Quando entrei no refeitório — depois de uma breve conversa com Quíron, que resumiu-se ao o quê eu estava fazendo ali, que foi respondido conforme Ártemis explicara às caçadoras: uma missão que eu deveria cumprir sozinha. E não, não tinha a ver com o apocalipse.— a maior parte dos campistas já estavam e comendo e conversando animados em suas mesas, o som tornando o ambiente acolhedor. De cabeça erguida, caminhei em direção à mesa de Zeus, observando alguns campistas me olharem, dando-me conta que eu não os reconhecia e a dúvida surgiu na minha mente: Quanto tempo havia se passado desde a última vez que estive no acampamento?

Quando vi Jason de madrugada, a escuridão não me permitiu ver seu rosto, da mesma forma que a claridade excessiva quando eu acabei de acordar e fui atender a porta. Entretanto, quando Nico di Ângelo bateu novamente na porta do chalé e, desta vez, me chamando, foi impossível não se surpreender em como o tempo havia passado e ele havia mudado muito desde a última vez em que o vi brevemente em Porto Rico.

Ele estava visivelmente mais alto, provavelmente por volta dos dezessete anos, com os traços do rosto mais destacados e angulares. Entretanto, ele permanecia com o mesmo jeito desleixado de “garoto das sombras”: calças pretas um pouco frouxas, a camiseta do acampamento um número maior por cima de outra camisa preta de manga longa e frouxa, além do cabelo precisando de um corte.

A maneira como ele cresceu, e eu, por outro lado, permanecia sem completar dezesseis anos, me fez ter vertigem ao pensar em ver Jason, em como ele deveria estar diferente se aproximando dos vinte anos. Ao vê-lo na sentado na mesa de Zeus, meu coração se apertou ao constatar que meu irmão agora era mais velho.

Da última vez que o vi ele quase não parecia o garotinho de dois anos que minha mãe havia levado, e agora percebi como os ombros largos e o rosto magro era diferente do menininho rechonchudo que tentava comer grampeadores.
Tentando não parecer abalada continue com os olhos fixos em Jason, só notando a poucos metros da mesa que ele não estava sozinho.

Nico Di Ângelo estava ao seu lado e contava alguma coisa, sorrindo e gesticulando, completamente à vontade. Meu irmão gargalhou, quase engasgando com a comida, antes de me ver e gesticular animado me chamando. Quando Nico me viu, sua expressão automaticamente se tornou azeda. Me aproximei e sentei com eles.

— Não havia um regra sobre onde se sentar? — Questionei vendo meu copo se encher de suco.

— As coisas mudaram nos últimos anos, Thalia. — Meu irmão respondeu. — Como na maior parte do tempo só tem eu e Nico dos três grandes, ele me faz companhia.

— É uma tortura, mas Jason consegue ser irritantemente persuasivo. — O loiro sorriu como se tivesse acabado de ganhar um elogio.

— Claro que quando Percy e Hazel estão temos uma mesa mais cheia.

— Então todo os dias seremos nós três? — Perguntei.

— Vai ficar quanto tempo? — Jason sorria como se tivesse ganhado um beijo de Piper enquanto Nico apenas me olhou com uma cara de poucos amigos, o que estava se tornando padrão.

— Do jeito que as coisas estão indo, por um longo tempo. Até os deuses acharem que missão acabou. — Encarei o filho de Hades que deveria saber o real motivo da minha estadia.

— Isso soa tão Hollywood:. “Minha missão aqui está concluída, é hora de ir”. — Nico ironizou, o que acabou me fazendo rir. — As outras caçadoras também estão?

— Não. Somente eu.

— Uma pena, com Jason aqui seria interessante um capture a bandeira. Adoraria vê-las engolir a vitória.

— Quantas vezes elas venceram, mesmo? — Jason perguntou e rolei os olhos.

— Teríamos ganhado da última vez se Percy soubesse seguir ordens.

— Jason, você devia ter visto a última vez. — Nico falou animado, exibindo um sorriso e gesticulando. — Foi tipo, “uau!”, Thalia empurrou Percy e ele voou direto pro riacho, e aí ele fez uma onda enorme e “tchá” Thalia tava toda molhada com uma cara de eu-vou-te-matar-agora, já com as armas na mão, e então eu só vi um raio acertando Percy e depois todo o riacho tava em pé pronto pra afogar todo mundo! Foi realmente incrível. Ele te chamou de quê mesmo? Cara de Pinheiro?

— Para sua segurança Di Ângelo, melhor não repetir isso. — Ameacei, mas não estava com raiva, e sim surpresa, além de um pouco divertida pela maneira pela maneira dele contar. O que diabos havia acontecido com o garoto todo sombra nos últimos três anos?

— Agora entendo porque Percy nunca quer ficar no mesmo time que eu. E por causa daquilo no Kansas, quando eu quase matei ele.

— Quem nunca quis matar o Percy? — Nico falou sarcástico. — No Tártaro Percy Jackson deve ser um xingamento ou algo do tipo.

Acabei rindo, concordando.

— Hoje a noite temos capture a bandeira contra o chalé de Ares, soube que Clarisse vai dar umas dicas já está no acampamento. Nós temos que vencer.

— E estamos contra o chalé de Apolo, o que significa nada de Will no meu pé.

— Vai ser o melhor capture a bandeira que este acampamento já viu.

Comi enquanto eles sorriam cúmplices, e falavam sobre os jogos antigos, enquanto uma ideia surgia na minha mente: o chalé de Zeus estava contra o de Ares, mas não exatamente o chalé oito. Se tudo desse certo, aquele seria o melhor capture a bandeira de todos os tempos.

— Como foi o treino de arco e flecha? — Jason perguntou quando terminamos de comer.

— Terrível. -- O Di Ângelo respondeu me fuzilando com os olhos. — Alguém me fez de alvo.

— Me desculpe, acho que exagerei um pouco.

— Não era sua intenção me torturar? -- Perguntou erguendo a sobrancelha.

— Ah, isso era. — Ele acabou por dar um sorriso de lado. — Mas pelo menos você não acertou nenhum esquilo.

Ele ia retrucar, mas sua expressão tornou-se emburrada novamente.

— Oi. — Virei de costas e encarei Will que sorria. Respondi o cumprimento assim como Jason. — Se importam se eu roubar o Nico? Que tal aquela partida agora?

— Que tal ir você e Thalia, Solace?— ergui a sobrancelha não entendendo o filho de Hades que havia respondido com raiva.

— Porque eu estou chamando você, Di Ângelo. — o sorriso do loiro não mudou. — Vamos, eu estou deixando a enfermaria com Lou Ellen e Cecil só por você. E você sabe do que eles são capazes!

— Tudo bem, Solance. Não precisa implorar. — Percebi a animação pouco mascarada no tom dele e no momento seguinte saiam do refeitório sem se despedir.

— Agora somos só nós dois, maninho. — sorri e Jason ficou vermelho.

— Na verdade eu combinei com Piper de… — ele gaguejou tentando inventar uma desculpa, o que me fez sorrir sarcástica.

— De?

— De me ajudar com a espada. — seguindo a deixa a garota apareceu na minha frente. — percebi durante a missão que é bom saber um pouco de esgrima. Oi, Thalia.

Inclinei a cabeça com um sorriso, saudando-a.

— Tudo bem, maninho. Divirtam-se e mais tarde te roubo um pouco de Piper. — Pisquei fazendo Jason ficar mais vermelho ainda e acenar um tchau.

Fiquei sentada por alguns minutos observando o refeitório esvaziar e um sentimento de nostalgia e deslocamento começar a se formar. Respirei fundo e fui andar a esmo pelo acampamento.

Acabei me sentando em baixo de um árvore no bosque, a brisa fresca e o cheiro de natureza me ajudando a relaxar. Infelizmente o silêncio foi quebrado com o ruído de passos e duas vozes que se aproximaram.

— Só queria que que vocês fosse amigos. — Identifiquei a voz de Will, estava preste a dar sinal de que eu estava ali quando ouvi a voz de Nico.

— Ela é uma caçadora de Ártemis e eu um garoto. — ele dizia. — É óbvio que não ficaríamos amigos. Além do mais, eu não confio nela. Todas as vezes que encontrei Thalia Grace alguém quase morreu. — Ao escutar meu nome tentei fazer o mínimo de ruído possível, ignorando o fato de que era uma conversa particular.

— Não exagere. — Will repreendeu.

— Não estou. Primeiro foi Annabeth caindo de um precipício quando eles me buscaram em Westover Hall. Depois foi Bianca sair em uma missão com ela e… - ele fez uma pequena pausa. — Então tivemos que fazer um favor pra Perséfone e Percy só não morreu por causa de um titã. A última vez, em Porto Rico, Reyna quase morreu. Não quero que você se machuque, Will.

— Mas nada disso foi culpa dela. Odiar ela não é justo.

— Eu não odeio ela. Só não posso pensar que tudo foi coincidência.

— Então foi o que? O destino querendo que vocês fiquem longe? Semideuses morrem o tempo todo Nico, estando a Thalia perto ou não. Mas não é só isso não é? — o silêncio se fez por alguns segundos.

— Eu nunca sei o que ela quer.

— O que quer dizer com isso?

— Quando eu conheci a Thalia ela odiava as caçadoras mais do que tudo, então foi em uma missão em busca de Ártemis e quando voltou tinha assumido o lugar de Zoe e da minha irmã. Ou melhor, ela nem voltou pro acampamento esse tempo todo. Quando uma morre eles colocam outra no lugar, como se fossem descartáveis. Se Zoe morreu vamos colocar Thalia! Ah, mais uma morreu? Trás aqui uma lista de garotas substitutas! É tão fácil trocar vidas, Will?

— Mas seu problema é com as caçadoras. E não com Thalia. — mais uma vez silêncio. — ou tem mais?

— Ela quase matou Reyna. Quer dizer, não de propósito. Mas Thalia deixou ela como isca sem armas e amarrada pra enfrentar um gigante que nem Ártemis conseguia vencer! Ela usou Reyna como um ratinho, eu quase vi ela morrer na minha frente e a culpa foi minha. Eu avisei Thalia que Órion estava atrás de nós. Eu devia saber que não devia confiar nela.

— Mas isso não foi de propósito, Nico. Se Thalia fez isso, foi porque achava que era o melhor, que não havia outro jeito. Se você sofreu vendo Reyna quase morrer, imagina Thalia, que viu suas amigas morrerem realmente e ela que estava a frente. Imagina como ela se sentiu culpada. — ouvi Will suspira e falar mais suavemente — Eu só quero que você não seja injusto. Você precisa parar de ver só o lado ruim das pessoas. Thalia arriscou a vida por você, Reyna e o treinador, mesmo em uma emboscada. Ela podia ter deixado vocês sozinhos enfrentando Órion, além de levando a estátua. Thalia pode ser uma boa amiga, Nico.

— Não quero mais amigos.

— Ei, escute: nós somos amigos certo? — Nico murmurou um “uhum”, assim como na pergunta que se seguiu: — Você gosta de ser meu amigo? Você queria que eu fosse seu amigo antes? — ele não respondeu. — Não, não é? Então deixe de ser cabeça dura e deixe a Thalia ser sua amiga também. — ouvi o garoto suspirar alto. — Ou tem outro motivo?

— Nós não íamos jogar videogame, Solace? Então por que está me levando pro meio da floresta? — Will riu, ignorando que era uma estratégia pra mudar de assunto.

— Eu te chamei pra conversa um pouco, mas se quer jogar aquele jogo horrível tenho certeza que vamos poder passar a tarde toda naquela sala quente, abafada e cheia de pessoas…

— Tudo bem Solace, você me convenceu. Mas aqui tá quente também. Vem, sei onde é mais fresco e quem sabe achamos alguns monstros pra nos divertimos?

— Não é que aqui seja quente, mas eu sou quente, Garoto das Sombras… — Ouvi os passos se afastarem e pouco à pouco as palavras de Nico di Ângelo começaram a formar um nó na minha garganta e um peso em meu peito.