FusionTale escrita por Neko D Lully


Capítulo 22
Outro lado da moeda


Notas iniciais do capítulo

Para aqueles que tanto queriam saber alguns dos mistérios que o Sans guarda, esse capitulo pode ser bem animador. Alertando também que a partir daqui os capitulos ficam bem grandes, então espero que não se incomodem.
Desculpa também para aqueles que eu não respondi comentário, meu computador está com problema para manter a net e não gosto de responder no celular, pq acho que limita bastante o que quero dizer a vocês em seus lindos comentários.
Vou tentar concertar o problema e se não conseguir vou arrumar uma maneira de continuar respondendo vocês.
Sem mais delongas, vamos ao capitulo!



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FusionTale - Outro lado da moeda

— Eu estou tão preocupado com ela, Pap dear. - Mettaton lamuriou, rosto caindo sobre os braços cruzados sobre a mesa. Ele não sabia mais o que fazer, todos estavam preocupados e sem soluções para a situação em que se encontravam. E a pobre estrela estava desesperado! Era insuportável ver um amigo querido seu em tal situação deplorável sem nem ao menos saber como ajudá-lo! Onde tinha ido parar aquele lindo sorriso que conseguia competir com o mesmíssimo sol? Onde tinha ido parar a doce e inocente Frisk a qual ele conheceu anos atrás? De um momento para outro ela tinha mudado tanto. - De um dia para o outro ela começou a falar, não que realmente isso seja um problema, já estava passando da hora de deixar essa doce voz sair e mostrar esses belos olhos, mas tão de repente? Como se não fosse nada?! Ela tinha me contado uma vez que era por que trazia memórias ruins, então por que agora parece que não importa mais? Nem mesmo sabemos o que aconteceu com ela antes de aparecer na porta de Toriel e Asgore! Seu sorriso é visivelmente falso, ela mente muito mal quando diz que está bem, quando fala parece que tem séculos de idade e não apenas dezessete. E não como se fosse apenas isso!

Papyrus escutava, um sorriso triste em seu rosto, sem saber exatamente como ajudar o namorado nessa situação. Frisk foi aquela que os havia apresentado e os empurrado juntos. Papyrus nunca se sentiu tão feliz em toda sua vida por não apenas conseguir conhecer a grande estrela Mettaton a qual era originalmente seu ídolo, como também teve a oportunidade de aprofundar-se nessa relação a tal ponto em que ambos agora ostentavam orgulhosamente o titulo de namorados. Mas, infelizmente, apesar de acreditar ter grandes conselhos e boas respostas, Papyrus não sabia o que fazer naquele momento. Ele tinha problemas para lidar com seu próprio irmão!

— Ela age como se nada mais importasse, os olhos dourados tão lindos parecem mortos para o mundo! Nada parece surpreendê-la e sempre que vamos a algum lugar novo na cidade ela parece saber exatamente onde está e para onde tem que ir! Ela tem se fechado no porão, Paps, no porão! Ninguém sabe o que ela faz lá, ela pegou a chave e não deixa ninguém entrar! Chara já falou que tem noites que ela não volta para o quarto, fica naquele lugar sem dizer nada a ninguém. Ela volta tarde da noite, eu não sei quantas vezes tive que mentir para Toriel dizendo que ela estava com Blooky na nossa casa. - Mettaton não iria chorar, mas sua preocupação deixava sua voz embargada pela mágoa. Por que Frisk não contava nada? O que estava acontecendo? Ela teria se metido em alguma coisa ruim? Pelos deuses! Estavam falando de Frisk! Era a garota mais meiga e correta que já tinha conhecido, ela não poderia fazer nada que fosse considerado errado... Poderia? - Não importa quantas vezes eu pergunte, ela sempre esquiva do assunto, ela sempre foge. Eu pensei que éramos amigos, que ela me diria tudo assim como conto tudo a ela! Mas... Eu não sei mais quem é ela... Não é a minha Frisk. Eu não sei mais o que fazer. É como se a tivessem trocando com um robô!

— METTA, POR MAIS QUE EU, O GRANDE PAPYRUS, MUITAS VEZES TENHA GRANDES CONSELHOS E RESPOSTAS PARA DAR, DESSA VEZ EU NÃO SEI COMO POSSO AJUDAR. - Papyrus arrastou a cadeira para mais próximo do moreno, um de seus braços envolvendo-lhe o ombro com carinho. Mettaton se aconchegou ali, olhos perdidos sobre a mesa do restaurante em que estavam. - SANS ME CAUSA OS MESMOS PROBLEMAS. ELES NEM SE CONHECEM E SÃO EXTREMAMENTE PARECIDOS, EU SEI, MAS ACHO... ACHO QUE CERTAS COISAS NUNCA VAMOS SABER, MESMO QUE A PESSOA SEJA PRÓXIMA DE NÓS. APENAS PODEMOS ACREDITAR NELA E CONFIAR QUE UM DIA ELA VAI CONFIAR EM NÓS PARA CONTAR SEUS SEGEDOS.

— Acho que tem razão, Pap.- Mettaton fungou, apesar de nenhuma lágrima ter escapado para não estragar sua imaculada camada generosa de maquiagem seus olhos ainda encontravam-se cristalinos e a voz vacilante. Ele sorriu para Papyrus, um pequeno sorriso agradecido, enquanto suas mãos eram colocadas juntas, dedos entrelaçados em um aperto firme. - Desculpe te incomodar com meus problemas, Pap dear.  

— NÃO TEM QUE SE DESCULPAR! EU ME PREOCUPO COM VOCÊ E FRISK E QUERO SABER SEMPRE QUANDO PRECISAM DE AJUDA, SEJA NO QUE FOR. COMO POSSO SER TÃO GRANDE SE NEM MEUS AMIGOS PODEREI AJUDAR? - um singelo sorriso escapou de Mettaton, coração palpitando loucamente em seu peito. Esse charme carinhoso de Papyrus sempre o atraia, era tão meigo apesar de ser tão vaidoso. O moreno não entendia como muitas pessoas resistiam a esse jeito do namorado. - POR ISSO ME SINTO UM POUCO MAL. ESCUTAR VOCÊ FALANDO ASSIM DE FRISK, QUE DEVERIA SER MINHA MELHOR AMIGA, E EU MESMO NÃO SABENDO DE NADA, NUNCA REPAREI... EU DEVO SER UM AMIGO TERRÍVEL.

— Não! Pap, isso não é verdade! - apressou-se em dizer Mettaton. Ele odiava ver o enorme albino deprimido, eram momentos raros que conseguiam deixá-lo assim e a estrela começava a arrepender-se de seu desabafo. Ele deveria ter imaginado que Frisk se esforçaria mais perto de Pap para não deixá-lo preocupado. De todos ele era o que mais visivelmente seria afetado com sua mudança, sem falar de sua já preocupação com seu irmão mais velho. Frisk já deveria ter ouvido muito sobre ele, apesar de nunca tê-lo conhecido.  - Você é como um irmão para Frisk, os únicos momentos que ela realmente parece sorrir de verdade é ao seu lado, me dá até um pouco de inveja. Eu tenho certeza que com você, qualquer que seja o problema que a esteja deixando tão diferente, some, porque você é um grande amigo, Pap Dear.

Apenas com aquilo Papyrus aparentou estar um pouco mais animado, no entanto, Mettaton começou a conhecê-lo melhor. Papyrus era do tipo de pessoa que facilmente poderia ser confundido com pessoas desapercebidas, que perdiam detalhes óbvios com facilidade e mantinham-se alheios a determinadas situações. Entretanto, não era bem assim. Sua cara de bobo inocente ajudava bastante a esconder sua perspicácia, tanto que era fácil para ele perceber seu irmão mais velho quando o estava seguindo em um de seus encontros. Era fácil para Paps saber quando alguém estava triste ou preocupado. Ele sabia quando seu pai precisava de uma boa xícara de café ou quando seu irmão precisava de bons remédios para dor de cabeça, mesmo que ambos negassem firmemente que estavam bem. Paps sabia quando Mettaton não estava feliz com seus shows, mesmo que orgulhosamente falasse de cada um deles. Ele sabia quando era o momento de abraçar e quando era o momento de dar conselhos.

Papyrus era uma pessoa atenta aos detalhes, por mais que fosse fácil negar.

Mettaton começava a perceber que o pequeno e bobo Papyrus poderia ser um adulto bastante responsável e esperto quando queria, ele apenas não demonstrava muito. Talvez porque suas atitudes brincalhonas faziam mais pessoas rirem, ou apenas porque gostava delas, talvez Mettaton nunca soubesse ao certo. Ele apenas sabia que era desse jeitinho que ele gostava de Papyrus, não mudaria nada nele.

Um beijo casto na bochecha pálida tanto como uma forma de agradecimento como de encorajamento era o suficiente para tornar o branco em vermelho, gagueiras desconexas e sem sentindo escapulindo em frases mal formuladas. Era tão fofo! Mettaton poderia provocá-lo o dia inteiro e não se sentiria cansado.

— Com licença, senhor. - uma garçonete havia se aproximado, meio sem jeito, seu rosto corado e braços bem apertados na saia a qual usava. Seu rosto mostrava se tratar de uma funcionaria bem jovem, talvez nova no lugar. Mettaton subiu o olhar para ela, esperando que continuasse o que tivesse a dizer. - Eu sinto muito em dizer, mas alguns clientes estão pedindo para o senhor e o seu... companheiro se retirarem. Estão incomodando.

Mettaton parou um tempo para pensar, seus olhos rapidamente buscando pelo enorme salão onde as mesas se encontravam dispostas para os clientes, facilmente encontrando um pequeno grupo de pessoas não muito afastados de onde estavam. Olhares de canto, mal encarados, com desgosto e repreensão voltados na sua direção e na de Pap. Não foi muito complicado compreender, em seguida, o que realmente estava acontecendo ali. Afinal, a única forma daquela funcionária ter percebido que ele era homem, da maneira em que estava vestido, era se mais alguém tivesse dito, alguém que o estivesse observando com atenção.

Motivos? Mettaton nunca entenderia porque pessoas como essas gostariam de implicar com aquelas que apenas estavam vivendo suas vidas. Pap poderia falar alto, mas ele sempre conseguia ajustar o timbre para um em que não incomodasse em lugares públicos. Não era ele, o que realmente estava incomodando era dois homens sentados juntos como um casal. Mas tudo bem, a estrela tinha suas maneiras de lidar com situações assim.

— Apenas um minuto, minha querida. - Mettaton se levantou, todo elegante como sempre, corpo invejável e atrativo chamando a atenção de mais de um ali, voz de veludo novamente tocando em um tom de advertência. Se era guerra que queria, era guerra que iriam ter.  Mas deveriam saber depois que Mettaton não era o tipo de pessoa que calava-se com acontecimentos. - Me espere aqui, por favor, Pap Dear. - inclinando-se delicadamente, a estrela depositou um rápido beijo no albino, nada mais do que alguns segundos de contato antes de voltar a se levantar e caminhar com a atendente para uma parte mais distante, a mesma a tremer como uma folha. - Sinto muito por todo esse inconveniente, querida, sei que a culpa não é de vocês. Mas... Entre nós... Não acho que seria uma boa ideia escolher a nós ao invés deles.

Mettaton puxou um pouco de seus óculos escuros para baixo, levantando ligeiramente seu chapéu para dar melhor vislumbre de seu rosto bastante conhecido. A garota chiou em reconhecimento, rosto corando como nunca enquanto um enorme sorriso ansioso surgia em seus lábios. Mettaton percebeu que ela estava bem prestes a ter o típico ataque de fã, quando ele levou um dedo aos lábios, mostrando que queria sigilo, acompanhado de um rápido piscar de olho respondido com um suspiro sonhador. Ele nunca se cansaria de causar tais reações.

— Então, o que acha? Quer perder um cliente como eu ou clientes como eles?

— Eu sinto muitíssimo! Pode voltar a se sentar, eu irei falar agora mesmo com nossa gerente para resolver o seu problema! - a garota se apressou nas palavras, corpo quase saltitando no mesmo lugar, visivelmente animada.

— Muito obrigado, honey~. - Mettaton cantarolou voltando em um rebolado constante para sua mesa, acomodando-se ao lado de Papyrus que pacientemente o esperava. Não muito tempo depois a garçonete voltava, desse vez para a mesa que anteriormente havia reclamado. Mettaton conteve um enorme sorriso de escárnio quando os viu sendo obrigados a sair, passando por sua mesa com olhares mal humorados.

Oh! Claro que não poderia deixar de provocá-los. Mettaton sempre achou que se encarava de mais era porque queria ver alguma coisa de interessante, e ele sabia bem como mostrar algo bem interessante. Delicadamente, ainda assim de forma apressada, puxou o rosto de Papyrus para o seu, um beijo profundo. Um de seus olhos, porém, manteve-se aberto para encarar com desdém as pessoas ainda a sair, testas franzidas em visível demonstração de nojo.

Papyrus não se importou nem um pouco, tanto por ter ganhado um beijo deveras delicioso, como por ter se livrado de um problema. Ele obviamente sabia o que estava acontecendo, apenas preferia pelo método de ignorar e simplesmente fingir que estava tudo bem, muitas confusões já foram evitadas por conta disso e ele não via problema em continuar praticando. No entanto, se Mettaton queria fazer dessa maneira, quem seria ele para impedir? A questão foi solucionada da mesma maneira sem mais inconvenientes, então tudo estava bem e ele poderia aproveitar de seu encontro novamente.

Ainda que estivesse preocupado que dessa vez Sans não tivesse aparecido. O que o faria desistir de persegui-lo?

— Tudo bem, Pap? - a voz de Mettaton o trouxe de volta de seus devaneios, um sorriso constrangido tomando-lhe a face.

— M-MAS É CLARO! O GRANDE PAPYRUS SEMPRE ESTÁ BEM! - exclamou, tentando inutilmente manter a compostura, ainda assim, Mettaton o encarava preocupado e Paps sabia que não poderia mentir. - EU APENAS ESTAVA PENSANDO NO MEU IRMÃO. ÀS VEZES GOSTARIA DE SABER O QUE ELE FAZ QUANDO NÃO ESTÁ POR PERTO. SEMPRE FICO COM ESSE ESTRANHO SENTIMENTO DE QUE ELE ESTÁ SE METENDO EM ALGUM PROBLEMA...

— Eu entendo, Pap Dear. Sinto a mesma coisa com Frisk. - Mettaton segurou com um pouco de força a mão de seu companheiro, sorriso acolhedor em seu rosto. - Mas, como você disse, apenas podemos confiar neles.

O único porém nessa história era que, muitas vezes, os problemas simplesmente caiam sobre Frisk. Desde o momento que ela caiu no subterrâneo, ela percebeu que, não importava o que ela fizesse, os problemas pareciam simplesmente cair sobre sua cabeça como chuva em uma noite de verão. Nesse universo não seria diferente.

Ainda assim, diferente do underground, as maiores dificuldades de Frisk haviam sido se livrar de valentões tanto fora como dentro da escola e, apesar das lições de Undyne tornarem bastante fácil o simples escapulir de tais situações, muitas vezes, Frisk simplesmente deixava-se bater, apenas para ter certeza que ainda poderia sentir. Tantas redefinições começaram a mexer com seus sentidos, depois que decidiu não se importar era ainda mais complicado acreditar que tudo realmente estava acontecendo da forma como estava acontecendo. Por mais doloroso que fosse para seu corpo, ainda era uma maneira de mostrar que tudo era real, que ainda estava respirando e vivendo redefinição após redefinição e não em um pesadelo.

Ela apenas não sabia dizer se realmente tal constatação era boa ou ruim.

Seja como for, aquele momento, final de tarde no meio do mês de março, Frisk sempre se deparava com a mesma situação. Ela voltava da escola com Tinn e Blooky, passando pelo mesmo caminho que sempre tomavam, dessa vez, no entanto, ao passar de frente a uma loja qualquer no centro da cidade, conseguem ver um garoto um ano mais novo do que eles de sua mesma escola rodeado pelos mesmo valentões que incomodavam o pequeno grupo em diversas outras vezes. E era aí que Frisk tinha que escolher entre as seguintes opções de ação:

Ignorar e seguir seu caminho junto com Blooky e Tinn sem interferir no problema dos outros, salvando-se de uma bela dor de cabeça e muitas vezes hematomas também.

Interferir para ajudar o garoto, levando o que ele receberia em seguida, talvez ainda pior.

Frisk normalmente seguia essa sugestão.

Interferir para ajudar o garoto, chamar a atenção para si e então escapar pelos becos da cidade os quais conhecia perfeitamente bem.

Durante todas aquelas redefinições Frisk procurou conhecer tudo que podia de onde morava, tanto que ela muito bem poderia facilmente desenhar um mata indicando todos os atalhos e melhores rotas para se seguir, independente do que quisesse. Isso acabou por derivar em longas caminhadas noturnas, simplesmente para despejar a mente e conseguir pensar melhor.

Ela tinha a escolha de lutar, mas conhecendo Frisk, qualquer um poderia dizer que essa era uma escolha relevante. Apesar de sim ter a capacidade de enfrentar cada um daqueles garotos que tinham quase o dobro de sua maça muscular, Frisk não gostava de usar da força. Existiam métodos melhores, ela sempre acreditaria nisso, independente do numero de redefinições e frustrações.

Dessa vez ela preferiu pela terceira opção. Ela não queria ter que explicar os hematomas quando voltasse para casa e seria sempre bom gastar um pouco de energia acumulada, facilitaria para manter a calma. Uma corrida antes de voltar para casa, qual seria o problema? Em um murmuro pediu para que Blooky e Tinn fossem em frente enquanto ela resolvia aquele assunto. Eles ainda hesitaram por um tempo, Tinn muito inclinado a protestar e manter-se com ela para a suposta briga, entretanto, antes que pudesse abrir a boca para argumentar Frisk já estava atravessando a rua para encontrar-se com os rapazes, mochila bem preparada em suas costas para que não fosse derrubada durante a correria.

— Ei! - gritou, assim que se viu alguns metros de distancia do grupo. Os garotos ergueram  a cabeça para encará-la, enquanto o mais novo tremia no chão com suas coisas completamente espalhadas. Frisk manteve a pose altiva mesmo depois de ver a aproximação de cada um deles em sua direção, sorrisos maliciosos no rosto. - Deixem o garoto em paz, o que vão ganhar com isso? Parem de ser tão idiotas!

— E a mocinha do grupo nerd vai nos fazer parar? - o líder do grupo se aproximou, postando-se bem na frente de seus companheiros. - Ou você vai querer tomar o lugar dele? Eu tenho certeza que com você podemos nos divertir ainda mais.

Aquele parecia não ser um dia muito favorável para escolher usar shorts. Ainda assim Frisk não vacilou, braços cruzados na frente do peito e cabeça erguida, coração bombeando a adrenalina para todas as áreas conhecidas de seu corpo, preparando-a para fugir.

— Vocês não seriam nem capazes de me pegar. Sou um desafio grande de mais. - ela provocou, sorriso zombeteiro desenhado no rosto. Dizer que havia conseguido mais do que a atenção de cada um deles era pouco. Frisk sabia que não deveria ser sua ideia mais inteligente provocar pessoas que tinha a capacidade de dá-la uma boa surra, ainda assim não existia outra forma de conseguir ter toda a atenção deles. Por isso ela continuou, tomando todos os riscos seguintes: - Eu os irritei? Sim, com certeza irritei. Mas não fiquem assim, apenas digo a verdade. Mesmo que quisesse, não conseguiriam encostar um dedo em mim e eu nem preciso lutar contra vocês.

— Você acabou de assinar seu atestado de morte, cadela. - assobiou o líder do grupo, cenho franzido ao ponto dos sucos da testa se assemelharem muito a grandes valas. Frisk sorriu com desdém, erguendo o queixo em sinal de desafio. - Logo seu sorriso vai cair e nem mesmo sua própria mãe vai conseguir reconhecer seu rosto depois. Tenha certeza.

— Ameaças vazias! Primeiro vão ter que me pegar.

E sem mais Frisk disparou pela cidade utilizando de uma curva fechada para dentro de um dos becos próximos, prontamente ouvindo o chiado e estrondos dos outros cinco tentando segui-la. Ela não admitiria, mas realmente ansiava por algo assim, por uma emoção que fizesse seu coração ir a loucura dentro de seu peito. Tudo era tão previsível, ela sempre saberia o que iria acontecer no dia seguinte cada vez com mais detalhes, por mais distante que ela fosse na linha do tempo. Ela sentia falta da emoção do inesperado, do que poderia surgir ao despertar, do desconhecido. Provocando-o não era a mesma coisa, mas chegava perto e era tudo o que precisava para manter-se sã.

Respirando fundo ela saltou por cima de uma das enormes caçambas de lixo, tentando segurar as gargalhadas que escaparam assim que ouviu o amaldiçoar alto logo atrás, aparentemente alguns dos garotos não tinha conseguido acompanhá-la em sua proeza e acertou o metal com toda força de sua velocidade. Ainda lhe restavam quatro, e muito capaz que, se o quinto não tivesse se machucado muito, logo voltaria a fazer parte da perseguição.

Eles deveria estar, se Frisk tinha conseguido calcular bem na ligeira espiada que deu por cima do ombro, uns três a quatro metros de distancia, não muito longe, mas também não muito perto. Ela poderia despistá-los, mas qual seria a graça? Era bem mais interessante costurar por entre os becos e ruas, entrando em vielas estreitas, desviando de lixos e escorregando por entre as áreas mais avariadas da cidade, com blocos de concreto soltos e buracos proeminentes nos passeios os quais passavam. Algumas vezes, em um prédio ou outro que formava as paredes estreitas dos becos, era possível ver pedaços de metal, vindos de canos quebrados, atravessavam seu caminho e com o céu escurecendo era cada vez mais difícil vê-los. Havia aqueles em que, qualquer arranhão poderia dar um sério problema com tétano depois.  

Frisk sabia para onde ia, cada curva, cada deslizar de pés para caminhos diferentes ela reconhecia o lugar, sabia onde estava e para onde deveria ir em seguida. Ela conhecia cada rota, cada beco, cada rua, cada prédio... Tantas vezes que passou naqueles lugares, tantas vezes que os visitou em outras linhas do tempo a faziam ter uma boa recordação do mapa do lugar. E ela não estava cansada. Oh! Nem um pouco cansada. Ela poderia continuar correndo pela cidade durante mais alguns horas antes de finalmente suas pernas cederem a exaustão. Ela treinava com Undyne! Pelos Deuses! Qualquer um pediria clemência nas primeiras semanas.

Em contrapartida os cinco que a seguiam já começavam a bufar, suor a escorrer-lhes pelo rosto e passos diminuindo, a distância aumentando em consequência. Ela sabia que eles não durariam muito tempo mais, terminar com aquilo agora não teria mal algum apesar de ainda ter energia para gastar. Oh, bem! Ela sempre poderia usá-la para voltar para casa.

Deslizando para dentro de mais um beco prontamente saltou para uma escadaria de incêndio de um dos prédios, o som metálico a ranger com o peso novo e abrupto que foi posto sobre ele, ainda assim era resistente o suficiente para manter-se firme em seu lugar enquanto Frisk subia apressada. Não muito tempo depois a escadaria tremeu detendo a garota por alguns instantes em sua escalada para olhar para baixo, apenas para confirmar sua suspeita de estar sendo seguida pelos cinco garotos, ainda determinados a apanhá-la, um de cada vez avançando os degraus em sua direção.

O que eles não haviam reparado e que Frisk sabia era na outra escadaria, paralela a que estava subindo bem presa as paredes do prédio ao lado em uma distância de não mais do que dois metros e meio. Para Frisk não seria difícil saltar, ela só precisava de um pouco de impulso, ainda assim ela havia subido muito e se caísse seria seu fim.

O pensamento ainda lhe fez soltar um bufo divertido. Qual seria o problema de cair? Se morresse ela voltaria, se ficasse o mundo reiniciaria em algum momento e ela voltaria sem quaisquer sequelas do que tinha acontecido ali. Não havia motivos para não arriscar e a adrenalina do momento era viciante. Ela conseguiu ouvir os rosnados a baixo, bem próximos, ela não tinha muito tempo se ainda queria escapar então, sem pensar muito mais, balançando o corpo na escadaria na qual se mantinha, utilizou de todas as forças de suas pernas para jogar-se ao outro lado, atingindo o metal frio com força o suficiente para machucar-lhe um pouco. Ainda assim havia conseguido superar a distância, Undyne se sentiria orgulhosa.

Suas mãos, inicialmente, haviam escorregado das barras em que se segurava, coração indo a loucura nos poucos segundos que precisou para recuperar o equilíbrio e voltar sua escalada, chegando ao topo do prédio não muito tempo depois. Frisk tinha certeza que, mesmo que o pequeno grupo tentasse manter a perseguição, não conseguiriam alcançá-la e com facilidade ela poderia se esconder ou manter um caminho diferente, eles nunca chegariam no topo do prédio tempo suficiente para saber.

E, mesmo que conseguissem ser inteligentes o suficiente, o que Frisk duvidava, para pensar que ela apenas tinha a possibilidade de descer pela escadaria de incêndio do outro lado ou que ela mantinha-se sem saída no topo, eles ainda estariam terrivelmente errados. Frisk sabia que a distância entre as construções não variavam muito da que anteriormente havia saltado e que com um impulso certo ela facilmente poderia pular de um telhado para  o outro. Como a maior parte tinha ou tamanhos iguais ou eram ligeiramente mais baixos sua passagem de telhado em telhado era ainda mais fácil.

E era divertido, depois que se pegava o jeito, ficar simplesmente encarando a cidade desde o topo, mesmo que fosse pela vista noturna era uma visão privilegiada e um caminho encurtado. Muitas vezes você poderia economizar uma longa caminhada apenas saltando por sobre os prédios, sem falar de em partes mais conturbadas da cidade ser capaz de evitar confusão.

Frisk procurou adiantar-se um pouco do caminho sobre os telhados, aparentemente em toda sua euforia ela tinha avançado muito e agora estava bem próxima as periferias. Não que fosse muito complicado. A construção dos bairros da cidade era um pouco estranha, tanto o centro como Snowdin e Hotland conseguiam ter contato com as periferias que muito facilmente poderiam confundir-se com as Ruínas. A cidade estava crescendo, os costumeiros bairros não poderiam comportar a superpopulação e, por tal, os menos favorecidos acabavam por montar suas casas ao redor dos bairros originais ligando-se as Ruínas. Muitas dessas pessoas eram possuidores de magia, refugiados de outras localidades menos tolerantes a tal minoria.

Ainda assim, com o crescimento exorbitante da população, em consequência, vinha a violência. Um único governo, por mais benevolente que fosse, não poderia olhar por todas as pessoas que chegavam, principalmente clandestinamente. Assim, quanto mais fora da cidade você estivesse maior seria o índice de criminalidade.

Se Frisk estava bem informada, o que ela acreditava que estivesse, as periferias passaram a ser "governadas" por grupos de gangues que muitas vezes eram capazes de ter influências externas, importando e exportando não apenas drogas químicas e mágicas, como também armamento. Eles controlavam todo o comércio da região a qual tinham baixo comando, eles garantiam a segurança e resolviam os conflitos das pessoas que ali moravam, Frisk já soube de alguns que cobravam impostos por apenas mantê-los vivos.

Muitos dos que participavam de tais gangues tinham magia, talvez, Frisk pensava, por não terem muita escolha. Ainda era complicado alguém que tinha magia arrumar algum tipo de emprego, mesmo em Ebott. Eles eram temidos, descriminados e muitas vezes jogados fora pela sociedade. Medo talvez, quem tinha magia sempre teria uma vantagem a mais sobre aqueles não a possuíam, propriedades de almas ainda eram confusos e nebulosos, informações eram complicados de serem passadas para ignorantes e era assim que começavam os preconceitos, o medo pelo desconhecido. As gangues muitas vezes eram um refugio, uma proteção para eles, mesmo que tivessem que seguir fora da lei ainda poderiam viver.

Que Frisk sabia eram duas as maiores gangues da cidade, comandavam a maior parte das periferias e existiam boatos que diziam que já estavam começando a expandir-se para mais adentro da cidade ou que já tinham dominado as Ruínas também, Snowdin seria o próximo. Frisk não sabia até onde aqueles boatos poderiam ser verdade, mas manter-se ali nunca era uma boa ideia, por mais que já tivesse atravessado aquela área centenas de vezes antes. Ladrões e assassinos seria o mínimo que encontraria ali.

Era uma região que dava o verdadeiro sentido a "matar ou morrer". Frisk sabia que vivia em uma parte muito privilegiada da cidade, ela sabia que existia ainda a podridão onde morava e não mudaria de uma noite para o dia, ela teve tempo para aprender. Ainda assim ela nunca se aprofundou muito naquela parte da cidade. Era normal, afinal, quem queria saber de coisas que seriam capazes de facilmente fazer-lhe vomitar todo seu almoço? Manter-se ignorante às vezes parecia ser o melhor.

Ainda assim, ninguém poderia se manter longe por muito tempo, muito menos Frisk. Como já foi dito, ela era um imã para problemas e o maior deles, com toda certeza, estava pronto para arrastá-la para o mais fundo de suas entranhas naquele exato momento.

Ela tinha descido do telhado, não muito longe do começo do bairro New Home, seu estomago já roncando pela ansiedade de alimentos. O exercício havia sido bom para abrir o apetite e poderia até mesmo imaginar a deliciosa comida que sua mãe teria feito para aquela noite. Não estava tão tarde, sua correria deveria ter durado no máximo uma hora e por tal o céu ainda tinham uma cor ligeiramente arroxeada, pronto para entrar no azul escuro estrelado. Dessa vez não teria que responder as perguntas de onde estava ou o que estava fazendo ou ainda receber uma mensagem de Mettaton dizendo que havia mentido para usa mãe dizendo que estava em sua casa.

Frisk realmente esperava uma volta sem quaisquer tipo de inconvenientes.

No entanto, quando estava quase na divisão entre os bairros ela percebeu o movimento estranho na rua na qual passava. Era um esgueirar entre becos, a sensação quase esquecida de estar sendo vigiada provocando os pelos de sua nuca a arrepiarem-se. Seus sentidos passaram a estar mais alerta, os passos aumentando a velocidade enquanto em sua mente torcia para conseguir chegar em casa, era tudo o que ela pedia.

Infelizmente, não muito tempo depois, ou ela pensava que não tivesse sido muito tempo, sua noção de tempo havia se perdido com toda a tensão, os movimentos que antes identificava à suas costas agora estavam visíveis também a sua frente. Não era complicado identificar, apesar de obviamente tentarem manter-se ocultos, Frisk tinha bons olhos, principalmente depois que foi forçada a desviar dos objetos que Undyne costumava jogar-lhe durante os treinos. Por sorte ainda não eram lanças... Ainda. Frisk começou a notar que Undyne frustrava-se por não conseguir atingi-la. Talvez não demorasse muito para que fosse forçada a esquivar por sua vida.

Seja como for ali estava ela agora, rodeada pelo que parecia ser seis pessoas, duas mulheres e quatro homens, nenhum deles portando qualquer tipo de arma visível, mas ainda tendo a possibilidade. Frisk poderia adivinhar que faziam parte de uma gangue, apenas esse tipo andava em grupo, ainda assim era uma mudança considerável no cronograma. Ela não pensou que afastar-se tanto assim da região central da cidade poderia levá-la a tal ponto. Bem, isso não importava agora, Frisk apenas queria ir para casa sem ter que morrer no caminho.

— Você vem com a gente, boneca. - um deles havia dito, Frisk não soube dizer exatamente qual, seus olhos estavam mais preocupados em avaliar a situação em que se encontrava agora.

O primeiro de tudo era manter a calma, ela poderia fugir, ela não era mais a mesma que caiu no underground a primeira vez ou que havia despertado nessa linha do tempo. Ela mudou, evoluiu e cresceu, ela tinha mais determinação do que nunca e a habilidade para continuar a seguir em frente por conta própria, mesmo em um mundo de "matar ou morrer", mesmo também que não fosse apenas morrer. Ela poderia lidar com isso.

Com um respirar profundo e um expirar lento ela controlou as batidas de seu coração, mãos ajeitando novamente a bolsa que permanecia em suas costas, livros pesando os ombros, sua sorte que haviam apenas dois. Sua mente tentou despejar-se apenas para os sentidos, sejam eles quais forem. Tudo que tinha a fazer era desviar do que precisava ser desviado e avançar. Não deveria ser mais complicado do que escapar de uma chuva de lanças ou ossos em sua direção. Ela poderia fazer isso.

O primeiro avançou, mãos erguidas em sua direção com a pretensão de agarrá-la, mas Frisk recuou um passo para longe, saindo do limite de alcance do rapaz. Ele franziu o cenho em sua direção, Frisk mantendo-se com as feições imutáveis, apenas esperando o que se seguiria. Ele tentou novamente e Frisk mais uma vez escapou de seu alcance. Mais uma e ela lhe deu a volta, rodopiando em seus pés para encontrar-se agora de frente para as costas de seu adversário. Ele praguejou em resposta, fazendo um sinal para outros se aproximarem.

Mais dois avançaram com movimentos rápidos, tentando pegá-la, mas Frisk estava acostumada a ser ágil e conseguiu desviar com maestria, deslizando para fora do circulo. Ela estaria preparada para correr quando sentiu seu cachecol sendo puxando para trás, arrastando-a junto. Frisk cambaleou novamente para dentro da roda, sua roupa sendo largada para que voltassem a se aproximar dela, procurando agarrar agora seu braço, porém, novamente, Frisk esquivou-se.

Ela não usava muito de suas mãos, bem pregadas ao corpo, preparadas para empurrar quando precisasse ou defender qualquer área de seu corpo de um golpe iminente o qual não poderia esquivar. Por quanto tempo, no entanto, ela ficou nessa dança ela não sabia, o que ela poderia dizer era que sua vantagem começou a perder-se quando sentiu o estalo de magia em seus pés, apesar de seus tênis ela deslizou por sua pele e subiu como um arrepio incomodo. Segundos depois estava a saltar para fora de braços de concreto saídos do chão, como se fizessem parte dele.

Era um magia como a dela, criação e moldagem, mas ainda mais avançada. Frisk precisava, na maior parte das vezes, tocar no objeto para moldá-lo, o usuário daquela magia, no entanto, simplesmente precisava focar sua magia para poder moldar o que queria. A partir daquele momento, entretanto, ela percebeu que estava começando a se cansar. Lutar contra seis pessoas e ainda usuários de magia poderia ser de mais para suportar por muito tempo, mas ela ainda estava determinada! Tudo que precisava era sair da roda e disparar a correr na direção do centro. Talvez nisso ela poderia abrir novamente uma vantagem.

A esperança acabou quando conseguiram, de alguma forma, jogar-la contra uma das paredes dos prédios próximos. Pela falta de ar com o impacto e a leve tontura que lhe açoitou por conta da batida na cabeça seu corpo levou mais tempo para reagir ao que se seguiu, consequentemente levando a sua própria captura por braços fortes vindos do concreto do prédio, envolvendo seus braços e cintura em um abraço firme.

— Finalmente te pegamos... Vadia... - bufou um dos rapazes, visivelmente cansado de ter saltado de um lado para outro em uma inútil tentativa de pegá-la. - É melhor isso valer a pena.

— Mas é claro que vai! Imagina como Chara vai reagir quando souber que sua preciosa irmãzinha está em nossas mãos! - vangloriou o mais alto do grupo, aproximando-se com cordas em sua mão. Ele sorriu, um sorriso amplo e cheio de dentes, abaixando-se orgulhosamente no que deveria pensar que era seu premio. Frisk manteve-se quieta, encarando-o atentamente, suas perguntas sobre Chara estalando em sua mente. - Esse é nosso bilhete para a conquista de toda a periferia. Seremos definitivamente a maior gangue de toda a cidade!

— Não sei se o chefe vai gostar muito disso... - resmungou uma das mulheres presentes, revolvendo-se inquieta em seu lugar enquanto observava o companheiro amarrar com dificuldade Frisk. Ela não facilitaria o trabalho deles, de forma alguma. - Estamos fazendo isso sem a permissão dele... E se...

— Não seja covarde agora. Quando mostrarmos a ele que podemos conquistar as áreas de Chara também não tenho duvidas de que ele ficará feliz. Talvez até nos promova! - exclamava a outra mulher de forma alegre. Frisk ainda assim conseguia ver a duvida nos olhares de outros membros, dos seis, apenas três pareciam realmente determinados e confiantes no que faziam. - Por que demora tanto para amarrá-la? Minha magia não vai durar para sempre!

— Ela não para de se mover! - retrucou o mais alto do grupo, Frisk sacudiu novamente impedindo que ele lhe amarrasse as pernas. Ele praguejou, finalmente desistindo. - Vocês que façam a merda desse trabalho, eu vou acabar esmurrando a cara dessa puta antes de terminarmos.

Em um resmungar de desgosto uma das mulheres se aproximou, aquela que antes falava tão alegre sobre as vantagens de ter Frisk. Demorou, porém, ainda alguns minutos mais para finalmente Frisk estar com seus pés e braços amarrados, rosto recoberto por uma sacola encardida e fedendo a comida podre. Nenhuma acomodação de luxo pelo que via.

O caminho foi recheado de curvas, seja para onde quer que estava sendo guiada, Frisk, sem poder ver, concentrou-se em contar para quantas vezes eles viravam, davam voltas pelo quarteirão e então tomavam o que parecia ser o caminho o qual deveriam seguir, apenas para dar mais uma volta em outro quarteirão. Se eles soubesse que isso não adiantaria nada, Frisk sempre sabia para onde ia, independente de qual rua eles fossem virar, ela poderia mapear seu caminho, ela saberia em que parte da cidade estava e para onde em seguida deveria correr. Tudo uma perda de tempo.

Quando chegaram ela foi arrastada por escadas, vários degraus íngremes e muitas vezes quebrados, sempre que tropeçava poderia ouvir as gargalhadas a ecoar pelas paredes do que parecia ser um prédio vazio, os ecos se propagavam bem mais ali. Deveriam ter subido pelo menos cinco ou seis lances de escadas quando outra porta foi aberta e Frisk foi jogada próximo a uma parede qualquer do cômodo em que estava, sacola sendo retirada de sua cabeça, para grande alegria de seu nariz, ela já começava a pensar estar perdendo a sensibilidade nele.

Ela encarou envolta, percebendo uma pequena aglomeração de pessoas no que parecia um enorme salão recheado com poltronas velhas de estofados encardidos, janelas quebradas encontravam-se logo a sua frente, uma porta não muito distante da parede em que se encontrava escorada. Um prédio abandonado era sua melhor aposta agora, muito perto de Snowdin se não estava enganada. Ela ignorou os chiados das pessoas ao redor e continuou tentando manter em sua mente sua localização, puxando cada detalhe que poderia ter daquele lugar. Ajudaria a escapar.

— Ela é bem bonitinha. Esses olhos são uma perdição. - Frisk voltou para as pessoas quando uma respiração encontrava-se demasiadamente perto de seu rosto para seu gosto. Como teve seus pés desamarrados para poder subir as escadas por sua própria conta, aparentemente sem ter ninguém com o ânimo suficiente para carregá-la, não que estivesse reclamando, ela ainda poderia se defender. Obviamente não queria causar uma comoção logo agora, mas o rapaz estava demasiadamente perto de seu espaço pessoal. - Talvez devêssemos aproveitar antes de entregá-la a Chara, o que acham?

Frisk não esperou qualquer resposta, sua perna subiu antes que pudesse se quer ouvir alguma coisa a mais. Foi um chute certeiro entre as pernas. Poderia não gostar de violência, mas acabou por descobrir, em uma redefinição qualquer, que um ataque em áreas baixas basicamente não diminuía Hp como trazia uma dor lacerante para o homem em questão. Um método prático para se livrar de possíveis estupradores. O rapaz em questão, por exemplo, caiu ao chão, sem poder se mover por alguns minutos.

— Merecido! - gritou uma garota qualquer do salão, trazendo  gargalhadas para o resto do grupo que lhe rodeava. Definitivamente não foi o melhor dia para colocar-se em um short. Ele era quase como uma macacão, negro com sinta também preta presa a ele, passando por sobre seu ombro e prendendo-se por fim a outra ponta na parte de trás do short. Por debaixo da cinta Frisk tinha uma justa blusa branca de mangas compridas posta para dentro de seu short a demarcar ainda mais sua figura, em seus pés um all star negro com um cano alto de tamanho médio e por fim, ainda não menos importante, o cachecol vermelho em seu pescoço sobrepondo o colar onde mantinha guardado seu anel. No começo do dia pareceu uma boa escolha, agora ela já não tinha mais tanta certeza.

— Que confusão é essa?! - todos congelaram e Frisk apenas conseguiu amaldiçoar-se por sobre sua respiração. Como não reconhecer a voz depois de tantas redefinições juntos? Mesmo que ela tivesse conseguido correr dele durante todo o período de quase sete meses ele vinha para lhe assombrar novamente.

— Ei chefe! Não é nada, apenas pegamos um presentinho para Chara. - Frisk ergueu o olhar, deparando-se com a imensidão azul que tanto estava acostumada a ver. Ainda assim algo parecia diferente, eles estavam mais mortos do que Frisk costumava se lembrar, nenhuma luz, nenhuma motivação... Parecia... O Sans de sua dimensão. Não, esse Sans era ainda pior.

— Quem é? - ele perguntou, olhos desviando para as outras pessoas a sua volta, Frisk ainda notou o ligeiro hesitar, como era bem comum. Ele sempre teria um problema em desviar o olhar dos dourados que Frisk possuía.

— Irmã de Chara, vamos usá-la como moeda de troca para que Chara ceda seu domínio pra gente. - orgulhou-se um de seus sequestradores, peito estufado e enorme sorriso no rosto. Porém, Frisk notou uma leve contração no rosto de Sans, ele não parecia feliz apesar de manter-se indiferente. E de tudo que ela poderia esperar, ela nunca imaginou tal reação violenta. Sans nunca era violento, poderia ser explosivo, mas não violento. Ainda assim sua magia logo trouxe a alma do rapaz para fora, prendendo-a em sua magia azul e arrastando-o para perto de seu rosto. Medo não descreveria o rosto do rapaz naquele momento.

— Vocês são idiotas? Eu tenho um contrato de não agressão com Chara, mas se tocarmos em algum conhecido não envolvido em toda essa história já era! Eu pensei ter deixado isso bem claro. - Sans deixou o rapaz cair, corpo tremulo e desorganizado no chão, arrastando-se para longe. Sans puxou mais um trago de seu cigarro, procurando se acalmar. - Antes de fazer qualquer tipo de besteira é melhor consultarem-me antes! Se querem tanto morrer pelas mãos de Chara vão até ela vocês mesmos e a desafiem, não coloquem outras pessoas no meio de nossos negócios. Isso apenas tornaria vocês piores do que covardes fodidos, sem falar de com toda certeza mortos. - seus olhos novamente recaíram-se sobre Frisk, a morena mantendo-se quieta e calada, olhos sempre focados em sua pessoa. Sem pensar duas vezes ele se aproximou dela, erguendo-a com uma mão e arrastando-a para a porta logo ao lado. - Você vem comigo, tenho uns assuntos a tratar com você, agora.

A porta se fechou atrás deles, mãos de Frisk liberadas por um canivete tirado de vai se saber onde. A sala em que se encontrava agora assemelhava-se muito bem a um escritório, mesa abarrotada de papeis jogados logo a frente junto à lamparinas, um copo cheio de lápis e canetas. Pela forma que a mobília tomava Frisk supunha ter gavetas do lado onde a cadeira estava posicionada. Próximo a parede, porém, quebrando todo o ar de escritório, estava uma cama desarrumada e largada, do lado oposto estava a janela que dava vista ao prédio ao lado. Algumas manchas vermelhas enfeitavam o chão e as paredes, Frisk tentava não pensar no que poderiam ser, convencendo-se de que se tratava de ketchup.

— Eu agradeceria se esquecesse toda essa história e não informasse Chara ou a polícia. - Sans começou, sentando-se na cadeira atrás da mesa, pés sobre ela de forma relaxada, sem se preocupar com os papeis que estavam ali. - Tenho certeza que podemos resolver esse inconveniente de uma forma em que os dois saiam ganhando.

— Isso é uma chantagem? - Frisk estava com vontade de rir, sobrancelha erguida e um pequeno sorriso a se desenhar em seu rosto, nem um pouco intimidada pelo rosto sério que Sans tomava. - Eu não sei o que te leva a pensar que eu chegaria a falar sobre o que aconteceu hoje. Mesmo se você não tivesse aparecido eu teria escapado, apesar que realmente agradeço a interferência, tornou o trabalho mais fácil. Eu não quero muita atenção sobre mim e já devo estar atrasada para o jantar.

— Você tem muita confiança para alguém que acabou de ser sequestrada.

— Talvez eu só queira parecer legal para o cara bonito. - flertou. Oh, com toda certeza ela não resistiria em fazer isso! Sans aparentou estar um pouco incomodado, ainda assim suspirou.

— Se você diz, mas já que se atrasou para seu jantar que tal eu te pagar uma comida? Assim posso compensar toda essa confusão.

— Devo considerar um encontro e que meu flerte deu certo? - Sans nada respondeu, erguendo-se de sua cadeira e caminhando até a única porta que tinha no lugar. Frisk riu. - Não? Tudo bem! De qualquer jeito ganharei comida e mais tempo com você.

Sans lhe ofereceu a mão, ainda sem dizer uma única palavra. Frisk sabia o que estava por vir e sem duvidar colocou sua própria sobre a dele, sorriso zombeteiro em seu rosto. Quando Sans abriu a porta e puxou Frisk para ele já não estavam mais no que deveria ser um prédio abandonado, mas sim no enorme espaço repleto de cadeiras que era o Grillbys. Frisk sorriu com carinho ao reconhecer, tão previsível como realmente era, sem se importar quando Sans soltou-lhe a mão e caminhou até os costumeiros bancos próximos ao balcão. Frisk apenas o seguiu.

— O que vai querer?

— Hum... Um hambúrguer e refrigerante cairiam bem, os maiores que tiver!

— Não era suposto para meninas da sua idade pedirem salada por estarem obsecadas pela forma física?

— Se eu fosse me preocupar com isso estaria apenas pele e ossos. Temos apenas uma vida e, não sei você, mas eu quero aproveitá-la. - Frisk tinha um enorme sorriso no rosto, coração ainda doendo pela falta de reconhecimento do rapaz a seu lado. Ainda assim ela poderia divertir-se um pouco constrangendo Sans. - Além do mais, eu não aparento estar tão mal, não é?

— Com toda certeza não. - ele parecia ter falado sem pensar, rosto tornando-se rosado logo em seguida, bem fácil de disfarçar para quem não reparasse com atenção. Mas Frisk o conhecia melhor.

— Então tenho alguns pontos com você. - ela piscou, rosto apoiado na mão que passou a posicionar o cotovelo sobre o balcão. Sans não chegou a realmente responder. Não muito tempo depois seus pedidos estavam sobre a mesa, Sans novamente não tendo nada mais do que um copo de cerveja. Tão nostálgico! - Aliás, eles te chamaram de chefe, isso quer dizer que você é o líder de uma das maiores gangues da cidade?

— Em primeiro, como sabe que não é uma gangue qualquer? Em segundo, por que pergunta?

— Recursos. Poucas gangues tem a capacidade de ter um prédio mobilhado daquela forma como base, além do mais demos muitas voltas em quarteirões sem sermos incomodados, supus que seria seu território ainda e para ter uma área tão grande com toda certeza tem que ser uma das duas. - Frisk deu de ombros, tomando alguns goles de seu refrigerante antes de continuar. - E para a segundo, apenas me perguntando se devo tomar cuidado em ir para a casa de Papyrus sabendo que seu irmão mais velho é um líder de gangue.

— Como sabe que sou irmão de Papyrus? - Frisk sentiu a magia transbordando pelo local, um dos olhos de Sans queimando em uma chama azul vívida. Seria intimidante, se Frisk já não estivesse tão acostumada a isso, ainda assim suas mãos tremiam de forma involuntária, reação consequente de tantas vezes que ela morreu para ele em outros universos.

— Já fui em sua casa diversas vezes, não é tão complicado encontrar fotos de vocês dois, ele tem um monte no celular também. Sem falar que vocês tem suas semelhanças, apesar de um pouco vagas. - era uma ótima desculpa, ainda que Frisk gostaria de ver a cara que ele faria se ela contasse que já o tinha conhecido em outras linhas do tempo. - Papyrus é um grande amigo, não se surpreenda muito. Ele já deve ter mencionado sobre mim, se ele é tão animado comigo quanto é com você. Sou Frisk.

— Então você é a amiga que ele vem falando recentemente, a que juntou ele com aquela estúpida estrela.

— Culpada. Aliás deveria parar de segui-lo tanto, ele não para de reclamar, apesar de sentir sua falta quando não está perto, é fofo. E outra, deveria deixar seu cabelo branco ao igual que o dele e o do seu pai, ficaria mais bonito. - Frisk deu uma enorme mordida em seu hambúrguer, quase suspirando em agradecimento quando ele caiu em seu estomago faminto. - Definitivamente a melhor comida. Meus cumprimentos ao chefe!

Grillby fez sinal desde onde estava, ligeiro rubor em seu rosto enquanto Frisk ostentava um enorme sorriso.

— Você não deve dizer nada a Pap sobre isso, entendeu?

— Tão claro como cristal. Não era minha intenção contar, em todos os casos, acredito que é um assunto entre vocês, mesmo pensando que Paps deveria saber. - Frisk observou os ombros de Sans ficarem tensos, mas decidiu não insistir. Era um dos segredos que ele obviamente mantinha, um dos que Frisk não tinha conseguido descobrir em outras linhas do tempo. Agora parecia tão obvio! - De qualquer forma, teria uma vaga para entrar para a gangue? Estou meio interessada.

— Você é louca? O que te faz querer entrar em uma gangue de desordeiros contra a lei sendo que você já tem basicamente a vida perfeita? - dizer que Sans estava surpreso era pouco. Seus olhos encararam a garota a seu lado como se uma nova cabeça lhe tivesse crescido sobre o ombro, Frisk, por sua vez, já tinha terminando seu lanche para poder se levantar e sair. Não parecia muito preocupada com o que estava a tagarelar.  

— Eu tenho meus motivos, por mais que quisesse dizer que era para estar perto de alguém bonito como você. - era tão óbvio o constrangimento de Sans nessas horas. Frisk sabia que ele não levava muito jeito com paqueras que não eram no sentido sexual e, mesmo que sempre tentasse esconder, ela sabia que ele tinha uma tração por ela. Mesmo agora ela percebia os escorregares de seus olhos em direção a suas pernas, algumas vezes detalhando-se em seu rosto, mais especificamente em sua boca. Não era tão complicado perceber, pelo menos não mais. - Então, vaga aberta ou não?

— Se você realmente estiver a fim de jogar sua vida fora pode ir até a base amanhã quando tiver tempo. Tentarei arrumar um lugar para você trabalhar. - Frisk cantarolou em acordo, saltando para fora do banco e deixando o dinheiro sobre a mesa. - Eu disse que iria pagar.

— Anote isso sobre mim, bonitinho: eu não gosto que paguem as coisas para mim. Tenho meu próprio dinheiro para isso. - Frisk lhe deu uma ultima piscada antes de desaparecer porta a fora. Ela teria problemas quando chegasse em casa, com toda certeza.

Sans por sua vez suspirou, deixando-se cair no balcão ao lado de sua bebida. Ele ainda conseguia sentir seu rosto a queimar, definitivamente sem saber exatamente o motivo. Ele tinha ouvido flertes piores, garotas costumavam tentar diversas vezes alguma coisa com ele e ainda assim... Ele sentia-se a merda de um garoto na puberdade!

— Não comente nada. - ele alertou, apontando para Grillby que se aproximava com um sorriso zombeteiro em seu rosto.

— Devo admitir que faz tempo que não vejo uma garota te causar essa reação, caro amigo. O que aconteceu?

— Eu não sei! Estou acostumado com garotas querendo sexo, flertando com essa intenção, mas ela... Arg! Foi basicamente como se tivesse voltado ao colegial! Eu não sei como lidar com isso. - Sans resmungou, rosto enfurnado em seus braços cruzados sobre a bancada de madeira. Grillby apenas sorria com diversão. - E aqueles olhos... Eu não consigo me concentrar com eles! Sem falar da voz, baixa e calma, como se sempre estivesse a brincar... Deuses Grillby eu não sei como lidar com esse tipo de garota.

— De qualquer forma parece que vai ter que estar com ela mais constantemente.

— Isso se ela realmente aguentar. A maior parte dos que entram vazam depois da primeira semana. - Sans tomou mais um gole de sua bebida, olhos caídos no liquido espumante durante alguns segundos antes de continuar. - Enquanto a você? Problemas recentemente?

— Não consegue ficar sem tratar de negócios?

— Essa é minha vida, Grillby, você sabe disso. - o mais novo deu de ombros, sorriso travesso em seu rosto cansado.

— Os garotos da gangue nova voltaram a vadiar por aqui. Parecem estar querendo pegar uma parte do seu território.

— Esses novatos não sabem quando aprender. Não mexeram com sua filha, mexeram?

— Devo mesmo responder a isso?

— Vamos, amigo, sabe que, dependendo da resposta, posso dar um tratamento especial a eles. - o ruivo suspirou, encarando seu companheiro de longa data com atenção. Suas olheiras estava mais proeminentes ultimamente, exaustão era visível em todas as partes de seu corpo. Aquela vida o iria matar, Grillby tinha certeza. Ainda assim ele assentiu. - Ótimo. Considere o serviço já feito.

Grillby nada respondeu. Ele sabia que tentar convencer Sans a sair era inútil, o ruivo tinha em mente o que seu companheiro perderia se tentasse retomar sua vida tranquila, a qual ele nem mais deveria se lembrar. E não era como se pudesse negar que, depois que Sans tomou posse daquela região, a situação havia melhorado, ele era grato, mas não queria continuar com isso as custas de seu amigo.

Sans precisava de sua liberdade de volta.  


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Notas finais do capítulo

kkkk Eu ouvi várias teorias sobre o que o Sans guarda, e muitos chegaram bem perto do que realmente era. E ainda assim eu não escutei ninguém sugerindo que ele seria o lider. Cheguei a surpreender alguém? Espero que sim.
Bem, vamos ficando por aqui antes que minha internet caia e eu não consiga postar.
Até o próximo cap! Continuem determinados!