Uma massa pesada de raiva se espalhou pelo meu corpo, enquanto tentava com todas as minhas forças não fulminar o maldito filho de Hades. Me acusar por ter colocado Reyna em perigo para capturar Órion era uma coisa, agora, pelas mortes dos que estavam ao meu lado em missões — o que, se ele cresce e saísse um pouco do mundo cor-de-rosa dele, veria que é impossível não se ferir quando o universo quer te matar — já era demais. Mas o cúmulo era a insensibilidade perante a morte das caçadoras…

Não me importo com qualquer maldito acordo entre os deuses, se eu tivesse que passar mais cinco minutos com Nico Di Ângelo eu o mandaria direto pro pai. Praticamente marchei em direção ao meu chalé, ignorando qualquer um que se colocasse no meu caminho. Assim que encontrei minha mochila retirei o celular e digitei rapidamente uma mensagem para meu pai:

“Não me importo que Cronos, Gaia, Urano ou Tártaro voltem Eu vou embora Pra me impedir vai ter que me matar”.

Estava preste a enviar a mensagem quando Jason entra rindo no chalé. Ele para ao me ver ajoelhada no chão. — Thalia? O que você está fazendo? 

— Nada. — Balancei a cabeça e forcei um sorriso, enquanto guardava o aparelho sem enviar a mensagem.

 — Isso é um celular? Achei que semideuses não usassem por causa dos monstros…

 — Lady Ártemis, sabe? —menti. — Ainda sou sua tenente. — forcei uma risada, apontando pra tiara. Aparentemente soou verdadeira porque Jason esboçou um sorriso.

 — Mais tarde vamos reunir pra reforçar os planos pra hoje anoite. Tá afim de vir?

 — Não, mas obrigada. Na verdade estava pensando em representar o chalé oito.

 — O que quer dizer com isso? — Ele franziu a testa e ajeitou os óculos, ficando sério. Dei um sorriso malvado.

 — Está com medo de me enfrentar, Maninho?

— Você vai se unir ao chalé de Ares?

— Seria muito injusto três filhos dos três grandes no mesmo time. Além do mais, eu adoro dar surra em garotos. — Meu irmão riu.

— Nos vemos mais tarde no campo de batalha, Maninha.

— Hey, eu nasci primeiro! — Briguei, mas ele me ignorou, saindo do chalé.

Respirei fundo, um pouco mais calma, e decidi colocar em prática o que havia dito pra Jason. Peguei novamente o celular e reli a mensagem, optando por apagá-la e reescrever, chamando meu pai no aplicativo. Em menos de um minuto ele me respondeu. Se eu soubesse que ele responderia o Whatsapp mais rápido do que minhas orações, lhe mandaria crédito em vez de queimar comida no jantar.

Ignorei o pensamento e respondi a mensagem:

“Por favor

desista disso

me deixe ir embora

todos sabemos que esse casamento não vai acontecer

eu não aguento mais

eu preciso sair daqui”

A resposta veio instantaneamente:

“Thalia…”

Apareceu que ele estava digitando algo, mas a mensagem sumiu e não havia mais nem uma palavra do meu pai. Será que volto pra orações? 

Decidi deixar de lado e ir até o chalé de Ares, afinal, eu tinha que fazer o Di Ângelo engolir algumas palavras.

Um minuto depois estava em frente ao chalé vermelho quando uma garota saiu de lá com um machado em cada mão e um olhar assassino.

 — Hey, Clarisse tá aí? — perguntei, mas a garota me ignorou, passando por mim e batendo o ombro com força no meu, me fazendo exclamar pela dor.

 — Na Casa Grande. — uma voz masculina ao meu lado respondeu. — Chris acabou de ir pra lá, qualquer coisa pode perguntar a Quíron.

 Agradeci e fui na direção indicada, encontrando Quíron na cadeira de roda conversando com um casal.

 — Hey, Quíron? Sabe de Clarisse? — Perguntei e o casal se virou pra mim, fazendo-me engolir em seco ao reconhecê-los. O que mais me assustou não foi como Clarisse e Chris estavam mais velhos e diferentes, e sim a barriga proeminente da filha de Ares, que me encarou com o mesmo olhar assassino de sempre.

 — Me procurando?!

 — Uau! Por quanto tempo eu dormi?! — Exclamei assustada.

 — A Guerra contra A Mãe Terra acabou faz mais de três anos, Thalia. — Quíron riu.

 — Thalia? Ah, eu me lembro de você. O que quer comigo?

 — Hã… — pigarreei, tentando raciocinar. — Eu quero me juntar a vocês no jogo de hoje a noite.

 — No capture a bandeira? Achei que o chalé de Zeus tivesse se aliado ao de Hermes.

 — Mas não o chalé de Ártemis. — sorri sarcástica.

 — Eu não vou participar diretamente,é meio óbvio o motivo. — Clarisse falou alisando o ventre. — mas estou aconselhando. Vamos ter a última reunião em meia hora, acho que pode se juntar a nós.

 — Já sabe se é menino ou menina? — Perguntei depois de me sentar com eles.

 — Não, já está com trinta semana, mas não queremos saber até nascer. — Chris respondeu. — E é um pouco difícil fazer todos os exames, não quero que Clarisse saia do acampamento.

 — Eu já tentei explicar que eu dou conta de alguns monstrinhos. — A filha de Ares revirou os olhos. — Mas Chris está certo sobre proteger o bebê, por isso voltamos de Phoenix.

 — Por que não foi pro acampamento Júpiter? Achei que lá fosse melhor pra semideuses adultos viverem. — Clarisse soltou uma risada irônica.

 — Eu sou uma semideusa grega, Thalia. É até legal como eles tratam meu pai, mas não vou me esconder entre inimigos.

 — O que Clarisse quer dizer, — Chris interviu. — é que preferimos viver do nosso jeito. Nem todos os gregos querem viver entre Romanos, por mais que os acampamentos tem melhorado nos últimos anos. Você consegue nos imaginar vivendo uma vida de segurança e paz? Minha adorável esposa só fica de bom humor depois de massacrar um Drakon no café da manhã.

 Acabei rindo e, estranhamente, me divertindo conversando com Clarisse até que os líderes dos chalés chegassem. Pelo que entendi, seriam os chalés de Ares, Apolo, Atena, Dionísio, Deméter e alguns deuses menores como Perséfone, Hécate e Melinoe contra Hermes, Hefestos, Zeus, Hades e deuses menores como Éos e Íris. Parecia que as equipes haviam sido bem escolhidas, e não era necessário uma reunião nem com Clarisse e nem Jason para ter noção das estratégias.

 Clarisse estava reclamando para começarem logo a reunião quando Will, o último dos conselheiros chefes dos chalés da nossa equipe, chegou. Ele arfava por causa da corrida e se desculpava pelo atraso quando parou e me encarou.

 — Thalia? O que faz aqui?

 — Mais um chalé se aliou a nós. — Clarisse sorriu.

 — Eu ainda sou conselheira do chalé oito.

 — Thalia, posso falar com você por um segundo? — O loiro mordeu o lábio inferior como se estivesse nervoso e Clarisse começou a protestar. — Podem começar sem mim, prometo que não vai demorar.

 Segui Will para trás da Casa Grande onde ninguém poderia nos escutar. Ele olhava em volta apreensivo, como se quisesse que ninguém nos visse.

 — Qual o problema? — Perguntei receosa. Will parecia legal, mas era filho de Apolo e, principalmente, um garoto. — O que quer falar comigo?

 — Preciso te pedir um favor. — Ele novamente mordeu o lábio, parecia um tique. — Mas você não pode contar pra ninguém. Mesmo se a resposta for não, o que eu vou entender se você não quiser.

 — Qual favor?

 — Preciso que você cuide de Nico hoje à noite.

 — Cuidar do Nico? — Franzi a testa confusa. — Você sabe que aquele menino é bem poderoso, né? Que ele trouxe aquela estátua enorme do outro lado do mundo praticamente sozinho.

 — E é por isso que preciso que alguém cuide dele. Ele tem todo esse poder e não tem medo de usar e isso vai acabar matando ele. Normalmente eu consigo fazer com que ele não exagere, mas dessa vez estamos em times diferentes.

 — Por que não pede pra Jason? Eles são amigos, não?

 — São. Bem mais que eu gostaria, aliás. O problema é que Jason é romano, eles não entendem nada sobre limites. E ele é filho de Zeus, ou Júpiter, sei lá; sem ofensas. Então tem toda essa coisa de ser o melhor e sempre vencer e ele sabe do que Nico é capaz e não tem nem um pouco de medo de usar isso. Mas eu tenho medo, Thalia.

 Encarei o filho de Apolo por alguns segundos, percebendo como ele realmente estava preocupado. A pele tinha um leve brilho de suor e ele continuava a morder o lábio, parecia se sentir culpado por me pedir isso, entretanto, o medo falava mais alto. Nico Di Ângelo podia ser um idiota, mas tinha o melhor amigo do mundo.

 — Eu ia até pedir isso pro Cecil, — Ele continuou. — mas o ladrãozinho vai assistir o jogo da enfermaria. E com certeza Jason vai te colocar junto com eles, vai ser mais fácil pra você saber o que vão fazer e se Nico vai conseguir ou não.

 — Will, Nico me odeia. Como ele vai escutar?

 — Eu sei que vocês não se dão bem, mas sei que você pode impedir ele de outras formas se for preciso. Olha, na guerra contra Gaia, quando eu encontrei Nico assim que ele chegou ele estava virando sombras, Thalia. Não dá nem pra dizer que ele tava morrendo, porque isso é muito pior! Reyna me contou que ele quase se dispersou completamente durante a viagem, ele abusou muito dos poderes e tenho medo de que ele faça de novo.

 — Will, ele não vai levar a bandeira pro Japão. — Tentei aliviar o garoto que fez uma careta.

 — Eu sei que não. Mas eu tenho medo, Thalia. Nico é meu melhor amigo. E eu amo aquele idiota que não se importa com a própria vida. E se não fosse por isso eu não estava aqui te pedindo nada. Mesmo porque, ele me mataria se soubesse.

 — Eu não duvido. — Respirei fundo e balancei a cabeça. — Tudo bem, Will, você venceu: vou tentar proteger Nico Di Ângelo de si mesmo. Mas não espere que eu consiga.

 O garoto abriu um sorriso gigantesco, me envolvendo em um abraço de urso e agradecendo.

 — Will? Caçadora de Ártemis, lembra? Sem abraços de garoto. — Murmurei e ele me soltou rindo.

 — Pelos deuses, Thalia! Se parassem de brigar, você e Nico seriam perfeitos um para o outro!

 Não dá ideia, Will. Não dá ideia!