Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 21
Capítulo 21




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O bar onde entramos tinha um clima descontraído de casa de jogos e algumas mesas com diferentes modalidades deles, proporcionando uma infinidade de diversão. A turma que era presença constante nesses encontros já estava reunida ao redor de uma mesa verde onde Lisa fazia as vezes de "dealer" e os outros se divertiam em uma partida que não parecia ter começado exatamente naquela hora.

Cumprimentei a todos com beijos no rosto e comentários mais descontraídos devido à familiaridade já adquirida, e me demorei um pouco mais ao lado de Lisa, perguntando sobre ela e o bebê e conversando brevemente antes de me sentar numa cadeira entre Harry e Michael, que desviou os olhos atentos do jogo apenas para me lançar seu habitual sorriso simpático.

A noite se arrastou por umas duas horas enquanto eles continuavam apostando suas fichas de brinquedo e dizendo se queriam apostar ou não nas cartas que eram viradas sobre o tecido macio da mesa à frente. Me dividi entre conversar com Harry, rir das brincadeiras feitas ao nosso redor e prestar atenção em suas feições enquanto blefavam e comemoravam silenciosamente suas cartas boas.

No meio da minha primeira cerveja, Dave soltou uma exclamação de vitória e comemorou com gargalhadas escandalosas sua vitória disparada em cima de Jess, que era a única que ainda tinha fichas e cometeu o erro de apostar tudo sem nada na mão. Observamos ele se divertir e ela desdenhar da vitória dele enquanto distribuíam novamente as fichas para iniciar uma nova partida.

—Parei, galera. - Tom anunciou, se levantando e deixando o lugar vago.

—Vamos, Harry? - Michael convidou e ele negou antes de responder.

—Não estou a fim de apanhar hoje, obrigado. - Seu comentário sincero a respeito da falta de habilidade no esporte me fez rir.

—Quer tentar, Gin? - Alice convidou simpática.

Ri de como o convite foi feito, porque aparentemente até na mesa de um boteco médicos sempre teriam fama de que não fazem nada além de trabalhar. Para surpresa de Harry e de todos os outros peguei meu copo e me levantei.

—Quero. - Aceitei, ocupando o lugar agora vago ao lado dela.

O silêncio geral em volta indicava claramente que ninguém esperava aquilo, então fiz minha melhor expressão natural de quem queria se divertir e me acomodei enquanto Lisa recomeçava sua função. Dentre todas as expressões na minha direção, a melhor era a do Harry, porque ele era o único ali que sabia que eu não entraria se não soubesse pelo menos um pouquinho o que estou fazendo.

Começamos com apostas baixas, testando um ao outro, mas não demorou muito até o atual campeão começar a subir seu nível de confiança. A essa altura ele já tinha percebido que eu não estava ali completamente fora do assunto, mas eu continuava quieta.

—Cinquenta. - Ele apostou quando Lisa virou a terceira carta, indicando que continuaria a jogada.

—To fora. - Os outros anunciaram quase unanimemente.

—Vamos. - Concordei e empurrei as fichas suficientes para o centro da mesa.

A quarta carta foi virada e reparei seus olhos se estreitando brevemente em decepção, indicando que ele não esperava aquilo.

—Cem. - Aumentei a aposta e ele me olhou de canto.

Sustentei seu olhar por um minuto inteiro e vi o momento exato em que ele desistiu.

—To fora. - Anunciou jogando as cartas na mesa, viradas para baixo.

Dei de ombros e puxei as fichas dele para mim, junto com as minhas próprias, colocadas no centro da mesa.

—O que você tinha? - Perguntou interessado quando entreguei minhas cartas à Lisa para que embaralhasse.

—Você nunca vai saber. - Afirmei presunçosa e a gargalhada em volta foi geral.

—Esquece, amigão, a doutora não está aqui brincando. - Mike falou condescendente, a mão no ombro dele em um gesto reconfortante.

Após isso as coisas ficaram mais pessoais da parte dele comigo e travamos uma batalha engraçada e extremamente divertida, que me fez rir muito entre um blefe e outro, alguns sendo bem sucedidos e outros não. Quando Alice perdeu suas últimas fichas e soltou um lamento exasperado, meu olhar cruzou com o do Harry enquanto eu me esticava para puxar para mim sua última aposta, e ele parecia estar em um nível de satisfação e felicidade plenas olhando para mim, seja o que for que estivesse vendo. Pisquei para ele e voltei minha atenção para as duas cartas já colocadas na minha frente.

Um tempo depois só estávamos eu, Michael e Dave apostando e minha pilha de fichas parecia ligeiramente maior do que a deles. Mike parecia estar achando muita graça disso, mas nosso outro companheiro não estava muito feliz com o que via, embora não estivesse bravo e continuasse fazendo as piores piadas do mundo.

—Não. - Anunciei soltando minhas cartas e desistindo da próxima aposta.

—Qual é, doutora, vamos! - Michael provocou, sarcástico.

—Deixo para a próxima, mas fique a vontade. - Devolvi da mesma maneira e os vi aumentarem suas apostas até que ele ganhou uma pequena quantidade na rodada.

A próxima foi bem mais promissora, e a provocação veio da mesma forma.

—E agora, vamos ou está fugindo de novo? - Falou me olhando de canto, sem toda a segurança da vez anterior embora o tom fosse praticamente o mesmo.

—Vamos, quero ver se é tudo isso mesmo. - Desafiei, empurrando metade das minhas fichas para o centro. - Vem, Dave?

—Não, essa vou ver de fora. - Zombou, desistindo do seu jogo.

Ao equivaler minha aposta ele ficou quase sem nada, e ao fim anunciou não tão seguro assim:

—Sequência.

—Só? - Desdenhei mostrando as minhas cartas. - Full house.

Puxei tudo para mim diante do seu olhar quase sinistro e de mais uma onda de gargalhadas direcionadas a ele, que fez tanta pose. Depois disso precisamos apenas de duas rodadas para tirá-lo do jogo também.

—Agora a brincadeira ficou séria? - Perguntei para Dave, com um sorriso maior do que o normal.

—Quer apostar dinheiro? - Propôs do mesmo modo.

—Não tão séria. - Respondi rindo enquanto minhas novas cartas eram colocadas diante de mim.

Travamos alguns embates pequenos no começo antes de começarmos a aumentar. Deixei Dave ganhar algumas vezes e ele me deixou outras, como era parte desse momento do jogo, até que ele abriu um sorriso presunçoso ao ver as cartas que Lisa colocou na mesa.

—Mil. - Empurrou mais da metade das suas fichas para o centro.

—Quero ver. - Concordei equivalendo sua aposta.

Olhamos os dois ansiosos enquanto Lisa virava a próxima carta. Me concentrei em manter minha expressão impassível como durante toda a partida, exceto nos momentos em que eu estava rindo, e de canto de olho vi meu adversário fazer o mesmo.

—Mais uma? - Ela perguntou a nós dois.

—Por favor. - Afirmei desafiando Dave com o olhar, ele fez o mesmo.

Assim que a quinta e última carta foi posta no centro da mesa não dei nem tempo para que ele pensasse e anunciei.

—Aposto tudo. - Falei com segurança, empurrando tudo o que tinha para frente.

—Você blefa demais. - Acusou com os olhos estreitos na minha direção.

Dei de ombros sem negar nem confirmar e esperei sua decisão.

—Quero ver, abre. - Decidiu, deixando à disposição todas as suas fichas.

—Você primeiro, Dave, deixa o blefe dela para depois. - Michael interviu, achando graça da situação.

Olhei em volta e vi todos os demais olhando com atenção, inclusive Harry, que parecia muito relaxado em sua cadeira, com o pé cruzado sobre o joelho e um copo de refrigerante nas mãos.

—Quadra. - Acatou a sugestão dele e colocou as duas cartas sobre a mesa, me olhando com ar já vencedor.

Sustentei seu olhar por um tempo antes de revelar:

—Straight flush. - Tive o prazer de ver seu sorriso de canto dar lugar à ameaça divertida no olhar e me levantei com um sorriso satisfeito e irônico na direção dele e de Michael. - Foi um prazer, senhores.

—Pura sorte. - Dave atacou quando passei por trás dele em direção à cadeira livre ao lado do Harry.

—Pura técnica. - Corrigi com um tapinha amigável em seu ombro, aumentando as risadas em sua direção.

Assim que me acomodei ganhei um beijo no rosto que eu podia jurar ser de orgulho e sorri de volta, aceitando o copo que ele me oferecia com a bebida ainda gelada.

—Ela é melhor que você e pronto, Dave, aceita. - Alice afirmou, olhando triunfante para ele e ganhando um gesto obsceno de volta.

—Que você e que todo mundo aqui. - Tom reconheceu, olhando para ele em tom brincalhão. - O que foi bastante surpreendente, tenho que admitir.

—Jogar strip poker com a Gin deve ser a coisa mais chata do mundo. - Jess falou sugestiva, arrancando mais uma risada geral.

—Era mesmo, eu era a única que não tirava nada além da blusa e depois de um tempo ninguém me convidava mais.

Minha resposta pareceu diverti-los ainda mais e até Harry gargalhou com isso.

—Tenho uma visão muito mais legal da faculdade de medicina agora. - Dave comentou ainda soando contrariado.

—Onde você aprendeu a jogar bem assim? - Harry perguntou alto o suficiente para que todos ouvissem.

—Com o Ronald.

—Se ele ensinou na intenção de que voce tirasse mais peças se deu mal, então. - Alice comentou.

—Acho que ele ensinou mais na intenção de que eu não tirasse nada mesmo, é o meu irmão. - Expliquei.

—Eu deveria ter sido um irmão melhor. - Mike lamentou em meio a uma risada.

Ignorei esse comentário de propósito, e me virei para Tom, que havia me chamado.

—Quem ganha entre vocês dois?

—A briga é boa, mas acho que agora ele, porque eu pratico muito menos. Tinha uns três anos que eu não jogava.

—Agora me sinto muito melhor. - Dave afirmou irônico.

—Lisa, o irmão da Gin que desenvolveu o Animanix. - Harry contou, arrancando uma exclamação de surpresa.

—Ta brincando? Adoro aquele jogo. - Ela falou empolgada.

—Ja sabemos que não da pra falar de jogo com ninguém com o sobrenome Weasley. - Jess constatou, arrancando um ruído geral de concordância.

Não quis participar da próxima rodada e fiquei de fora assistindo junto com o Harry, que se dividia entre o olhar para a mesa à nossa frente, conversar com eles e sussurrar no meu ouvido coisas inapropriadas para o local.

—Você vai ter que me ensinar a jogar isso. - Falou depois de um beijo no meu pescoço.

—Quando você quiser. - Confirmei sem interromper o carinho que estava fazendo na sua perna.

—E se prepare para tirar tudo, porque eu sei quando você está mentindo. - Garantiu presunçoso, me arrancando uma risada descrente.

—Essa eu pago para ver. - Desafiei me virando para ele, deixando nossos narizes quase encostados.

—Então vou subir minha aposta.

—Faça isso o quanto quiser, nem o Ron sabe quando estou blefando.

—Talvez o Ron não te observe com tanta atenção, então, porque eu sei. - Afirmou com segurança.

Olhei para ele por um momento, tentada a aceitar o desafio apenas para vê-lo irritado quando perdesse, e tomei minha decisão estendendo a mão para ele.

—Vamos ver, Harry James.

—Você vai ver, Dra. Weasley. - Corrigiu, apertando-a em um acordo.

Ao fim daquela rodada, em que Michael ganhou, encerramos a noite e nos despedimos de todos eles na calçada antes de seguir em direção aos carros estacionados.

—Na próxima semana acho que vamos conseguir saber o sexo do bebê. - Lisa contou empolgada quando ficamos só nós quatro.

—É menino. - Mike afirmou como se aquela ansiedade fosse desnecessária.

—Claro que é. - Harry confirmou do mesmo jeito. - Minha intuição de pai diz isso.

Nós duas reviramos os olhos para essa afirmação e Mike nos olhou com desdém.

—Vamos, amor? - Lisa convidou, se virando para o marido.

Ele assentiu e se adiantou para me dar um abraço.

—Tchau, lindinha, e se o Harry não te tratar como você merece, me ligue. - Falou com o tom piadista das outras vezes em que disse o mesmo.

—Com certeza, não vou me esquecer.

—Cara, meu tratamento é tão VIP que não tem espaço para concorrência. - Harry afirmou quando recuei para perto dele novamente e me deu um tapa na bunda antes de completar: - Não é, princesa?

Olhei com minha melhor cara de quem pergunta se ele está louco e os dois riram à nossa frente.

—Menos, Harry. - Lisa aconselhou e se adiantou para se despedir de nós dois.

—É, bem menos. - Concordei, rindo também.

Num movimento costumeiro, passei o braço por sua cintura para caminharmos até o fim da rua, onde meu carro estava estacionado, e me acomodei no banco do carona enquanto ele assumia o volante.

—Eu já disse que odeio seu carro, né? - Reclamou ao trocar de marcha pela terceira vez.

—Por isso é meu, e não seu. - Devolvi sarcástica, como das outras vezes em que ele falou o mesmo.

—Nossa, que grossa. - Comentou se virando para mim quando paramos em um semáforo.

—Nossa, que sentimental. - Provoquei e ele riu.

—Você precisa de um carro automático. - Aconselhou, voltando a acelerar quando o sinal ficou verde.

—Você precisa ser menos preguiçoso. - Devolvi, deitando a cabeça em seu ombro.

—Olha quem fala. - Falou com uma risadinha de deboche. - Por falar nisso, eu estava pensando numa coisa. Você podia ir à academia comigo, não?

Fiquei em silêncio por um momento, olhando de canto para ele e listando todas as implicações possivelmente implícitas naquele convite despretensioso.

—Não que você precise. - Se apressou a dizer quando meu silêncio ficou longo demais e eu me levantei do seu ombro para olhar de canto para ele. - É para fazermos uma coisa juntos.

—Já não fazemos muita coisa juntos? - Voltei a me acomodar.

—Eu queria fazer muitas mais. - Confessou, me arrancando um sorriso.

—Como academia?

—Uma delas. - Confirmou parando em frente ao portão do meu condomínio para esperar o porteiro liberar nossa entrada. - Além disso, que tipo de médica meia boca você é que não considera os benefícios que exercícios físicos trazem para a saúde?

Eu sempre ria quando Harry fazia esses comentários desafiadores a respeito da minha profissão, e tenho a impressão de que ele sabia que sempre dava certo.

—Vou pensar.

Apesar da minha resposta, sua boca se curvou em um sorriso vitorioso que dizia claramente que ele sabia que tinha me convencido.

—Eu disse que vou pensar, não que sim. - Olhei de canto para ele.

—E eu não disse nada, Ratinha. - Desconversou sem mudar a expressão.

Passamos o domingo na minha casa fazendo nada juntos, e isso não foi entediante nem me pareceu infinito, ao contrário, o dia pareceu voar e gostei de cada minuto. Durante a semana nos vimos apenas uma vez, mas nos falamos todos os dias novamente.

Na quinta saí do trabalho no meio do dia e fui direto para a casa do Ron. Passei a tarde com ele, ouvindo-o fazer comentários e perguntas sobre eu estar muito sorridente e se gabar por vários minutos quando contei a ele que ainda era invencível no Poker.

No sábado quando acordei no meio da tarde, após um plantão que acabou três horas depois do previsto, tomei banho e comi alguma coisa rápida antes de ligar para o Harry e confirmar se ele estava em casa. Após sua resposta afirmativa informei que estava indo até lá e saí tão logo terminei de trocar meu pijama por uma roupa adequada para sair na rua.

Parei em uma loja de conveniência que havia no caminho e comprei o que precisava para que meus planos do dia dessem certo, depois segui direto até o meu destino.

—Você demorou. - Observou quando abriu a porta para mim.

—Passei num lugar. - Informei antes de beijá-lo.

—Onde?

Ergui para ele a embalagem ainda fechada do baralho que adquiri há poucos minutos, ostentando meu melhor olhar desafiador que foi retribuído da mesma forma.

—Te devo uma aula.

—Achei que você tivesse desistido.

—Até parece. - Afirmei com a sobrancelha levantada.

Me sentei no tapete da sala com as pernas cruzadas e as costas apoiadas no sofá e Harry se acomodou de frente para mim da mesma forma. Desembalei as cartas e comecei a embaralhar com habilidade antes de perguntar:

—O que você sabe desse jogo?

—Só como ele funciona, mais ou menos, aquela coisa de duas cartas pra cada, e tal.

—A ordem das mãos?

—Mais ou menos.

—Ta, vamos começar do começo, então.

Apoiei os cotovelos no joelho e ele fez o mesmo, se inclinando mais para perto enquanto eu selecionava as cartas necessárias. Montei os exemplos de combinações e quais eram as mais fortes, expliquei as lógicas e dei algumas dicas, tudo sob a mira do seu olhar atento.

—Entendeu? - Perguntei recolhendo as cartas viradas e embaralhando novamente.

—Sim. É mais um jogo de sorte, então?

—Um pouco, mas você monta sua estratégia, trabalha com as possibilidades. Podem ter cinco cartas na mesa, você tem duas na mão, então use essas informações para deduzir as chances de que seu adversário esteja blefando e quando você pode fazer isso.

—Tem muito blefe?

—Um pouco, mas isso deixa mais emocionante. - Assumi e me recostei novamente. - Vamos jogar.

Ele também se afastou e ficou imediatamente mais atento ao que acontecia. Nas primeiras jogadas ainda tirei algumas dúvidas e usamos apenas as cartas de fato, sem empregar nenhuma tentativa de tirar vantagem, e expliquei a lógica das apostas. Mais de uma hora depois Harry puxou as cartas do chão e tomou a frente ao embaralhar.

—Tudo bem, vamos jogar direito agora. - Falou decidido.

Concordei com um aceno e um sorriso presunçoso e apanhei as cartas que ele estava me entregando. Comparei com as viradas na mesa e vi que havia ali uma pequena vantagem suficiente para eu apostar, caso estivéssemos apostando alguma coisa.

—Eu aposto tirar a camisa. - Anunciou animado e eu caí na risada.

—Você está falando sério?

—Claro, vamos deixar isso legal. - Confirmou sorridente. - E então?

—Tudo bem, a blusa também. - Entrei na brincadeira.

Como previ, terminamos a rodada comigo completamente vestida e Harry sem camisa. Mas ele estava falando sério e tinha uma boa mão, só não foi suficiente.

—Aposto os sapatos. - Falei quando pegamos as próximas cartas.

—Sapatos? Que sem graça, Gin. - Fez uma careta de reprovação.

—Estou facilitando para quando você for tirar a calça, na próxima rodada. - Afirmei e ele me olhou cético.

—Tudo bem, vamos então. - Soou convincente, mas notei quando ele levantou brevemente a sobrancelha ao dizer, nunca gesto pouco típico dele, e eu soube que estava blefando.

Sorri de canto ao identificar seu vício e ri convencida enquanto ele jogava os tênis e as meias para o lado, porque depois que se descobre como a pessoa mente o processo fica muito fácil.

Nas duas rodadas seguintes não aceitei sua aposta e continuamos como estávamos, depois dessa eu decidi apostar, porque era a hora que ele pensaria que meu jogo é bom.

—Aposto minha blusa. - Falei após olhar as cartas colocadas na minha frente.

Ele me olhou com um sorriso de canto que dizia que tinha entendido alguma coisa, mas não falou nada sobre isso e olhou as próprias cartas.

—Eu já estou sem, aposto o que em troca?

—A calça. - dei de ombros ao responder.

—Tudo bem, aceito.

Ao fim da rodada, seu Flush se mostrou muito mais útil do que minha Trinca e eu o olhei contrariada antes de jogar as cartas entre nós e cumprir minha parte do trato. Atirei a peça para o lado diante do olhar muito convencido do meu adversário, que parecia estar se divertindo.

—Não conheço esse sutiã. - Falou olhando para o meu peito.

Olhei para baixo para me certificar de qual se tratava e vi a peça roxa com alguns detalhes pretos. Eu não me lembrava se já tinha usado, então não questionei sua afirmação.

—Muito prazer. - Respondi um cumprimento e Harry acabou rindo enquanto me entregava as próximas cartas.

—Mal posso esperar para ver a calcinha também. - Comentou, me fazendo olhar para ele com deboche.

Uma das estratégias era distrair o adversário de alguma forma, então também comentei:

—Nesse jogo você não vai ver nada, Fofuxo, talvez mais tarde.

—Não! - Gritou, me fazendo dar um pulo e olhar alarmada para ele. - Fofuxo não! - Pediu com a mão no rosto, mas riu ao final.

Ri também do exagero e do escândalo.

—Na próxima vez que você falar com a sua mãe mande meus parabéns a ela, porque eu achava que tinha sido suficientemente criativa com Ursinho, mas ela é definitivamente melhor nisso. - Elogiei com um sorriso de canto.

—Sua enxerida. - Acusou, mas não me importei. - Esqueça isso, estou mandando.

—Mas por que? É tão bonitinho. - Argumentei diante do seu olhar ameaçador. - Apelidos de mãe são sempre ótimos, Fofuxo.

—São sempre muito constrangedores também.

—Pode ser, mas indubitavelmente ótimos.

—Se acha tão ótimo assim, me diga qual era o s... - Começou a frase distraído, mas parou no meio e me olhou alarmado, a culpa estampada num olhar que claramente gritava um pedido de desculpas.

—Qual era o meu? - Completei sua pergunta sem todo o bom o humor de antes, mas também muito longe de estar me sentindo incômoda, e ele concordou sem dizer nada. - Pimentinha.

—Pimentinha? - Repetiu achando graça e com a expressão bem mais amena, quase surpresa.

—Digamos que eu era uma criança um tanto voluntariosa. - Justifiquei.

—Ou seja, mimada. Continua uma adulta do mesmo jeito. - Falou divertido e eu mostrei a língua para ele.

—Mas apelidos de mãe não podem ser usados por terceiros. - Adverti, apenas para o caso de ele querer brincar com isso algum dia.

—Anotado. - Disse rapidamente.

Tomei a frente e virei no chão entre nós as três cartas necessárias para continuar o jogo e encerrar aquele assunto, e como sempre Harry entendeu o momento e voltou a se mostrar tão concentrado quanto antes. Algumas rodadas depois ainda estávamos com as mesmas peças de roupa, apenas minhas sapatilhas tinham sido jogadas de lado após ele ter mais um golpe de sorte no momento em que eu estava blefando.

—Merda! - Xinguei quando ele mostrou sua Sequência em comparação ao meu simples par, após eu ter apostado nossas calças.

Era a terceira vez consecutiva e isso já estava me fazendo ver as coisas como uma questão pessoal, porque era coincidência demais para ser apenas sorte da parte dele e absolutamente ninguém antes tinha sido tão certeiro assim durante uma partida. Me levantei com a cara fechada e abri o botão da minha calça preta com a  expressão pouco amigável em sua direção, quase ameaçadora.

—Tira devagarzinho, por favor. - Pediu convencido, com as mãos apoiadas no chão logo atrás das costas e olhando com um sorriso satisfeito.

—Essa sua sorte de principiante é uma droga. - Falei deslizando a peça até a panturrilha e chutando para o lado com raiva, totalmente diferente de como ele sugeriu que eu fizesse.

—Não é só sorte. Aliás, bela escolha de figurino.

—É o que, então? Intuição feminina também? - Ironizei o máximo que consegui, mas ele não pareceu se abalar enquanto embaralhava novamente.

—Eu disse que sei quando você está mentindo, a sorte foi eu ter cartas boas todas as vezes. - Deu de ombros como se fosse a explicação mais simples do mundo.

Olhei cética para ele, desacreditando totalmente daquilo.

—Aposto minha calça. - Ele falou depois de um tempo, o mesmo sinal característico e discreto do seu blefe estampado no rosto.

Ri internamente, porque se alguém aqui sabia quando o outro estava mentindo não era bem ele. Olhei para minhas cartas e também não era muita coisa, mas eu já tinha sido desafiada demais para desistir.

—Vamos, Potter. - Falei mais séria do que era a intenção.

Sua risada descontraída me fez olhar para ele.

—Tem certeza? Porque você está blefando de novo e vai ficar pelada. Não que eu me importe.

Aquilo me irritou verdadeiramente e quando eu vi já tinha jogado as cartas de qualquer jeito entre nós e levantado dali pisando firme.

—Não quero mais jogar.

Sua gargalhada ferveu mais ainda meu sangue quando me abaixei para pegar a blusa e a calça que eu havia tirado momentos atrás.

—Que é isso, Ratinha? - Falou em tom de repreensão, ainda que rindo. - Não seja tão voluntariosa.

Lancei um olhar escrutinador em sua direção e me vesti enquanto ele juntava o baralho e o deixava sobre a estante. Sentei de cara fechada no sofá, os braços cruzados com força e batendo o pé, irritada. Era inaceitável que em cinco minutos de jogo Harry soubesse meu vício, nem eu mesma sabia que tinha um.

Ele se sentou quieto do meu lado, ainda sem camisa, e sua condescendência misturada com o sorriso convencido que eu conseguia ver na minha visão periférica estavam me irritando mais do que a gargalhada anterior.

—Harry, desfaça essa cara porque estou ficando irritada. - Avisei sem me virar para ele.

—Você é uma péssima perdedora e isso é feio. - Aconselhou divertido. - Proponho trabalharmos esse seu lado.

—Proponho que você cale a boca.

—Nossa, que grossa. - Comentou me dando uma cotovelada, o que acabou me arrancando uma risada.

—O que me denuncia?

—Você acha mesmo que vou te contar? - Desdenhou.

—Claro que vai.

—Claro que não.

—Então também não vou dizer qual é o seu vício. - Ameacei.

—Ótimo, os jogos de Poker com você serão legais para sempre. - Concordou sem nenhuma relutância, jogando por água abaixo meu único trunfo.

—Nunca mais vou jogar com você, pode esquecer essa ideia. - Afirmei me virando para frente de novo.

—Estou falando sério, você deveria mesmo aprender a perder de vez em quando. - Repetiu seu conselho, mas agora virado para mim e enrolando uma mecha do meu cabelo nos dedos, mania que ele adquiriu em algum momento dos últimos meses.

—Estou falando sério, você deveria mesmo calar a boca. - Repeti minha grosseria, mas acabei a frase sem nenhuma credibilidade e em meio a um sorriso contrariado.

—Você deveria me mostrar aquela calcinha de novo. - Desconversou, deslizando a mão pela parte de dentro da minha coxa e parando próximo à virilha.

—Me obrigue! - Desafiei olhando de canto.

Quase sem me dar tempo de terminar a frase fui empurrada para trás e ele se deitou sobre mim, beijando meu pescoço de um jeito que fazia cócegas e me arrancando uma risada.

—Eu disse me obrigue, não me faça cócegas. - Falei tentando empurrá-lo.

—Mas eu quero obrigar assim.

—Quem está sendo voluntarioso agora?

Antes que me respondesse, seu celular tocou e ele o puxou do bolso de trás da calça e levou ao ouvido, ainda deitado em cima de mim e com o rosto apoiado no meu ombro.

—Oi, Mike. - Falou e esperou. - Tudo, e só para constar você está atrapalhando. - Falou entediado. - Tudo bem, mas só um minuto.

Ri da forma direta como ele o estava dispensando e continuei esperando que terminasse a ligação.

—Espera aí. - Pediu e se virou para mim com os olhos empolgados. - Você vai trabalhar sexta?

—Vou. - Falei como se fosse óbvio, sem entender por que deveria responder o contrário.

—Então vou sair com o Michael, ok? - Falou um tanto decepcionado.

—Claro. - Confirmei ainda sem entender, mas entendendo que deveria concordar.

—Combinado, você passa aqui a noite, então. - Confirmou, falando com ele novamente. - Pode escolher. Tá, tchau.

Continuamos nossa brincadeira sem tocar mais no assunto da ligação do amigo dele, e não fizemos mais isso durante todo o final de semana juntos, embora eu tivesse a impressão em alguns momentos de que ele queria me dizer alguma coisa e sempre desistia. Não era do meu feitio pressionar as pessoas por informações, então deixei a cargo dele falar ou não quando quisesse, mas isso me deixou uma sensação estranha de estar esquecendo alguma coisa.

Não consegui tirar o assunto da cabeça nem no trabalho, mas não fazia ideia do que eu deveria me lembrar. Tentei olhar em volta para ver se algo me dava uma pista, mas nem assim.

Na terça pela manhã Colin me encontrou no corredor e informou que estaria livre para almoçar, então combinamos de nos encontrar na lanchonete dali a algumas horas e voltei ao meu consultório. A última consulta agendada que eu tive de manhã era com uma moça pouco mais jovem que eu com o pulso machucado, e ela se sentou à minha frente exibindo uma blusa pink.

A atendi normalmente, receitei os medicamentos necessários, tirei suas dúvidas e me despedi com um sorriso quando ela se levantou para sair. A observei até que sumiu de vista, pensando que o tom da sua roupa era exatamente igual ao robe que o Harry tinha me dado de presente.

Ao pensar na palavra presente a conversa daquele dia invadiu minha mente: "Mas nem é meu aniversário.", "E quando é seu aniversário?", "Onze de agosto", "Perto do meu, trinta e um de julho".

—Trinta e um de julho. - Repeti em voz alta puxando o calendário em cima da minha mesa. - Sexta-feira. Puta que pariu. - Falei exasperada ao me dar conta do que eu estava deixando passar.

Hoje já era terça-feira, o que queria dizer que eu tinha exatamente três dias para encontrar um presente e preparar ao menos uma surpresinha que seja. Pelo menos a surpresinha me daria quatro dias de preparação, porque sem chance de eu conseguir não ter que trabalhar na sexta.

Me lembrei da conversa com Michael na casa dele, quando me perguntou se eu trabalharia e eu respondi que sim sem nem me tocar. Me senti subitamente culpada por isso e agradeci internamente por não ter perguntado por que eu deveria não ir, assim eu poderia pelo menos dizer que estava fingindo que não sabia. Não que fosse muito honesto, mas pelo menos não o magoaria.

Graças aos céus o presente para Harry era fácil e eu resolveria hoje mesmo assim que saísse daqui, o resto da semana me dedicaria a pensar no que faríamos sábado.

Como forma de compensação pelo meu esquecimento decidi que o que quer que seja que formos fazer deve ser no mínimo memorável, porque não aceito nada menos do que dar a ele um aniversário inesquecível. Só pensar nisso me fez rir, porque a ideia de querer ser inesquecível era algo novo no meu mundo.

Quando cheguei à lanchonete, Colin já estava sentado me esperando e para minha surpresa Luna estava com ele. Me juntei aos dois em uma conversa divertida e entre um assunto e outro contei que Harry faria aniversário naquela semana, como já estava ali mesmo resolvi pedir sugestões:

—Me deem ideias de uma coisa bem safada. - Pedi sem rodeios.

—Ménage. - Colin falou no ato e eu o olhei com os olhos arregalados.

—Esqueci com quem estava falando. - Comentei, fazendo-o sorrir convencido como se aquilo fosse um elogio, e me virei para Luna. - Com menos pessoas, por favor.

—Fantasia de enfermeira. - Sugeriu, me arrancando uma careta de desgosto.

—Menos brega também. - Observei e ela riu.

—Para ser inesquecível? - Meu amigo falou pensativo e eu confirmei. - Um médico da ala psiquiátrica me disse que trouxe a namorada para o centro cirúrgico um dia de madrugada e foi incrível, roube a ideia dele.

—Deus do céu, vocês são péssimos. - Constatei rindo e ambos me olharam desaforados. - Obrigada pela tentativa, mas pode deixar que vou pensar sozinha.

Terminamos nosso encontro minutos depois quando eu tive que sair correndo e deixar metade do meu suco para trás, mas minha atenção agora não estava completamente no meu paciente, uma parte dela não se desviou um segundo do roteiro do próximo encontro e do meu aniversariante.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!
Pois é, o paciente preferido da nossa doutora vai fazer aniversário e ela quase esqueceu, mas agora que lembrou está mais ansiosa que ele.
Só ela não sabe, mas já é um caso perdido...
Ansiosa para saber o que vocês acharam,então não deixem de comentar.
Beijos e até o próximo!

Crossover: Mais um capítulo independente de Backstage, mas logo as histórias voltam a se cruzar. Continuem acompanhando!