FusionTale escrita por Neko D Lully


Capítulo 44
Especial: Chara


Notas iniciais do capítulo

Guess who is back!
Vcs não tem noção de quanto tempo gastei tentando postar essa merda. Minha internet ta oscilando de uma maneira que eu só não perdi a cabeça ainda pq tevo ter uma paciência de ferro.
Mas ok. Eu sei que passei bastante tempo sem postar, desculpe por isso, mas quando tudo trava, simplesmente não tem o que fazer, apenas trava. Acabou que o resultado era só adiantar o próximo capitulo e depois terminar esse que travei. Quem diria?
Espero que gostem, não sei quanto tempo vou conseguir manter o fluxo, mas to adiantando agora que a animação voltou. Essa parte é mais legalzinha de qualquer jeito.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/686046/chapter/44

FusionTale – Especial: Chara

— Você é um monstro!

— Abominação!

— Demônio!  

Tão repetitivo.

Essas palavras já tinham sido dirigidas a ela tantas vezes que perdeu a conta. Muitas delas sendo sem um motivo aparente que pudesse citar.

E não que se incomodasse, quer dizer, em toda sua existência, mesmo que relativamente jovem, ela já tinha sido associada a diversos outros termos ainda piores. De monstro à demônio, de assassina à psicopata. Ela realmente não se importava, mas era verdade que achava todos eles demasiadamente imprecisos.

Se ela fosse se definir em uma palavra, com toda certeza escolheria:

Humana.

Chara era humana e como tal ela era cruel.

Ela não compreendia como tal palavra poderia ser associada a qualquer outro sentido. Quer dizer, mesmo a humanidade que tantas vezes estava correlacionada a sentidos positivos, para ela, ainda era a mais vil das circunstâncias. Mas talvez ela apenas tivesse olhos mais abertos que outras pessoas, de sua espécie ou não. Talvez ela tivesse mais experiência e por isso via a verdade.

A verdade de que a natureza humana era das mais terríveis que poderia encontrar. Ser humano era definitivamente ter uma natureza maliciosa e enganadora, era usar e abusar de seus semelhantes ou de criaturas alheias. Era desconfiar, mentir, matar, manipular... Era julgar, torturar, vandalizar, massacrar, aterrorizar.... Tudo isso era ser humano. Não existia bondade, não existia abnegação, não nenhuma dessas baboseiras que continuavam a pregar em filmes ou desenhos.

E Chara bem sabia.

Ela viu o pior da humaniodade. Ela viu sua verdadeira face, eles a fizeram quem ela era agora e ainda tinham a capacidade de chama-la de qualquer outra coisa que não era humana? Que ridículo. Todos um bando de idiotas desgenerados se lhe perguntassem. Porém, ela não devia satisfação a ninguém, suas atitudes eram apenas suas e ela sabia disso, por que as justificar? Quem eram eles para julgar, afinal? Como se fossem santos! Malditos bastardos.

Se ela fosse procurar um começo, contudo, teria que voltar para sua mais antiga memória.

Ainda detro do universo onde monstros existiam e viviam presos no subterrâneo, Chara foi o fruto de um relacionamento que não deveria ter acontecido. Sinceramente era natural. Humanos criavam regras para que eles próprios pudessem quebra-las, ridículo, mas ela não estava ali para questionar. O fato era que sua vinda ao mundo era indesejada e sua genética também não a tinha favorecido a melhorar a situação, pelo menos não na visão dos humanos.

De olhos vermelhos, uma pigmentação não natural, pele extremamente pálida juntamente a uma personalidade naturalmente excêntrica para as pessoas da região, sua imagem foi muitas vezes associada ao demônio, mesmo que suas próprias atitudes não estivessem relacionadas.

O que havia de errado em ser diferente? Pergunte as pessoas que lhe jogaram pedras sem se incomodar com o pequeno detalhe de ter apenas cinco anos. Pergunte as mesmas pessoas que riam de sua situação, de seu sofrimento. Pergunte as pessoas que espalhavam boatos imprecisos sobre sua pessoa sem ao menos conhece-la alguma vez. Pergunte as pessoas que usaram de sua situação para se beneficiarem, para abusar dela.

Ela era uma criança, mas nem por isso era burra. Mesmo que muitas pessoas pareciam associar os dois fatos como inseparáveis. Quão tolos.

Chara admitiria que, ao fartar-se da situação, usufruiu de algumas poucas brechas que conseguia abrir. Como ameaçar gritar quando o padre, responsável pelo orfanato no qual viveu, não lhe dava o que queria depois de anos de abuso sexual. Ou na vez que usou de sua fama como demônio criada pelo povo da cidade para amedontrar crianças que insistiam em infernizar-lhe a vida. Ou quando usou de uma faca para machucar uma das freiras que insistia em usar da força para fazê-la aprender algum tipo de lição estupida a qual não se importava e a ameaçou de contar seu envolvimento no bordeu da cidade se caso deixasse aquele incidente sair dali.

Ela aprendeu a sobreviver no mundo cruel no qual vivia, muitas vezes tendo como consequências ainda piores, mas mantinha-se viva. Ela aprendeu que a bondade não lhe levaria a nada e que rostos de anjos não existiam.

Falso, falso, falso e falso.

Tudo era uma mentira. A religião, a amizade, o amor, qualquer coisa que inventassem era apenas um meio de te forçar a fazer o que queriam que fizesse. E Chara não estava disposta a cooperar com eles.

E foi aqui, em seus dez anos, que Chara marcou a maior diferença entre a mairia dos humanos e ela. A linha chave, aquela que todos eram covardes de mais para ultrapassar, aquela que Chara temia até o momento que realmente jogou todas as crenças a merda e deu um passo a frente.

O dia em que ela, inadivertidamente, sem remoço ou surpresa, matou pela primeira vez.

Foi uma explosão realmente, qualquer um poderia ver isso vindo, era impressionante que tivesse alguentado até os dez anos. Com toda a sinceridade, para pessoas que se diziam dissipulos de Deus e toda essa baboseira os adultos daquele orfanato deveriam realmente reaver suas atitudes e temperamento. Quer dizer, se seu deus apoiava esse tipo de ação, então Chara não estava surpresa do mundo ser a merda que era, mas quem era ela para julgar? Nunca tinha sido uma pessoa religiosa de qualquer maneira.

Seja como for, foi completamente em auto-defesa, se a perguntassem. A freira, enfurecida por vai se saber qual motivo havia sido dessa vez, avançou sobre ela. Suas mãos grandes envolvendo o pescoço de Chara com força suficiente para prender completamente sua respiração e não importava o quanto se dedicasse a chutar, contorcesse ou arranhar, seu corpo miúdo de uma criança não seria capaz de lutar contra um adulto formado, suas chances eram escassas e sabia disso.

Ainda assim, Chara era determinada. Ela não iria morrer ali, definitivamente não! Não por mãos humanas, não pelas mãos daquela mulher! Ela iria viver! Ela iria a qualquer custo!

Na neblina de sua mente, recordou-se da faca que mantinha perto, a mesma que roubara da cozinha no mesmo dia que ameaçou a mesma freira. Tê-la por perto era gratificante, era sentir-se seguro e poderoso, o peso bem balanceado em suas mãos pequenas e fracas, afiada o suficiente para perfurar com facilidade a carne, já tendo sido testada em algum animal azarado que agarrou em seus momentos fora daquela casa infernal. Não havia dúvidas no que deveria ser feito e realmente não pensou muito nisso, suas mãos apenas se moveram para o esconderijo da arma e, em um movimento rápido e preciso, enfiou a lámina profundamente no pescoço da mulher, vermelho a respingar por todas os cantos enquanto o corpo moribundo caia sobre o seu, mãos frouxas deixando seu pescoço e permitindo-lhe respirar.

E, diferente de todas as expectativas normais do momento, não sentiu remorso ou arrependimento. A mulher pedia por isso e se Chara havia sobrevivido era porque ela era mais forte. O verdadeiro sentimento que lhe preencheu foi totalmente o oposto do que esperava, uma gratificação tão grande que seu peito pareceu inchar, a sensação do poder bem na pauma de sua mão, da vingança por todos aqueles anos sendo maltratada, o sabor delicioso da vitória.

Porém sabia que não poderia permanecer, tinha que fugir ou então ela seria a próxima.

Tudo bem, talvez pudesse lidar com um adulto desprevenido, mas não com cinco ou seis atentos.

Não ainda.

Por isso, sem olhar para trás, fugiu para a montanha a qual ninguém mais ia com nada mais do que a roupa que tinha no corpo e a faca ensanguentada em mãos.

Ninguém a procuraria, ninguém se preocuparia, pelo contrário, ela tinha certeza que todos estariam felizes com sua partida, alegando ser algum tipo de milagre divino ou o que seja. Ela não precisava deles, nunca precisou e nunca iria precisar. Quem queria idiotas? Idiotas que se achavam no controle de tudo, na posse do poder apenas porque eram mais velhos, mais fortes? Ela mostraria quem estava no controle, ela nunca mais voltaria e se o fizesse seria para colocar todos onde realmente mereciam.

Nos confins do inferno.

Foi quando caiu. Não viu o buraco, em meio a sua correria desenfreada, desesperada por se libertar daquela cidade maldita, não viu as raízes que emaranhavam-se traiçoeiras pelo chão e, por tal falta de atenção, acabou por tropeçar e desabar para o mais fundo dos buracos.

Foi irônico realmente, a primeira ideia que lhe veio a cabeça quando começou a cair foi que estava indo para o inferno. Caindo e caindo e caindo para muito abaixo dos confins da terra, sem ter nada o que segurar para poder puxar-se para cima novamente. No entanto, aprendeu que o fundo do poço não era o inferno, mas, talvez, o céu. Foi onde conheceu Asriel, onde encontrou os montros que não lhe julgavam por sua aparência, que lhe trataram como uma velha amiga e não como um demônio amaldiçoado.

Foi onde aprendeu que a definição de monstro estava errada e que os verdadeiros “monstros” eram os seres humanos.

Ela conseguiu uma família, ela conseguiu pessoas que realmente se importavam com ela e, mais importante, ela conseguiu Asriel.

Como uma luz que brilha na escuridão ela se viu admirando a bondade do jovem monstro, impressionada com sua gentileza, sua inoscencia, cativada como via o mundo, sempre tentando acreditar no melhor nas pessoas. Tão curioso, enchia Chara com perguntas sobre a superfície, tendo nascido no subterrâneo nunca viu nada diferente da vida debaixo de um teto de terra. Tão injusto como parecia era a triste verdade.

Ela conheceu sua histósria, o que os levou até ali, o que os prendeu ali e mais do que nunca ela odiou os humanos. Um ódio tão profundo que crescia em seu corpo como um câncer.

Os humanos não mereciam a superfície. Não mereciam a liberdade. Eles deveriam ser aqueles a estar presos nesse buraco, nessa triste prisão abarrotada. Os monstros, com toda sua bondade, deveriam estar acima, deveriam ser aqueles a governar, eles mereciam mais. Asriel merecia muito mais do que essa vida.

Ela não poderia simplesmente aceitar tal injustiça de braços cruzados. Ela queria que Asriel visse o céu com o qual tanto sonhava, experimentasse o vento fresco em um dia quente de verão, a grama fresca durante a primavera, o frio e a beleza do inverno. Queria que ele estivesse livre para ir muito além do que poderia imaginar.

Então ela começou a montar seu plano.

Estudou sobre as almas, sobre a barreira, sobre a magia, procurou todo o tipo de brecha que poderia arrumar até finalmente deparar-se com um plano efetivo o suficiente para ser conquistado. Ela não se importava com as consequências sobre si mesma, ela apenas queria que Asriel tivesse aquilo que tanto merecia, que a injustiça fosse quebrada e os verdadeiros donos do mundo tomassem seu lugar de direito. A humanidade deveria cair.

Levou um tempo, mas conseguiu. Asriel absorveu sua alma depois de morrer por ingerir flores douradas, tão simples, ele se tornou forte o suficiente para transpassar a barreira e encontrar-se na superfície, levando seu corpo com ele. Não poderia aceitar que terminassem no subterrâneo, deveria ser na superfície, com ele. Ela acreditou ter determinação o suficiente para guia-lo enquanto adentrava na cidade, usando de sua força e magia para subjulgar aqueles que estavam lá, aqueles que ousaram ataca-lo, porém ela havia subestimado sua bondade, sua força. Havia esquecido-se que ele era o filho de um monstro chefe, que muito provavelmente teria a força suficiente para resistir.

Ele recusou-se a machucar as pessoas, recusou-se a lutar, por mais que Chara continuasse a gritar com ele para fazê-lo, por mais que estivesse sendo atacado. Ele era bom de mais para matar, bom de mais para pegar a força as almas que serviriam para quebrar o resto da barreira e, no final, ambos acabaram mortos, de volta ao subsolo. A alma de Asriel se partiu, deixou-a, enquanto ela foi jogada no vazio.

Açoitada por emossões que não eram suas, sozinha e perdida, sendo absorvida pela existência confusa do vazio, Chara manteve-se determinada a continuar consciente, lutando contra o fluxo constante de fúria acumulada. Almas errantes, vozes de fantamas sem forma gritavam em sua orelha, insinuando para se aproximar, para se deixar levar. Mas ela era mais forte, mais determinada, agarrando-se em seu ódio e ressentimento contra sua própria raça para manter-se ainda “viva” em meio a tanto caos. Para ser aquela a ter o controle de todos a sua volta e não o contrário. 

Com o tempo, se é que existia tempo, conseguiu se manifestar no plano físico, empurrando-se além do véu que os separavam, observando as mudanças.

Seu ódio cresceu com a visão de monstros a matar crianças, destroçando-os antes de terem a chance de lutar ou se defender, tal como os humanos faziam. Ela viu que a diferença que tinha encontrado era uma ilusão, uma falsa imagem criada por uma criança desesperada por aceitação, por carinho. E tal constatação a deixou ainda mais furiosa, mais cedenta pela vingança e destruição. Se monstros eram iguais aos humanos, então eles também não mereciam viver. Ela os mataria a todos. O mundo seria destruído em suas mãos. Asriel era a única luz que valia a pena, a única esperança. Mas agora ele se foi e sem ele o mundo estava destinado ao fracasso. Ela apenas estaria fazendo um favor ao destruílo, não?

Apenas precisava arrumar um jeito de voltar...

Foi quando Frisk caiu.

Uma determinação tão forte quanto a de Chara, com capacidades além do previsto, a sétima criança.

Como alguém assim poderia ter caído era um mistério até então, mas Chara não se importava também. Sua própria determinação latente sincronizou com a da criança, o suficiente para dar a Chara a chance de se fundir a ela e assim ser capaz de retornar ao mundo com um corpo emprestado. Havia apenas uma pequena falha: a existência original permaneceu, deixando assim um corpo para duas almas diferentes, duas entidades diferentes.

Inicialmente Chara não tinha força o suficiente para influenciar diretamente as ações do corpo em questão, apenas algumas poucas ajudas aqui e ali, dicas que ajudaram Frisk em sua caminhada pelo subterrâneo. Não era o suficiente, porém, ser apenas uma observadora e narradora dos eventos, contudo, lhe deu tempo para perceber que aquela criança, aquela pequena e insignificante humana, não era igual aos seus termos criados para os humanos.

Frisk foi o que Chara chamou de anomalia, tal como Asriel, porém de uma forma diferente.

Enquanto Asriel era um monstro que originalmente deveria ser feito de amor, assim como qualquer outro monstro originalmente deveria, Frisk era inteiramente humana. Sua alma possuía determinação, até mais do que uma alma humana normal, seu corpo forte de carne e vida na superfície, sendo assim, levando-se na lógica que Chara havia montado com seus curtos anos de vida, deveria ser uma criatura vil em sua essência. Criada para não apenas odiar como também trair e desprezar. Humanos não era bons, humanos lutavam por suas vidas e se priorizavam antes dos outros, humanos não se importavam com gentileza ou carinho se não houvesse alguma coisa em troca, seja a mais insignificante que fosse.

Porém Frisk não era assim. Em toda sua jornada, acompanhada tão de perto quanto possível por Chara, não importava quanto a machucassem, o quanto a ferissem ou magoassem, Frisk sempre perdoaria, nunca lutaria nem mesmo para defender sua própria vida.

E, tudo bem, inicialmente talvez fosse aceitável, talvez ela quisesse ser boa, talvez ela quisesse se passar como boa menina, pelo menos na frente de Toriel, que se mostrou tão agradável desde o começo, porém todo humano tinha um ponto de ruptura para o que poderia aguentar. Se pressionados muito eles reagiriam, eles seriam violentos, Chara sabia, então ela esperou. Esperou que depois de tantas vezes sendo atacada Frisk cederia ao desespero e frustração e começaria a atacar de volta.

Elas passaram pelas ruínas, enfrentaram Toriel, atravessaram Snowdin, onde conheceram Papyrus e seus intermináveis quebra-cabeças, adentraram em Waterfall para deparar-se com a incansável Undyne, chegaram a Hotland para os shows estranhos de Mettaton. Em cada uma dessas partes do subterrâneo Frisk deparou-se com monstros diferentes, interpondo-se em seu caminho, lutando contra ela, machucando-a das mais diversas formas diferentes e, ainda que fosse frustrante, tanto para ver quanto para estar ali, Frisk nunca cedeu de sua determinação em não contra-atacar.

Foi quando Chara descobriu, na verdade, que a soma de suas determinações, de suas almas, tinha gerado em algo muito mais poderoso do que poderia imaginar: o poder de voltar no tempo. O poder de salvar e redefinir linhas do tempo tanto quanto fosse necessário, podendo concertar erros, mudar os fatos a seu favor. Ninguém mais se lembraria, os ataques repetitivos e previsíveis sendo fáceis d                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 e esquivar depois de um tempo. Foi impressionante! Era um poder... Uma capacidade que Chara nunca poderia nem ao menos ter pensado! Era como magia!

Mas havia um porém: o poder não era necessariamente ativado pelo simples querer, não a princípio, quando não tinham ideia de que ele estava lá, quando não sabiam como controla-lo. Humanos não tinham nada assim, pelo menos não mais, então como crianças poderiam simplesmente descobrir que por ventura possuiam uma capacidade apenas disposta em sonhos loucos? 

Bem, Frisk precisou morrer.

Aconteceu primeiro em Waterfall, com Undyne e então se repetiu, uma e outra vez, na mão de pequenos monstros, de grandes e percistentes. Ela sofreu dores insuportáveis até o ultimo respiro, para então retornar novamente, minutos antes de tudo começar, mantendo sua memória, como um sonho ruim, contudo mais real.

Inicialmente foi assustador. Ambas iriam admitir isso. Eram crianças afinal! Crianças que viram a morte, que sentiram dores que muitos adultos não chegavam nem a imaginar. E ainda que continuasse a se ferir, a morrer continuamente, Frisk nunca ergueu um dedo contra, pelo contrário! Estendeu-lhes a mão com um sorriso, os perdoou e lhes deu amizade, amor. Chara não sabia como classificar isso, não era um fato humano, definitivamente. Frisk era uma anomalia, um erro naquele mundo, um erro determinado a permanecer, não importa o que, sem se moldar a regras que ela não havia criado. Ela nunca gostou de jogar pelas regras dos outros.

Ainda assim ela não era perfeita.

Claro, todo ser vivo possuía defeitos, possuía alguma característica que o tornava falho, seja ela qual for, pelo motivo que for. Chara apenas precisava encontrar essa falha e então usar dela para alcançar seu objetivo, tão simples como era. E foi até engraçado pensar, depois de tudo o que viu, que a falha de Frisk, o que a tornou vulnerável a Chara, era um detalhe tão simples, tão comum, todos possuíam, tanto humanos como monstros.

A queda de Frisk veio de sua curiosidade.

Foi interessante também, ver Frisk redefinindo a linha do tempo para se aventurar mais uma vez, uma ultima vez, de acordo com ela. Ela queria ver mais, saber mais, testar novas escolhas, ver até onde ela poderia mudar. Uma criança com um perigoso controle em suas mãos, sem saber de suas consequências. E Chara usou disso. Usou de sua infinita curiosidade para instiga-la ao que queria, usando da desculpa das voltas no tempo para convencê-la de que nada daria errado.

“Por que não mata-lo? O que você acha que aconteceria? Se for um problema, é só voltar. Ninguém vai lembrar. Ninguém vai saber.”

E então a rota neutra foi criada. Frisk tomou consciência de sua existência e Chara percebeu sua alma tornar-se mais forte, forte o suficiente para começar a influenciar de forma mais ativa as ações de Frisk. Tudo que precisava fazer era esperar, esperar a terceira redefinição para começar. Chara era uma pessoa paciente, já estava morta, não tinha nada a perder com um pouco mais de tempo e, além do mais, havia aprendido que o tempo era uma medida relativa superestimada.

Na terceira redefinição conseguiu força o suficiente para tomar o controle, para começar o genocídio. Mesmo que seu tempo com Frisk a tivesse feito vislumbrar fatos que a recordaram de sua vivência no subterrâneo não foi o suficiente para acalmar seu ódio pelo mundo ainda existente. Ela precisava apaga-lo, precisava terminar com tudo, adiantar o processo que já estava para acontecer, sentir o LOVE viciando crescer em sua alma, tornando-a mais forte, mais capaz. Sentir como se pudesse fazer qualquer coisa e mais ninguém pudesse lutar contra ela! Um sabor tão doce, ter o controle em suas mãos, sentir-se invencível!

Ela nunca se cansaria.

E foi quando a luta começou. Chara não poderia eliminar a existência de Frisk e Frisk nunca permitiria que o mundo terminasse como Chara queria, não importa o quão tentador fosse o poder que dispunha em sua alma depois de terminar com um mundo inteiro, a culpa e tristeza que lhe restavam de seus atos a faziam resistente a tentação do LOVE. Não diria imune, ninguém seria, mas poderia lutar contra ele com muito mais facilidade por conta de sua grande determinação, muito além da média.

As redefinições continuavam a acontecer uma e outra vez, ambas a brigar pelo controle da situação, tentando destruir ou convencer uma a outra para o caminho que queriam.

Talvez poderia se dizer anos, com as voltas no tempo era complicado conta-lo corretamente, porém depois de tanto conviver com uma pessoa, tendo apenas ela para conversar, muito se aprendia. Não importa o quanto se odiava, o quanto lutavam, a convivência, de alguma forma, as forçaria a interagir, a conversar. Sendo assim que descobriram que não eram tão diferentes como inicialmente pensavam.

Seus passados eram próximos, ambas com pessoas abusivas que as empurram até seu limite, pessoas que não as compreendiam, pessoas cruéis. Ambas sabiam, em experiência, o quão baixo a humanidade poderia cair e o quão podre o mundo poderia ser, porém Frisk mantinha uma visão positiva das coisas, recusando-se a mudar para o que todos queriam, enquanto Chara simplesmente não se importava. Se o mundo queria que ela fosse desse jeito, então quem era ela para recusar? Ela mostraria a todos o que haviam criado, o que tinham feito e então tomaria as rédias, fazendo suas próprias leis. Ela os venceria em seu próprio jogo.

Queriam brincar de matar ou morrer? Então Chara mostraria que ela poderia ser a rainha desse jogo.

Com o decorrer de sua convivência, contudo, Chara não poderia mais odiar Frisk. Sim, queria que ela saísse do seu caminho, no entanto, pouco a pouco, começava a querer que ela se juntasse em seus planos e não fosse apenas apagada da existência. Nunca admitiria em voz alta, mas se por um acaso Frisk não estivesse mais lá Chara sentiria sua falta. Sua existência tão parecida com a de Asriel a balanceava, a equilibrava de uma forma inexplicável, única! Nunca alguém a conheceria tão bem quanto Frisk. Seria bom ter alguém para compartilhar suas conquistas, por mais acostumado com a solidão que estivesse.

Chara estava determinada a fazer Frisk ceder, enquanto Frisk estava determinada a salvar a todos, incluindo Chara. Tão ingênua, acreditava que mesmo alguém como Chara poderia ter seu lugar com os bons.

Não importava o número de redefinições necessárias, elas não desistiriam. Era parte de sua natureza.

Então aconteceu...

Sem qualquer motivo aparente, sem um aviso ou explicação, elas foram jogadas em um mundo estranho, um mundo onde todos eram humanos, onde ninguém tinha morrido, onde não houve guerras ou prisão debaixo da terra, um mundo onde Asriel existia e Chara e Frisk não compartilhavam um corpo. Um mundo recheado de magia, diferente de tudo que já tinham imaginado.

Ela não sabia o que tinha acontecido para que tivessem acabado em tal realidade, porém não seria aquela a reclamar. Usufruir de seus ganhos, das adversidades da vida, era sempre o melhor que poderia fazer, deixando guiar-se pelo fluxo. Ela especulava, porém, que a grande quantidade de redefinições que ela e Frisk causaram talvez, de alguma forma, tivesse gerado isso, mas era apenas uma teoria e poderia estar muito bem errada, não importava também. Ela não dedicou muito tempo de sua nova vida para pensar nos motivos que a levaram até ali, de qualquer forma.

Pouco a pouco as memórias daquela realidade apareciam em sua mente, ajustando-a ao mundo em que se encontrava agora, gratificando-se que suas atitudes, ainda que ligeiramente diferentes, eram basicamente iguais. O ultimo que poderia desejar é que alguém questionasse algum tipo de mudança de atitude estranha ou que tivesse que agir de uma forma a qual não lhe agradava.

Chara poderia ter várias facetas, mas não era como se gostasse de ser outra pessoa, já bastava passar boa parte de uma eternidade presa em um corpo que não era o seu.

Com relação a seus objetivos alguns pequenos detalhes poderiam ter mudado. Com a presença de Asriel novamente o mundo não parecia mais tão cinzento, porém ainda era podre, ainda era maculado pela presença humana tão irritante e desmerecedora. Seu eu dessa realidade sabia disso, via isso, vivia cada detalhe sobre isso.

Tornar-se líder de uma gangue de desordeiros e comandá-los a uma conquista desenfreada pela cidade? Ser a rainha que comandaria tudo com mãos de ferro? De destruidora para conquistadora? Subjugar todos esses idiotas e deixá-los a sua mercê? Por que não? Tinha sua própria vida agora, seu próprio corpo, Frisk não poderia interferir e nem ao menos precisaria saber.

Deixe-a com a ilusão de um mundo perfeito, Chara poderia facilmente controlar as cordas de onde estava. Não era como se controlar fosse menos divertido do que destruir.

— Minha Rainha. Solicito sua permissão para um combate. - retirada de suas memórias, Chara voltou sua atenção para o pequeno peão a sua frente.

Ela tinha vários subordinados, um mais inútil que o outro, porém todos eles a temiam, cegamente fieis por saberem perfeitamente como poderia ser perigosa.

Chara adorava isso, ser venerada, temida e poderosa. Seu titulo, apesar de um tanto infantil em uma determinada perspectiva, era conveniente e combinava bem. Poucos eram aqueles considerados dignos de estarem a seu lado e muitos eram aqueles que cobiçavam essa posição.

Em seu domínio o que reinava era a lei da sobrevivência do mais forte. Para subir de sua posição teria que mostrar seu valor provando-se ser capaz de derrotar seu superior.

Obviamente seria necessário a aprovação da Rainha para tal, sua palavra sendo a única lei entre os desordeiros, no entanto, Chara nunca recusaria o pedido de uma boa briga, sendo sempre aquela disposta a avaliar as condições da disputa. Sempre foi gratificante ver idiotas se matando, mesmo que algumas das vezes não existia exatamente morte, apenas rebaixamento e humilhação.

Era gratificante da mesma forma.

Dentre toda a organização administrativa do lugar, dez eram aqueles que foram conhecidos como os Comandantes da Rainha. O mais alto escalão de sua organização tirando a própria posição como líder que Chara nunca abriria mão. Dez pessoas escolhidas por elas, tão fortes como nenhuma outra dentro de seu poder, sendo responsáveis pela organização de seus próprios setores, com o poder absoluto de comando dado pela própria Rainha.

Não era como se Chara confiasse neles. Ela não confiaria em sua própria sombra naquele lugar, seria sua ruína caso contrário. Mas ela acreditava em sua força, via potencial neles e como qualquer líder em busca de poder, ela usaria disso.

Claro, ainda existiam aqueles que não acreditavam em suas escolhas, e se achavam bem mais dignos de estar em tal posição do que qualquer outro que já estivesse lá, levando-os a desafiar seus comandantes em busca de mais glorificação.

A típica arrogância humana. Chara nunca deixaria de se impressionar com o quão estúpidos os humanos poderiam chegar a ser para inflar seu próprio ego.

— Concedida. Quem você desafia? - sua voz era imparcial, contudo seus olhos brilhavam em divertimento por trás de sua máscara, sorriso cruel em seus lábios, nem um pouco próximo ao pequeno sorriso infantil desenhado na porcelana branca sobre seu rosto. Seu rosto caido sobre sua mão, posição quase a gritar desinteresse, por mais que sua alma gritasse por um pouco de movimentação naquele dia particularmente entediante.

— O comandante Red. - o nome escapou dos lábios em desdém e, dizer-se com vontade de rir, seria um eufemismo para a grande Rainha Vermelha. Ela já sabia o resultado daquela luta e ela nem ao menos tinha começado.

Com um leve movimento de pulso o rapaz a seu lado se moveu, curvando-se levemente em sua direção em uma demonstração de respeito antes de precipitar-se para o espaço a frente um pouco abaixo de onde se encontrava seu trono, uma pequena multidão já se aglomerava ao redor, fazendo suas apostas e torcidas com tanta ânsia como um bando de abutres a espera de um bom show, sobrevoando a área de caça.

A vista do trono da Rainha e de seus comandantes sempre seria a privilegiada em tais circunstâncias, como os juízes e promotores de um julgamento.

Chara gostava de lugares espaçosos, mantendo-se elevada na perspectiva dos outros, vendo-os de cima, impondo seu poder. Era uma sensação boa, ajudava a lembrá-los quem era aquela que comandava, quem tinha o controle e poderia ditar quando viviam e quando morriam. Por isso escolheu o lugar de sua base sendo um velho galpão abandonado, tão grande que cada simples ruido retumbava em eco por suas paredes. Próximo de uma das extremidades encontrava-se seu trono, erguido pelo que poderia ser dito como um palco improvisado, alto o suficiente para permitir-lhe ver todo o lugar sem muitas dificuldades, assim como ser visto por qualquer um em qualquer lugar do galpão. 

Em relação as disputas, nunca se importou com a forma com que lutavam. Em uma briga real tudo valeria, mesmo os métodos considerados mais sujos. Desde que a vitória fosse garantida e provada, tudo estava bem, ela realmente não se preocupou em bolar muitas regras, afinal, assim poderia mais facilmente atuar como um Imperador, o único a dizer quem era o verdadeiro ganhador ou quando deveria ou não matar seu adversário. Isso também deu mais liberdade para que seus lindos peões pudessem liberar seu podre instinto selvagem, como humanos sedentos pelo mais vil de seus aspectos, mostrando o quão ruins poderiam ser sem constrangimento, sem se reter.

Era tão excitante.

Red retirou de sua bainha duas preciosas lâminas, as mesmas as quais estava tão acostumado a fazer seus trabalhos, lustrosas e afiadas, eram perfeitamente cuidadas para não perder o fio, carregadas como crianças de um lado para o outro, desafiando qualquer um que quisesse provar de seu poder. Chara já tinha presenciado a beleza daquelas armas tão mortais, precisas nas mãos de quem realmente sabia como usá-las. E Red, definitivamente, sabia.

Chara era boa com facas, tão costumeiras como era tê-las em suas mãos, porém ela não era um espadachim. Seu LOVE e experiência ajudavam-na em muito a lidar com a maior parte das lutas, sendo magicamente superior mesmo que, obviamente, não tivesse magia. Red era um caso diferente. Ele tinha técnica, ele tinha a habilidade mortal treinada de um soldado para lutar, como se fosse feito para aquilo, para matar, ainda somada a sua magia, tão perigosa e incontrolável quanto seu dono, tornava-o, em seus meios, perigoso.

Chara estaria mentindo se dissesse que ele não era um dos seus cachorrinhos preferidos e mais divertidos. Não fiel, Chara sabia que nenhum dos capachos ali era, mas definitivamente inteligente, sabendo, por instinto, quem deveria aguentar em uma luta e quem não. Seu fogo indomável sendo facilmente controlado pelos sentimentos de suas entranhas, abaixando a cabeça, mesmo a contragosto, para seres acima dele. Ele precisava de Chara, afinal, e ela deixaria isso bem claro todas as vezes para mantê-lo em seu controle apertado.

Preparando-se em sua posição, observou seu adversário retirar uma faca de seu bolso, muito menor do que as espadas que Red empunhava com maestria. Sua outra mão estava escondida, tão óbvio quanto parecia, foi muito fácil supor que escondia alguma coisa. Novamente Chara não se importava com as formas como se alcançava a vitória, chegando até lá que era importante, tudo apenas dependia de como o jogador manipulava suas cartas e pelo visto o adversário de Red, apesar de confiante, não sabia como usar o que tinha.

Eles se encararam, a tensão subindo em expectativa e espera, silencio mortal enchendo o galpão enquanto todos esperavam o começo do desafio. Chara observou com diversão, sabia que a luta não iria durar, Red era obviamente mais experiente, ainda assim, qualquer confronto era imprevisível e isso que a deixava tão excitada. Apenas ganharia aquele que realmente merecesse estar na alta posição ao lado dela.

Erguendo uma de suas facas, ela observou todos encarando com expectativa, acompanhando cada movimento seu, o brilho afiado da lâmina reluzindo com a pouca luz do lugar. E então, em um movimento rápido e fluído, o objeto afiado foi lançado ao chão, sua lâmina prendendo-se profunda no solo, dando começo a partida.

Red foi o primeiro a se mover, como o esperado, impaciente como sempre. Suas espadas empunhadas para trás prontas para desferir o golpe. Quando finalmente esteve próximo o suficiente jogou-as para frente, cruzadas, tentando perfurar o que tinha a frente, prontamente abrindo-as para dilacerar o resto. Porém seu adversário esquivou-se, abaixando desengonçado bem no momento exato do golpe. Red ainda assim, com toda sua experiência, aproveitou do momento, ajeitando-se sobre seus pés para acertar um bom chute no estômago do homem, empurrando-o para trás e obrigando-o a perder o fôlego juntamente ao resto de seu equilíbrio.

O homem amaldiçoou sobre sua respiração, mãos sobre o estômago ferido enquanto erguia o olhar raivoso para cima. Red, por sua vez, não se alterou nem um pouco, olhos selvagens e preparados para qualquer desafio, instigando o homem a se aproximar, a se jogar, pronto para matar. E alguma coisa, seja lá o que fosse, nesse simples olhar, um olhar tão comum em batalha para a maioria dos participantes daquela gangue, deve ter tocado em algo sensível no orgulho do adversário, levando-o a uma raiva profunda, seus dentes a bater apertados enquanto erguia seu trunfo.

Cedo demais, a maioria poderia concordar.

A arma apontou para Red, o sorriso sinistro e confiante novamente subindo para o rosto do homem caído, confiando que agora tinha a vantagem. Quão ingênuo. Red tinha LOVE, sendo assim, sua magia, seu corpo, tudo era fortalecido.

O LOVE não era magia exatamente, ele quase não poderia ser explicado, a não ser que tivesse experimentado. Para aqueles que o tinham todas as suas capacidades já adquiridas eram amplificadas. Força, velocidade, agilidade, destreza, mesmo sua vida. Para aqueles que tinham magia a amplificação era ainda mais excitante, aumentando seus poderes, tornando-os muito mais fortes e perigosos, sem perder o controle já possuído. Era incrível, infiltrando-se nas veias, sentindo a mudança cercar seus músculos até o núcleo.

Armas de fogo, há muito tempo, deram vantagens sobre armas brancas, dando a vantagem da distância e da velocidade, porém isso terminou quando o LOVE se mostrou presente. Não importava a velocidade da bala, não importava a potência ou a quantidade, dependendo do nível de seu LOVE, era possível esquivar, rebater ou não morrer ao ser atingido. Era tornar-se poderoso o suficiente para transformar equipamentos mundanos, outrora poderosos, inúteis nas mãos de pessoas mais fracas.

Chara gostava da filosofia de que apenas os fortes poderiam decidir como morrer.

Os tiros dispararam, velozes na direção do espadachim que, com destreza, usou de suas lâminas para defender-se das balas, empurrando-se simultaneamente para frente, olhos cravados no atirador como um leão prestes a dar o bote em sua presa.

O resultado final não foi uma surpresa.

Red sobre seu adversário com as lâminas atravessando seu pulso, prendendo-o no chão enquanto os próprios pês do espadachim imobilizavam as pernas. Não existia mais o que fazer e a vitória era bastante clara, para qualquer um.

Ignorando os gritos de agonia do homem aos seus pés, Red ergueu os olhos para sua rainha, esperando seu comando com falsa paciência. Chara não poderia deixar de rir ao imaginar que, em suas entranhas, o rapaz coreano estivesse se contorcendo para terminar logo com tudo aquilo. Ainda assim, apesar de suas vontades, ele sabia perfeitamente bem que deveria esperar por seu comando.

O polegar apontou para baixo, sorriso insano por trás da máscara branca, observando com apreciação a lâmina de uma das espadas deixar o pulso o qual prendia para desferir um golpe rápido no pescoço, atravessando-o com facilidade e alcançando o chão por trás. Sangue se espalhou, foi cuspido pela boca do homem, agora sem mais a capacidade simples de gritar. Olhos arregalados tornaram-se vazios lentamente, perdendo seu brilho e o corpo contorcendo-se ficou quieto.

Red se afastou, erguendo-se triunfante, sacolejando suas armas para limpar um pouco do sangue que ainda as manchava, dirigindo-se rapidamente de volta ao seu lugar do lado da rainha. A multidão à suas costas, exclamava em empolgação ainda, dinheiro sendo passado aos vencedores enquanto ouviam o fraco resmungos dos perdedores, esses ultimos não sendo muitos. A grande maioria já tinha visto em primeira mão a capacidade dos comandantes.

— Muito bem feito, Red! - parabenizou Colossos em um grito exagerado, batendo no ombro de Red quase ao ponto de derrubá-lo. Por sorte o pobre rapaz conseguiu se segurar. - Mostrando o que os Comandantes são capazes de fazer!

Colossos merecia seu nome. Alguns até mesmo acreditavam que nem ao menos era seu nome real e que seu verdadeiro estava perdido até mesmo da memória do homem. Levando em consideração seu pequeno cérebro de ervilha, era uma possibilidade muito provável.

Era o mais forte fisicamente dos comandantes. Sua força bruta sendo capaz de esmagar crânios inteiros com apenas suas mãos nuas. Os poucos que sobreviveram a seu ataque costumavam chamá-lo de Berseker, principalmente por seu fetiche em lutar com o mínimo de roupa possível e nunca se deixar cair, mesmo com a quantidade de feridas que recebia. Era um brutamontes louco por batalha e sangue, com o cérebro de uma criança hiperativa e retardada. Não uma combinação muito agradável, mas Chara apreciava, mesmo que na maioria das vezes o homem pudesse ser bastante frustrante.

— Deixe de fazer tanto estardalhaço por nada, seu grande idiota. Era óbvio que Red seria o ganhador, mesmo um neandertal seria capaz de ver. - Pidge reclamou em mal humor, seus olhos nunca deixando a tela do computador no qual digitava furiosamente, óculos reluzindo com a luz artificial que o aparelho produzia.

Era complicado saber seu gênero, quando o perguntavam sempre recebiam respostas diferentes, mesmo que a pergunta fosse feita no mesmo dia ou até mesmo em poucas horas de diferença. Não era o general mais forte em força ou agilidade, sua versatilidade estava nos eletrônicos, sua magia sendo capaz de detectar outras tão facilmente quanto qualquer outro. Como um usuário de manipulação principalmente tecnológico, ao juntar com sua genialidade natural, tornavam-no uma pessoa perigosa. Muitos dos assassinatos que cometeu, muitas vezes, não poderiam ser ligados a ele e não eram diretamente. Chara apreciava seu cérebro e sua frieza, os vários mistérios ao seu redor sendo apenas um bônus, mesmo que tornasse sua lealdade ainda mais duvidosa.

Red se sentou em seu lugar, olhos perdidos ao longe do galpão sem um pingo de comemoração a sua atual vitória. Não era como se também fosse do tipo a gabar-se por cada ganho, principalmente aqueles que a vitória era garantida mesmo antes de começar, mas ainda assim sua atitude era distante, perdida e muito estranha mesmo a sua pessoa introspectiva. Chara o avaliou com cuidado, sua mente vagando para mais probabilidades do que poderia realmente chegar a contar.

— Algo o incomoda, Red? - perguntou, tentando manter seu tom o mais casual possível. Olhos roxos perolados caíram sobre ela por um momento, ondulando em emoções conturbadas antes de dar de ombros, como se sem saber como responder.

— Apenas muito em minha cabeça. - ele resmungou. Chara esperou, percebendo pela linguagem corporal do rapaz não muito distante que ele estava ansioso e, muito provavelmente, por isso, acabaria por soltar o que tanto o incomodava. Depois de alguns segundos ele suspirou. - Senhora, o quanto você sabe sobre sua irmã?

— O que? - Chara não esperava essa pergunta, de tudo que poderia ter vindo a imaginar que ouviria. Seus olhos se estreitaram na direção do rapaz, mesmo que soubesse que muito provavelmente ele não os pudesse ver. - O que aconteceu com minha irmã?

— Nada. Eu apenas... - Red não pareceu nervoso, mesmo com a óbvia ameaça no tom de Chara, ela apenas estava hesitante, pensativo. - Desde que você me mandou vigiá-la eu tenho notado que existe algo... Fora. Inicialmente eu não reparei o que, mas então ela se aproximou e alguns detalhes ficaram mais claros, mas ainda pareciam estranhos. É verdade que ela anda muito cansada e ansiosa, mas existe algo nisso que não parece certo, é como se não fosse por algo que estivesse fazendo, como todos parecem pensar. É como... Como se... Nada a surpreendesse. Ela sempre sabe para onde ir e o que deve dizer, e eu acredito que não teria percebido isso se você não tivesse me pedido para manter meus olhos sobre ela. Às vezes tenho a impressão que ela espera alguma coisa, não sei dizer o que, mas tem aquela inquietação ao seu redor, como se a qualquer momento alguma coisa fosse acontecer, algo que ela não quer. Eu sei que não está relacionado com a escola, ela quase parece não se importar com isso, também não tem nada haver com Sombras da Noite, porque até onde ouvi, ela tem uma grande influencia e poucos arriscariam tocá-la ou mesmo querem. Eu não sei o que é, mas tem... Tem um mistério ao redor dela, como se ela soubesse tudo sobre todos, mas ninguém soubesse nada sobre ela.  

— Você tem certeza que não tem nada relacionado a gangue em que ela está? Algum amigo ou pessoa incomodando ela? – poderia ser sobre todo o incidente de sua família biológica. Chara sabia a história e ela poderia se relacionar a ansiedade de Frisk se esse fosse o caso. Mas algumas coisas não se somavam.

— Não parece ser assim. Ela parece conseguir lidar bem com qualquer um a sua volta, na verdade, é assustador como ela pode realmente manipular uma pessoa para o caminho que ela quer. Não parece que faz isso por mal, nunca causa dano a ninguém, mas sempre... Sempre parece saber muito mais do que fala, muito mais do que deixa transparecer.

Isso não era reconfortante, no mínimo.

Existia apenas uma coisa que Chara poderia pensar que tornaria Frisk capaz de fazer isso tudo, mas não era como se isso fosse possível.

Chara tinha tentado algumas vezes, por curiosidade, ir ao menu, mas algo parecia barrar seu acesso, ela nem ao menos tinha mais certeza se seria capaz de usar do save. Redefinições apenas pareciam... Ilógicas. Chara se lembraria, certo? Ela sempre lembrou antes, porque não o faria agora? Não faz qualquer sentido. Mas como, de outra forma, Frisk poderia agir assim? Algum efeito colateral de vir a esse mundo que apenas agora se mostrava? Não, não parecia assim, já fazia um tempo que ela agia estranho.

Na verdade, agora que colocava-se a pensar, existia muito na forma de agir de sua irmã que não mais condizia com a pessoa que se lembrava.

Existia um leve resquício, mas quanto disso era verdadeiro? Fingir um sorriso era tão fácil e se Frisk realmente parecia saber muito mais do que aparentava e tinha se tornado tão boa em manipular pessoas, então o quanto de sua atitude não era uma fachada? Ela não poderia mentir para salvar sua vida, mas manipular a verdade ainda era um jeito de mentir sem realmente mentir.

O que Chara não estava vendo? O que estava perdendo? O que não sabia?

Inquieta, Chara levantou-se de seu assento, deixando seu lugar de comando sem dizer qualquer palavra. Ela não precisava dar satisfações a ninguém, seus comandantes sabiam o que fazer caso ela não estivesse presente, poderia muito bem deixar o local, não era como se fosse a primeira vez, afinal, criou seu sistema para ser independente, assim, em situações de falta, nada seria prejudicado. Ela ainda era o cérebro no comando e sua palavra era lei, mas atividades poderiam ocorrer sem ela.  

Sua preocupação agora era sua irmã e ela estava determinada a descobrir o que tanto escondia por trás do doce sorriso.

Todos tinham notado seu cansaço, era verdade, o mais difícil era não ver. Novamente, Frisk não sabia mentir para salvar sua vida. Mas todos até então associaram isso a algum tipo de problema que tivesse se metido, instigando-a a se preocupar de mais.

Levando em consideração que era Frisk, não seria de se surpreender.

E sim, talvez estivesse certo e fosse um problema, mas qual tipo de problema? Os resets poderiam realmente estar acontecendo sem que ela soubesse? Mas por que? Como? Por que não se lembraria? Era para se lembrar! O poder era seu também! Mesmo que não o pudesse usar agora, ele ainda lhe pertencia! Estava em seu controle!

Ou então... Poderia ser o tumor?

Seus passos se detiveram no beco o qual passava, as sombras recaindo ao seu redor de modo sombrio, ou apenas parecessem assim pelo novo assunto que lhe havia ocorrido.

Ainda era um assunto muito confuso. Toda essa história de anti-mágia, tumor na alma, problemas de personalidade, pesadelos, descontrole de magia... Parecia tanto sair de algum conto de terror de ficção científica, de algum filme ou série Sci-Fi ruim que era difícil para ela engolir. Se não tivesse visto com seus próprios olhos monstros e almas, se não tivesse visto o vazio e o próprio tumor em questão, ela talvez realmente não tivesse acreditado quando lhe contaram.

Ainda era difícil de entender e Chara estava tentando entrar em um acordo com isso em sua mente. Aparentemente não era algo tão normal que se tornava fácil de achar para pesquisar.

Não era como se estivesse também muito interessada para se dispor a isso.

Gaster tinha, Frisk tinha e...

Ela tinha.

Observando sua alma, outrora vermelha, flutuar a sua frente, Chara avaliou a mancha negra que ocupava quase toda a extensão de sua alma, devorando tudo com um fosco preto gosmento. Ela nunca teve curiosidade de saber o que era, simplesmente tinha aparecido, parecia ser característico de sua alma nesse mundo.

Aparentemente havia surgido nos primórdios de sua infância e evoluído em uma velocidade gradativamente rápida para o estado que estava agora.

Por isso Chara sabia do que era capaz, de como poderia confundir seus sentidos e levar muito mais força para manter-se sã do que inicialmente deveria ser necessário. Algumas vezes ela não lutava, iria junto com as sensações e emoções trazidas. Emoções essas que sabia que não eram suas, sensações vindas daquela estranha mancha, como se tivesse sua própria vontade, como diversas vozes a falarem ao mesmo tempo em sua cabeça, nunca se calando, sempre instigando a tomar atitudes que às vezes nem lhe haviam ocorrido em primeiro lugar. Atitudes normalmente violentas as quais, em algumas situações, eram fáceis de ceder, enquanto outras necessitavam uma grande força para empurrar para o lado.

Chara não poderia deixar de associar isso ao vazio. O sentimento muito familiar, a luta tão conhecida ainda fresca na memória de sua essência. Era como estar de volta, ainda sabendo que não era o caso.

Ela poderia entender se esse fosse o caso. Se a culpa fosse do tumor, tornando-se sempre alerta, sempre atento, lutando contra uma força invisível que a puxava para baixo, para o fundo, sugando sua determinação e suas forças.

Chara odiava isso.

Odiava não sentir-se no controle de si mesma. Odiava não ter controle.

Ela lutou tanto para isso, para poder ditar o que fazia, para sair das garras daqueles que a queriam manipular. Com unhas e dentes ela arrastou para fora disso, mostrou-se mais forte, mais capaz e quando finalmente se viu por cima, parecia que suas funções não pertenciam mais a si mesma, como se fios finos e invisíveis prendessem em seus membros e a jogassem como uma boneca.

Isso a fazia se sentir furiosa.

E essa fúria mesclava-se com as outras que não eram sua, mas estavam em sua alma, tornando-a uma argamassa de ira prestes a explodir.

Talvez isso explicasse muito de sua personalidade, mas ela não se importava, ela era ela e seja o quer for que esse tumor fizesse ela nunca deixaria de ser.

Chegando em casa, observou os arredores, procurando ver se tinha alguém.

A sala estava vazia, não existiam sons na cozinha, o que a fazia pensar que seus pais ainda não haviam chegado, o eu não era de todo estranho. Asgore costumava ficar preso em seu escritório por muito além do horário, tendo diversas questões de infraestrutura para discutir. Era um dos motivos pelos quais Chara não tinha tanta certeza em tomar meios legais também para tomar a cidade.

Muita burocracia e dor de cabeça para seu gosto, preferindo métodos mais rápidos para resolver seus problemas.

Talvez ela deixasse isso para Asriel enquanto controlava os fios por detrás dos panos. Isso era mais sua cara.

Toriel era um pouco surpreendente, vendo como gostava de estar em casa para seus filhos, mas ela nunca recusava ajudar se a pedissem na escola onde trabalhava. Então esse poderia ser o motivo pelo qual não estava.

Seus passos então a guiaram para quarto de Asriel.

Vendo como a porta de seu quarto compartilhado com Frisk estava aberto e ela não se encontrava dentro, supunha que estivesse passando tempo em algum lugar, seja onde for. Ela tinha arrumado tantos conhecidos ou amigos que cada vez se tornava mais difícil adivinhar com quem estaria. Apesar de que, vendo os últimos acontecimentos, por mais que odiasse admitir, era muito mais provável que estivesse com Sans, levando em consideração a quantidade de tempo que desperdiçava com ele.

Ela sentia-se um pouco menos preocupada sabendo que ele realmente parecia se importar com sua irmã. Não que isso a fizesse se agradar do fato de os dois estarem juntos. Seja da maneira que for.

Contudo, agora era uma vantagem que ela não estivesse por perto. Se Asriel estivesse em casa poderiam gastar um momento de qualidade juntos. Fazia algum tempo que não conseguiam estar sozinhos o suficiente para poder aproveitar, e Chara já começava a sentir os efeitos disso.

Ela o encontrou exatamente onde esperava que estivesse: sentado na cadeira de frente para sua escrivaninha, provavelmente a redigir algum trabalho que só seria recebido no próximo mês. Ela sabia todos seus horários e por tal tinha certeza que estaria ali. Mesmo que tivesse amigos na faculdade os quais gostava de sair, Asriel sempre a informava quando isso acontecia, assim como ela gostava de dizê-lo quando não poderia estar em casa no mesmo horário que ele, mesmo que não dissesse exatamente o motivo.

Existiam certas coisas que Asriel não precisava saber e já bastava para ela que Frisk tivesse descoberto o submundo da cidade que Chara comanda, Asriel não precisava ser quebrado dessa maneira também. Deixe-o em sua inocência sobre o mundo. Era assim que Chara gostava dele.

Abraçando-o enquanto ainda estava de costas, Chara afundou o nariz em seu pescoço, aproveitando a tranquilidade que vinha com sua presença. Deliciando-se com o silenciar das insistentes vozes e sentimentos e simplesmente usufruindo do contato quente da pele, do cheiro de seu condicionador floral o qual sempre acabava por implicar com ele depois dizendo ser infantil.

Ela deveria concordar com ele, no entanto, que realmente deixava seu cabelo assustadoramente macio e perfeito para brincar, passando os dedos pelos fios brancos sentindo a textura em sua pele.

— Não ia ficar fora até mais tarde? – Asriel perguntou, voz baixa e tranquila, Chara poderia imaginar perfeitamente o sorriso bobo afeiçoado que tinha em seu rosto, acariciando distraidamente seu braço que envolvia-o pelo pescoço.

Chara resmungou em apreciação pelo contato. Não era uma pessoa muito carinhosa, mas não significa que, em determinados momentos com determinadas pessoas, não gostasse de recebe-lo.

— Os planos mudaram, decidi passar um bom tempo com você vendo que nem nossos pais e nem Frisk estão em casa. – esfregou sua bochecha contra a dele, sentindo seu cabelo fazer cócegas em seu rosto, aproveitando a proximidade para depositar um suave beijo sobre sua cabeça. – Faz um tempo que não aproveitamos um tempo sozinho, sem preocupações.

Asriel cantarolou em acordo, deixando suas coisas de lado, virando-se em sua cadeira para poder abraça-la pela cintura, deixando-a entre suas pernas enquanto passava o nariz por sua clavícula, depositando pequenos beijos aqui e ali nos pedaços de pele que poderia encontrar. Chara, por sua parte, enrolou os dedos em seu cabelo, passando de leve as unhas por seu couro cabeludo, brincando com os fios que se enroscavam em seus dedos, bagunçando-os em sentidos diferentes.

Bem devagar Asriel subiu para seu pescoço, aproveitando o que poderia encontrar, levando seu tempo para aproveitar e explorar, mesmo que já soubesse como a palma de sua mão cada detalhe do corpo que tocava. Suas mãos seguraram cada lado da cintura fina, apertando carinhosamente a carne, subindo e descendo, chegando tão próximo aos seios e ao quadril quanto conseguia.

Chara subiu na cadeira, sentando sobre o colo de Asriel enquanto suas pernas passam ao redor de sua cintura trazendo o rosto para mais próximo a ele, encarando seus olhos castanhos esverdeados com fascínio, tão perto que poderia distinguir perfeitamente cada pequeno detalhe, onde o verde começa a se tornar mais verde ou degradar-se para o marrom. Sua respiração se misturava a dele, o calor aumentando em seu rosto. Se por causa dela ou pela proximidade em si não se dava para saber e também não importava, não impediria nenhum dos dois de continuar.

O beijo que se seguiu foi diferente do que estavam acostumados a ter.

Eles gostavam da pressa, da selvageria, da força e intensidade de seus momentos juntos, sempre feroz, sempre procurando submeter o outro, usando tudo que podiam para ganhar. Começou bem atípico da personalidade de Asriel, muito mais característico a Chara, tão violenta como era, do que qualquer outra coisa. Mas ele aprendeu a apreciar, aprendeu a lutar para impressioná-la, para mantê-la. Seu carinho muitas vezes não chegava a ser gentil e poderia ser facilmente confundido com algo prejudicial, doloroso, mas eles gostavam assim, divertiam-se assim.

Contudo, existiam momentos em que o calmo era preferível. Momentos que preferiam usufruir devagar, apreciando cada detalhe, levando seu tempo para explorar tudo que podiam, decorar cada pedaço para nunca mais esquecer.

Eles tinham tempo. Seus pais não voltariam tão cedo, provavelmente em altas horas da noite enquanto Frisk tinha pego o costume de retornar apenas durante a madrugada, para não dizer que mesmo se estivesse em casa antes disso, estavam no quarto de Asriel onde ela raramente dedicava-se a entrar desde que chegaram a adolescência, a não ser que fosse requerido. Eles poderiam aproveitar despreocupados, deixando-se levar pelo momento, divertindo-se como bem queriam.

— A onde você estava, de qualquer maneira? – Asriel perguntou entre beijos, seus olhos ainda fechados aproveitando cada contado, cada toque.

— Com alguns conhecidos. – não uma mentira. Ela procurava não mentir para Asriel a maior parte do tempo, não queria que fosse necessário, mas novamente existia a manipulação da verdade e Chara também poderia fazê-la. – Apenas desperdiçando um pouco de tempo. Alguns idiotas fazendo baderna, nada muito grande.

— Você gasta muito tempo com esses “conhecidos”.

— Não seja ciumento, eles são apenas um bando de idiotas que precisam de alguém para dizer a eles o que fazer. Igual você era quando mais novo. – Chara riu em deboche, depositando um leve beijo na ponta do nariz de Asriel, nunca perdendo a oportunidade de se divertir com seu passado juntos.

— Eu não era assim! Você que gostava de mandar em mim! – com o rosto vermelho, Asriel retrucou, lábios a amuar em um beicinho infantil.

Não estava realmente chateado, ele sabia o quanto Chara gostava de recordar velhas memórias, como gostava de trazê-las ao presente para provoca-lo. Asriel simplesmente gostava de dar o que ela queria, preferindo quando ela estava no controle, quando dava-lhe toda a liberdade para agir.

— Porque eu sou mais forte, então devo ficar no comando. Você era um bebê chorão, sempre resmungando e lamuriando quando não conseguia me alcançar. Morria de medo de que eu o deixasse para trás. – usando dos polegares, Chara traçou as linhas de seu rosto. Linhas essas as quais já tinha decorado em sua mente, percorrendo o caminho familiar na marca profunda do cenho, penteando as sobrancelhas, descendo pelas pálpebras, recaindo nas rugas de riso em sua bochecha ou na lateral de seus olhos, finalmente detendo-se nos lábios. – Você ficava tão assustado. Como se eu realmente pudesse abandoná-lo.

— Eu sei agora que você nunca faria. Não tenho mais medo. – Chara resmungou duvidosa, seus olhos encarando com descrença seu companheiro, como se procurasse a mentira. – Estou falando sério. Não sou mais um bebê chorão. Agora eu posso acompanha-la.

— A é? Quem disse? – ronronou desafiante, divertindo-se com a forma como o rapaz estufava o peito em uma tentativa de mostrar-se.

Com um sorriso travesso, Asriel se levantou de repente, forçando Chara agarrar-se mais apertado ao redor de seu pescoço enquanto ele os dirigia rapidamente para a cama, derrubando-a sobre o colchão enquanto prontamente postava-se sobre ela, usando de seu peso para prendê-la sob si, mantendo o controle em seus pulsos.

— Eu disse. Sou mais forte agora, posso tomar seu controle.

— Apenas porque eu deixo você tê-lo.

Eles rolaram pela cama, divertindo-se sobre quem dominaria por mais tempo, chegando ao ponto de caírem ao chão, rolando por ele até sentirem-se exaustos, rindo de sua própria brincadeira, como duas crianças que se recusavam a crescer.

Despreocupados eles ficaram no chão, um ao lado do outro, inicialmente procurando recuperar o fôlego e então apenas conversando.

Assuntos triviais do dia a dia. Coisas eu falavam o tempo todo, histórias mirabolantes, inventadas ou contatadas por terceiros, não importava, qualquer coisa era bom, qualquer coisa era suficiente. Seus ombros roçando em um toque leve, carinhoso, acolhedor, transmitindo o calor e a calma do momento, garantindo que o outro ainda estava ali.

Falaram sobre passado, presente e futuro. Divertiram-se com assuntos sérios, zombaram de assuntos idiotas, cutucaram-se e implicaram-se até perderem o fôlego novamente. Às vezes se beijavam, lento ou feroz, calmo ou desespero, não importava, suas mãos entrelaçadas, dedos a brincar uns com os outros, apenas procurando sentir.

Era seu pequeno mundo, seu pequeno momento de felicidade, intimo, mesmo que inocente.

— Falei com um amigo de Frisk hoje. – Chara comentou casualmente depois de um tempo, sua cabeça recostada sobre o peito de Asriel, olhos fechados apenas a concentrar-se nas batidas de seu coração. Ela sentiu as vibrações quando ele cantarolou, indicando que estava ouvindo.

— Qual deles?

— Keith. É um conhecido em comum que tempos. – novamente não uma mentira, mas também não toda verdade. – Ele comentou comigo alguns detalhes, coisas que eu não tinha percebido antes, e agora não consigo parar de pensar... Em todas as mudanças que Frisk teve de repente.

— O que quer dizer?

— Sua apatia constante; A perda de seu brilho e curiosidade sobre as coisas; Seu cansaço; A forma como tão facilmente parece lidar com qualquer um que acabe de conhecer... Comecei a me perguntar se isso poderia ser apenas um reflexo de seu tumor ou se é outra coisa. Não sei como me passou tão despercebido, mas algo se sente diferente nela. Como se fosse a mesma pessoa, mas ao mesmo tempo não. Sinto que não a conheço mais tão bem como fazia antes. – e era a maior parte de sua frustração.

Frisk e Chara costumavam estar de igual para igual, sabendo tudo uma sobre a outra, conhecendo-se tão profundamente que mesmo a indiferença de suas expressões não poderia enganar. Chara orgulhava-se de ser a pessoa eu mais entendia e compreendia Frisk. Apesar de seu começo conturbado as duas tinham uma inegável ligação.

Algo único.

Mas agora parecia que Frisk tinha se afastado e a ligação estava se desvanecendo. Chara se sentia exposta para sua irmã, sem receber nada em troca. Como se não mais pudesse transpassar a barreira que Frisk punha a sua frente, por mais que tentasse.

Às vezes parecia até mesmo não percebê-las. Como se Frisk fingisse tão malditamente bem que enganava mesmo ela. Mesmo Chara.

— Hum... Eu não sei o que dizer. Concordo com você sobre as mudanças e agora que penso mais nisso percebo que foi de uma vez. Em um instante ela era nossa irmãzinha e no outro... No outro às vezes sinto que nem a conheço mais. Mas ela ainda continua sendo nossa irmãzinha e, infelizmente, não podemos fazer muito mais do que esperar que ela se abra para nós. Qualquer outra coisa vai apenas afastá-la ainda mais.

— Mas e se saber nos ajudasse a fazê-la voltar a ser o que era antes?

— Talvez. Mas a que custo? Ela poderia nunca mais confiar em nós.

— Não é como se estivesse confiando muito ultimamente.

— Não sabemos o que ela está passando, Chara. Não podemos julgá-la como se nossas suposições estivessem plenamente certas.

— Mas se ela não nos fala nada, como podemos saber Asriel?! Como podemos fazer qualquer coisa por ela se tudo que ela faz é esconder tudo e segurar o mundo sozinha?! Você sabe como ela é, Asriel. Ela não vai pedir ajuda até ser tarde demais.

— Ainda assim, acho que devemos esperar que ela tome seu tempo, que ela se sinta preparada para falar. Eu não vejo o que mais podemos fazer, também. Segui-la? Ela passa o dia sempre na presença de alguém e tenho quase certeza eu mesmo se nos perguntássemos a eles, eles diriam o mesmo que temos escutado de todos. Que ela está cansada, ansiosa, deprimida... Seja o que for que ela tem é algo com ela, e apenas com ela, tudo que nos resta é esperar que ela se sinta confortável o suficiente para nos falar.

— Isso é ridículo...

O silêncio recaiu logo depois da conversa, ainda abraçados no chão, cada a qual perdido em seu pensamento, vagando no que achavam que poderia estar acontecendo.

Não saberiam dizer por quanto tempo se mantiveram assim, absorvidos no momento, perdidos em seus próprios devaneios, quando finalmente alguém bateu em sua porta, a voz de chamado seguindo logo depois vinda exatamente daquela que era centro de seus assuntos, de seus pensamentos e apreensões do momento.

— Espero que estejam decentes, vim chamar para ver um filme na sala enquanto esperamos pai e mãe voltarem. A pipoca já está pronta e tenho refrigerante. Se não se apressarem ficarei com tudo para mim. – um breve momento de silêncio se passou antes de Frisk prosseguir. – E eu também trouxe chocolate.

Não precisou de mais, Chara estava na sala, acomodada no meio do sofá apenas esperando o filme ser posto, barra já em suas mãos, roubadas de um dos sacos sobre a mesa, sem se preocupar em questionar se realmente eram para ela.

Ora, se foram comprados e entraram nessa casa, então obviamente eram dela! De quem mais seria?!

Acabaram por adormecer na sala, enroscados no calor um do outro, aproveitando esse breve momento de paz.

Chara se sentiu satisfeita. Quando estava com Frisk e Asriel as vozes paravam, sua alma sentia-se mais leve e ela sentia-se mais no controle do que nunca, como se sua mente não pudesse estar mais em seu lugar. Ela faria qualquer coisa para manter isso, qualquer coisa para segurar os únicos que lhe importava, não importava o que fosse, mesmo que tivesse que voltar a velhos hábitos.

Frisk e Asriel eram seu tratamento e ela não precisava de mais nada do que mantê-los ao seu redor.

Ela os manteria seguros, ela lutaria contra qualquer um que tentasse, por qualquer motivo que seja, separá-los, pois eles eram seu sustento, o que a mantinha sã, sua família. Eles a equilibravam e era assim que deveria ficar.   


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vou admitir que fiquei muito ansiosa para voltar a apostar depois que consegui dar o empurrão que precisava.
Espero que tenham gostado e estejam avisados que momentos bonitinhos param aqui ;).
Até a próxima!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "FusionTale" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.