Cristal escrita por Mia


Capítulo 10
Capítulo 9 - Fatores


Notas iniciais do capítulo

O último capítulo foi bem curtinho, em compensação esse ta enoooorme, acho que dá pra aguentar até sábado né?

Boa leitura ^^



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Era uma sensação de tortura, e o jeito familiar que tudo acontecia a estava enlouquecendo. A velha pressão ao seu redor, a certeza que estava caindo presa em uma realidade que não conhecia e nem controlava, o grito estava preso na sua garganta, Lana procurava com os dedos algum apoio, mas não tinha nada ali para suas mãos, elas permaneciam vazias. Sentiu duas mãos grandes apertarem seu pescoço com força, interrompendo um grito que nem sabia que estava dando, prendendo seu ar e fazendo seu corpo arquejar em dor. Era tudo real demais. Lana sabia que iria morrer, ela viu diante dos seus olhos todas as lembranças que mais presava, viu sua vida lhe escapar como a areia escapava dos seus dedos.

O medalhão. Dê-me.

Com esforço passou os dedos no pescoço, sentiu nas pontas o frio da pedra sobre seu peito, fechou sua mão ao redor do pingente e o puxou.

ººº

— Não! – gritou, arquejando, sentiu alguma coisa fria agarrar suas pernas e gritou chutando o que fosse pra longe. Lana moveu seus braços, ainda sentindo-os presos, os dedos que a pressionava eram fortes e reais, não conseguia pensar com clareza e distingui-los como vivos ou resquícios do pesadelo.

— Está tudo bem, está tudo bem. – murmurou.

Lana empurrou o que quer que estivesse em cima dela pra longe, usando uma força desconhecida, e de repente estava livre. Livre dos dedos, dos lençóis, de tudo. Respirou fundo abrindo os olhos, encarando o teto do seu quarto, percebendo o clarão que iluminava sua cabeça, franziu o cenho, sentou e viu com espanto a janela, antes trancada, aberta, os galhos da arvore invadiam seu quarto. Era aquilo que tinha sentido beliscar seu rosto?

Ela prendeu o arquejo de surpresa e tornou a fechar os olhos, aos poucos ficando consciente do suor na sua testa, do peito que ardia pelas arfadas intensas, do frio que vinha da janela. Não queria pensar nela, no fato dela está aberta quando deveria está trancada.

Lana abriu os olhos de repente. Tinha alguém no seu quarto. Tinha ouvido um sussurro. Tinha sentido dedos e pernas a pressionando.

Ficou de pé e perscrutou pelo escuro dos cantos do seu quarto, no banheiro, no armário, de baixo da cama, por fim parou, com as mãos na cintura e encarou a janela novamente, uma ideia maluca passando por sua cabeça, antes que pensasse no absurdo daquilo caminhou até ela e olhou pra baixo, pra arvore conveniente que servia como uma escada torta e sem degraus para o seu quarto, mas quase impossível de ser escalada. Antes que um medo maior crescesse dentro do seu peito ela baixou a vidraça e fechou as cortinas. Amanha cuidaria disso.

Lana apanhou suas cobertas do chão, não surpresa por encontra-las ali, era sempre assim, durante seus pesadelos chutava todas pra fora enquanto gritava até ficar rouca e alguém surgir no seu quarto, tentando acordá-la. Ela preparou o monte de panos e travesseiros escondendo-se dentro deles. Procurou dormir. Mas os murmúrios e as lembranças das mãos grandes sufocando-a impediram dos seus olhos sequer de fecharem.

ººº

Lana desligou o celular e o enfiou debaixo das meias, seu novo lugar favorito, e fechou a gaveta. Ignorar as mensagens e os telefonemas dos pais estava servindo como uma terapia melhor do que tinha imaginado, era como se tivessem concedido a ela uma espécie de poder. Ficou de pé e saiu do quarto, encontrando, dessa vez sem surpresa, Jasmim sentada ao lado da sua porta, porém dessa vez tinha uma bolsa pequena de mão com ela. Lana cruzou os braços e encostou os ombros na sua porta.

Jasmim ergueu o rosto e deixou o celular onde estivera digitando de lado.

— Você está péssima.

— Eu sei.

— Parece uma morta-viva.

— Eu sei.

— O que anda fazendo a noite? Suas olheiras estão horríveis.

Lana suspirou alto. Tinha dias que não conseguia dormir, seus pesadelos estavam piorando, agora ela tinha medo até de piscar e ser sufocada novamente.

— Você vai sair?

Jasmim olhou pra pequena bolsa que tinha largado no chão. Deu de ombros.

— De repente minha mãe decidiu que quer ter um tempo comigo – suspirou – Se você quiser pode vir comigo.

— Não, obrigada, acho que isso deve ser algo entre vocês, né?

Jasmim riu ficando de pé.

— Definitivamente não. Ela vai me pagar um chá com biscoitos e arrumar alguma coisa pra fazer, bem longe de mim, nossos encontros se resumem a dois ou cinco minutos de uma conversa bem desconfortável. Vai ser um final de semana chato, preferia ficar aqui com vocês.

Lana lembrou das mensagens de Sonia e da maneira preocupada com que perguntava se estava tudo bem por ali, ela quase sentiu culpa por está ignorando os pais, mas no mesmo instante lembrou de que, se eles realmente quisessem saber dela não teria a trancado ali e praticamente jogado a chave fora.

Ela voltou a encarar Jasmim, pegando a outra alça da sua bolsa e ajudando a amiga a deixar o prédio.

— Ah sim, deixar de lado a oportunidade de respirar ar fresco pra ficar mofada dentro de um quarto. Parece bem mais divertido – ela riu.

Jasmim suspirou.

— Melhor que ser ignorada sabe.

— Mas ainda sim, suas opções são melhores.

Lana riu com a expressão contrariada da garota. Ela voltou a encarar a frente quando viu Tatiane praticamente vir correndo em sua direção, andando o mais rápido que sua saia comprida e justa permitia. Era sempre um mistério como ela conseguia se locomover com tanta agilidade vestindo aquelas roupas sociais e apertadas.

— Senhoritas, ia até o quarto de vocês, ainda bem que as encontrei aqui – a recepcionista sorriu parando em frente a ela, Tatiane ergueu um bloco de anotações pequeno e leu em voz alta – Senhorita Jasmim seu motorista já está lá fora, se quiser pode ir com ele agora.

Jasmim revirou os olhos e bufou. – Motorista, é claro. Nem vir me buscar pessoalmente ela pensou em vir.

O rosto de Tatiane murchou um pouco e ela murmurou um “me desculpe” antes de encarar Lana com seus olhos baixos. Elas não tinham se visto desde o flagra no corredor, de repente ocorreu a Lana que talvez a recepcionista evitasse encarar seu rosto de proposito.

— Senhorita Lana, seus pais telefonaram ainda á pouco, pediram que avisasse a senhorita que estão vindo busca-la.

Jasmim desfez sua carranca e a encarou com um sorriso.

— Olha só, isso é perfeito, pelo menos seus pais vêm. Você tem sorte.

— Quando eles ligaram?

Tatiane olhou de novo pro bloquinho nas suas mãos e assentiu pra si mesmo.

— Não faz dez minutos, mas a senhorita ainda tem tempo pra arrumar suas coisas, se precisar de ajuda posso...

Lana não ouviu o resto, ela girou nos calcanhares e praticamente correu. Eles não podiam fazer isso, ela pensou que seu telefone desligado fosse prova suficiente de que queria distancia dos seus pais, era libertador sentir que podia decidir quando vê-los e quando lidar com eles. Eles já deviam saber sobre suas faltas nas analises, já deviam ter mil e uma suposições diferentes pro seu comportamento, Sonia viria com seus conselhos irritantes e inúteis e John ficaria alheio a ela, encarando algo da janela do seu escritório. Lana queria distancia daquela sensação sufocante e impotente, todos pareciam entender isso, menos seus pais, é claro. Eles nunca a entendiam, era impressionante como também não faziam esforço pra ser diferente, ao invés, preferia pagar sessões caras de terapia e a trancafiar ali, em um lugar estranho com pessoas mais estranhas ainda.

O caminho que a rodeava era vagamente familiar, tinha deixado o dormitório pra trás e agora andava a esmo, sem realmente prestar atenção pra onde ia, não era como se fosse se perder pra sempre. Lorenzo tinha muros e seguranças.

Um clarão alto e forte a cegou momentaneamente, Lana ergueu a mão e tampou o rosto, mas não conseguia ver de onde a luz forte vinha, só entendeu o que era quando uma buzina alta e irritante soou a sua frente.

— Você não é dona da pista – uma voz dolorosamente familiar disse á medida que caminhava ficando cada vez mais próximo – O que tá fazendo aqui?

Lana baixou a mão quando a luz cessou, levou um susto reconhecendo Thor a sua frente, mas ele estava diferente, estava livre do uniforme pacato e rígido de Lorenzo. Ele vestia uma jaqueta preta por cima de uma camisa também preta que tinha o emblema do AC/DC na estampa e uma calça de lavagem escura, Lana olhou pra baixo e viu seus coturnos, em seguida voltou os olhos pro rosto dele, rindo ao ver sua expressão irritada.

Thor ergueu uma sobrancelha.

— O que é tão divertido?

Você. Você faz muito esforço pra parecer um bad boy, é interessante.

Ele grunhiu, dando as costas pra ela e subindo na sua moto. Ele tinha uma moto, Lana pensou, reconhecendo a origem do clarão, e inexplicavelmente não se surpreendeu, de alguma forma parecia combinar com ele. Thor pôs seu capacete e acelerou o motor.

Longe de assustá-la o gesto a fez rir quando uma ideia maluca e perigosa surgiu na sua mente. Lana inclinou-se segurando no guidão da moto, ignorando da melhor maneira que pode os calafrios que estava sentindo e encarou os olhos estreitos de Thor, era a única coisa que conseguia ver do seu rosto no capacete.

— Pra onde você vai? – ao invés de responder Thor acelerou o motor de novo – Custa me responder? Seus dentes não vão cair!

— Não é da sua conta. Agora sai da frente – a voz dele saia abafada. – O que você está fazendo?

— Psicologia reversa, se você não me deixa em paz vou começar a perseguir você. O que acha disso?

Thor maneirou sua mão enluvada no acelerador e retirou o capacete, seu cabelo estava ainda mais bagunçado que habitualmente e seu rosto mais zangado também.

— Você está me atrasando. Sai da frente.

— Você estava indo pra algum encontro?

— E se for?

Lana recuou soltando o guidão, por alguma razão nunca havia cogitado o fato de Thor ter uma namorada, ele era atraente o suficiente pra isso, e pelo que percebia era popular entre as garotas dali. Normalmente ela teria sorrido e inventado uma desculpa pra se esconder no primeiro buraco que encontraria, mas Thor era sua única chance de evitar os pais.

— Sua namorada sabe que anda arrancando beijos de garotas frágeis e indefesas?

Thor riu, e pela primeira vez, parecia verdadeiro, Lana encarou seus lábios abertos e seus dentes expostos, sua risada tinha uma sonoridade agradável, nada tinha a ver com o tom forçado dos risos anteriores, era jovem e forte. Ela desejou poder ouvi-la mais vezes.

— Você é impossível. Se quiser ir comigo basta pedir.

— Eu tinha essa opção?

Ele ignorou sua pergunta e ofereceu seu capacete, seu rosto estava fechado de novo, mas ainda havia uma sugestão de riso no canto dos seus lábios, ele estava incrivelmente charmoso assim. Lana pegou o capacete e enfiou sua cabeça dentro, ficou folgado, mas deveria servir. Subiu na garupa de Thor e por um instante ponderou se deveria ou não segurar sua cintura, mas quando ele acelerou e colocou a moto em movimento ela instintivamente passou os dois braços pela cintura esguia dele apertando-o, pensou ter ouvido um riso baixo, mas logo eles estavam andando a toda velocidade, passando pelos portões abertos e Lorenzo ficava cada vez mais distante.

O internato era ainda mais distante da cidade do que ela lembrava, levaram minutos para verem algo que fosse além da vegetação, mas quando finalmente as primeiras casas surgiram Lana percebeu que não fazia a mínima ideia pra onde Thor a levava, e que não sabia e nem tinha como voltar. Não tinha dinheiro nem seu telefone estava consigo.

Estacionaram em frente a uma lanchonete pequena e simples, Lana desceu da moto ainda um pouco hesitante, aos poucos a realidade caia sobre seus ombros, seus pais a matariam, certamente eles já deviam ter chegado ao internato pra busca-la.

Thor pegou o capacete da sua mão e andou, sentando nas mesas que ficavam do lado de fora.

— Aqui é legal – Lana murmurou quando estava acomodada na frente dele. Não era um lugar legal, era esquisito, e tinha pessoas mais esquisitas ainda, mas ela sentia a necessidade de dizer algo pra quebrar o gelo.

A sua frente Thor riu.

— O que você vai querer comer?

Lana deixou a inspeção que fazia com os olhos de lado e o encarou, encolhendo os ombros envergonhada.

— Não trouxe dinheiro... Mas fique a vontade pra comer o que quiser.

Thor suspirou alto, de um jeito irritante, e ficou de pé caminhando pra dentro do estabelecimento. Lana pensou em segui-lo, mas por fim tinha permanecido sentada e evitando encarar as pessoas que a olhavam curiosos. Era uma cidade pequena, provavelmente todos se conheciam, deviam está se perguntando quem era e o que fazia ali, seu contraste com Thor era quase gritante, enquanto ele vestia preto da cabeça aos pés – o que curiosamente parecia casar perfeitamente com aquela lanchonete e aquelas pessoas – ela estava se sentindo exposta com aquele short branco e blusa amarela de alcinhas que deixava uma parte da barriga exposta.

— Espero que goste de chocolate, era isso ou café - ele disse quando voltou, sentando novamente a sua frente.

Ela assentiu.

— Você está estranhamente quieta. Está me deixando assustado.

Lana piscou e forçou um sorriso. A verdade era que estava tentando parar de remoer o medo e o sentimento de culpa que estava sentindo, a cada vez que pensava nos pais isso brigava dentro de si, sua lista de argumentos estava quase acabando e ela ainda não sabia se tinha feito certo ou errado. Lana apoiou a cabeça na sua mão e sorriu de novo, dessa vez diretamente pra Thor, esperando que ele esquecesse suas perguntas e dissesse algo imbecil.

Mas ele subitamente desviou seu rosto pros guardanapos em cima da mesa.

— Do que você estava fugindo? – ele perguntou em uma voz baixa.

— De ninguém, só queria passar um tempo fora – deu de ombros – estou á semanas presa , queria um pouco de aventura.

Thor sorriu.

— Mentirosa.

Lana abriu a boca pra retruca-lo, mas ao mesmo tempo uma moça surgiu entre eles, forçando-a a sentar ereta, a estranha de cabelos tingidos de azul escuro deixou uma bandeja em cima da mesa, servindo biscoitos, pães, bolos e dois copos com uma bebida fumegante.

— Vão pedir mais alguma coisa? – perguntou, recolhendo sua bandeja de volta.

Thor negou com a cabeça pegando um biscoito da cestinha e dando uma mordida.

— Não vai comer?

Lana piscou repetidas vezes, estava mais aérea que o normal, pegou o mesmo biscoito que Thor e mordeu, surpreendendo-se com o gosto doce e saboroso.

Hum... Isso é definitivamente bom. – tinha o recheio de chocolate e cobertura de coco, Lana deu outra mordida, limpando o canto dos lábios quando sentiu o recheio descer ali. Ela olhou pra Thor, ele tinha parado de comer e a encarava, não soube decifrar a expressão que viu no seu rosto, mas ficou acanhada, Lana colocou o resto do seu biscoito na cestinha e bebericou um pouco da bebida no seu copo.

— Você não está tentando me seduzir não, não é? – ele perguntou de um jeito baixo e arrastado.

Por sorte ela tinha terminado seu gole, Lana sorriu sem graça colocando o copo de volta na mesa.

— Acho que não preciso disso – murmurou.

Thor ergueu outra sobrancelha. – Por quê? Pareço seduzido o suficiente?

Ela olhou pra ele e lembrou do beijo inesperado, do jeito como a segurou próxima do seu corpo e como seus dedos brincaram com seu cabelo, ninguém nunca a tinha beijado assim antes, com tanta devoção e gentileza, o que não parecia fazer o estilo de Thor, ele tinha olhos selvagens e andava como um ser perigoso e hostil, normalmente não era gentil, mas naquele dia tinha sido, e ela tinha gostado.

Lana olhou pra baixo brincando com o canudo dentro do seu copo, sentia seu rosto arder.

— Você entendeu o que quis dizer, não se faça de sonso.

Thor ergueu seu braço até ela, segurando seu queixo entre seus dedos.

— No que está pensando? Estou terrivelmente curioso.

Lana desviou a cabeça, fingindo esconder uma mecha inexistente atrás da sua orelha. Desde o beijo entre eles Thor parecia um pouco estranho, ela não sabia lidar com isso, com a maneira como os dedos dele sempre pareciam buscar seu rosto, ou seus olhos que observavam cada movimento que fazia. Lidar com Thor hostil e brusco era uma coisa, lidar com aquele cheio de gestos ocultos e espontâneos era outra.

— Estou pensando na Jasmim – ela murmurou depois de um tempo, voltando a brincar com o canudo da sua bebida, evitando olhá-lo – Ela me disse algumas coisas sobre você.

— Que seriam...?

— É verdade que você... – Lana respirou fundo e ergueu seu rosto, Thor parecia genuinamente curioso sobre o que ela queria falar. – Sabe, vocês tiveram algo.

Você a seduziu e depois abandonou. E parece querer fazer o mesmo comigo.

Thor recostou-se na cadeira e suspirou daquele jeito alto e irritante que Lana odiava. Um silêncio pesado caiu sobre eles, quando percebeu que não teria sua resposta Lana voltou a brincar com o canudo, tentando ignorar aquele bolo que preenchia seu estomago.

— Você não precisa dizer nada, de verdade – ela murmurou depois que bebeu um gole da sua bebida agora fria, tinha vontade de beber algo mais forte que aquele chocolate.

— Por que quer saber disso? Faz muito tempo.

Ela deu de ombros, voltando a encará-lo.

— Você me beijou, duas vezes, ambas sem a minha permissão, e agora está aqui me pagando um café-da-manhã e sendo atencioso, tenho direito de ficar desconfiada principalmente depois de saber que você... – ela respirou fundo e parou, sentindo seu rosto ficar vermelho. Thor continuava com a mesma expressão curiosa de antes, Lana esperava que ele fosse assumir o que tinha acontecido e em seguida inventar uma desculpa. Ela me provocou, ou um não foi bem assim que aconteceu. Era algo que ela queria saber e entender antes que sua cabeça fosse explodir, não queria ser a próxima na lista de conquistas dele.

— Nós transamos e no outro dia a ignorei? – ele completou sua frase – Parece algo ruim, não é?

E foi— Lana grunhiu entre dentes.

Thor cruzou suas mãos em cima da mesa e a encarou.

— Pode ser que sim, ou não. Nunca prometi nada a Jasmim, e no fundo ela sempre soube disso, se existe um culpado nessa historia foi ela por ter criado expectativas. Sempre fui muito sincero quanto as minhas intenções e nunca exigi nada dela.

Lana estreitou os olhos pra ele, não queria admitir pra si que parte do seu pequeno discurso fazia sentido, Jasmim nunca tinha dito que realmente havia algo ali, alguma promessa, mas Lana precisava dessa pequena ruptura do passado deles pra mantê-lo afastado.

— Não foi uma coisa legal de se fazer – Thor continuou – Mas Jasmim é impulsiva e acabou acontecendo, depois nós dois nos demos conta do erro e achei melhor fingir que nada tinha acontecido, não é como se eu fosse querer ficar com a garota que quase me ferrou. Que tipo de imbecil eu seria?

A moça do cabelo azul se aproximou de novo com sua bandeja vazia, silenciosamente recolheu as cestinhas vazias e desapareceu dentro da lanchonete. Thor tinha acompanhado todos seus movimentos com uma sobrancelha erguida e uma expressão irritada. Quando ficaram sozinhos de novo Lana cruzou seus braços e encostou-se na cadeira. Encarando-o irritada.

— Isso é algo entre vocês dois, só quero que saiba que eu...

— Não será a próxima, de que, da minha lista? – ele revirou os olhos – Eu não tenho uma lista, e não costumo repetir duas vezes a mesma burrice. Também não estou prometendo nada á você, então pare de ficar exigindo coisas. Isso é infantil.

Thor ficou de pé e entrou na lanchonete de novo, porém, ficou menos tempo do que da ultima vez, antes que Lana pudesse pensar em uma resposta apropriada ele já tinha voltado e oferecia a ela seu capacete.

— Vamos.

— Mas já? – encarou sua bebida pela metade e o resto dos biscoitos e bolos em cima da mesa – Você ainda não terminou.

— Não gosto daqui – Thor resmungou deixando o capacete perto dela e pondo um óculos escuro que ela não tinha visto até então.

— Quando penso que você melhorou um pouquinho – resmungou ficando de pé, quando ergueu a mão para apanhar o capacete viu um pedaço de papel dobrado, não lembrava daquilo. Lana o apanhou abrindo-o, era o numero de um telefone com um Alicia escrito embaixo, sentiu suas sobrancelhas franzirem e o ergueu para Thor – Acho que isso é seu.

Thor olhou pra sua mão com uma careta, pegou o papel e o amassou, jogando no chão.

— Na verdade era pra você. Vamos.

— Quê?

Lana o acompanhou pra fora, Thor subiu na moto e acelerou, antes que ele desse a partida e a deixasse ali, sozinha e sem dinheiro, Lana subiu na sua garupa e o segurou pela jaqueta, tomando cuidado pra não tocá-lo mais do que era necessário.

— Da próxima vez que sair comigo evite essas roupas curtas – ele resmungou. Lana abriu a boca para xingá-lo, mas Thor acelerou e a pequena lanchonete ficou pra trás.

ººº

Lana, pela primeira vez, estava arrependida de ter deixado o celular na gaveta de meias, agora que a raiva tinha passado ela ponderou que tudo teria sido mais simples se simplesmente tivesse enviado uma mensagem aos pais e inventado alguma desculpa para suspender a visita. Mas é claro, ela tinha que ir pelo caminho mais difícil. Balançou a cabeça e afastou os pensamentos duvidosos. Estava em uma cidade pequena e charmosa, em frente a uma fonte agradável e o clima estava bom, pensaria no castigo que receberia depois.

Ela mergulhou sua mão dentro da agua, vendo as pequenas ondas tremerem seu reflexo, a agua estava fria e refrescante. Lana olhou por sobre o ombro diretamente para Thor, ele estava sentado em um dos bancos da praça, rodeado de casais e crianças felizes, mas parecia alheio a isso, desde que chegaram ele reversava seu tempo mandando SMS´s ou encarando o aparelho de um jeito irritado. Lana suspirou, ponderando se deveria ou não ir até ele, estava começando a ficar tarde e ela sabia que deveria voltar pro Lorenzo antes que dessem por sua falta.

Quando tinha decidido que continuaria afastada dele, olhando pra qualquer lugar que não fosse sua direção, viu pelo canto do olho uma garota jovem e loira se aproximar, sentando ao lado dele com um sorriso grande e olhos brilhantes. Lana ficou de pé, vencendo a distancia com passadas longas e rápidas, sentando do outro lado de Thor, ficando o mais próximo do que tinha se permitido ficar em qualquer outra ocasião.

— Vai ficar o dia inteiro no celular? – ela perguntou.

Thor ergueu o rosto pra ela, inconsciente da menina sentada ao seu lado cujo sorriso tinha murchado um pouco, e guardou o telefone, antes que Lana pudesse sequer pensar em bisbilhotar algo.

— Não está se divertindo? – ele sorriu de canto, apontando com a cabeça pra fonte – Se você for rápida pode se jogar lá, talvez consiga correr antes que a policia chegue.

— Se eu soubesse nadar com certeza faria isso – ela resmungou no mesmo tom de falso entusiasmo dele.

Thor riu. – Você não sabe nadar?

Lana revirou os olhos, cruzando os braços.

— Você não vai ter problemas por ter saído do internato? – ela perguntou. Não queria ficar discutindo sobre suas incapacidades com ele.

— Sou emancipado. Não preciso de autorização – Thor pigarreou, chamando sua atenção novamente – E você?

Lana deu de ombros.

— Acho que sim, meus pais estavam indo me visitar.

— Era disso que estava fugindo?

— Ah... Sim – Lana o encarou, vendo Thor abrir a boca pra perguntar mais, mas por alguma razão ele tornou a fechá-la. Era decerta forma um alivio, falar do seu relacionamento com os pais era difícil e exaustivo. Lana viu quando a menina loira ficou de pé e se afastou tão silenciosa quanto tinha se aproximado, sem conseguir se segurar ela riu.

— Do que você está rindo agora?

— Nada – deu de ombros, olhando pro céu claro e em seguida pras crianças que brincavam não muito longe deles. – Se você é emancipado porque ainda está em Lorenzo?

Lana mordeu seu lábio inferior enquanto esperava por sua resposta, que não veio, ela voltou seus olhos pra Thor flagrando-o enquanto ele a encarava, com o óculos escuro era difícil saber o que exatamente ele tanto olhava, Lana resistiu com bravura ao impulso de retirá-lo, notando que gostava dos olhos incomuns de Thor, dos quão expressivos eles eram ás vezes.

— Eu gosto de lá – ele murmurou depois de um tempo, quando ela já tinha desistido de ter sua resposta.

— Gosta? Como você pode gostar de está sempre preso?

Ele deu de ombros, um sorriso brincando no canto dos seus lábios.

— Eu não gosto. Você pode dizer que sou masoquista.

— Você é confuso – ela sorriu.

— Você é ruiva – ele murmurou de repente.

Lana piscou surpresa com a mudança brusca de assunto. Sem perceber ela apanhou um dos cachos longos e o encarou como se o visse pela primeira vez, ele estava um pouco embaraçado naquela manhã, mas ainda sim o cacho mantinha-se firme como a propaganda do seu xampu preferido prometera, ela não precisava cheirá-lo pra saber do odor doce e nem da observação de Thor pra perceber que, embora o sol acima da sua cabeça fosse gelado provavelmente algumas mechas do seu cabelo mudariam pra uma tonalidade mais escura e brilhante.

— É o que parece, mas só no sol – ela murmurou.

Thor arriscou um sorriso de deboche enquanto erguia sua mão capturando entre seus dedos o cacho que Lana ainda segurava, seu toque foi como uma corrente elétrica que arrepiou os pelos do seu braço, provocando-lhe arrepios. Era uma sensação diferente, ela sentia as borboletas brincarem dentro do seu estomago.

— É uma bonita cor – ele suspirou, levando a mecha até seu nariz e inspirou, fechando os olhos. Lana sentiu suas bochechas corarem quando o arrepio espalhou pelo seu corpo. Thor abriu os olhos e sorriu, afastando-se.

Lana ergueu sua mão ainda hesitante, passando seus dedos pelas mechas negras e grossas de Thor, o viu ficar rígido, mas não mexeu um musculo nem pra afastá-la ou impedi-la, enquanto passava as pontas dos seus dedos timidamente pelo seu cabelo sentiu uma mão grande e quente descansar na sua coxa desnuda, Lana baixou o braço e se afastou, sentindo que tinham ido longe demais.

— Obrigada – ela murmurou, encarando a mão de Thor que ainda descansava na sua perna. Pensou se deveria afastá-la ou avançar um pouco mais. Talvez se fosse outra pessoa, ou outra circunstancia, a decisão seria mais coerente e menos sofrida, mas era Thor com todo seu charme e ela não confiava nele, e principalmente não confiava em si mesma.

Cobriu a mão dele com a sua, pronta pra tirá-la dali quando sentiu dedos erguendo seu rosto e lábios cobrindo os seus, Thor não tentou nada que fosse além disso, e com pesar ela percebeu que aquela era a terceira vez que ele a beijava, e a primeira que ela queria ir além, Lana inclinou-se mais pra ele, afundando suas mãos no seu cabelo negro e farto, abrindo os lábios pra recebe-lo, mas Thor a afastou delicadamente. Exibia um sorriso perverso que ela odiou.

— Essa é a última vez – ele sussurrou no seu ouvido, próximo o bastante pra ela sentir seu cheiro.

— Última?

— Na próxima vez é você quem vai pedir.

Thor se afastou dela e ficou de pé, oferecendo o capacete e caminhando até sua moto. Lana esperou um pouco mais, suas pernas estavam tão moles quanto gelatina e seu coração parecia que ia sair do peito a qualquer momento.

Em que merda me meti? Ela pensou enquanto via as costas dele se afastar. Era uma merda grande e feia, porque quanto mais pensava, mais certeza tinha que queria afundar seus dedos naquela cabeleireira negra e beijá-lo. Nunca quis tanto algo como queria isso.


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Notas finais do capítulo

Arrumei um carregador pro notebook, as postagens continuarão normalmente >

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