Orgulho e Preconceito escrita por Mokocchi


Capítulo 15
A arte de enganar


Notas iniciais do capítulo

Vindo direto no forno, e como planejei desde o capítulo 12, um capítulo prontinho no timing certo. Provavelmente o capítulo mais descritivo e que leva o leitor a pensar um pouco mais até agora. Hideki, Jackson Antony cullen, RethsamGreenDínamo, Kamiouji, Kaiatsu Kato, queridos, vocês querem me matar do coração com essas recomendações lindas? Muito obrigada mesmo! Esse capítulo é de vocês!
Boa leitura!



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Domingo, primeiro de dezembro, o dia em que Judy não pôs os pés para fora de casa. Na verdade, sequer cogitou em sair do seu quarto. Perdera as forças com tantos pensamentos rodando em sua mente, lhe tirando o sono, a alegria, e a paz.

Se ela dormira duas horas na noite anterior foi muito, de resto, ficava circulando batendo as perninhas pra lá e pra cá, fazendo a si mesma perguntas sem respostas. Não tirava na cabeça o que havia acontecido, ou melhor, o que quase aconteceu, e nas consequências que esse simples, porém temido desejo trouxera sem permissão para a sua mente.

Não, ela não havia pedido por nada daquilo, nada tão complicado, nada que parecesse tão absurdo. Nada tão errado. “Errado...”, aí entrava a questão da moral, ética e convicções, que também não pediram permissão para incomodar sua pobre cabecinha. Estava tão cheia e pesada que, talvez por isso, não conseguia mais se manter em pé. Não conseguia mais nada. Não sabia de mais nada.

Sua campainha tocou por volta das três da tarde, devido à insistência, devia ser Nick, e por isso mesmo não atendeu. Torceu para ele não lembrar que tinha uma cópia da chave, e ela teve sorte nesse quesito. Na verdade, Nick era de lembrar todos os pequenos detalhes, porém, pelo menos uma vez, preferiu dar o espaço que a coelha parecia almejar com todas as forças.

A coelha chorou mais quando a sombra que pairava do outro lado da porta foi embora, e estava sozinha mais uma vez. Sozinha, como sempre ficava após algum incidente desagradável com Nick, coisa que já estava se tornando rotineira.

— Será que vai ser sempre assim agora? – resmungou com os olhos ainda cheios de lágrimas, enxugando seu focinho úmido com a pata.

Sua tristeza converteu-se em raiva. Amaldiçoou o mundo, as circunstâncias, a situação, a todos os animais vivos, a Nick, a si mesma. Por que uma coisa dessas tinha que acontecer justo com ela?

— Por quê?... – sussurrou para nenhum ouvinte, apoiando as patas em suas orelhas murchas e sentindo uma vontade imensa de bater a cabeça contra a parede. –... Por quê?

Tomou um susto quando seu celular vibrou ao seu lado, agradeceu aos céus por não ser Nick, mas ainda assim não era coisa lá tão boa. Seus pais sempre optaram pelas ligações de vídeo, e aquilo era sinal de que precisaria forçar um sorriso no rosto.

Encarou a foto dos seus pais por mais uns segundos antes de atender, e ao ver aqueles rostos tão felizes, envergonhou-se por ter pensado coisas que eles certamente não aprovariam. Respirou fundo, abriu um largo sorriso, e atendeu.

— Olá, coelhota! – saudou o seu pai, todo sorridente para a própria câmera enquanto sua mãe acenava no mesmo estado de humor. – Está tão sumida, meu amor.

— Ah, sabe como é, pai – respondeu, ainda forçando o sorriso. – Muito trabalho em um caso bem complicado.

— Santa cenoura – disse sua mãe –, será que seu departamento não dá uma trégua?

— A justiça não tem trégua, mamãe. E vocês sabem, como eu amo meu trabalho, não é um problema.

— Só espero que haja essa bendita trégua no natal! – disse seu pai, num tom mais eufórico. Ele, assim como ela, amavam comemorar o natal. – Eu, sua mãe, e todos os seus duzentos e setenta e cinco irmãos a estaremos esperando para a ceia. Vai ter cebola assada!

— E sua presença é mais que essencial, filha – disse a coelha mais velha, tentando arrancar a reação mais sincera possível da filha para ter certeza de que ela não estaria blefando. E realmente não estava.

— Mãe, mesmo que eu estivesse diante do caso mais importante da minha carreira e só pudesse resolvê-lo no natal, teria que abandoná-lo – respondeu a coelha menor, aliviando os pais. – Além disso, eu não aguento mais tanta saudade.

— Falou e disse, coelhota! – euforizou o pai sorridente. – E dessa vez pode trazer algum convidado, caso queira.

— De preferência, um namorado! – enfatizou sua mãe, desmoronando aquele sorriso fingido.

Qualquer assunto que envolvesse uma relação amorosa a lembrara de tudo aquilo que a torturou nas últimas horas, e pensar nessas coisas diante dos pais não era nada confortável. Precisou de força para restaurar aquele sorriso fingido, assim como para tirar Nick da cabeça.

— Se ainda está encalhada, não precisa se preocupar! – exclamou a mãe, sorridente e alegre. – Tem uns coelhos novos na região, além de serem ótimos confeiteiros, são lindíssimos!

— Mãe – disse Judy com a pata sobre a testa, antes que sua mãe pudesse falar mais alguma coisa –, eu... estou realmente cansada. Tive insônia na noite passada, e acho que preciso tentar dormir um pouco.

— Insônia? Está tudo bem? – perguntou seu pai, preocupado.

— Está sim, só... preciso dormir.

— Está bem, filha – o pai voltou a sorrir. – Bom descanso.

— Mande abraços pro Nick – acrescentou sua mãe, cometendo o segundo deslize.

— Tchau, gente – foi à última coisa que Judy disse antes de concluir a ligação, e por alguns segundos, sentiu vontade de jogar o celular pela janela.

Aquela ligação, rever seus pais, no caso, fora tudo o que a policial menos precisava naquele momento. Com tantas perguntas e inseguranças na sua cabeça, lembrar que, se por um acaso abrisse a cabeça para novas hipóteses, por mais estranhas e improváveis que estas soassem, não teria a devida liberdade para conversar a respeito com seus pais, lhe pareceu o fim de tudo.

“Mas e se... mas e se eu realmente... Não!”

Ela enfim teve forças para se levantar, e quando o fez, correu para o banheiro, a privada, no caso. Vomitou tudo o que conseguiu comer no almoço, seu estômago sempre embrulhava quando estava nervosa demais, ou quando se encontrava numa situação delicada. No caso, ela estava vivendo tudo de uma vez.

Se recompôs, levantou-se, e lavou o rosto na pia. Diante de seu próprio reflexo no espelho, foi à primeira vez em horas que viu seu estado. Seus olhos estavam inchados com grandes olheiras em baixo deles, os pelos desarrumados, e suas orelhas se recusavam a levantar, não importa a situação.

Encarou o mais profundo violeta de seus olhos, lá encontrou solidão, desespero, tristeza, dor, raiva, tudo menos a si mesma. Em anos certa de tudo o que esteve a sua frente, Judy nunca se sentira tão perdida. A curiosa e valente oficial Hopps, estava ali, sofrendo pelo medo de conhecer a si mesma. Desde quando fora tão irreconhecível aos próprios olhos?

— Tire isso da cabeça, Judy – ordenou a si mesma, cerrando os punhos, com o olhar de quem havia acabado de tomar uma decisão definitiva. Olhou-se mais uma vez e respirou fundo, procurando a calma com todas as forças. – Você não é... isso.

—-X---

A raposa do apartamento 1002 estava mais inquieta que um filhote de cão labrador, andando de cá pra lá, derrubando as coisas com sua cauda, e claro, sem dispensar um bom café. Até desmarcou o encontro que teria com Venus, tinha sorte de sua namorada, se é que já podia chama-la assim, ser tão paciente e compreensiva. Venus não era grudenta, por isso, mesmo sendo sua vizinha, não era de visita-lo todos os dias. Talvez fosse coisa de raposas, gostavam de seu devido espaço.

Mas, voltando para a inquietação de Nick, esta devia-se a ninguém menos que Judy. Não conseguia pensar em outra coisa que não fosse sua amiga coelha, e mais uma de suas mudanças comportamentais que o atormentavam mais que aquelas músicas horríveis que grudam na cabeça.

Não precisava ser um gênio para notar que Judy nunca esteve tão estranha, e era agonizante não saber o motivo disso. Mas nada era pior que perceber que ela simplesmente não queria conta-lo. Amigos não deveriam contar tudo um para o outro?

Nick sentou-se no sofá e xingou baixinho por ter derrubado um pouco de café no tapete, e desleixado, esqueceu da sujeira rapidamente para apreciar pela janela o lindo pôr-do-sol de domingo, quando bate aquela preguiça, aquela tristeza de contagem regressiva para segunda-feira. O que, ao seu ver, tornou-se ainda pior pelo fato de ter de encarar Judy logo cedo.

Acomodou-se mais no sofá, suspirou, e pensou alto:

— Por que ela tinha que ser tão complicada? – perguntou a si mesmo como se aguardasse uma resposta dos céus. “Uma hora está bem, outra está com raiva, depois me evita”, suspirou mais uma vez, com o aperto que sentiu o dia inteiro no peito, “Será que sou eu? Eu estou fazendo alguma coisa?”— Por que essa coelha tosca não quer me cont–?

O som da maçaneta girando o fez levantar-se rapidamente. Primeiro pensou ser um ladrão querendo entrar, e já se pôs em modo de ataque desejando estar com seus equipamentos de policial que deixou no escaninho. Depois que a porta foi aberta, lembrou-se que apenas uma pessoa tinha a cópia da chave, e a expressão foi de surpresa.

Judy entrou no apartamento com o sorriso mais limpo do mundo no rosto, aquilo foi o suficiente para que os miolos de Nick quase estourassem. Aquela expressão leve e inocente no rosto da coelha chegava a ser assustadora, caminhou com cara de quem esqueceu completamente o ocorrido, sentou-se no sofá e ligou a TV como quem já é de casa.

“Ok, agora eu não tô entendendo mais nada”, pensou, enquanto ainda arregalava os olhos para a menor. Judy percebeu, e riu.

— Que cara e essa? – perguntou ela, sorrindo enquanto mudava os canais. – Parece até dor de barriga.

— Mas-Mas... – Nick teve que sentar-se novamente por perder o equilíbrio das pernas. Fitou Judy no fundo dos olhos, de maneira que a forçasse a olhar para ele de volta. – Você não... – a expressão desentendida da coelha o fez desistir, cruzou os braços e se acomodou no sofá com uma cara amarrada. – Esquece. Eu realmente não estou entendendo mais nada.

Houve quase um minuto de silêncio, com os dois policiais olhando apenas para a televisão, até que Judy decidiu falar:

— Não tem o que entender – roubou o olhar de Nick, mas ela se recusou a olhá-lo de volta, tão pouco a tirar a expressão calma do rosto. Estava calma. Ou era o que pensava. – Só... vamos esquecer essa droga toda, está bem?

Olhando no mais fundo de seu violeta, Nick encontrou um socorro, Judy parecia suplicar, de verdade, para que tudo fosse esquecido. Aparentemente não era só ele que queria deixar as coisas no lugar.

Por mais que um pouco desapontado, suspirou, e voltou-se para o programa chato que estava passando. Mas seu coração ainda implorava por uma mísera explicação, e este controlou sua voz.

— Eu me preocupo, Judy – quando ele a chamava pelo nome, é porque não estava para brincadeiras. – Como você queria que eu ficasse com tudo o que aconteceu? Poxa, você é quem mais confio no mundo todo, por que você não–?

— Nick – ela o interrompe num tom mais sério, e os dois se encararam em silêncio por alguns segundos, buscando respostas de perguntas que nem eles mesmos sabiam responder. Lembrando-se do que prometeu a si mesma, Judy voltou a sorrir, e o garantiu. – Tá tudo bem, não vai se repetir. Nunca mais.

Aquilo o confortou bastante, de fato, era isso que ele procurava desde o início. Ambos voltaram a olhar para a TV, e finalmente mudaram para um canal melhor. Aquele silêncio de dois minutos o fez perceber que, mesmo com a paz restaurada, ainda se preocupava com a amiga.

— Mas... – ele começou, meio sem jeito por ter em mente que ela suplicava para que ele esquecesse tudo o que aconteceu – você... está bem mesmo?

Não houve resposta imediata. Ela poderia tê-lo contado de uma vez, podia ter evitado o grande peso na consciência que estava por vir, podia ter encontrado o apoio que tanto precisava, podia ter tornado o laço entre os dois mais forte que nunca.

Mas ela sentiu medo. E medo foi o que Judy esteve sentindo por todo esse tempo. Não há nada mais triste que sentir medo de si mesma.

— Claro que sim – respondeu com o mesmo sorriso, porém, parecia enganar mais a si mesma do que o próprio Nick. – Não tem nada acontecendo.

A raposa se convenceu, e voltaram a conversar normalmente enquanto assistiam TV. Parecia estar tudo bem, mas no fundo, ela mesma sabia que tudo estava fora do lugar. Mas quem um dia irá dizer que encarar os problemas é mais fácil que fugir deles?

A confortante e ardilosa arte de enganar a si mesmo.

—-X---

A sexta-feira chegou voando para os ansiosos, e assim que saíram do trabalho, pegaram o primeiro metrô para Tundralândia. Judy estava tão animada que não conseguiu passar um minuto sem bater o pezinho no chão, Nick, por sua vez, mexia sua calda pra lá e pra cá. Iriam, depois de um mês e meio, dar de cara com as provas do crime. E isso não era um sonho.

— Espero que esse cara tenha descoberto um monte de coisas – disse Nick, enquanto ajustava a gravata preta de seu uniforme. Desceriam dali depois de mais duas paradas. – Não esperamos quase um mês pra nada.

— Sei que vamos desvendar o caso, Nick – Judy falou como se dissesse a coisa mais obvia do mundo. – Eu sinto isso.

— Que seus pressentimentos não estejam errados.

O trem-bala deu a primeira parada, e vários animais saíram do veículo para outros entrarem. Entraram em movimento assim que voltaram a falar.

— Também espero que aquele lobinho não haja de maneira tão hostil – resmungou a raposa, deixando Judy desapontada, mas não surpresa.

— Se vocês se dão bem ou não, eu não ligo, apenas lembre que estamos a trabalho – disse Judy séria, se segurando no momento em que o veículo parou outra vez. – E já tá na hora de você parar com esse preconceito ridículo contra lobos.

— São uivadores irritantes, o que você quer que eu faça? – perguntou Nick, e seu tom tinha certo deboche. – Falando nisso... você já ouviu o Wolfgang uivar?

— O que isso tem a ver? – ela levantou a sobrancelha.

— Só responde.

— Não, por quê?

— Esquisito – Nick tornou pensativo, e o trem entrou em movimento mais uma vez. – Lobos uivam o tempo todo sem motivo algum, mas nunca escutei esse cara uivar.

— Que diferença isso faz?

— O torna menos irritante.

Os policiais se levantaram e saíram do trem na última parada, estavam em Tundralândia mais uma vez, e foram tolos em esquecer o casaco, no inverno, aquela cidade se tornava o verdadeiro inferno congelante. Após alguns minutos de percurso discutindo se o uivo de Nigel era realmente relevante, chegaram à casa do próprio.

Subiram as escadas, pararam de frente para a porta, se entreolharam, respiraram fundo, e antes que Judy pudesse tocar a campainha, a porta foi aberta. O grande lobo estava de frente a eles com uma feição bem receptiva, pelo menos para Judy. Evitando trocar mais olhares hostis com a raposa, abriu um pouco mais a porta de sua casa, os convidando sem cerimônia.

— Entrem.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado, não esqueça de deixar seu review, pode elogiar, xingar, dar ideias, enfim, o que quiser escrever será muito bem vindo!
Tentarei manter esse timing de capítulo novo a cada dois fins de semana (e FAREI O POSSÍVEL para começar a postar dois capítulos de uma vez nesse mesmo timing, mas não é nada certo), então, até daqui a duas semanas o/
Kissus ♥