Cristal escrita por Mia


Capítulo 2
Capítulo 1 - Lorenzo


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura ^^



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Lana querida, chegamos. – Sônia murmurou, sua mão fina e fria afastou os poucos fios de cabelo que teimavam em cair na testa de Lana.

O interior do carro ficou tão frio de repente, Lana fechou seus braços ao seu redor com mais força enquanto sentia seu coração afundar, quando ergueu o rosto pra Sônia teve medo dos palavrões na sua mente ganharem vozes e testarem a tolerância da sua mãe, mas ao invés do ato rebelde Lana sentiu seus próprios olhos denunciarem a tristeza que formava um bolo dolorido na sua garganta.

— Aqui tem muito verde. – Sônia continuou quando viu que tinha de novo sua atenção. – e eles têm um ótimo programa escolar, você pode fazer novos amigos, você vai recomeçar querida.

Lana odiava quando Sônia a chamava de querida, sua mãe parecia tão distante e fria quando o fazia, como se tivesse conversando com um dos empregados da casa ou despachando uma visita incômoda, mas o pior era saber que ela só o fazia porque estava ansiosa com algo, principalmente com Lana, Sônia vasculhava o rosto de Lana como se procurasse algo sombrio, esperando que ela surtasse e avançasse como um animal enjaulado.

Lana soltou um suspiro devagar, cansado e relutante. Ela não iria discutir no banco de trás de um taxista mal encarado, não quando Sônia parecia tão dura e inflexível na decisão de afastá-la de casa e dos poucos amigos que tinha, parecia ser um esforço tão grande tentar convencer sua mãe que nada daquilo era necessário.

— Ok mamãe. – Lana disse em uma voz baixa e comedida. Ela abriu a porta do carro e sem esperar por Sônia saiu, recebendo no rosto uma lufada de ar refrescante que agitou seu cabelo.

O taxista que as tinha deixado ali colocou sua mala grande próximo dos seus pés antes que arrancasse com o carro e desaparecesse em uma estrada que parecia não ter fim. Lana olhou pra cima e viu os portões altos e adornados do internato, pelas grades era possível ver uma imensidão verde, como Sônia tinha prometido, mas não conseguia ver vida ali, ou alguma coisa alegre e jovem, Lorenzo era tão apático quanto sua imaginação prometeu que seria.

— É melhor quando você entra. – Sônia sussurrou pra ela.

— Tem certeza que não é um manicômio? – Lana perguntou de volta.

Sentiu Sônia endurecer e fechar o rosto em uma carranca, por um instante Lana se arrependeu do atrevimento, mas antes que pudesse formular um pedido de desculpas Sônia se adiantou chamando um dos seguranças que Lana não tinha visto, em instantes elas tinham entrado e as grades altas estavam de novo fechadas, quando ouviu o tilintar do encontro dos metais Lana sentiu algo forte agitar seu coração, quando olhou pra trás imaginou ter visto olhos sombrios a sondando.

ººº

Ela apertou com força o pingente que sempre carregava no pescoço, não era raro quando o fazia, sentir na sua mão o frio daquela pedra lilás trazia uma sensação reconfortante de segurança, mesmo que fosse ilusória, Lana tentava manter a calma enquanto esperava por Sônia, mas aquela sala silenciosa a intimidava, o único barulho que ouviu era um tictac irritante do enorme relógio pendurado na parede.

Ela sabia que, por maior, ou melhor, que Lorenzo fosse não era o internato em si que motivara seus pais a arrastá-la até ali. Lorenzo tinha uma fama rigorosa e um bom programa educacional, Lana estaria sempre ocupada, seja com a escola ou com as visitas regulares á uma psicóloga, ela estaria trancada sete dias por semana e 24h por dia, era tudo o que seus pais pareciam querer agora, que Lana fosse o problema de outra pessoa. Ela não era louca, disso tinha certeza, mesmo que ás vezes o excesso de cuidados dos pais e a restrição na sua vida a fizesse pensar o contrário. Ela não era louca por ter pesadelos á noite, mesmo que esses a fizesse gritar por horas a fio, ou que ás vezes sentia mãos grandes apertando seu pescoço com tanta força e violência que Lana jurava que poderia morrer.

Era o medo constante que verdadeiramente mexia com seus nervos, as noites insones, os olhares ansiosos e frios dos seus pais, Lana se sentia insegura e inconstante, como se a todo instante pisasse em um chão mole que poderia afundar seus pés.

A porta ao lado da mesa vazia da recepcionista rangeu e ela viu Sônia passar por ela. Sônia parou passando suas mãos longas e finas no terninho branco que usava, ela parecia menos ansiosa agora que tinha saído da sala da direção, ela era sempre tão elegante e confiante que parecia ser difícil imaginá-la temerosa com algo, mas Lana sabia o quanto sua mãe podia ser atingida e o quanto duraria a mascara quieta que carregava no belo rosto.

Sônia se recompôs quando seus olhos se encontraram, ela ergueu os ombros e caminhou até onde Lana estava. Seus saltos finos batendo no piso era tudo o que ouvia na sala.

— Já está tudo certo. – ela disse com um falso entusiasmo. – Acho que você não terá problemas pra se adaptar, só faz um mês que as aulas começaram e com suas notas não vai ter problema em acompanhar a turma.

Lana assentiu, mesmo sabendo que suas notas não eram tão boas e ela odiava ter que ficar presa em algum lugar, mas Sônia sorriu satisfeita pela colaboração de Lana. – Você vai fazer ótimos amigos, - ela continuou, passou seus dedos longos no rosto de Lana como fazia quando ela ainda era pequena – você é linda, aposto que vai chover rapazes querendo ficar com você. – o sorriso dela abriu mais um pouco, como se realmente acreditasse nisso – daqui a pouco vai sair alguém e te apresentar o inter... Sua escola e seu novo quarto. – Sônia piscou e por um instante uma sombra de dúvida ameaçou desmanchar o sorriso confiante que tinha. Seus olhos claros tremeram um pouco e ela recolheu sua mão cessando o carinho – nós vamos vir te pegar nas férias e se você quiser, vai poder passar um tempo com Alex nos Estados Unidos. Seu irmão vai adorar.

Então era isso, Lana pensou em derrota, Sônia parecia feliz em fazer suas promessas vazias, mas o mais assustador talvez fosse que ela realmente parecia acreditar nelas. Lana sentiu a realidade finalmente bater na sua cara, ela estava definitivamente largada em um lugar estranho e á quilômetros da casa e da família que ela nunca pertenceu de verdade.

— Tudo bem mamãe – murmurou mal conseguindo manter o choro longe da sua voz – apenas vá embora.

Lana baixou os olhos antes de ver a reação de Sônia, pareceu ser um longo tempo até que sua mãe se ajoelhou com cuidado á sua frente.

— Seu pai e eu estamos fazendo isso por você – ela murmurou.

— Não. Vocês estão apenas me escondendo, então, por favor, apenas vá embora.

Lana ficou de pé quando a recepcionista voltou, ela trazia cuidadosamente uma pasta branca nas mãos.

— Senhorita Lana? – a moça perguntou hesitante – Seus documentos estão prontos, se quiser me acompanhar... Sua mãe pode vir também se desejar.

— Não será necessário – Sônia respondeu firme já de pé, ela se inclinou e deu um leve beijo na testa da filha – se você for uma boa menina vai poder vir em casa nos fins de semana.

— Não. Obrigada – Lana fugiu do seu meio abraço e seguiu a recepcionista até um corredor estreito e bem iluminado, não olhou pra trás, temeu encontrar a mãe trêmula e chorosa, ou pior, de pé checando a maquiagem no espelhinho da bolsa como se nada tivesse acontecido.

— Aqui é o prédio principal – a recepcionista de repente disse, arrancando Lana dos seus devaneios – quando você quiser registrar alguma queixa, seja contra aluno ou professor, pode vir aqui – ela parou e estendeu a pasta que tinha – aqui estão as normas da nossa escola e um mapa.

Lana folheou rapidamente as folhas atentando-se para o conjunto de regras escritas ali. Não era permitido adentrar no prédio do sexo oposto, festas não eram permitidas, não podia chegar atrasada, sair sem permissão dos pais, usar roupas civis, a não ser nos fins de semana, e nem transitar pelos corredores em horário de aula, tinha uma folha solta que caiu quando foi passar de página.

— Esse é o seu horário de aula – a recepcionista, ou Tatiane, como estava escrito no seu crachá, disse enquanto recolhia do chão e estendia novamente para Lana – Sua aula começa amanhã.

— Ah sim, obrigada.

— Tudo que está escrito aí foi previamente lido e autorizado por seus responsáveis.

É claro á quanto tempo seus pais vinham planejando isso? Lana não ficaria surpresa, ou não devia ficar. Ela sempre carregou nos ombros a sensação de ser um problema, um desvio que impedia sua família de ser perfeita, agora que tinha sido jogada em Lorenzo ela ganhara sua certeza. Lana pegou seu horário de volta e o recolocou entre os outros papeis, sem uma segunda olhada fechou a pasta com desprezo e voltou a seguir Tatiane pelas instalações de Lorenzo.

Não demorou muito pra alcançarem as portas de vidro pela qual Lana e Sônia tinham entrado, do lado de fora era possível ter uma visão melhor do internato, ele era grande, amplo e como Sônia tinha dito, muito verde. Havia três prédios grandes e não muito distante delas.

— Aqueles são os dormitórios – Tatiane disse apontando pra sua esquerda, para os dois prédios, eles pareciam ser um só – eles são espaçosos, você vai gostar.

Lana virou pra ela e sorriu, Tatiane parecia ser simpática e solidaria o que acalmou um pouco o nervosismo que sentia na boca do estomago, mas não conseguiu esconder completamente o temor e o medo que sentia. Ela não queria ter que pensar em dramas agora, Lana piscou os olhos rapidamente e ia pedir para Tatiane continuar quando viu uma garota de repente, ela estava sentada em um banquinho de cimento construído ao redor de uma arvore, batia seus dedos freneticamente na tela do celular com suas sobrancelhas claras franzidas, como sentindo que era observada, a estranha ergueu o rosto enrugando seus lábios finos para Lana.

Jasmim? – Tatiane exclamou surpresa, ela passou por Lana e parou em frente à garota – o que você esta fazendo aqui?

Senhoria Jasmim – Jasmim guardou o celular em uma bolsa de mão e cruzou os braços olhando pra além da recepcionista – e quem é essa ai?

— Lana. Meu nome é Lana – Lana deu alguns passos a frente encarando a garota, ela era bonita, teve que admitir, seu cabelo era ainda mais claro que havia pensado e seus olhos azuis, ela estava impecavelmente bem vestida com uma saia rosa e blusa branca. Jasmim ficou de pé contornando Tatiane parando em frente à Lana.

— Você também acabou de chegar?

— Ahn... Sim.

Jasmim desmanchou sua expressão irritada em um sorriso simpático enquanto estendia sua mão para Lana.

— Eu sou a Jasmim, prazer em te conhecer Lana – disse pegando a mão que Lana teimou em não estender – parece que somos as duas novatas então.

— Desculpe senhorita Jasmim, eu não sabia que chegaria hoje caso contrário... – começou Tatiane, mas foi abruptamente cortada pela mão erguida de Jasmim.

— Isso não importa – a garota disse enrolando o braço de Lana no seu – minhas malas estão no carro, mande alguém deixa-las no meu quarto.

Tatiane abriu a boca, mas o olhar gélido e autoritário de Jasmim imediatamente a silenciou. Ressentida Tatiane apenas inclinou a cabeça e pareceu murmurar um “sim, senhorita” antes de desaparecer atrás das portas de vidro.

— Desculpe pelo susto Lana – Jasmim sorriu de novo e começou a andar, arrastando Lana consigo – você é do primeiro ano, não é?

— Na verdade sou do segundo. – Lana tentou puxar o braço de volta, mas Jasmim a ignorou, rindo ela apertou suas mãos e andou com mais rapidez.

— Eu também, com um pouco mais de sorte nós vamos ser da mesma classe.

Jasmim sorria divertida e confiante enquanto arrastava Lana por Lorenzo, mas o otimismo que Lana começava a sentir escorreu como água quando entrou pela primeira vez no prédio feminino, se sentiu patética pelo temor óbvio em seu rosto, mas era impossível ignorar os olhares questionadores que as duas recebiam à medida que avançavam para dentro do hall. Dessa vez Lana conseguiu livrar seu braço das garras cor de rosa de Jasmim e hesitou alguns passos atrás dela.

O prédio a principio a lembrou de um hotel luxuoso e requintado, mas olhando mais perto ela conseguia sentir e ver uma obscuridade mal disfarçada, como os quadros esquisitos pendurados nas paredes e os assentos cobertos com um veludo vermelho amontoado no canto. Lana encarou as poucas garotas que entravam e saiam, subindo e descendo escadas que lançavam olhares esquisitos em sua direção, ela concluiu com desgosto a ideia de que seus pesadelos ganhariam forças horripilantes ali.

— Ei, qual o problema? – Jasmim perguntou virando de frente pra ela.

Ao invés de responder Lana abriu a pasta que tinha recebido de Tatiane e a folheou até encontrar o mapa do dormitório.

— Ah então você está no terceiro andar – Jasmim murmurou arrancando a folha das mãos de Lana – no mesmo andar que eu, isso é tão bom.

Lana pegou sua folha de volta duvidando de Jasmim, ter aquela garota irritante sempre por perto definitivamente não era algo tão bom assim.

— Você deve ser a minha colega de quarto – alguém disse a suas costas.

Lana virou pra garota estranha que tinha chegado do nada, estranhou encontrar uma simples aluna, pela autoridade na sua voz esperou por uma mentora, ou auxiliar, mas ela estava vestida como todo resto, uma saia comprida e uma blusa branca, mas Lana atentou-se para o cabelo vermelho, volumoso e cacheado preso em um rabo de cavalo rígido.

— Eu sou a Luciana, mas todo mundo me chama de Luce – ela continuou, seu rosto branco cheio de sardas se enrugou em um sorriso – você é a Lana, certo?

— Sim. Certo. – Lana se apressou em guardar as folhas de volta na pasta e estendeu uma mão para Luce – Eu não sabia que teria uma colega de quarto.

— Ah bem, é temporário, eu acho – Luce ergueu o rosto e franziu a testa quando notou Jasmim – e você...

— Sim, sou a Jasmim.

Lana olhou por sobre o ombro pra Jasmim, ela estava vermelha e novamente irritada, tinha pegado o celular e digitava freneticamente sem se importar em ser educada. Lana ergueu as sobrancelhas e voltou suas atenções para Luce.

— Você pode mostrar nosso quarto? – Lana perguntou.

Luce sorriu assentindo, ela girou nos calcanhares e subiu por uma escada larga sendo seguida de perto por Lana e uma distraída Jasmim. Lana olhava a tudo com atenção reparando e tocando no corrimão recém-pintado de bronze, nos grupos pequenos de garotas que subiam e desciam em uma lentidão exagerada e preguiçosa.

— Tem os elevadores também, mas por incrível que pareça ninguém usa – Luce disse, ela estava á frente delas.

— O que é uma tremenda perda de tempo. – Jasmim resmungou pulando os últimos degraus e alcançando primeiro o andar – Preciso de um banho agora, Lana te vejo mais tarde. Bye bye.

Jasmim deslizou entre as garotas no corredor fingindo não notar a atenção que recebia.

— E assim Lúcifer chega ao inferno – Luce murmurou cruzando os braços.

Lana encarou a garota ruiva surpresa, Luce tinha um sorriso estranho nos lábios vermelhos enquanto via Jasmim desaparecer no corredor comprido.

— O que você disse?

— Não tinha hora pior pra você aparecer – Luce respondeu, em seguida franziu as sobrancelhas encarando Lana com mais atenção – ou aparentemente não...

— Do que você está falando agora?

— Não importa – Luce pegou no bolso um bolo de chaves e tirou uma minúscula e prateada do enorme chaveiro, erguendo-a para Lana – Essa é a chave do quarto numero vinte. Ele está desocupado, pode ficar com ele... Algo me diz que vai ser melhor se você ficar sozinha.

Lana encarou a chave minúscula hesitante, lembrando-se das folhas preenchidas com as regras do internato que trazia nas mãos.

— Isso esta certo?

— Eu sou uma das responsáveis pelo dormitório e tem um monte de quarto desocupados aqui, um a mais um a menos não vai fazer diferença – Luce jogou a chave e Lana a pegou no ar – não se preocupe com isso, agora se me dá licença.

Lana abriu a boca pra pedir pra ela ficar, mas Lucy já tinha descido os degraus quase correndo. Ela olhou a sua volta, agora sozinha naquele corredor, ela se sentiu como a mulher invisível, suas novas colegas passavam ao seu lado como fantasmas. Lana apertou os dedos ao redor da chave e apressou-se pro seu novo quarto.

Ela espiou o cômodo simples após ter trancado a porta com afinco, a decoração do seu novo quarto estava longe de ser parecida com a luxuosa e clássica aparência do primeiro andar. As quatro paredes eram nuas e tinha uma única cama de casal encostada nela, abaixo da enorme janela, ao lado de um armário simples de seis portas, ela andou até ele e o abriu encontrando a parte de cima preenchida com roupas de cama e de banho, mas os cabides e, depois de checar, as gavetas estavam vazias. Não era uma surpresa, é claro, ela tinha decidido trazer suas próprias coisas ao invés de despachá-las um dia antes de viajar, embora tenha sido uma escolha prudente agora estava arrependida em pensar nas malas grandes e nas roupas que teria que guardar.

O quarto parecia uma tela em branco e sem graça, não se imaginava ali, dormindo ali, naquela cama estranha e com aquelas paredes impessoal, se ao menos suas coisas já estivesse ali, poderia pelo menos espalhar um pouco do que tinha e tentar deixar tudo mais pessoal. Lana não gostava de imaginar que sua rotina seria tão neutra quanto aquele quarto. Essa realidade era sufocante.

Ela suspirou e sentou na beirada da cama, não havia muito que pudesse fazer e aquele bolo que tinha conseguido engolir estava voltando pra sua garganta. Lana não queria chorar e nem dramatizar sua situação. Viver um dia de cada vez, era seu mantra, parecia um plano perfeito.

Por algumas horas perdeu a noção do tempo enquanto apoiava suas costas no colchão e encarava o teto, ignorava o celular que vez ou outra apitava sinalizando uma mensagem nova, a única coisa que ouvia era a discografia da sua banda favorita que tocava em um volume baixo, mas quando o quarto afundou em uma neblina escura Lana sentou dando-se conta de que escurecia, ela virou de frente a janela que ficava acima da cabeceira da sua cama afastou as cortinas da vidraça, tinha uma arvore grande que tapava boa parte da visão, os galhos pontudos arranhavam o vidro impossibilitando de ver algo que fosse além dela. Lana apoiou suas mãos na janela tentando remove-la pra cima, mas era impossível, e de repente o quarto ganhou uma claridade nova que apenas destacava as paredes brancas e nuas.

— Ela não abre – disse Luce.

Lana pulou e virou de frente pra garota parada na porta a ponto de vê-la baixar as mãos do interruptor.

— De onde você saiu e como entrou aqui?!

— Eu sai de lá – Luce apontou o dedo pro corredor, em seguida ergueu o enorme chaveiro – e entrei com isso aqui. Eu tenho a copia das chaves, mas eu vim deixar isso aqui pra você, suas coisas estavam no meu quarto.

Luce entrou com as duas malas grandes de Lana.

— Não adianta tentar abrir, essas janelas malditas estão trancadas e não, não tenho a chave de nenhuma delas. É uma droga né? – Luce deixou as malas no meio do quarto – Você pode decorar o quarto como quiser alias.

— Obrigada por ter trago as minhas coisas.

— Não precisa me agradecer, eu nem vim aqui pra isso – Luce franziu suas sobrancelhas e caminhou até Lana sentando ao seu lado, puxou pra si seu pulso, segurando a mão aberta e examinando-a minuciosamente.

— Ok. O que é isso agora? – Lana perguntou.

— Estou apenas vendo uma coisa, fique quieta.

Lana tentou puxar o pulso de volta, mas Luce a prendeu com as duas mãos. Luce era estranha, falava coisas estranhas, se comportava de uma maneira estranha e era só a primeira pessoa que tinha conhecido.

— As linhas na minha mão estão tão interessantes assim?

Luce de repente ergueu seu rosto e Lana pode ver o quanto seus olhos eram verdes e brilhavam.

— Sua mão é bonita – ela apenas disse enquanto soltava Lana – fina, sem calo e parece mão de princesa.

— Você é definitivamente uma louca Luciana – Lana andou ficou de pé esperando que a outra garota desaparecesse de novo.

— Ah, como quiser.

Luce saiu fechando a porta com força.

ººº

Tatiane abriu a torneira e aparou a agua na concha que fez com as mãos jogando-a no rosto logo em seguida, repetiu o gesto incontáveis vezes ate sentir as pernas pararem de tremer e seu coração voltar a bater normalmente.

Aquele emprego estava desafiando sua jovem sanidade, concluiu, encarando no elegante espelho o reflexo do seu rosto assustado e apreensivo. Ela secou as mãos cuidadosamente e pegou o cheque dobrado que estava escondido dentro do uniforme. Tatiane o abriu e pela segunda vez se surpreendeu com o valor escrito ali, aquele cheque pagava os dois meses do seu aluguel atrasado, ela suspirou e tornou a dobrá-lo, guardando de volta, quando se sentiu mais calma, ergueu o rosto e relembrou o encontro que teve com Sonia a um momento atrás.

Ela tinha acabado de alcançar seu posto quando uma figura familiar se ergueu, ficando de pé no meio da elegante sala de espera.

— Ah... Eu pensei que a senhora já tinha ido – Tatiane arquejou em surpresa quando Sonia caminhou até ela, totalmente composta.

— Estava esperando você e, por favor, me chame apenas de Sonia – ela estreitou seus olhos claros e sorriu – Tatiane, não é isso?

— Ah... Sim sen... Sonia.

— Á quanto tempo você trabalha aqui querida?

Tatiane a encarou surpresa pelo tom cordial com que Sonia falava com ela era o total oposto da imagem fria e distante que tinha, e como tratara a própria filha.

— Três anos – ela murmurou confusa. Sonia maneou sua cabeça de lado e alguns fios dourados escaparam pra sua testa alva.

— Isso é muito tempo Tatiane. Eu não sei o que meu marido pretendia ao enviar nossa filha para... – ela arquejou suavemente, mas seus olhos azuis correram pela recepção com asco – Esse lugar. Por isso vou precisar da sua ajuda – ela abriu a bolsa grande e vermelha que trazia em uma das mãos tirando de dentro um bloco de talões de cheque – quero saber tudo, absolutamente tudo sobre a vida de Lana aqui, o que faz, com quem anda, quando sai... Quero uma lista completa e detalhada das pessoas com quem convive, e é claro que você será recompensada por isso, basta que me diga quanto.

Tatiane estava muda e pateticamente surpresa com o que acabava de ouvir, ela sabia o quanto Lorenzo era estranho e seus alunos desolados, estava acostumada a lidar com crianças mimadas, rebeldes, pais ausentes, mas certamente era a primeira vez que lidava com suborno, tentou lembrar se feria as regras ou feria sua ética como recepcionista.

— Acho que isso deve ser o suficiente – Sonia sorriu enquanto preenchia seu cheque, não estava abalada pelo silencio de Tatiane, ela ergueu o cheque e declarou – meu numero de telefone esta no verso. Por favor, lembre-se dele quando ver Lana por ai.

A jovem senhora sorriu minimamente, aparentemente satisfeita quando Tatiane pegou seu cheque, mesmo que as mãos da recepcionista estivessem tremendo ao fazê-lo.

— Fez uma boa escolha querida – ela sorriu antes de piscar e andar pra longe dali, deixando só os vestígios do seu perfume caro na sala.

— Você não devia fazer isso.

Tatiane quase gritou de susto quando aquela voz dolorosamente familiar murmurou atrás dela. Virou-se de frente a ele, odiando o sorriso debochado que tinha no canto dos lábios, a pose de superior, a maneira como pouco se importava em ser inconveniente.

— O que faz aqui senhor Domaschesky?

Thor fechou sua expressão, encostando-se na mesa da recepção, encarando a recepcionista com uma seriedade preocupante.

— Vim visitar meu adorado diretor, mas não é da sua conta – ele estreitou seus olhos por um instante, parecia tentar adivinhar o que Tatiane estava pensando, ela odiava a maneira como ele a encarava ás vezes, Thor quando não era insuportavelmente cínico era sagaz e observador. Ela definitivamente não gostava daquele rapaz. Amassou o cheque em uma bola como se fosse jogar no lixo e esperou que ele desistisse dos seus jogos e enfim a deixasse em paz. – Quem era aquela mulher? Mãe de alguma aluna ou...

— Mãe de uma aluna. Só isso. O senhor Lorenzo não está aqui hoje, mas quando voltar aviso que está procurando por ele – ela deu a volta e sentou-se à mesa, discretamente escondendo o cheque embaixo dos papeis e fingindo ler arquivos no computador, mas sentia os olhos cinzentos de Thor avaliando-a, perscrutando o motivo da sua indelicadeza.

Depois de intermináveis segundos ele pareceu desistir de tentar algo que fosse mais longo que sua frase e sorriu, liberando-a da sua perturbadora atenção. Thor deu meia volta e andou de volta a passos lentos e preguiçosos pra saída, mas longe de se sentir aliviada, Tatiane sentiu cada nervo do seu corpo entrar em colapso antes que o garoto desaparecesse de vez.

— Diga aquela senhora que também estarei de olho na filha dela, e ela não precisa me pagar por isso – foi o que ele disse antes de ir.


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Notas finais do capítulo

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