— Eles já estão aqui? – ouviu o murmúrio ansioso de Sophia, ela mal conseguia disfarçar a ansiedade e o receio que sentia. Thor não lembrava qual tinha sido a ultima vez que a vira tão instável, ele teria usado isso contra ela se ele mesmo não tivesse os próprios problemas para resolver.

E ali, no meio daquele nada cercado pela noite e árvores frias, o maior de todos eles sussurrava em seu ouvido enquanto se aproximava sorrateiramente, trazendo consigo um odor característico e podre. Thor estreitou os olhos perscrutando entre as brechas que conseguia ver, sentindo-o cada vez mais próximo.

— Estão chegando – murmurou, sentindo seu corpo enrijecer.

O Primeiro surgira, seu rosto coberto por um capuz maltrapilho e uma tenda jogada por cima do seu corpo esquelético. Ele era o que os seus chamavam de “O Mais Forte” e era um quadro em alma e cores do que Thor seria dali a algumas centenas de anos, talvez por isso odiasse tanto encontra-lo, odiava tanto ter uma prova tão viva do quanto sua existência era desprezível e seu futuro podre.

Onde está Isaac? A voz rouca e falha sussurrou. Seus lábios eram costurados e seus olhos ocos, não enxergavam, não falavam, não viviam.

— Eu não sei – Thor respondeu.

E a menina, onde está?

— Não consegui captura-la senhor, tivemos alguns contratempos. – Sophia respondeu, parecendo ainda menor do que realmente era.

Thor a encarou pelo canto do olho, imaginando que tipo de contratempos ela se referia.

Vocês falharam o Primeiro murmurou depois de um tempo, seu capuz ainda baixo pareceu pesar mais. Thor sentiu os joelhos fraquejarem e por um instante pensou que cairia.

Nunca tinha voltado ileso dessas “reuniões”, seu povo era conhecido por serem vingativos e cruéis, mesmo com os seus, ainda tinha marcas nas costas e por outras partes não visíveis do corpo, mesmo cicatrizadas ele ainda sentia a dor, talvez essa fosse a pior punição, a lembrança que ficava depois, o peso de ter que sonhar com as torturas todas as noites.

Eles eram o que o Mundo Oculto chamava de monstros, raridades, deuses e demônios. Eles eram o resultado do pecado entre os Homens de Deus, caídos na terra, e sua fraqueza pela luxuria, eram o resultado do pecado com a traição. Condenados a anos de imortalidade até o corpo se deteriorar enquanto o poder ficava mais forte, transformando-se em um fardo impossível de ser carregado. Thor sempre lembrava disso quando via um dos Primeiros, de como sua existência, tão tenaz e adorada por uns, podia ser traiçoeira, era uma maldição.

— Ainda não encontramos o colar, mas já sabemos quem é a garota – Sophia murmurou – No entanto Isaac tem dificultado nosso trabalho.

Isaac é um irmão, como vocês, como pode ele fazer isso?

— Ele nos traiu, acredito que tem planos particulares com a menina e com o colar, ainda não descobrimos o que. – Thor disse.

O Primeiro ficou em silencio, o manto que o cobria pareceu exalar um novo odor, mais acentuado e difícil de descrever, no entanto, tão podre quanto o anterior. Ele ergueu o rosto, forçando o capuz a cair pra trás e os buracos ocos onde devia está seus olhos caíram diretamente em Thor.

Você tem certeza disso?

— Sim senhor – ele murmurou, forçando-se a manter o contato visual.

Então o elimine, junto com a menina, e me traga a pedra.

O rosto corado e as covinhas de Lana surgiram na cabeça de Thor, ele poderia desenhá-la, se soubesse como fazer, apenas com a lembrança do seu rosto, era um retrato que tinha ficado gravado a ferro na sua memoria, era inda mais forte do que as lembranças tortuosas acumuladas durante sua existência.

Ele fechou os olhos e assentiu.

Todo o clima estranho se dissipou e o Primeiro parecia mais leve, de alguma forma.

Confio em sua palavra Thor, mas você deve saber que uma falha não deve passar em branco, nós temos que aprender com nossos erros.

Era gora. De repente soube.

Uma energia pesada subiu por seus pés, formigando sua pele e rasgando todos os seus nervos, ele sentia sua calça jeans ensoparem com seu sangue, ao seu lado ouviu o grito agoniado de Sophia antes que o seu próprio preenchesse aquela floresta escura e isolada.

Thor sentiu seu corpo tombar pra frente e o chão molhado e duro amortecer sua queda. A dor era ainda mais alucinante do que lembrava, fechou os olhos esperando a inconsciência o atingir, mas antes que a escuridão o tomasse de vez, um par de olhos esverdeados e um sorriso caloroso surgiram por trás das suas pálpebras.