Narração: Thalia Grace

Quando conheci Nico e Bianca Di Angelo, eles só tinham um ao outro. E, então, Bianca escolheu seguir para a caçada sem o irmão, que reagiu com raiva e mágoa. Tudo só piorou com o fato de Bianca morrer na semana seguinte. Nico ficou amargo e se tornou outra pessoa, tamanho o impacto que teve na vida do garoto. Nunca havia pensado que houvesse mais do que amor fraterno ali — e um tanto de super dependência —, mas, agora que Nico dizia ter se apaixonado por alguém proibido, eu não podia deixar de questionar a natureza de sua relação com a irmã.

— Espera! Bianca?! — Quase gritei, tentando não deixar claro como aquela ideia era bizarra. Tá que nossa família não tava nem aí pra isso, mas caramba, isso é incesto! E nem me vem com esse papo de DNA, Nico e Bianca eram filhos da mesma mãe também!

— O que tem Bianca? — Nico franziu a testa por alguns segundos antes de também arregalar os olhos surpresos. — O QUE? — Gritou, fazendo uma careta que deveria ser a mesma que a minha. — NÃO! VOCÊ ESTÁ LOUCA?! ECA!

— Graças aos deuses! — Agradeci aliviada.

— Ela é minha irmã! Eca! Você tem problemas?

— Você queria que eu pensasse o que? — Retorqui exasperada. — Incesto tá nas listas de amor e de coisas estranhas!

— Não chega a tanto, Thalia. Eca! Só de pensar já quero vomitar!

Nico, de fato, fez como se fosse vomitar e acabei rindo. Meus deuses! Só a ideia de pensar em Nico beijando a irmã também me deixava perplexa! Nada contra incesto — até porque meu pai adora um! —, mas eu vi os dois irmãos juntos! Pensá-los em uma relação dessa seria acabar com o resto de inocência que eu tinha.

— Então é algo menos estranho? — Tentei voltar ao jogo, ainda que Nico permanecesse com cara de quem chupou limão azedo.

— Digamos que hoje seria normal, se eu ainda estivesse apaixonado, mas não na minha época. — O semideus esclareceu. Queria que tivesse dito isso antes, teria sido mais fácil de eliminar Bianca e não passaríamos pelo momento “nojinho”. — Acho que pessoas morreram por estarem em um situação parecida.

— Então era algo proibido e hoje não é mais?

— Do jeito e no lugar que eu vivemos hoje? — Nico ponderou, antes de balançar a cabeça em negativa. — Não teria problema.

— Uma ideia bem estranha está passando pela minha cabeça… — Murmurei, calculando com uma careta.

— Você ainda ainda tem duas chances.

Tentei achar alguma brecha na minha teoria quase tão estranha quanto a de Nico ter se apaixonado pela própria irmã. Não era incesto, felizmente. Pelo menos, não incesto tão próximo, afinal, todos os semideuses são da mesma família. Mas ainda era uma ideia muito estranha.

Pensei em alguém que não podia namorar com Nico, ou melhor, com ninguém. Não no passado. Então essa situação mudou: Essa pessoa agora estava livre de qualquer compromisso, qualquer promessa ou juramento que a fizesse dizer “não” para qualquer relacionamento.

Pedi as parcas que não fosse aquilo, ou meu relacionamento com Nico se tornaria ainda mais complicado, ele jamais teria o amor retribuído e eu jamais me casaria com ele.

— Pelo amor, não diga que sou eu! — Supliquei, apertando minhas mãos nervosa.

Afinal, era um amor proibido. A primeira regra da caçada é que amor romântico é terminantemenete proibido. Se Nico se envolvesse com uma caçadora, ele poderia ser morto. Fazia sentido ele ter se apaixonado por uma caçadora no passado e ter sofrido por isso. A única forma de hoje isso ser aceito, soar normal, seria se a pessoa não fosse mais uma caçadora.

E eu sou a única ex-caçadora de Ártemis. Mas, pelos deuses, que não seja eu!

— O que?! — Nico arregalou os olhos novamente, mas não parecia tão surpreso, ou enojado, quanto quando sugeri um relacionamento dele com a irmã. — Pelos deuses, garota, você é a pior pessoa do mundo pra chutar! Como, por Hades, você se encaixaria nisso?!

— Você disse que era proibido e estranho, ué! — Argumentei, respirando aliviada por estar errada. A ideia de Nico di Angelo apaixonado por mim me assustava mais do que um encontro com Cérbero! — Caçadoras não podem namorar! E você odeia caçadoras, talvez seja justamente por isso!

— Eu não gosto de caçadoras porque elas roubaram minha irmã de mim! — Nico retorquiu, falando alto demais pro meu gosto. — Só de pensar em encontrar Ártemis e suas seguidoras eu corro pro inferno.

— Tá, não está mais aqui quem falou!

Levantei as mãos em rendição, fazendo o garoto bufar. Ele revirou os olhos mais uma vez — Tá vendo de quem tô pegando as manias?! — e depois franziu a testa:

— Mas por que justo você?!

— Por que você me odeia mais do que as outras caçadoras! — Exclamei, lembrando da conversa de Nico e Will logo que cheguei no acampamento.

— Eu já disse que não te odeio! — Nico se defendeu, mas fingi não ouvir.

— Dizem que coração quebrado é igual a pirraça, meu amor! — Finalizei com sarcasmo. — E você quem me beijou ontem, esqueceu?!

— Eu só tava curioso! — Nico tentou se defender, exasperado. — Nunca quis saber como é beijar alguém?!

— Você realmente quer que eu acredite, nisso?! — Ri ironicamente, vendo Nico ficar vermelho. — E eu me lembro muito bem naquele dia no parque. Você quase me beijou também!

— Eu não... ! Ah! — Nico gritou, frustrado. — Pelos deuses, você tem o ego do seu pai! Eu nunca fui, não sou e nunca serei apaixonada por você, garota!

Confesso que acabei rindo do constrangimento dele, por mais que eu também estivesse vermelha. Nunca havíamos tocado no assunto do quase beijo super clichê no parque, e Nico não parecia ter nada a dizer sobre isso.

— Eu já te disse que você não faz meu tipo! — Nico quase gritou, dando ênfase no “não”.

— E quem é que faz?!

— Não é isso que você quer descobrir?! — Retorquiu, com um sorriso de chacota. — Última chance, Thalia Grace.

— Onde foi que vocês se conheceram? — Perguntei, tentando formar uma lista na minha mente.

— Westove Hall. — Nico suspirou. — Sim, aquela bendita missão. Vamos, Thalia.

Respirei fundo e pensei, fazendo uma lista mental.

Pessoas que estavam presentes naquela missão: Bianca, Annabeth, Percy, Grover, Apolo, Ártemis, Zoe e as outras caçadoras;

Ok, eu, Bianca e Annabeth estávamos fora da lista; Assim como todas as outras caçadoras que Nico havia deixado bem claro que seu ódio nada tinha a ver com amor.

Restam, então, três pessoas.

“Você não faz meu tipo”.

Nico havia dito mais de uma vez. Ele disse que a única coisa que eu tenho que ele gosta são olhos azuis. Nico gosta de olhos azuis.

E o que mais? Ele havia dito que Jason fazia mais o seu tipo do que eu. Jason tinha olhos azuis. E cabelos loiros.

Como Apolo. Jason me lembrava Apolo.

Apolo estava na lista.

— Ai.Meus.Deuses! — Exclamei abrindo a boca.

Um romance proibido, é claro! Estranho, na verdade. Se relacionar com deuses sempre dá merda e até haviam morrido assim. Minha mãe era um exemplo.

— Eu não acredito nisso!

— Descobriu? — Nico ergueu a sobrancelha, um pouco vermelho.

— Não acredito que você se apaixonou por ele! — Exclamei eufórica.

— Paixão é uma palavra forte! — O filho de Hades corrigiu, mas sorria envergonhado. — Era um crush, uma quedinha leve!

— Tudo faz sentido agora!

— Confesso que já fiz idiotices por amor.

— Uau! Deve ter sido horrível contar pra Eros. — O olhei com pena, imaginando como deve ter sido horrível confessar ao deus do amor que ele estava apaixonado por um deus. Ainda mais com Jason ao seu lado, numa época que eles não se davam muito bem e, para piorar, Jason era a cara de Apolo.

— Você não faz ideia… — Nico suspirou.

— E Jason sempre esteve ao seu lado. Não devia ser fácil ficar no acampamento não é? Pra todo lugar que você olhava… — Pensei em todas as crianças do chalé sete, como eram parecidas com o pai. Nossa! Devia ter sido um pesadelo ver Apolo refletido em cada uma delas!

— Você está me deixando pra baixo…

— E ainda mais com Will sendo seu melhor amigo!

— É… espera! — Nico franziu a testa. — O que Will tem a ver com isso?!

— Agora tudo faz muito sentido! É por isso que você lembra o que eu disse, você pensava o mesmo!

— O que? — O Di Angelo questionou, exasperado. — Thalia, eu não estou te entendendo! O que, Hades, você está falando?!

— Que você também acha ele bem quente! — Pisquei e Nico ficou mais vermelho ainda.

— De quem você está falando?! — Gritou e foi minha vez de franzir a testa.

— Apolo, ué.

— Apolo?! — Nico olhou estupefato e então começou a gargalhar.

— Eu errei? — Perguntei, estranhando.

— Você é louca!

— Quem mais poderia ser?! — Exclamei, afinal, já tinham acabado todas as minhas chances de chutar. Quem mais estaria naquela lista?!

— Percy!

— Percy? — Franzi a testa e pensei a respeito. É… Agora faz muito mais sentido. — Uh, Percy! É, ele é sexy.

— Sério... Apolo? Você acha que eu sou tão ferrado assim?!

— Vai saber, ué. — Dei de ombros. — Ele é quente, loiro e tem olhos azuis! Se não fosse meu irmão… E um deus, claro! Depois do que disse de Jason, achei que ele seria mais o seu tipo, não Percy.

— Na verdade, Percy não é meu tipo. — Nico esclareceu. — Eu disse isso à ele. E até hoje a criança é traumatizada.

— Isso foi um golpe baixo.

— Ele precisava saber que não é o tipo de todos.

— Confesso que é o meu. — Talvez isso não fosse a coisa mais inteligente que eu pudesse dizer, mas como estávamos no momento “eu confesso”, não fazia mal contar uma fraqueza ou outra, não é?!

— Sério?

— Gosto de cabelos pretos. — Expliquei, talvez sorrindo maliciosamente. — E rebeldia. E eu já vi ele sem camisa. Pelo jeito, você entende o que eu quero dizer!

— Pior que sim! Ele tem alguma coisa que atrai!

— Não é?! É tipo um furacão destruindo tudo! Você sabe que eu é uma péssima ideia, mas não quer se afastar.

— Exatamente! E aqueles olhos?! — Nico questionou. — Parece que Poseidon pegou uma parte do mar e deu pra ele!

— Tem certeza que não é mais apaixonado?! — Perguntei, um pouco de brincadeira e muito de curiosidade.

— Totalmente! Ele é tão lerdo e irritante! — O filho de Hades suspirou dramaticamente. — Só Annabeth pra dar conta disso! E, como eu já disse, ele também não faz o meu tipo!

— Podemos dar um jeito nisso! — Exclamei, rindo. — Que tal uma peruca loira? Podemos também colocar lentes azuis!

— Você quer me empurrar pra ele?!

— Ele faz o meu tipo: vamos juntar nós três. — Dei de ombros, brincando. — Pra que fazer uma aliança só Hades e Zeus? Vamos colocar Poseidon também nisso.

— Semana passada não queria nem casar comigo, agora quer juntar é mais!

— Poliamor tá aí pra isso! — Ri, sequer acreditando nas minhas próprias palavras. — Desde que Annabeth aceite dividir, a gente dá um jeito!

— Para uma caçadora, você é muito pervertida, garota!

— E eu também sou quente, baby!

Confesso que ficamos rindo por essas bobagens por um longo tempo. Era tão bom rir depois de uma semana tão complicada, ainda que o assunto não fosse dos melhores. Mas, a simples sensação da falta de ar, da dor na barriga e o som de tantas gargalhadas, melhorava meu humor, principalmente depois de três dias em puro silêncio e solidão. É, eu sentia falta dessas brincadeiras bobas.

— Então… — Comecei, assim que nossas gargalhadas diminuem e o humor não era tanto. Nico me olhava nos olhos, com um sorriso de canto. — você é....

— Gay? — Nico ergueu a cabeça, completando minha fala. — Sim.

— Então por isso eu não sou o seu tipo. — Apontei e Nico assentiu. — E nem Percy. Afinal de contas, qual é o seu tipo?

Nico deu de ombros apenas rindo, não se dando ao trabalho de me responder. Eu realmente estou ficando curiosa com isso…

— Você realmente não vai me responder?

— Por que você quer saber? — O filho de Hades revidou, recostando-se de novo à árvore e cruzando os braços.

— Por que você não me diz? — Rebati. — Por acaso seu tipo é alguém específico?

Perguntei em chacota e, então, foi como se um quebra-cabeça de organizasse na minha cabeça. Pensei em como havia associado o tipo de Nico a Apolo, sobre a reação de um certo filho de Apolo ao saber que nós estávamos “juntos”, pensei sobre a amizade de Nico com esse certo rapaz e, por fim, pensei sobre as palavras da filha louca de Melione: “Ele só olha para aquele maldito filho de Apolo.”.

— Acho que já sei qual é o seu tipo, Di Angelo. — Sorri maliciosa, pensando em como poderia ter demorado tanto tempo para perceber.

— Do que você está falando agora, Thalia? — Nico revirou os olhos dramaticamente.

— Do seu… como Alexia chamou mesmo? — Franzi a testa, tentando me lembrar das palavras da filha de Apolo. — “Crush”?!

— Crush? — Nico questionou, aumentando o tom e ficando vermelho. — Que crush?

— Will Solace. — Sorri de canto e Nico ficou pálido, sem conseguir reagir por alguns minutos. — Você gosta dele e ele gosta de você! Agora toda a raiva dele por causa do nosso “relacionamento” — fiz aspas no ar, em chacota. — faz sentido.

— O que? — Nico praticamente gritou. — Thalia, você é LO-U-CA!

— Pelos deuses, Nico! — Revidei. — Essa preocupação toda um com outro e até esse ciúme é mais do que prova disso! Eu vi Will arrasado quando você morreu!

— Porque somos amigos! — Nico rebateu. — Apenas amigos!

— Ah, ok. — Revirei os olhos. — Você realmente quer que eu acredite nisso? Diga o que quiser, mas sei que você gosta do Will.

— Não tem nada disso, Thalia.

— Então, como ele reagiria a esse plano louco dos nossos pais?

— Como qualquer amigo: — rebateu, acentuando a última palavra. — iria achar uma loucura e se negaria a me deixar fazer isso. Porque é uma loucura!

— E você ainda assim quer fazer isso. — Pontuei e Nico suspirou.

— Eu já te disse meu… Ponto de vista. — O filho de Hades falou pausadamente, me fazendo olhar em volta. “Meu plano”, ela o que ele queria dizer, mas os deuses poderiam estar nos observando, não era seguro e tampouco sensato falar abertamente, mas precisávamos.

— Eu entendo o seu ponto. — Assenti, pensando seriamente. — Mas você tem admitir que é arriscado tudo isso.

— Eu sei, Thalia. — Nico concordou, seus olhos negros focados como estrategista que provava ser. — Mas sabemos também o que significa, pelo menos, não tentar. Jason, Hazel e até Will… Eu não sei o que os deuses fariam.

— Você quer tentar?

— Eu não quero… Mas não temos escolha.

[ *** ]

Suspirei, pensando nos termos dos nossos pais, nos riscos, no que tudo aquilo traria. No plano, na decisão arriscada de nos casar e procurar um divórcio, algo pouco conhecido entre os olimpianos, depois de mil dias.

— Então, vamos supor que eu aceite… — Comecei, deixando claro meus termos, mas com medo do que os deuses ouviriam. Precisava deixar cada parte do plano que enganaria aos deuses, implícita. — É só um acordo, não precisamos dessa coisa de "amar até que a morte nos separe". — Pontuei, deixando nas entrelinhas que todo aquele casamento acabaria depois de mil noites. Nico assentiu com a cabeça, concordando com um leve sorriso, deixando claro que ele entendia todos os meus termos. Sorri de canto, não perdendo a chance de implicá-lo: — Você vai poder até continuar com seu crush.

— Muita engraçado, Thalia. — Nico rebateu, revirando os olhos e eu apenas ri. — Esses são os termos? — Assenti com a cabeça e Nico mordeu o lábio inferior, parecendo ansioso. — Só tem mais um ponto… Para fingir, você sabe que vamos ter que nos beijar, não é?

Suspirei e assenti. Eu não gostava nada dessa parte. Imaginei que Nico também, afinal, eu sou uma garota. E não sou tão reluzente quanto Will.

— Sim, eu sei.

— E você também sabe que você não pode me jogar um raio sempre que eu te beijar, não é?!

Frizou, me fazendo revirar os olhos.

— Não espere eu me desculpar por isso. — Adverti e Nico apenas balançou a cabeça suspirando.

— Apenas não me mate, ok? — Murmurou cansado e acabei rindo, assentindo.

Olhei para Nico em silêncio por alguns momentos, tremendo os momentos que logo viriam e imaginando os sofrimentos que enfrentamos. Não seria fácil, de maneira nenhuma. Mas, pelo menos eu não estaria sozinha, não é?

— Então, Thalia Grace. — Nico começou, seus olhos escuros fixos em mim e um leve sorriso nos lábios. — você aceita se casar comigo?

Não havia mais como voltar atrás, tudo o que nos restava era um plano louco e insano. Contudo, nossos amigos estavam em perigo, por mais que eu estivesse brigada com meu irmão, eu sempre faria tudo para proteger Jason. Não havia outra resposta, então, enfim eu concordei:

— Sim, Nico di Angelo.