foi Lisa quem verbalizou meus sentimentos:

—Vocês dois são insuportáveis.

Aparentemente eu não era a única que passava por isso. Antes que mais alguém dissesse alguma coisa, a porta se abriu sem aviso e uma voz desconhecida, radiante, feliz, animada e borbulhando simpatia, exclamou:

—Não acredito que você chegou antes, gatinho!

Meus olhos se arregalaram de compreensão na mesma hora, e a muito custo consegui me manter virada para frente quando Harry se levantou para cumprimenta-la. De todas as coisas importantes que eu poderia pensar, minha mente se voltou à inconveniência desse encontro iminente acontecer num dia em que eu estou acabada depois de uma cirurgia de horas, com fome porque aquele salgadinho foi só para enganar, com as roupas do hospital, de jaleco e o cabelo preso. Tudo o que eu não gostava.

—Já se vê qual dos padrinhos dessa criança vai ser mais amado por ela, não é? O que chegou primeiro, é claro. – Harry respondeu convencido, se virando para cumprimentá-la.

Pelo menos ele teve o bom senso de não chamá-la de gatinha aqui também.

—Tudo bem, gatinha?

Pensei cedo demais.

A risada da Lisa na minha frente chamou minha atenção, e eu desviei os olhos do nada para o qual eu estava olhando enquanto prestava atenção na interação das duas pessoas atrás de mim, para reparar nela e no Mike, ambos me olhando com diversão suficiente para eu sentir minhas bochechas vermelhas. Seja o que for que o Harry tenha dito a eles sobre os pensamentos que tenho a respeito da irmã do melhor amigo do meu namorado, minha expressão acabou de confirmar.

Sorri um pouquinho sem graça e desviei os olhos deles, que pareciam não se surpreender com o que viam, embora sem dúvidas achassem engraçado.

—Tudo, e você?

O som de um beijo sendo trocado e dois passos, característicos de saltos altos, e ele falou novamente.

—Também, deixa eu te apresentar a minha doutora.

Como diziam os bons modos, essa era a hora que eu me virava com um sorriso, e foi exatamente o que eu fiz, ignorando a vontade de arrumar um pouquinho o cabelo.

—Doutora, finalmente! – Ela exclamou completamente satisfeita e me puxou para um abraço que eu não esperava. Por cima do seu ombro arqueei a sobrancelha para um Harry completamente relaxado com a situação, quase satisfeito. – Eu estava louca par te conhecer há... quanto tempo, Harry? – Se virou para ele, mas não lhe deu tempo de responder e voltou a falar comigo. – Uns seis meses? Acho que por aí. Ele não exagerou em nada a seu respeito. Muito prazer, Katherine, mas pode me chamar de Kate.

Durante todo o seu falatório animado, que parecia não ter pausa, ela segurou minhas duas mãos e depois me cumprimentou com dois beijos no rosto, o tempo todo a olhei com um sorriso nem de longe tão grande quanto o dela.

—O prazer é meu, Kate. E Ginny, por favor, doutora é muito formal.

Eu já tinha visto algumas fotos de longe, não tão nítidas, e sabia mais ou menos o que esperar, mas ela precisava ser tão bonita? Os cabelos agora loiros ficaram muito bem harmonizados com o rosto expressivo e com muitos traços do Mike, inclusive a simpatia nata, que vinha tão naturalmente que era quase contagiante. A primeira impressão Kate era tão simpática que era difícil até ficar brava com ela.

—Agora cadê a outra mocinha que eu vou conhecer hoje? – Ela falou com os olhos brilhando, me contornou e foi até a cunhada.

Harry se sentou na poltrona onde eu estava e me puxou para o colo dele de novo, a concentração totalmente voltada em abotoar e desabotoar seguidas vezes um dos botões do meu jaleco, enquanto Meg era vitima de todos os elogios possíveis que a tia lhe dirigia.

—Que horas são? – Perguntei para o Harry um tempo depois, enquanto a cena à nossa frente se repetia e os carinhos dele na minha barriga começaram a dar sono.

—Cinco e meia.

—Vou ver se meu paciente já acordou, falar com a família e me trocar. Que horas você vai embora?

—Eu te espero e vamos juntos.

—Ta bom. – Concordei e dei um selinho nele antes de me levantar. – Li, preciso ver um paciente, mas volto para me despedir de você.

—Sem problemas, Gin.

—Até mais.

Todos eles se despediram e eu saí do quarto onde as conversas animadas continuaram. Encontrei o garoto que operei ainda sonolento, mas consciente, e os pais me esperando no quarto para que eu explicasse tudo o que foi feito. Indiquei tudo o que era necessário e esclareci as dúvidas quanto ao tempo de recuperação, prescrevi os remédios para dor que ele precisaria e desejei melhoras antes de deixa-los a sós.

Uma vez no vestiário, deixei meu jaleco no armário, troquei o tênis pelo meu sapato mais apresentável e arrumei os cabelos em frente ao espelho, sendo um pouco mais minuciosa nessa atividade. Quando abri a porta do quarto 304 no andar da maternidade, encontrei Kate sentada na poltrona onde eu estava antes, Harry e Mike de pé ao lado da janela conversando e Lisa amamentando o bebê.

—Vamos? – Convidei quando o Harry me olhou.

Ele concordou com um aceno e se despediu do amigo, seguindo mais uma onda de felicitações, enquanto eu fazia o mesmo.

—Vamos comigo para casa? Amanhã eu te trago e vou mais cedo para o trabalho, estou com saudade. – Sugeriu me dando um beijo logo abaixo da orelha.

—Vamos. - Concordei imediatamente, acompanhando-o até o carro dele.

Me acomodei no banco do passageiro assim que ele destravou o alarme e durante os primeiros minutos de trajeto não falei nada, pensando na melhor forma de fazer as perguntas que estavam rondando minha mente. Decidi por fim que o melhor era ser direta:

—O nome dela é Katherine?

—Sim. – Me respondeu, sem demonstrar surpresa.

—E falta descobrir algum outro apelidinho carinhoso que você tem para ela ou são só aqueles três mesmo?

—Apelidinho carinhoso eu tenho para você, para a Kate tem os apelidos de sempre, que todo mundo usa.

—Uhn. – Murmurei ainda sem me convencer. – O que ela faz?

—É professora de artes para crianças.

Rolei os olhos e não consegui esconder nem um pouco do sarcasmo.

—Óbvio que ela é ótima com crianças. O que mais? Toca no coral da igreja também?

Harry gargalhou estrondosamente com a minha pergunta e eu bufei, cruzei os braços e me virei para a janela sem falar nada o resto do caminho. Passei pela porta e me sentei no sofá assim que ele a abriu e me deu espaço para entrar na frente. Ele me estendeu a mão quando passou por mim e me puxou até seu quarto, deitando de bruços na cama e procurando alguma coisa no celular.

—Queria sua opinião com uma coisa. – Falou enquanto ainda procurava entre as pastas. – Qual você gosta mais?

Ele me passou o aparelho e eu notei que a pasta de imagens selecionada só tinha fotos nossas, tiradas ao longo de todos esses meses juntos.

—Tenho que escolher uma só?

—Sim, é pra eu trocar a foto do meu mural, quero que seja uma que você goste também. – Contou casualmente.

Olhei para ele com a sobrancelha erguida e ele me devolveu um olhar inocente.

—Nesse momento eu tenho certeza que se for ali na sua estante vou achar um livro ‘com o título semelhante a “Como despistar a atenção da namorada quando ela está brava com você. – Ele riu com vontade enquanto eu o olhava desconfiada. Desviei os olhos para o celular na minha mão e cheguei mais perto, me acomodando encostada nele. – O que você acha dessa?

 


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoal! Tudo bem?
A Meg nasceu, a Kate apareceu e é um show de simpatia. Várias surpresas ahahaha
Ansiosa para saber o que estão achando!
Beijos e até o próximo.

Crossover: no capítulo de ontem uma surpresinha bem desagradável apareceu para o Ron e a Mione, não deixem de ver.
https://fanfiction.com.br/historia/692675/Backstage/capitulo/26/



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