Déjà vu escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 15
Capítulo 15




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Durante o plantão de sexta consegui um tempo livre a noite para me sentar na lanchonete do hospital e comer tranquilamente. Peguei um lanche natural e um suco de laranja e procurei uma mesa pequena e vazia mais ao fundo, onde eu pudesse me sentar sozinha por pelo menos alguns minutos.

Eu ainda me sentia cansada da tensão de ontem, fora o turbilhão de pensamentos na minha cabeça. O que foi todo aquele desespero? E mais ainda, o que foi todo aquele alívio depois?

Como eu pedi, Harry me deixou de novo em casa menos de duas horas depois de sairmos e eu afundei na cama sem saber o que pensar.  Durante todo o tempo em que estivemos fora eu me atentei a prestar atenção em tudo o que eu sentia com cada coisa banal que ele fazia: como passou os braços ao redor da minha cintura com naturalidade quando saímos do carro, como apoiou na minha coxa para se levantar e buscar nossos pratos no balcão, como o tempo todo ficamos de mãos dadas ou tocando um no outro, coisa que eu nunca sequer percebi que fazia muito menos imaginava me sentir tão confortável, como nem olhamos para o lado quando estamos juntos.

A única conclusão a que chego é que eu gosto. Gosto demais de tudo. O que definitivamente não é uma boa ideia, e só a aflição do dia anterior é capaz de provar isso.

"Quando foi que isso aconteceu?", me perguntei pela milionésima vez desde que me desvencilhei do abraço que ele me deu em frente ao meu prédio antes de eu sair do carro. Não faço ideia de quando ou como eu fiquei tão descuidada a ponto de nem perceber tudo o que estava acontecendo enquanto eu supostamente deveria estar me divertindo. Não que não esteja sendo divertido, pelo contrário, acho que está sendo tanto que me esqueci de prestar atenção no que acontecia por trás disso.

Quando ele me ligou hoje mais ou menos no horário de todos os dias eu não atendi de propósito, ainda que estivesse com tempo livre para isso, e ele entendeu que eu estava ocupada demais para falar, então só me mandou uma mensagem desejando uma boa noite no trabalho. Não é que eu não quisesse falar com ele, eu só queria ficar um pouco sozinha de novo no meu espaço para tentar me acostumar com a ideia de que alguém agora queria dividi-lo comigo. E que eu estava deixando.

Me deixa mais tranquila a certeza de que o problema não sou eu, é o Harry. Ele é envolvente demais, divertido demais, altruísta demais em me dar liberdade para dizer apenas o que eu quero, porque ainda que eu note a curiosidade o remoendo para saber tudo sobre mim sei que posso ficar tranquila porque tenho certeza de que ele não vai perguntar. Quanta resistência eu precisaria ter para que isso não me afetasse nem um pouco? O problema do Harry é exatamente ser - e até pensar na palavra me deixa assustada - apaixonante demais.

—Posso? - A voz de Colin me despertou dos meus devaneios.

Olhei para cima e o vi com um pequeno sanduíche de pão integral e um refrigerante nas mãos.

—Claro, gato. - Apontei a cadeira em frente e ele se acomodou. - Pão integral e refrigerante? - Comentei olhando para sua escolha que não fazia muito sentido.

—É para equilibrar e não ser nem tão saudável, nem tão não saudável. - Explicou me fazendo olhar para ele descrente. - Tudo bem?

—Tudo bem sim, e com você? - Suspirei ao fim, porque eu sabia o que ele ia perguntar a seguir.

—Estou ótimo. Onde o Harry estava?

—Trabalhando no escritório de um cliente. - Expliquei apoiando o queixo nas mãos. - Nem foi ao escritório dele ontem, ainda bem.

—Que bom, pelo menos ele estava realmente a salvo. - Falou tomando um pouco da sua Fanta Uva. - Gata, o que foi aquilo? - Perguntou desconfiado.

Afundei o rosto nas mãos e soltei um suspiro antes de dizer com toda a minha sinceridade:

—Eu não sei, gato.

Sua risada divertida me fez levantar a cabeça e o encarar confusa.

—Eu sei e posso te dizer em detalhes se você quiser. - Ofereceu solícito e irônico, me fazendo revirar os olhos. - Posso ser sincero?

—Por favor.

—Não me surpreenderia nada se todo aquele desespero tivesse vindo do Harry, e não deveria te surpreender também, o cara se arrasta por você desde o primeiro dia.

—Ele não se arrasta por mim, Colin. - Neguei, achando sua afirmação um tanto exagerada.

—Não? - Questionou cético. - Ele sempre está disponível quando você está disponível, e acho que a possibilidade de que ele não tivesse vida social antes de você seja próxima de zero. Quer dizer, olha para ele! Bonito, jovem, simpático, devia sobrar agitação naquela vida social.

—De acordo com o que ele me conta, até demais. - Confirmei sua suspeita.

—Então?! Ele arruma tempo, Gin, de onde quer que seja e independente da ocasião, para ficar com você. E isso acontece a que? Dois meses?

—Três, quase quatro. - Corrigi e ele fez cara de quem tinha razão.

—Ele acompanha sua agenda louca, vem a hora que você liga dizendo que tem qualquer tempinho livre, mesmo sabendo que você pode ser chamada na hora em que ele chegar e foi tudo em vão, se desdobra em carinho e faz tudo para te agradar.

Não tive o que responder a isso, porque pensando desse modo ele tinha razão.

—O que me surpreendeu foi vir de você, doutora. - Comentou imitando o jeito que Harry me chama de vez em quando.

—Por que exatamente sou tão surpreendente? - Perguntei tentando soar despreocupada.

—Porque eu já vi muitas vezes você saindo com outras pessoas e para ele, só para ele, você dá espaço. - Explicou simplesmente, como se fosse óbvio. - Uma coisa temos que admitir, Harry Potter soube chegar aos poucos, não soube?

Reprimi minha vontade de dizer sim no ato, e só dei de ombros.

—E o jeito que te vi ontem foi bem diferente da Ginny que eu conheço. - Analisou me olhando pensativo.

—Diferente ruim? - Perguntei em dúvida.

—Diferente, diferente. - Deu de ombros como se não houvesse uma resposta além dessa palavra. - Você ficou meio fora de controle, é verdade, e isso foi bem estranho, mas eu nunca te vi tão verdadeiramente preocupada daquele jeito antes por ninguém, nem tão espontânea em demonstrar o medo de que alguma coisa tivesse acontecido. Você normalmente é tão contida.

—Meio fora de controle? - Repeti, sentindo minhas bochechas corarem.

—Ei, não precisa ficar com vergonha. A gente fica mesmo meio fora de controle quando gosta de alguém. - Falou com empatia, segurando minha mão sobre a mesa. - É até gostoso, não é? - Completou sorrindo sugestivo.

Quando abri a boca para contestar seu aparelho de comunicação tocou e ele leu com o cenho franzido.

—Preciso ir, gata. Estão me chamando. - Falou recolhendo sua lata de refrigerante e o guardanapo. - Só queria dizer para você aproveitar bastante, ele está totalmente na sua e isso é ótimo, mas vá com calma porque é tudo recente demais, vai no seu tempo. - Me lançou um beijo antes de se levantar apressado e sair da lanchonete.

Fiquei alguns minutos sentada na mesa e ponderando o conselho antes de decidir me levantar e voltar para o meu consultório. Enquanto caminhava pelos corredores pensei que eu sabia exatamente com quem eu deveria conversar sobre isso. Tirei o celular do bolso e notei que ainda era dez da noite, horário aceitável para uma ligação.

—Oi, Gin. - Minha vizinha atendeu no terceiro toque.

—Oi, Mione. Tudo bem?

—Sim, e você? - Perguntou preocupada.

—Também. Posso passar aí para conversarmos amanhã quando sair do trabalho?

—Aconteceu alguma coisa?

—Nada com que se preocupar, só quero conversar um pouco.

—Claro, que horas?

—Seis da manhã. - Ela riu, mas eu sabia que não negaria.

—Meio fora de hora, mas vou estar esperando.

—Obrigada, você é a melhor. - Agradeci rindo da expressão de descaso que ela certamente faria com essa minha frase. - Até lá então.

—Até. Beijos.

Saí do trabalho quando o sol começava a nascer e passei pelo portão da garagem com o dia já claro, não era preciso nenhuma pressa para acordar minha vizinha.

Toquei a campainha do apartamento dela e fui atendida quase de imediato por uma Hermione disposta e vestida num roupão vermelho, aparentando muito desperta para o horário. Eu diria que ela acorda muito bem, mas a verdade é que estava com cara de quem nem dormiu.

—Oi, Gin, Tudo bem? - Falou agitada como sempre, me dando um beijo na bochecha. - Entra, e não repara a bagunça.

Agradeci e passei pela porta da sala com o mesmo formato da minha própria, me encaminhando já ao sofá mostarda super confortável e elegante que ela tem há alguns anos. Embora ela tenha pedido para não reparar, não pude deixar de notar a mesa de centro afastada para o canto, o edredom étnico jogado em cima do tapete e dois travesseiros deixados ali de qualquer jeito. Nem era o que eu chamo de muita bagunça, mas para os padrões da minha amiga certamente sim e isso só podia significar que alguém com meu DNA esteve aqui até pouco tempo atrás.

—Tudo bem, só queria conversar. - Iniciei o assunto, deixando minha bolsa no chão ao lado do sofá e me sentando confortavelmente com as pernas sobre o assento. - E é exatamente sobre essa bagunça.

—Tudo bem, mas você veio aqui pela minha bagunça?. - Falou um tanto confusa e se acomodou de frente para mim.

— Mione, como é sua relação com meu irmão? - Perguntei de uma vez.

Ao invés da resposta rápida e direta que eu a imaginei me dando, seus olhos se arregalaram como se aquilo fosse a última coisa que esperava ouvir.

—De onde veio isso agora? - Me devolveu a pergunta, soando um pouco relutante.

Eu tinha pensado em uma conversa sobre a relação dela, não na possibilidade de ter que falar a respeito da minha, mas já que comecei o jeito era continuar.

—Lembra do Harry?

—Claro.

—A gente já está se vendo há um tempo, e está sendo super legal. Nos encontramos com frequência, ele me liga todos os dias, é super atencioso e carinhoso comigo. Hoje vamos sair com os amigos dele, acho que vou me sentir meio deslocada, mas ele está bem empolgado para me apresentar para todo mundo então eu vou. - Dei uma pausa para respirar e pensar em como terminar minha explicação sem dizer exatamente o que estava sentindo. - O que quero dizer é que nos divertimos muito e nos damos muito bem também, mas eu achava que era só isso.

—E agora já não sabe mais?

—É. - Confirmei, agradecida por ela entender. - Então, como é a relação de vocês?

Ela escolheu as palavras por um tempo antes de me responder.

—Não é, porque não tem um relação, Gin. - Olhei descrente, porque tenho certeza absoluta de que há algo entre ela e Ron há muito tempo, e ela respirou fundo antes de continuar. - O que quero dizer é que não temos e nunca tivemos nada que chegue perto do que você acabou de me dizer sobre você e Harry. Ron e eu nos encontramos esporadicamente, nossas ligações e mensagens se limitam a perguntar se o outro está disponível e está a fim de… sair. - Completou a frase coçando a cabeça e me parecendo um pouco constrangida. - Aí a gente se diverte e só. Nunca saímos acompanhados, nem de você que ambos conhecemos e sabemos que sabe desses encontros, porque não é algo para ser levado a sério.

Eu ainda estava me decidindo se acreditava ou não no que ela acabou de dizer, mas achei melhor não confrontar seu cérebro super moderno e me ater à resposta que me deu.

—Como você consegue? - Perguntei bastante interessada e mais uma vez ela me olhou como quem queria fugir da responsabilidade de me responder. - Quer dizer, faz uns cinco anos que vocês estão nessa? Harry e eu nos conhecemos a menos de cinco meses.

O silêncio que se seguiu foi muito pouco típico da Hermione, embora a expressão pensativa eu já conhecesse de outras vezes, então aguardei em silêncio.

—As coisas são do jeito que são, Ginny. - Deu de ombros tentando demonstrar que não se importava. - Tudo foi decidido há muito tempo, ainda no começo, não tem o que conseguir ou não. É só isso e pronto.

Essa resposta não me ajudou no meu dilema, mas esclareceu qualquer resquício de dúvida que eu tinha sobre a possibilidade de que ela goste do Ron mais do que demonstra. A ironia da situação é que quem eu achava que pudesse me ajudar a esclarecer as coisas de alguma forma provavelmente está na mesma situação que eu.

—Ele não é tão legal quanto parece, é isso? - Perguntou diante da minha expressão pensativa.

—Não é isso, ele é legal até demais. É que, sei lá, acho que estou me envolvendo nisso mais do que gostaria. - Expliquei por fim o que estava me corroendo. - Não quero um namoro cheio de coisinhas românticas, por mim está bom como está.

—Mas você está feliz com a parte que não gostaria? - Perguntou astuta.

—Sim, estou feliz. - Fui sincera e ela sorriu cúmplice para mim.

—Aceita um conselho?

—Mas é claro.

—Se ele faz parte do que te deixa feliz, não fique se prendendo ao nome do que vocês tem, porque nome é o que menos importa. E não fique fugindo também, porque essa é bem a sua cara. - Acusou e eu a olhei me fingindo de ofendida, o que a fez revirar os olhos para mim antes de continuar. - Como você mesma disse, são só alguns meses e isso pode não querer dizer nada e daqui um tempo vocês, sei lá, perderem o contato um com o outro. Não precisa ficar se corroendo por isso agora.

Senti uma sensação quase de protesto ao pensar no que ela falou, mas me contive e concordei com um aceno. Pensar em perder o contato com o Harry era quase inaceitável, mas era algo possível, como acontece com tantos casais o tempo todo, e significaria que eu estou me preocupando a toa com o destino do que quer que seja que temos.

—Obrigada, Mione. - Agradeci depois de perceber que estava quieta a tempo demais. - Vou fazer isso, nome não é mesmo importante e estou gostando desse nosso rolo.

—É isso aí. - Falou dando um tapinha de incentivo na minha perna. - Não fique com isso na cabeça, deixe a relação de vocês acontecer e aproveite o seu cara super legal, eles não são mais tão comuns assim hoje em dia.

Ri do desfecho que ela deu à conversa e me virei para alcançar a bolsa no chão.

—Dado todos os seus conselhos maravilhosos, vou para casa dormir e deixar você dormir, porque preciso estar descansada para conhecer a galera dele. - Falei me levantando e ela riu.

—Juro que queria ver você na mesa rodeada pela galera dele, será uma cena e tanto. - Zombou e eu lhe mostrei a língua.

—Acho que vai ser legal.

—Claro que você vai achar legal, ele vai estar lá. - Falou como se fosse óbvio e eu revirei os olhos para ela, já indo em direção à porta.

Minha vizinha se levantou para me acompanhar até a porta e trocamos um beijo de despedida assim que a abriu.

—Posso dizer uma coisa também? - Pedi enquanto destrancava a porta do outro lado do pequeno hall.

—Claro. - Concordou com o corpo meio para fora.

—Seus conselhos também seriam maravilhosos para você. Tchau, vizinha. - Terminei com uma piscadinha em sua direção e antes que a enxurrada de perguntas e negações começasse entrei rapidamente e fechei a porta atrás de mim.

A caminho do quarto mandei uma mensagem para o Harry:

“Bom dia,

Que horas está marcado o encontro hoje, mesmo? Já estou em casa, quando acordar eu te ligo.

Beijos.”

Durante o banho pensei em tudo o que Hermione e Colin me disseram e cheguei à conclusão de que ambos estão certos, isso não é algo de que eu deva sair correndo, mas também não preciso ir rápido demais. Logo antes de dormir me passou pela cabeça que foi fácil demais me convencer de que mantê-lo por perto era uma boa ideia, mas descartei qualquer conotação negativa que isso pudesse ter e fui engolida pelo sono um segundo depois.

Despertei devagar e continuei deitada por alguns minutos, até a posição começar a ficar incômoda. Me virei e puxei o celular que estava jogado no colchão do meu lado e cuja tela indicava ser um pouco mais de três da tarde. Eu realmente apaguei hoje.

Minha mensagem havia sido respondida por volta das dez da manhã:

"Bom dia, Ratinha. Marcamos às 9. Durma bem, beijos."

Disquei seu número e levei o celular ao ouvido, mantendo os olhos fechados para aproveitar a preguiça.

—Oi, Gin. - Cumprimentou animado.

—Bom dia. - Respondi preguiçosa.

—Que voz de sono. - Comentou rindo. - Acabou de acordar?

—Uhum. Ainda nem me levantei.

—A noite foi difícil?

—Na verdade não, foi até calma. - Interrompi minha narrativa para bocejar. - Saí de lá até um pouco antes, mas passei na casa da Mione para conversar.

—Às seis da manhã? - Seu tom divertido demonstrava que ele achava aquilo um pouco estranho.

—Ela não se importa, oras. - Me expliquei e ele riu. - O que você está fazendo?

—Estava lendo.

—A história da psicopata que finge a própria morte?

—Não, esse eu já terminei faz tempo. É a história de um psicopata que comete uma série de crimes antes de chegar até seu alvo, mas por enquanto eu não sei quem é nem o alvo e nem o assassino porque o detetive Carson não descobriu ainda. - Explicou empolgado e eu notei que estava sorrindo enquanto ele falava.

—Devo me preocupar com essa sua fixação por psicopatas?

—Talvez. - Tentou soar ameaçador, mas foi só bonitinho mesmo.

—Vem para cá.

—Chamando assim... - Falou também um tom mais baixo que o normal e eu quase pude ver sua expressão satisfeita. - Vou tomar banho e me vestir, assim vamos direto daí.

—Ta bom. - Concordei e o ouvi já se levantando. - Até daqui a pouco.

—Até. Beijos.

Deixei o celular de lado e depois de escovar os dentes fui até a cozinha tomar café da manhã, embora já fosse bem depois até da hora do almoço. Harry com toda certeza já havia almoçado, então não me preocupei em esperá-lo e guardei todas as coisas de novo depois de comer.

O ar mais frio de outono estava muito convidativo a ficar na cama o dia todo, assim não me preocupei em trocar a camisola curta de algodão por algo mais apresentável e voltei para debaixo do meu edredom lilás para esperar que a campainha tocasse. O que aconteceu alguns minutos depois que me deitei novamente.

Harry estava parado do outro lado da porta parecendo muito casual com uma calça jeans escura e um pouco mais justa do que o padrão normal masculino, sapatênis branco e um moletom canguru cinza com as mangas pretas que eu teria jurado pertencer ao uniforme esportivo de alguma faculdade não fosse a marca conhecida estampando seu peito.

—Muito adulto. - Comentei irônica, olhando sua roupa e me detendo em suas duas mãos despreocupadamente dentro do bolso frontal da blusa.

—Muito sexy. - Falou do mesmo modo, olhando minha camisola rosa de ursinhos.

Dei espaço para que ele entrasse e me aconcheguei quando o senti se encostar às minhas costas e me abraçar enquanto eu fechava a porta.

—Não está com frio? - Perguntou com os lábios encostados na minha bochecha.

—Planejo continuar embaixo das cobertas por um bom tempo ainda. - Falei caminhando de volta para o meu quarto com ele ainda grudado em mim.

Me acomodei sobre um dos meus travesseiros e esperei que ele tirasse a blusa e o sapato para se juntar a mim.

—E então, quem vai estar lá hoje? - Perguntei depois de ganhar um beijo.

—Mike e Lisa com certeza. - Garantiu, se referindo ao melhor amigo e sua esposa. - Talvez Dave, Alice e o namorado, Tom e Jessica.

Passei a perna sobre sua barriga e ele ficou batucando qualquer ritmo na minha coxa enquanto me dizia que todos eram super legais e que a gente ia se dar super bem.

—Não estou preocupada que eles sejam chatos. - Expliquei rolando os olhos em sua direção. - É só que vou ficar meio sem graça porque eu sou a única que não conhece ninguém.

—Você me conhece, já está ótimo. E da próxima vez não vai mais ser a única desconhecida.

Ele me falou um pouco de cada um deles antes do assunto se transformar em coisas mais pessoais e engraçadas, como as que preenchia nosso tempo enquanto estávamos sozinhos. Aos poucos a luz do dia parou de invadir a janela, indicando que estava escurecendo, mas quando nos lembramos de olhar no relógio já era quase oito da noite e eu estava deitada de bruços com o queixo apoiado em seu peito.

—Melhor eu me arrumar. - Falei já me levantando.

A roupa que eu usaria foi decidida enquanto o aguardava chegar, então não demorei muito em vestir uma calça jeans preta que descia justa até meu pé, sapato de salto da mesma cor e uma camisa de seda vermelha que caía muito bem com o resto das peças e tinha as mangas compridas. Arrumei os cabelos soltos e passei um pouco de maquiagem antes de finalizar com um colar que Hermione me deu e insistiu que eu deveria usar porque valorizaria meu decote e um casaco escuro que seria tirado assim que eu passasse pelas portas do local marcado. Eu ia conhecer as pessoas com quem ele normalmente se divertia nas sextas enquanto eu estava trabalhando, isso me dava o direito de querer estar apresentável.

Harry já tinha colocado de novo a blusa e o tênis e estava me esperando na sala. Quando cheguei até lá ele estava concentrado com alguma coisa em suas chaves. Ao ouvir o barulho do meu salto ele olhou para cima já com a boca aberta para falar alguma coisa, mas desistiu e desceu os olhos por mim com a expressão divertida e em silêncio..

—Espero que esse olhar queira dizer que está bom. - Desafiei, caminhando até minha bolsa que estava sobre a estante e escorregando o celular para dentro dela.

—Está ótimo, na verdade. - Opinou com aquele sorriso de canto convencido que tinha algumas vezes e parou do meu lado. - Trouxe uma coisa para você.

Apoiei minhas mãos no bolso da sua blusa e esperei enquanto ele terminava de separar uma chave das demais. Eu já sabia o que seria, mas achei melhor ganhar tempo para pensar no que dizer.

—Desculpe te deixar preocupada na quinta, eu imagino como foi quando eu não atendi e teria me sentido da mesma forma. - Falou me parecendo muito tranquilo para alguém que está entregando a chave da própria casa para outra pessoa. - Caso algo assim aconteça de novo e eu esteja, sei lá, dormindo, ou se você só quiser aparecer mesmo. - Deu de ombros ao dizer essa parte. - Fiz para você, na portaria e na garagem você já entra sem problemas, então pode usar quando quiser.

Minha cabeça rodou um pouquinho depois que ele terminou todo o discurso agradável e imediatamente todos os conselhos que ouvi nas últimas vinte e quatro horas foram lembrados. Eu queria deixar isso rolar, como sugeriu minha vizinha, mas também sabia que deveria ir com calma, como disse meu colega de trabalho.

Decidi encontrar um meio termo entre recusar e invadir a casa dele toda semana, e antes que Harry achasse que meu silêncio demorado demais e a cara com que eu olhava para o pequeno objeto de metal fossem um mau sinal, estendi a minha para que ele entregasse e o olhei com um sorriso que ele retribuiu.

—Obrigada, fico muito tocada com a consideração. - Agradeci quando fechei minha mão em torno dela e me abaixei para guardar dentro da gaveta da sala.

—Não vai deixar no seu chaveiro? - Perguntou em dúvida.

—Se isso acontecer de novo e você estiver dormindo eu tenho tempo para vir aqui buscar enquanto te ligo quarenta e sete vezes. - Expliquei da melhor forma que consegui e ele acabou rindo. - E quando eu quiser aparecer você abre a porta para mim, que graça teria sem você lá? - Terminei me esticando um pouco para lhe dar um selinho e sua expressão me dizia que ele gostou do que ouviu. - Vamos?

Atravessamos a cidade escura e agitada de sábado a noite e cruzamos a porta do bar requintado e descontraído poucos minutos depois do nosso horário combinado. Harry segurou minha bolsa enquanto eu tirava o casaco ao ser envolvida pelo ambiente agradavelmente aquecido e disse que tudo bem carregá-la quando estendi minha mão para pegar de volta.

Eu nunca tinha ido ali, mas ele parecia conhecer tudo muito bem e me guiou com segurança por entre as mesas com a mão apoiada na minha cintura enquanto eu admirava as paredes escuras em contraste com as luzes amareladas no teto, que deixavam o local com uma iluminação agradável e nada cansativa, e os vários pufes coloridos espalhados ao redor das mesas se mesclando com cadeiras de encostos estofados e sofás de canto. Meu primeiro pensamento foi que a galera dele tinha muito bom gosto.

Subimos uma escada para o andar superior, onde a música anos oitenta era mais baixa, e ainda nos últimos degraus avistei a mesa à qual nos destinávamos já rodeada de pessoas animadas e conversando despreocupados.

—Chegamos. - Harry anunciou, sorrindo quase orgulhoso, mas os olhares todos se voltaram para mim.

—Ela existe mesmo! - Exclamou uma das moças e todos eles irromperam em risadas.

Por fim eu acabei rindo também e isso de certa forma dissipou um pouco a minha tensão.

—Eu disse que existia. - Ele afirmou como se a dúvida dela fosse um absurdo, mas seu tom não demonstrava nada além de satisfação. - Pessoal, essa é Ginny.

Cumprimentei a todos eles com um beijo no rosto enquanto os nomes iam sendo repetidos sucessivamente: Robert, Alice, Jessica, Dave,Tom, Mike e, por fim, Lisa. Harry me seguiu de perto, ainda segurando minha bolsa e os cumprimentando depois de mim.

—Agora entendo os sumiços, ela é a maior gata. - Michael falou direto para o Harry depois de retribuir meu cumprimento e dizer seu nome.

—Obrigado, ela já é super convencida também, isso vai ajudar bastante. - Harry falou irônico e eu o olhei com os olhos semicerrados, arrancando mais risadas de todos em volta.

Também ri quando vi que ele cumprimentava o melhor amigo com um beijo no rosto, porque isso era atípico.

—Não liga, você se acostuma. - Lisa falou divertida e fazendo um gesto para deixar para lá. - Tudo bem, Harry? - Cumprimentou quando ele se abaixou para beijá-la e colocou a mão de leve em cima da sua barriga já crescida.

—Tudo bem, e você? E nosso garotão aqui? - Falou carinhoso.

—É menino? - Perguntei a ela.

—Ainda não sabemos, mas Harry e Mike juram que sim. - Contou rolando os olhos.

Haviam dois pufes esperando por nós e Harry se acomodou em um deles e posicionou o outro entre suas pernas abertas, de modo que me sentei entre elas e encostei em seu peito.

—E então, doutora. - Começou Dave e eu me virei para ele. - Todo mundo aqui achou que Harry tinha arrumado uma namorada imaginária quando ele parou de aparecer nos encontros.

—Por favor, doutora aqui também não. - Pedi, me acomodando melhor no assento.

—Aproveita, Dave, eu tive bem mais trabalho que isso para poder chamá-la pelo primeiro nome. - O coro malicioso que se seguiu me fez ficar um pouco desconcertada, mas acabei rindo também.

—É porque você não é eu, meu amigo. - Ele comentou convencido.

—Cala a boca, Dave. - Jessica mandou e arrancou mais risadas.

Enquanto todos ainda estavam rindo o garçom chegou até nossa mesa e parou entre Mike e Tom.

—Estão aguardando mais alguém ou já querem fazer os pedidos?

—Já estão todos aqui. - Tom confirmou e se virou para frente de novo. - Cerveja, todo mundo?

Dave, Robert e Mike entoaram um único sim.

—Gim tônica. - Alice pediu.

—Uma marguerita de morango, por favor. - Jessica falou logo depois.

—Suco de abacaxi. - Lisa se manifestou com cara de que não era bem aquilo que queria, mas não havia outro jeito.

—Cerveja também, Harry? - Mike perguntou.

—Não, estou dirigindo. - Se lamentou.

—Eu acompanho a Lisa. - Ofereci, virando o rosto para ele.

—Tem certeza? - Perguntou mais baixo, apenas para mim.

—Uhum. - Confirmei com a mão estendida em sua direção, onde ele colocou a chave do carro que até então estava em seu bolso. - Um suco de laranja para mim. - Pedi enquanto a guardava na bolsa ao lado do meu pé.

—E outra cerveja. - Harry pediu com os braços apertados ao meu redor.

Assim que ficamos novamente sozinhos, Alice falou alto o suficiente para todos da mesa ouvirem:

—Ele já está super ensinado também. Parabéns, doutora, eu sabia que um dia alguém ia conseguir. - Seu tom era avaliador e arrancou risadas de todos nós.

Já me passava pela cabeça que as pessoas com quem Harry se divertia fossem ao menos parecidas com ele, e não me enganei quanto a isso. Durante vários minutos eu fui alvo das perguntas e curiosidades de todos eles, o que não me deixou desconfortável, ao contrário do que pensei. Respondi que sim, eu sou mesmo cirurgiã, Harry não estava sendo criativo quando disse que era um paciente e foi assim que nos conhecemos, que a moça no bar no dia da despedida do Mat era eu mesma, que eu adoraria vir mais vezes e que infelizmente eu não podia fazer o pré natal de Lisa porque sou ortopedista e não obstetra.

Muitas outras bebidas foram pedidas enquanto estávamos lá e várias porções de diferentes comidas gostosas também foram trazidas. Lisa estava do meu lado e foi a pessoa com quem mais conversei, por isso posso afirmar que gostei muito dela, mas todos os outros eram extremamente simpáticos e divertidos e não ficamos um minuto sem rir durante o tempo em que estivemos sentados ali.

Já passava da uma da manhã quando pagamos a conta e caminhamos em direção à saída, todos, com exceção de Lisa e eu, bem mais alegres do que quando chegamos. Entreguei o recibo para o motorista do estacionamento e Harry segurou meu casaco para que eu o vestisse enquanto aguardávamos o carro. Me despedi de todos eles prometendo que apareceria sempre que possível e saímos dali enquanto Mike e Lisa aguardavam o próprio veículo e os outros o táxi que os levaria para casa em segurança.

—E então, gostou? - Me perguntou empolgado assim que dobrei a primeira esquina.

—Muito. - Fui totalmente sincera.

—Eles adoraram você. - Afirmou pousando a mão na minha perna e eu sorri satisfeita.

—Também gostei muito de todos eles. Lisa é um amor.

—Gosto muito dela também. - Falou se acomodando melhor e riu do que estava prestes a dizer. - Quando ela engravidou eu falava para o Mike que o filho é meu, por isso eu chamo de nosso garoto.

Por mais que fosse infantil eu ri também, porque é exatamente o tipo de piada que eu imagino Harry fazendo.

—E o que Lisa fala disso? - Perguntei interessada.

—Que vai ensinar ele ou ela a me chamar de papai também, que não preciso me preocupar.

Nós dois rimos de novo e ele continuou falando até que estacionei o carro na sua vaga de garagem e subimos de mãos dadas no elevador, ainda em meio a relatos e risadas. Agora que eu conseguia associar os nomes a rostos e personalidades era muito mais divertido ouvir todas as histórias que ele me contava.


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Notas finais do capítulo

Olá!
Capítulo em dobro essa semana, para compensar a falta da semana passada ;)
Estou super ansiosa para saber o que acharam desse encontro da Ginny com os amigos dele, porque parece que ela gostou.
Não deixem de me dizer nos comentários.
Beijos e até semana que vem.

Crossover: O que será que a Mione ficou fazendo a noite toda??? ;)
https://fanfiction.com.br/historia/692675/Backstage/capitulo/9/