Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 17
Capítulo 17




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Colin não me deu paz no dia seguinte até que eu contasse a ele tudo o que aconteceu no final de semana para eu estar daquele jeito, ou pelo menos tudo o que eu me lembrava. Ele riu na maioria das partes, mas no fim ficou chateado porque ele vinha tentando me convencer a beber há anos e Harry conseguiu isso só com um desafio bobo que depois ele mesmo concordou que teria sido suficiente para ele também.

Quando cheguei em casa liguei para ele para quebrar o gelo que ficou na nossa última despedida, e nós dois agimos como se nada tivesse acontecido. Eu adorava isso no Harry, ele nunca se ressentia por muito tempo.

Nos outros dias ele me ligou como era de costume e em uma dessas conversas me contou que seus pais viriam visitá-lo no final de semana. Eu neguei educadamente seu convite para conhecê-los, mas propus nos encontrarmos na quinta-feira, já que não nos veríamos até a semana seguinte.

Na segunda-feira desci as escadas do hospital já com o celular no ouvido perguntando se ele estava em casa e nem esperei seu convite antes de dizer que estava indo vê-lo. Quando eu parava para pensar nesses meus rompantes sempre chegava à conclusão de que eles me assustam na mesma proporção em que o deixam feliz.

Na quarta-feira, no meio da manhã, senti meu celular vibrando no bolso da calça e o atendi enquanto ia até a recepção pegar o prontuário de um paciente em quem faria uma cirurgia no dia seguinte.

—Oi, Harry.

—Bom dia, Ratinha. - Revirei os olhos para o apelido, mas não falei nada. - Você tem algo para fazer hoje a noite?

—Não, por que?

—Você vai comigo assistir a final do campeonato de baseball, então. - Determinou sem perguntar se eu gostaria de ir.

—Vou? - Desafiei sorrindo.

—Vai sim. E por favor vista aquela calça escura que eu gosto e a bota preta sexy, a blusa você pode escolher. - Seu tom era de brincadeira, mas eu não duvidava que estivesse falando sério.

Ri do seu pedido e ele me acompanhou.

—Que horas é o jogo? - Perguntei olhando no relógio e vendo que ainda não era nem dez da manhã.

—Começa às sete.

—Então me encontra aqui e vamos direto, se não você vai se atrasar. - Cedi sabendo que ele gostaria de ver desde o começo.

—Você não vai querer se trocar antes? - Perguntou desconfiado, porque eu nunca ia a lugar nenhum com as roupas do hospital.

—Não tem problema, eu abro uma exceção. - Falei dando de ombros e me virando no final do corredor para atravessar as portas que me levariam até a o meu destino. - Mas não se acostume.

—Já estou acostumado. - Falou como se fosse óbvio.

—Posso te desacostumar rapidinho. - Ameacei e ele riu, claramente sabendo que eu estava brincando. - Preciso desligar, Harry. Te vejo a noite.

—Até lá, beijos. - Se despediu rapidamente e desligamos.

Consegui almoçar com Colin e atender todos os meus pacientes sem nenhum imprevisto e nenhum caso complicado até o meio da tarde, quando recebi um chamado da emergência. Fui até o balcão e encontrei Mary com um prontuário, me aguardando:

—Trauma oito, paciente pediu preferência por você.

—Obrigada. - Agradeci e fui até lá.

Visto que eu esperava sinceramente que o Harry não tivesse inventado outro motivo para fazer isso, já sabia quem encontraria assim que abrisse a porta. E dessa vez não me enganei.

—Olá, Sra. Figg, como vai? - Cumprimentei sorrindo para a senhora deitada na maca.

—Minha linda, você está cada dia mais bela! - Afirmou sorrindo apesar da expressão de dor.

Deixei ela me dar um abraço e um beijo como todas as vezes, mas precisei me abaixar para ajudá-la, porque sua dificuldade de mobilidade estava visível.

—E a senhora continua sendo a pessoa mais gentil que conheço. - Afirmei segurando as mãos delas. - O que aconteceu? Não gosto de ver a senhora aqui. - Repreendi falsamente e isso a fez rir.

—Eu acabei me desequilibrando no chão molhado e caí sentada.

Isso era um péssimo sinal, mas eu não deixei transparecer.

—Entendi, consegue se sentar?

—Não, dói demais. - Falou normalmente antes de começar a se lamentar. - Nem consegui pegar aqueles biscoitinhos que você tanto gosta, me desculpe.

—Deixe isso para lá, combinamos um dia para nos encontrarmos e comermos juntas, o que me diz? - Sugeri e ela assentiu com empolgação.

—Acho ótimo! - Concordou e eu apertei suas mãos antes de me virar.

—Vou pedir um exame para ver como estão as coisas, tudo bem?

—O que você achar melhor, minha linda.

A Sra. Figg é a única pessoa que me chama desse jeito e soa sincero e gentil, e não irônico e possessivo, então eu sempre gostei de ouvir esse apelido.

A levei pessoalmente para a sala de raio-X e acompanhei até lá dentro enquanto o exame era realizado, embora não fosse padrão fazer isso. A fratura em três lugares diferentes em seu quadril me assustou, porque seria necessária uma cirurgia demorada que era um risco na idade dela, mas que sem a qual ela nunca mais conseguiria andar ou se sentar. E definitivamente uma vida de cama e dependência não era a vida dela.

Parei ao seu lado e expliquei todas as complicações e todos os procedimentos necessários, deixando claro todos os riscos envolvidos. No fim, ela concordou comigo: ficar deitada para sempre não era a vida dela. Assim, pedi imediatamente para reservarem uma sala de operações e que o enfermeiro a levasse.

—Nos vemos lá em cima? - Me despedi sorridente.

—Prometo que não vou sair correndo. - Respondeu com seu bom humor de sempre.

Subi pelo elevador que dava acesso direto ao pré operatório e me preparei sem pressa, lavando as mãos e vestindo os trajes necessários no centro cirúrgico. Entrei na sala iluminada e já a encontrei deitada e anestesiada, aguardando apenas o sedativo.

—Tudo bem? - Perguntei sem encostar minhas mãos já esterilizadas nela.

—Tudo ótimo. - Respondeu otimista.

—Então nos vemos mais tarde. - Me despedi e acenei para o anestesista fazê-la dormir.

Os ossos estavam frágeis devido à idade e aos problemas de saúde, o que não facilitava muito meu trabalho. O procedimento levaria horas, e cada minuto a mais era perigoso para ela. Tentei fazer da melhor forma e o mais rápido possível, concentrada ao máximo em executar meu trabalho com perfeição.

—Dra. Weasley, a pressão está subindo. - O anestesista me alertou depois de quase três horas de trabalho.

Olhei no monitor e os números não eram bons.

—Chame um cardiologista, por favor. - Pedi para um dos enfermeiros e ele saiu imediatamente em direção ao telefone.

A situação não era crítica, mas eu não queria correr riscos. Continuei meu trabalho e a cada minuto olhava os indicadores vitais da senhora deitada à minha frente. Os números foram ficando cada vez mais preocupantes, até que finalmente outro médico passou pela porta.

—Algum problema? - O cardiologista que eu conhecia há anos, Allan Halks, me perguntou.

—Os sinais vitais não estão ruins, mas a pressão está subindo, pode dar uma olhada, por favor? - Pedi sem desviar o olhar do que estava fazendo.

No momento em que ele foi até ela irrompeu o som de alerta dos monitores, nos fazendo olhar alarmados. Deixei os aparelhos cirúrgicos de lado e me virei para o anestesista pedindo informações.

—Ela está reagindo à anestesia. - Falou preocupado e deu espaço para o Allan ver o que era possível fazer.

Alguns minutos se passaram e várias substâncias diferentes e calmantes foram injetadas nela, mas nenhuma parecia fazer efeito. O próximo procedimento, e última esperança, foi realizado quatro vezes diante do meu olhar estarrecido, e nenhuma delas obteve sucesso em fazer seu ritmo cardíaco voltar ao normal.

Eu via isso há anos e sabia o que estava acontecendo, mas não queria acreditar que fosse real. Não com a Sra. Figg em minha mesa de cirurgia.

Quando a massagem cardíaca foi considerada desnecessária e inútil eu já ouvia o bipe contínuo do monitor que indicava que seu coração não batia mais e meu colega virou para mim com a expressão de quem não tem mais o que fazer.

—Perdemos, Ginny. - Repetiu o que algumas vezes já o ouvi dizer. - Pode declarar a hora da morte.

Engoli em seco sem demonstrar nada além de profissionalismo e olhei no relógio acima da porta de entrada.

—Cinco e quarenta e dois. - Minha voz saiu robótica, mas isso é normal porque ninguém fica totalmente indiferente à morte de um paciente. - Obrigada, Allan.

Meu trabalho ali estava acabado, então tirei as luvas e joguei no lixo enquanto saía o mais rápido possível em direção aos elevadores que me tirariam daquele andar. Não falei com ninguém no caminho até o vestiário onde me arrumei o mínimo possível e peguei a bolsa antes de sair dali.

Andei alguns passos para longe das portas de entrada do hospital, fechei os olhos e me encostei a uma das grades que divide a área de estacionamento de carros e ambulâncias, eu precisava desesperadamente respirar fundo e me concentrar em não chorar, como eu estava com vontade de fazer.

—Está tudo bem? - Perguntou uma voz já muito conhecida, soando ainda mais carinhosa que o normal.

Tenho certeza de que meus olhos estavam marejados quando olhei para o Harry, mas não me importei dessa vez. Estiquei a mão e alcancei sua blusa, por onde o puxei para mais perto e encostei a cabeça em seu peito. Sua cara de susto por nunca ter me visto daquela forma não o impediu de me abraçar e afagar meus cabelos.

—O que foi, Ratinha?

—Acabei de perder uma paciente. - Falei já sentindo as lágrimas esquentarem minha bochecha.

Ele não soube o que dizer, então só continuou me abraçando. Tentei me controlar o quanto pude, mas depois de um tempo ainda não tinha parado.

—Ei, calma. - Pediu erguendo meu rosto para ele e secando as lágrimas. - Vamos para casa.

—Eu vou daqui, pode ir para o seu jogo. - O tranquilizei respirando fundo. - Desculpe, mas não tenho clima para te acompanhar hoje.

—Não tenho clima para te deixar assim. - Rebateu e passou o braço pelos meus ombros. - Vamos para casa.

—Harry, é a final do campeonato. - Lembrei a ele, mas internamente pedi que isso não fizesse diferença em sua decisão, há muito eu não me sentia confortável assim com alguém a ponto de dividir algumas fraquezas.

—Amanhã eu fico sabendo quem ganhou. - Falou simplesmente, tirou a chave do carro da minha mão e guardou de novo na minha bolsa. - Não precisa dirigir, eu te levo para casa.

Me acomodei ao seu lado e ele me puxou para deitar em seu ombro assim que o carro começou a andar. Ficamos em silêncio o caminho todo, até passarmos pela porta da sala e ele fechá-la atrás de nós enquanto eu deixava a bolsa sobre o sofá.

—Eu vou tomar banho, quer me acompanhar? - Pedi limpando de novo o rosto ainda molhado.

—Claro. - Confirmou me seguindo para o banheiro que ficava no meu quarto.

Me despi e já estava indo para o chuveiro quando ele me puxou de volta.

—Assim você relaxa mais. - Explicou, ligando a torneira que encheria a banheira.

Esperei enquanto ele preparava tudo e me sentei de costas para ele dentro da água quente, acomodada em seu peito. Ficamos em silêncio por alguns minutos enquanto algumas lágrimas ainda escorriam e ele as limpava para mim.

—Posso fazer uma pergunta? - Falou com suavidade e eu concordei com um aceno, olhando para cima para encontrar seus olhos. - Vocês, médicos, sempre choram quando um paciente morre?

—Não, na verdade a maioria nem sente. É só mais um paciente que não aguentou, amanhã tem outro. - Expliquei sem medir as palavras.

—Mas você sente. - Não era uma pergunta.

—Eu sinto. - Confirmei. - Alguns mais do que outros, mas de forma geral eu não gosto de mortes.

Ele ficou pensativo por um tempo, se decidindo se era uma boa ideia continuar com a conversa. Não me importei nem um pouco quando ele decidiu que sim.

—Como você pode ser médica se tem problema com mortes?

—Isso não é óbvio? - Perguntei olhando para ele, que negou. - Eu as evito.

A expressão que ele fez para mim me fez querer poder ler o que se passava na sua cabeça. Olhei para frente e me acomodei novamente.

—Quem era a paciente de hoje?

—A Sra. Figg. - Falei sem conseguir me impedir de chorar novamente. - Era uma senhora que sempre pedia preferência por mim. Ela morava sozinha e se machucava com frequência, mas dessa vez foi mais grave. Ela precisou de cirurgia e não aguentou a anestesia.

—Eu sinto muito. - Foi a única coisa que falou antes de me dar um beijo demorado na bochecha e passar a mão no meu rosto.

—Ela sempre levava biscoitinhos caseiros para mim. - Falei meio rindo, meio fungando. - E ela era a única pessoa que me chamava de minha linda, eu gostava tanto disso.

Senti que ele me puxou mais para cima e apertou um pouco seu abraço, tornando-o ainda mais acolhedor.

—Bem, não sei fazer biscoitinhos caseiros e acho difícil que eu aprenda a fazer tão bem quanto a sua amiga. - Gostei do termo, eu mesma não gostava de pensar nela apenas como uma paciente a mais. - Mas se você quiser eu posso te chamar de minha linda. As duas palavras me soam bem quando dizem respeito a você.

A ideia me agradou.

—Só de vez em quando, ta? Sempre enjoa. - Brinquei, falando de um jeito que ele entendesse sem que eu precisasse dizer que adoraria.

Sua risada ecoou baixa próximo ao meu ouvido e por um tempo não falamos nada.

—É por isso que não devemos nos envolver com pacientes, e ela nem dormia na minha casa. - Soltei sem pensar.

Harry não soube o que dizer para isso, então continuou quieto e eu fechei os olhos quase arrependida de ter dito em voz alta, depois respirei fundo e me desvencilhei dele o suficiente para me ajeitar melhor em seu abraço.

—Mas vamos parar de falar disso, não gosto de chorar. - Falei decidida, limpando as últimas lágrimas. - Fale algo divertido.

—Claro, minha linda, como quiser. - Confirmou carinhoso e eu sorri satisfeita para a parede à nossa frente. - Posso começar te contando tudo o que aconteceu no fim de semana passado, porque eu duvido que você se lembre.

A menção do dia em que eu concordei que ele me deixasse bêbada me fez rir antes mesmo de saber tudo o que tinha acontecido.

—Que vergonha daquilo! - Confessei e ele riu comigo.

—Vergonha por que? Só estávamos nós dois. - Dispensou como se fosse totalmente normal.

—Eu não me lembro de quase nada que aconteceu. - Assumi o que ele já suspeitava. - Vamos, me conte como foi para quem viu de fora.

—Não vou lembrar a ordem correta, porque você deu muito trabalho para dormir. - Começou e eu o interrompi.

—Não durei só quarenta minutos? - Fui sarcástica.

—Você demorou umas três horas, pior que criança, eu já não sabia mais o que fazer para você parar de tentar me agarrar. - Respondeu quase indignado e eu gargalhei. - Estou falando sério, você queria me pagar para eu tirar a roupa para você. E pior, me pediu dinheiro emprestado para isso porque você não tinha.

Seu tom inconformado não me ajudava a parar de rir.

—Você está brincando, não está?

—Não. - Falou rindo também. - Aah! Melhor parte, você bateu o maior papo com o botão da sua calça, porque ele estava difícil demais de abrir e você queria fazer xixi.

—Meu Deus! - Me lamentei cobrindo o rosto. - E eu consegui abrir?

—Você não conseguiu tirar o sapato para ir até o banheiro, e era só desencaixar o pé de lá de dentro, imagina se você ia conseguir abrir a calça. - Debochou, achando tudo muito divertido. - Eu tive que abrir a sua calça e abaixá-la, porque você não estava muito equilibrada para olhar para baixo.

—Você me levou no banheiro? - Perguntei descrente.

—Sim, mas eu te prometi que não ia olhar, só por isso você concordou.

—E você não olhou mesmo?

—Ah, desculpe, estava muito engraçado. - Confessou rindo e eu dei um tapa na sua perna. - Você queria ler um livro meu! - Exclamou de repente, mas essa parte soou quase como uma acusação.

—E você não deixou? - Perguntei já sabendo a resposta.

—Claro que não!

—Depois não venha reclamar que não leio nada. - Aproveitei a deixa.

—Preguiçosa. - Acusou colocando o dedo quase na minha cara. - Mas em compensação a gente conversou muito, foi bem informativo. - Seu tom não deixava dúvidas de que tinha sido cômico.

—O que eu falei nessa tal conversa? - Perguntei sem saber direito se eu queria mesmo me lembrar.

—Que um tal de Dino, um cara bem idiota, te deu um fora umas três semanas depois.

—Não acredito que falei nisso! - Exclamei cobrindo o rosto com as mãos.

—Aliás, adorei você naquela foto com o vestido e aparelho nos dentes. Você só não me disse quantos anos tinha, quinze?

—Agora estou realmente envergonhada. - Falei sinceramente, sentindo meu rosto ficar um pouco vermelho. - Dezesseis.

—Uma gracinha, provavelmente eu já estaria a fim de você naquela época se te conhecesse e não te daria um fora três semanas depois. - Tentou me consolar, mas só me fez rir.

—Quem foi sua primeira? - Perguntei curiosa, aproveitando o assunto.

—Cátia Bell.

—Uhn, achei que as aulas de anatomia dela fossem só teóricas.

—Uma ou duas foram bem práticas. - Confirmou sem se intimidar.

—E quem deu o fora?

—Eu, mas ela já sabia que a gente não ia namorar, então não estava esperando por isso. - Se defendeu diante do meu olhar acusador.

—Sei...

—Aah, você disse que eu sou bonito pra caralho. - Contou convencido e eu rolei os olhos.

—Mas você é, e até pelo jeito de andar da para ver que sabe muito bem disso. - Confirmei. - Seja o que for que eu disse sobre você, provavelmente é verdade e provavelmente você já sabe também.

Essa afirmação o fez sorrir tão genuinamente que eu fiquei pensando o quanto será que eu tinha dito.

—Você queria desesperadamente transar comigo. - Falou rindo. - Deve ser porque sou bonito pra caralho.

—Ai, que exagero. - Desdenhei.

—Estou falando sério, você ficava falando algo sobre eu realizar a minha fantasia e ser a oportunidade perfeita para tudo o que você diz não.

—Mas para o que eu digo não? - Perguntei confusa.

—Também não sei, mas você acha que diz não para alguma fantasia minha, então me fala se descobrir o que é, porque eu vou adorar fazer com você sóbria. Bêbada realmente não dá, o escândalo é digno de um filme pornô ruim e isso não é minha cara e nem a sua. - Terminou enquanto eu gargalhava.

—Vou ficar calada daqui para frente então. - Determinei e ele riu também. - Eu estava querendo desesperadamente transar e você se comportou? Custo a acreditar nisso.

—Até rolaram umas passadinhas de mão, principalmente enquanto eu tirava sua roupa para você dormir, mas só isso mesmo. - Falou como quem se desculpa, depois voltou ao tom divertido. - E só nisso já dava para te ouvir três andares acima e três abaixo.

—Eu me recuso a acreditar em você, porque não reconheço essa pessoa que você está descrevendo. - Me defendi, mesmo sem ter um argumento melhor.

—Você não lembra de nada, mesmo?

—Bem pouco, só algumas pontas soltas. - Confessei. - Eu dormi em cima de você mesmo ou estava sonhando?

—Dormiu, só assim você ficou quieta, eu disse que parecia uma criança. - Falou cheio de razão. - Que pena, Ratinha, foi uma noite ótima. - Finalizou satisfeito.

Assim que ele me chamou desse jeito eu me lembrei de uma parte, e me virei para ele já rindo e espalhando um pouco de água pelo banheiro devido ao movimento repentino.

—Eu me lembro de uma coisa sim! - Contei empolgada para sua expressão relaxada com a cabeça apoiada na borda da banheira.

—O que?

—Ursinho! - Falei, apertando sua bochecha.

Sua expressão de derrota foi exagerada.

—Uma noite inteira de coisas legais e você lembra disso? - Perguntou descrente, mas rindo comigo. - Eu devia ter ignorado o escândalo e dado o que você queria, quem sabe cansada você não dormiria mais pesado e não se lembraria...

—Você não ia me contar, não é? - Acusei e ele deu de ombros, sem aparentar nenhuma culpa. - Muito desonesto da sua parte, Ursinho.

—Já se divertiu, pode parar de me chamar assim. - Pediu, tentando soar carrancudo e me puxando para encostar nele de novo.

Não me virei novamente e acabei com o rosto encostado em seu peito molhado, onde fiquei traçando desenhos aleatórios com o dedo indicador enquanto ele me contava como havia sido o final de semana com os pais em casa. Eu nunca os tinha visto pessoalmente ou sequer falado com eles, mas as fotos que vi e o que ele me conta é suficiente para eu imaginar os três como uma família de comercial, onde todos riem cúmplices e felizes e se amam de um jeito lindo vinte e quatro horas por dia, só faltava o cachorro para ficar completo.

—Ah, teve outra coisa também. - Falou e eu notei sua voz assumindo o tom divertido de quando ia dizer algo legal. - Você não imagina como foi traumático para minha mãe encontrar um robe pink jogado em cima da minha cama.

Parte da família de comercial envolve o filho único de quem a mãe morre de ciúmes, então foi impossível não rir ao imaginar a cena.

—Mas o que ele estava fazendo lá?

—Você deixou jogado lá quando saiu na sexta de manhã. - Respondeu me acusando.

—Eu sei, mas você não fez seu ritual da sorte de arrumar a cama antes de ir trabalhar? - Aproveitei para zombar seu hábito que eu nunca entendi.

—Não deu tempo, acordei atrasado. - Confessou.

—Então a culpa não é minha. - Dispensei antes de voltar ao assunto. - Quão traumático foi?

—Nós dois estávamos no meu quarto e ela viu no meio do edredom bagunçado. Eu não teria visto aquilo nunca, mas ela deve ter sentido um cheiro diferente do meu ali, só pode, porque quando me virei ela já estava com ele na mão, olhando com cuidado como se ele fosse gritar o nome da dona e me perguntando de quem era aquilo.

Eu conseguia visualizar a cena perfeitamente, até ele passando a mão nos cabelos sem saber o que dizer.

—E o que você respondeu? - Perguntei curiosa por sua resposta.

—Que era da médica gostosa que está dando muito para mim há alguns meses. - Respondeu sério e eu ri, totalmente descrente. - Falei que era da Ginny. - Falou por fim, dando de ombros.

—Só isso? - Me virei para ele confusa, até mesmo um pouco desapontada.

—O que mais eu precisaria dizer? A primeira parte acho que ela deduziu sozinha quando viu sua roupa, ou quase roupa, na minha cama.

Sua cara dizia que tinha mais, mas ele não estava dando indícios de que continuaria falando espontaneamente. Debati internamente por um momento e me acomodei com as costas em seu peito de novo antes de deixar a curiosidade vencer.

—E o que ela disse?

Seu riso de satisfação pelo interesse me fez revirar os olhos, mas não falei nada.

—Me fez um milhão de perguntas e quis ver todas as fotos que tem de você no meu celular. - Contou normalmente, e por algum motivo que me escapa achei aquilo legal. - Ela repetiu muitas vezes que você é super bonita e que deve ser muito inteligente, porque é médica e médicos são inteligentes.

Não impedi a cara de satisfação, mas optei por não comentar nada sobre isso.

—Ela se espantaria com alguns colegas meus, então, caso eu contasse umas histórias.

—Se você fosse pessoalmente contar as histórias ela ficaria ocupada demais te olhando encantada e nem prestaria atenção, mas iria rir mesmo assim, porque ela ia querer que você se sentisse o mais bem recebida possível e quisesse voltar sempre. Ela ia querer que você experimentasse um monte de sobremesas gostosas que ela sabe fazer, mas não se engane porque o jantar provavelmente foi comprado. - Deixei escapar uma risada nessa parte, mas não o interrompi. - Aí ela te mostraria umas fotos bem constrangedoras e passaria horas conversando. E você nem precisaria se preocupar com a falta de assunto, porque se você acha que eu falo muito, precisa um dia conversar com dona Lily.

Eu duvidava muito que eu precisasse conversar com dona Lily, como ele disse, mas era muito fácil me imaginar fazendo isso em todo o contexto que ele descreveu. Por um segundo pensei se não teria sido até divertido aceitar seu convite na semana anterior, mas dispensei a possibilidade antes mesmo que tomasse uma forma concreta.

—Vamos sair daqui? Está ficando frio. - Convidei me virando para ele e mudando de assunto.

—Vamos. - Confirmou sorrindo satisfeito.

As vezes eu tinha a impressão de que Harry sabia exatamente o que dizer ou fazer para me deixar pensativa, e que algo na minha reação confirmava a ele quando o objetivo tinha sido atingido.

Nos acomodamos no sofá sob o edredom que eu arrastei para a sala e passamos as próximas horas matando o tempo da melhor maneira que existia. Harry acabou dormindo um pouco depois, deitado atrás de mim, e eu me distraí com o filme que estava passando na TV, então quando me lembrei de verificar as horas estava tarde e ele decidiu não ir para casa, o que já era previsto.

Ele dormiu rápido de novo quando se deitou na minha cama, mas eu ainda fiquei alguns minutos acordada. Quando estava quase totalmente inconsciente me lembrei de uma coisa que eu queria saber ainda hoje e puxei o celular que estava no criado mudo ao meu lado, acessando a página de esportes assim que o navegador de internet foi aberto. Olhei o resultado e não consegui conter o sorriso de satisfação, ainda que para mim aquilo não significasse muita coisa.

—Harry. - Chamei alto o suficiente para que ele abrisse os olhos. - Seu time ganhou.

Seu sorriso foi enorme e lindo quando eu contei, e sem aviso fui puxada para um abraço.

—Acho que você dá sorte mesmo. - Comentou e fechou os olhos de novo.

A gente já se acomodava tão bem para dormir juntos, e era tão confortável, que um minuto depois nenhum dos dois estava acordado mais.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal. Como estão?
Todo mundo aqui ama quando eles estão no maior amor desse jeito? Eu amo!
E o final desse capítulo é um dos que me deixam com os olhos brilhando.
Comentário pessoal: Vocês repararam como eles são ótimos em fingir que nada aconteceu depois de qualquer desconforto? Repararam também que eles nunca conversam para resolver o problema? O que vocês acham disso, hein?
Não deixem de me dizer nos comentários.
Beijos e até o próximo!

Crossover: Em Backstage Ron e Mione estão na viagem dos sonhos de todo casal, embora eles não achem que são um... Já viram?
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