A Última Batalha escrita por Livia Y


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

“Can't rid of this part of you rotting in
The same cold space
You don't want to feel anything new
You've decided

To spent your life
Safe from emotion
This way you'll never be harmed again
Or confused now

You spent your life
Trapped in this void where
You will stay away”



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Algum tempo atrás...

Era uma manhã fria e úmida, mais um dia indistinto dentre tantos de seu árduo treinamento. Rey segurou seu sabre como sempre fazia, com um carinho que não se deve dispensar às armas – mas um sabre de luz é mais que uma arma, é uma extensão do corpo do jedi que o empunha. Experimentou o peso do cabo em sua mão direita, como já fizera milhares de vezes. Acionou o feixe de plasma, um risco azul que nunca deixava de maravilhar a garota, e acertou o ar com alguns golpes, cortando em pedacinhos um inimigo imaginário qualquer. Repetiu posições de ataque e defesa até o sol firmar-se no céu limpo, iluminando o gramado sem aquecê-lo. A garota nunca conseguira gostar do frio. Na verdade, habituara-se a ele. Era um companheiro incômodo, mas silencioso. E do silêncio ela gostava.

Treinou até o suor encharcar sua túnica. Ofegante, sentou-se com as pernas cruzadas para mais algumas horas de meditação. Mas, se o exercício pesado fora capaz de desanuviar sua mente, ficar ali sentada ouvindo a própria respiração só estava servindo para lhe trazer ainda mais angústia. Não sabia bem porquê, mas acordara sobressaltada por algum pressentimento indefinível. Algo estava para acontecer.

À distância, o mar azul que envolvia a pedra onde ficava o templo parecia calmo, com ondas preguiçosas rebentando lá embaixo, um suave compasso guiando sua meditação. A Força permeava a natureza, e se deixar levar pelos ritmos naturais sempre ajudava a canalizar o poder. Fechou os olhos e concentrou-se, tentando esvaziar a cabeça de qualquer pensamento, abrindo caminho para a Força atravessar seu corpo, energizando-a.

Mas foi surpreendida por ele.

Ele, que já mostrara ser capaz de invadir a mente dela com facilidade.

Tão alto, enrolado em um manto negro, os cabelos também pretos esvoaçando. Seus olhos escuros pareciam ainda mais duros e cruéis, o rosto jovem cortado por uma longa cicatriz. Rey estremeceu, sabendo que ela causara o ferimento que marcava o semblante do inimigo à sua frente. Ele caminhou em direção a ela enquanto desembainhava o próprio sabre, e seus passos eram cuidadosos, com a majestade esperada do filho de uma princesa. A cruz vermelha cintilou com o estalar característico das lâminas de laser, faiscando.

Rey tentou se erguer, mas era impossível romper a imobilidade. O uso que ele fazia da Força era agora mais impressionante do que nunca. Ela ainda estava sentada na mesma grama verde do templo, ao seu redor o mesmo oceano, mas tudo parecia estranho, sombrio, como se uma terrível tempestade subitamente tivesse chegado. De onde ele teria vindo? Como ela não o vira antes? Não havia lugar para se esconder no alto da pedra. Um horror gelado crescia dentro dela conforme o cavaleiro se aproximava, girando o sabre para atacá-la. A jovem aprendiz tentou chamar seu mestre, mas a voz não saía.

Ele se deteve a poucos passos da garota. Ergueu a outra mão, e Rey sentiu como se os dedos enluvados do guerreiro lhe apertassem subitamente o pescoço. O grito que ela tentou dar morreu na garganta, estrangulado pela força dele. Ela então percebeu que podia se mover novamente, e levou as mãos ao pescoço, tentando soltar o aperto incorpóreo que a sufocava. Em vão. Devagar, ele a levantou do chão. Era impossível respirar. As pontas de seus pés mal tocavam o solo.

Lágrimas desesperadas escorreram por suas bochechas, a boca aberta inutilmente, incapaz de respirar ou emitir qualquer som. Ela encarou seu algoz, decidida a não suplicar por misericórdia. Ele a observava indiferente, um monstro com o rosto de um menino. Ainda desapaixonadamente, Kylo Ren apontou o sabre para o coração dela, e introduziu o plasma até o cabo. A garota sentiu cada milímetro do golpe, queimando e ardendo, abrindo um buraco em seu peito. A dor era maior que todas as que já havia experimentado em sua curta vida. Ela fechou os olhos, derrotada.

Morrer era isso?

Desmanchar lentamente nas mãos de um inimigo, o corpo trespassado por um golpe covarde, sem nem ter tido a chance de lutar?

Tanta dedicação, tanto esforço e treino... para quê?

Em sua agonia, Rey vislumbrou um pequeno contentamento. Pelo menos agora deixaria essa casca mortal, para entrar na Força... fazer parte dela, definitivamente.

A compressão em sua garganta atenuou-se. Mas antes que pudesse sorver o ar pela última vez, sentiu seu corpo ser sacudido com violência.

Gritavam seu nome, ao longe.

Exausta, ela não resistiu contra quem a chacoalhava.

— Rey... Rey! Acorde!

A padawan não tinha forças para abrir os olhos, mas lentamente recobrou os sentidos. Tudo não passara de uma visão. Um sonho.

Um pesadelo.

Sentiu quando alguém a segurou, agora com cuidado. Era seu Mestre.

Sentia-se febril, doente.

— Mestre... – ela sussurrou, rouca como se realmente alguém houvesse tentado asfixiá-la.

— Não diga nada, criança. Foi só um pesadelo. Já acabou.

Mas Luke Skywalker sabia que aqueles maus presságios só terminariam quando Rey cumprisse seu destino. Resignado, carregou o corpo leve da garota para o interior do templo. Ela estava pronta, e em breve a galáxia finalmente ganharia mais um jedi na batalha contra a escuridão. Luke suspirou ao pensar no que a galáxia poderia perder.

 

* * *

 

Últimas horas

A batalha até ali havia sido penosa. O conflito se espalhara pela galáxia, fratricida e devastador. Dezenas de sistemas destruídos, civilizações inteiras transformadas em meras partículas, pó e cinzas vagando pelo espaço. Rey tentava não pensar em todos os amigos que perdera, temendo se entregar à dor e não ser capaz de fazer o que tinha de ser feito. Acima de tudo, tentava não pensar em Kylo Ren.

Seu grande inimigo. Sua contraparte no Lado Negro, capaz de assassinar o próprio pai em nome do poder. Já haviam se enfrentado duas vezes antes. Na primeira, em meio ao caos gelado que fora a base Starkiller despedaçando-se. Rey vencera, marcando indelevelmente o rosto do cavaleiro. Durante muito tempo ela se ressentiu por não tê-lo matado, como desejara ter feito. Rendido e ferido, sangrando na neve, teria sido até misericordioso acabar com o sofrimento dele. Mas Kylo Ren nunca mais se mostrara um alvo tão fácil. E anos de treinamento a fizeram compreender que não era para ser, não podia ser daquele jeito. Não se executa covardemente um inimigo caído. Da segunda vez, na base da Resistência no sistema Illenium, Kylo Ren fora o vencedor. Mas o cavaleiro a teria matado mesmo desacordada – fora salva por uma intervenção de Mestre Skywalker no último instante.

Agarrou o cabo de seu sabre até os nós dos dedos ficarem brancos pelo esforço. Agora seria diferente. Passara os últimos anos treinando com afinco quase obsessivo, e os últimos meses em lutas ininterruptas pela galáxia, guerreando em nome da Resistência, tentando rearticular a República e desmantelar o que pudesse da Primeira Ordem. Mas as coisas ficavam cada vez mais difíceis. Kylo Ren parecia o general perfeito, colecionando vitória atrás de vitória. Seria preciso uma medida drástica para detê-lo, e a Inteligência dos rebeldes acabara por formular o complexo plano que levara Rey até ali, até uma das salas de comunicação da nova base da Ordem, onde Ren conferenciava com Snoke por meio de um complexo aparato de holos.

Escondida por trás do maquinário, ela mantinha há várias horas a mesma posição. Rey controlava todos os mínimos sons que emitia ao respirar, concentrada em fazer sua presença não ser notada. Passara as semanas antes da batalha final treinando para mascarar a própria identidade nas linhas da Força. Era extenuante, ela sabia que não conseguiria permanecer oculta por muito tempo. E pensar em Kylo Ren não melhorava em nada sua situação.

Eles tinham... uma história. Um segredo que Rey escondera até de seu próprio Mestre. Logo após capturá-la em Takodana, Kylo Ren a levara até a Starkiller para interrogá-la. Ambos eram tão jovens. Tão tolos, perdidos numa guerra confusa que parecia muito maior do que eles. A sucateira de Jakku e o aprendiz de Snoke haviam sido tragados pelo torvelinho de um conflito que se arrastava há milênios, e que por um mísero instante pareceu não lhes dizer respeito. Um instante em que se amaram, em que Rey acreditou que poderia redimir o Caveleiro de Ren... mas também um momento em que o próprio Kylo acreditara ser capaz de arrastá-la para o Lado Sombrio.

Como todos os amores impossíveis, o deles não terminara bem. A cicatriz no rosto pálido do guerreiro atestava isto. O coração de Rey apertou-se, pesaroso e amedrontado. Ainda lhe doía pensar em tudo aquilo, como doía! Mas não poderia mais enganar a si mesma: em algum lugar dentro dela ainda vivia uma pequena esperança de salvar Ben Solo, resgatá-lo... repreendeu-se por pensar nisso. Precisava ter coragem, deveria esmagar esse sentimento, extirpar essa tolice antes que fosse tarde demais.

Mas o momento chegou sem que Rey se decidisse. Ela ouviu passos adentrando a câmara, e imediatamente reconheceu Kylo Ren. Ele era inconfundível. A Força nele fez com que todos os pelos do corpo da garota se eriçassem. Ela não o via há anos, exceto pelos raros e aterrorizantes sonhos que tinha com ele, verdadeiros pesadelos. Ela podia sentir o cansaço que ele sentia, e uma leve hesitação. Ouviu-o retirar o elmo com um estalido. Imaginou-o parado diante do palanque do holo, segurando o capacete, pensando no que diria para seu Líder. Não se atreveu a tentar vasculhar a mente dele – Kylo a descobriria de imediato se o fizesse.

Então ouviu um estrondo maior, algo pesado caindo no chão. O elmo. Um arrepio percorreu suas costas. E então ouviu o crepitar oscilante, característico do sabre vermelho de Kylo Ren.

— Você realmente acreditou que poderia se esconder de mim?

A frase ecoou pelo recinto vazio. Não havia mais sentido em manter a farsa. Rey rastejou para fora do projetor, aproveitando para se esticar, deixar o sangue circular livre por seus membros. Não queria que ele percebesse o efeito que sua voz causara nela, aquela voz profunda e grave. Decidida, acionou seu sabre. Metade da câmara reluzia avermelhada, e a outra metade brilhou com o plasma azul.

— Somos só nós dois agora, Ren.

Ele girou sua arma, posicionando-se para o ataque, mas limitou-se a sorrir. Ela deteve-se um instante para observá-lo, em toda a sua atemorizante glória. O guerreiro estava um pouco diferente do que ela se lembrava. A cicatriz o deixara mais ameaçador. Os cabelos estavam mais compridos, ultrapassando os ombros. Entretanto, ele ainda mantinha a beleza trágica que ela conhecera, os traços remanescentes de um garoto que crescera rápido demais.

— Não trouxe Luke Skywalker para salvá-la desta vez?

Rey umedeceu os lábios com a língua, mas escolheu não responder à provocação. Em vez disso, também assumiu uma posição ofensiva e refletiu por alguns instantes.

— Renda-se, e eu posso poupar sua vida. A Resistência não executa prisioneiros, você terá um julgamento justo.

Sua mãe saberá perdoá-lo. Talvez... talvez eu possa perdoá-lo também...

A jovem mordeu o lábio inferior, tentando espantar aquele pensamento.

O sorriso afetado murchou nos lábios dele, e Kylo Ren a encarou franzindo a testa.

E sem outro aviso partiu para o ataque.

Ele a golpeava com ódio, incessantemente. O som dos sabres se chocando reverberava na câmara, e faíscas dançavam no ar a cada encontro mais violento. Ambos eram guerreiros completos, agora. Quem observasse o embate seria incapaz de determinar um favorito para vencê-lo, mas provavelmente se encantaria pela beleza mortal da disputa. Rey e Kylo Ren desafiavam a gravidade, desviavam de golpes no último instante, seus reflexos perfeitos moldados pela habilidade que cada um possuía em manipular a Força. Rey era menor e mais ágil, vestida com o manto claro de uma cavaleira jedi. Ren era maior, um pouco mais lento porém mais forte, coberto de negro como os antigos lordes Sith.

Mediram suas habilidades pelo que lhes pareceu um longo tempo, empatados. Lutaram ininterruptamente até o suor pingar de seus corpos, até a respiração de ambos se tornar acelerada. E de repente viram-se frente a frente, os sabres cruzados. O chiado das duas lâminas se tocando foi o único som por um longo tempo, até Kylo Ren sussurrar:

— Eu nunca... nunca vou perdoar você por me abandonar.

— Eu... nunca... te abandonei. Você que jamais escolheria ficar comigo.

Ele jogou seu peso contra ela, tentando desequilibrá-la, mas Rey manteve-se firme.

— Você está sozinha no coração da minha base. Eu não sei como... como você chegou até aqui. Mas garanto que não vai sair... que não vai sair viva.

Os olhos dele estavam úmidos. Rey percebeu que seus lábios tremiam. Assim tão de perto, a enorme cicatriz era uma linha retorcida, uma profunda queimadura. Ela sentiu a ferida arder em seu próprio rosto.

— Kylo... se renda. Por favor... venha comigo. Venha.

— Nunca!

Ele se desvencilhou com um salto para trás, e voltou a atacá-la com violência ainda maior. Rey podia sentir o ódio transbordar dele. Guerreiros do Lado Sombrio ficavam mais poderosos conforme se entregavam a estas paixões cruéis, ela sabia. Ele a golpeava de modo inclemente, e Rey defendia-se como podia das investidas truculentas do sabre de Kylo Ren. Ele a empurrava para trás a cada estocada. Logo Rey ficaria presa contra a parede da sala. Mas antes que pudesse pensar em como se esquivar do próximo ataque, Kylo a abalroou e, com uma cotovelada precisa na mão direita da jovem jedi, atirou para longe o sabre da garota.

Encurralada e desarmada, Rey tentava desesperadamente pensar em uma forma de escapar. Com a Força, ele a impedia de atrair seu sabre caído. Certo da vitória, Kylo Ren girou seu sabre e posicionou-se para o ataque, iluminado pelo vermelho da arma, agora a única fonte de luz. Mas ele não se mostrou presunçoso como Rey esperaria. Parecia... triste.

— Eu amei você, Rey. – Ele começou a dizer, a voz entrecortada para respirar. – Juntos, nós poderíamos ter dominado a galáxia. Não vou ter nenhuma satisfação, nenhum prazer em matar você.

Rey sufocou um soluço.

— Você está ainda mais linda. Muito mais do que eu me lembrava.

O sabre desceu sobre ela, implacável, mas não rápido o suficiente. A garota esquivou-se, e rolou para o lado. Antes que Kylo Ren pudesse virar-se para ela, Rey o chutou com toda a força. Ele caiu para frente, soltando o sabre, e a sala escureceu. Rey saltou mais uma vez, e durante o salto usou a Força para atrair o sabre vermelho. E logo era ela quem tinha a vantagem, de pé e armada em frente ao guerreiro ajoelhado. Ato contínuo, ela atingiu o ombro dele com o sabre. O corte foi profundo o bastante para desestabilizá-lo, mas não era mortal.

— Renda-se, Ben.

Ele ergueu a cabeça para fitá-la.

— É tarde demais. Ben já está morto há muito tempo.

Ele ergueu o corpo. O rasgo no manto escuro fumegava, expondo a pele queimada.

O sabre vermelho crepitava como nunca.

Kylo Ren fez menção de atacá-la novamente, e Rey o atingiu mais uma vez, no flanco descoberto. Ele gemeu e curvou-se, rindo e chorando ao mesmo tempo.

— Você não vai matar um inimigo desarmado, vai?

— Kylo, por favor...

Antes que ela pudesse terminar, ele puxou para si o sabre azul e ligou a lâmina, partindo para o ataque.

Mas os ferimentos o deixaram lento. Assim que ergueu o braço para atacá-la, Rey enfiou a lâmina vermelha no tórax dele. Kylo olhou para ela, e deu mais alguns passos em direção ao cabo em forma de cruz, introduzindo o feixe de plasma ainda mais fundo. Olharam-se por alguns instantes, intermináveis, terríveis.

— Eu me sinto... tão só.

Ele sussurrou, e uma gota de sangue manchou seus lábios de vermelho.

Rey desligou o sabre e amparou Kylo Ren, Ben Solo, o único homem que ela amara, e o que mais odiara em sua vida. Chorou, pensando em tudo que poderia ter sido diferente. Devagar, ambos deslizaram para o chão, abraçados. A vida esvaía-se dele rapidamente.

— Me perdoe, Rey.

Ela o beijou com sofreguidão, sentindo o gosto metálico do sangue e da morte.


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Notas finais do capítulo

Escrevi outras histórias no universo de Star Wars The Force Awakens, não deixe de lê-las se curtir o tema. Como sempre, comentários, sugestões e correções são bem-vindos!
Escrevi esta história baseada numa imagem que vi no Facebook.