Thalia

— Não precisa me acompanhar até a campainha, Nico – Declarei, sentindo-me um tanto nervosa por aparecer na casa de meu irmão com meu falso noivo.

Nico apenas sorriu de canto por um instante, o que me fez querer bater nele com o gnomo de jardim do meu irmão. É muito irritante quando ele faz isso. Quando ele se atreve a ser irresistível, quero dizer.

— Não posso conhecer meu cunhado? – Por causa desse comentário ridículo, revirei os olhos, tentando conter a risada.

— Imbecil. – Toquei a campainha e, segundos depois, uma garotinha que trazia um pirulito em uma mão e o lambia abriu a porta. Ela tinha cabelos louros e lindos olhos azul-escuros, quase negros, como a pedra tanzanita. Quando me viu, seus olhos brilharam e um sorriso fofo enfeitou seu rosto marcado pela suavidade dos traços de infância.

— Tia Thalia! – A garotinha se apressou em me abraçar forte e eu a abracei de volta, apertando-a até ela rir. – Eu e o papai estávamos falando de você agora mesmo! Então você apareceu, como se fosse mágica!

Sorri, erguendo minha sobrinha no colo. Ela tinha apenas quatro anos, mas seus traços delicados, quase élficos, davam a ela uma aparência ainda mais infantil.

— É porque eu sou mágica, Haley. Mas você não pode contar para ninguém, okay? – Beijei suas bochechas coradas, após contar “meu segredo” em seu ouvido. Eu sei: Mentir é feio, mas era só uma mentirinha inocente, para preservar a infância dela. – Que saudade eu senti de você! – Olhei pela porta aberta. – Seu pai está em casa?

Ela assentiu, ainda sorrindo. Depois de um tempinho, finalmente pareceu notar a presença de Nico.

— Quem é esse, tia?

Sorri levemente, virando-me para Nico, cujos olhos negros brilhavam de satisfação.

— Esse é o meu... – Engoli em seco. Ah, brilhante, Thalia, pensei. Agora que tal formularmos uma frase completa? – Namorado. O nome dele é Nicholas.

Haley deu um sorriso tímido, ainda que doce.

— Oi, Nicholas! – Ela cumprimentou-o. – Muito prazer!

Nico riu baixinho.

— Prazer, Haley. – Ele deu um beijo na bochecha de minha sobrinha, fazendo-a ficar extremamente corada. – Pode me chamar de Nico.

Haley escondeu seu rosto em meu ombro, depois desceu do meu colo para correr para dentro de casa.

— Papai! A tia Thalia e o namorado príncipe dela estão aqui!          

— Haley! – Ouvi uma voz masculina, vinda da cozinha, repreendê-la. – Não corra com o pirulito na boca. Você pode se engasgar.

 Haley tirou o pirulito da boca e ficou olhando para ele como alguém olharia para uma arma carregada.

— E morrer?

— Terrivelmente – Respondeu. – Fatalmente, fatalmente morreria.

Alguns segundos depois, um loiro saiu da cozinha, limpando os dedos sujos de chocolate. Tinha olhos azuis como o céu, visíveis por trás das lentes dos óculos de grau que usava, pele bronzeada e uma pequena cicatriz sobre o lábio superior. Ele encarou Nico com certa curiosidade, mas abriu um sorriso quando me viu.

— Lia! – Ele me abraçou forte quando me aproximei. – Que bom te ver, irmãzinha!

— É bom te ver também, Jason. – Declarei, dando um sorriso de felicidade genuína. – O que está fazendo?

Jason sorriu enquanto fechava a porta depois de entrarmos.

— Bolo de chocolate. Foi ideia da Haley. – Quando viu Nico atrás de mim, Jason ergueu uma das sobrancelhas. – Namorado novo?

Na verdade, não, senti vontade de dizer, ele é só meu noivo arranjado incrivelmente lindo.

— Nico, este é Jason, meu irmão mais velho. – Apresentei, esperando que Jason engolisse a minha mentira. – Jay, esse é Nicholas, meu namorado.

Jason forçou um sorriso enquanto cumprimentava Nico. Sabia que meu irmão era super-protetor, mas esperava que ele e Nico pudessem ser amigos, uma vez que o di Angelo entraria em breve para a família.

—Um di Angelo? – Perguntou ao ver o brasão dos di Angelo (Um corvo, com uma rosa negra no bico, empoleirado no topo de um crânio) no anel que Nico usava.

Nico assentiu, parecendo mais confortável do que eu pensei que estaria. Uma sombra de dúvida passou pelo rosto de Jason, mas desapareceu tão rápido que pensei tê-la imaginado.

— Eu ia oferecer bolo, mas ainda não está pronto. – Meu irmão deu de ombros, estudando Nicholas com o olhar, como se ele fosse uma presa. – Mas fiz café. Querem?

— Tem torrada! – A felicidade infantil de Haley pareceu diminuir a tensão que pairava entre nós três, dando-nos um motivo para sorrir.

— Eu aceito sim, Jay. – Os olhinhos brilhantes de Haley faziam uma pergunta clara: “E as torradas?”. – E é claro que vou querer torradas, lindinha! – Sorri quando Haley deu um sorriso meigo e correu para a cozinha para pegá-las. Olhei para Nico, que parecia distraído. – E você?

Nico deu de ombros. Aquele gesto podia até parecer casual, mas eu sabia que havia algo o incomodando. Seus olhos inquietos deixavam isso bem claro.

— Pode ser.

Assim que Jason saiu para preparar o lanche, eu cutuquei Nico, visando chamar sua atenção de volta para o cenário atual. Por alguns instantes, ele apenas me olhou cegamente, como se não estivesse realmente me vendo, mas aquilo passou tão rápido, que pensei ter imaginado.

— Ele vai nos perguntar como nos conhecemos, não vai? – Naquele momento, eu entendi porque Nico estava tão estranho e distante. – Você acha uma boa ideia contarmos que... Vamos nos casar?

Nem ao menos cogitei a possibilidade. Eu tinha consciência de que Jason sabia que eu me separara de Luke recentemente; contar a ele que eu iria me casar em tão pouco tempo, com certeza deixaria logo claro que a coisa toda era arranjada, não passava de uma farsa. E meu irmão jamais aceitaria um casamento arranjado, principalmente se fosse o meu.

— Jason saberia. E ele nunca, em hipótese alguma, concordaria um casamento arranjado. Nem eu...

Não precisei terminar minha frase. O brilho nos olhos de Nico deixara claro que ele entendia. Que também não concordava plenamente com aquilo, mas faria tudo que estivesse ao seu alcance para deixar seu pai satisfeito – Enquanto eu estava me casando por razões inteiramente egoístas.

— Eu entendo, Lia, de verdade. – Um sorriso compreensivo surgiu em seu rosto. – Mas, nesse caso, teremos que mentir, não? Se Jason perguntar como nos conhecemos, o que nós diremos?

Não tive tempo para responder, pois, quando ia fazê-lo, Jason entrou na sala, trazendo consigo uma bandeja com torradas e xícaras de café. Haley o acompanhava, um sorriso doce decorando seu rosto fofo e corado.

— Fique calmo e não fale, nem faça besteira, seu idiota. – Foi tudo que disse antes de levar minha mão até a dele e segurá-la, em uma tentativa praticamente falha de acalmá-lo.

— Tudo bem.

Jason colocou a bandeja sobre a mesinha de centro, os olhos azul-celeste ainda fixos em Nico, estudando-o. Ao meu lado, senti o corpo do meu “namorado” ficar tão tenso quanto a corda retesada de um arco. Eu não o julgava por estar assim, afinal, se estivesse no lugar de Nico, certamente estaria me sentindo incomodada com o olhar penetrante do meu irmão.

— Thalia nunca trouxe nenhum dos muitos namorados dela aqui, Nico. Por isso, estou me perguntando como vocês se conheceram. Com certeza, deve ter sido especial, porque, caso contrário, você não estaria aqui. – Jason forçou mais um sorriso. – Por que não me contam como foi?

Nico olhou para mim com uma das sobrancelhas erguidas, uma pergunta implícita fazia-se presente nesse simples gesto: “Muitos namorados, huh?”. Em resposta, olhei para ele como quem diz “É, e daí?”.

— Então eu sou especial? – O sorriso que Nico lançou na minha direção (O sorriso maravilhoso número 5), me fez querer, mais do que nunca, enfiar minha cabeça em um buraco e não tirá-la de lá por um bom tempo. Por que Deus fizera um ser tão perfeito assim em sã consciência?

— Não, não é, seu idiota. – Graças a Deus, pensei, Graças a Deus, eu consegui formular uma frase coerente.

E foi naquele instante que notei que Jason deixara de olhar para Nico com aquele olhar com receio e dúvida. Na verdade, ele olhava-o como se há muito fossem amigos. Mais tarde, teria que ter uma conversa séria com meu irmão sobre como bipolaridade é uma doença séria e precisa ser tratada.

— Ela te chama de idiota com frequência?

Nico apertou os lábios tentando reprimir uma risada, mas, instantes depois, ele ria alto.

— “Idiota” corresponde a nove de cada dez apelidos que ela usa comigo.

Lancei um olhar indignado na direção de Nico, sentindo-me tentada a dizer que aquilo era calúnia, ainda que não fosse. Mas não o fiz – não porque não quisesse, mas porque Jason se pronunciara primeiro.

— Então acho que ela realmente, realmente gosta de você.

Graças ao meu maldito irmãozinho, minhas bochechas ficaram tão rubras, que estavam quase incandescentes. Fuzilei-o com o olhar, desejando mentalmente que a tal fada madrinha aparecesse naquele momento e transformasse meus olhos em fuzis de verdade. Para sorte de Jason, nada aconteceu. Nada de fada, nada de fuzil. Uma pena.

— Eu só o aturo, querido e inocente Jason. – Sorri, maldosa.

— Mentir é feio, tia Thalia. – Haley se pronunciou, balançando sua varinha mágica de brinquedo na minha direção.

É sério, Universo? Você colocou até a pequena Haley contra mim hoje?

— Se até sua sobrinha concorda, então eu terei que acreditar que realmente gosta de mim, Grace.

Para não ter que falar alguma coisa, eu enfiei uma torrada inteira na boca. Okay, eu confesso: foi uma péssima ideia. Eu quase engasguei.

— Já que Thalia está com a boca cheia, por que não me conta você como se conheceram?

É, foi realmente, REALMENTE uma péssima ideia ter colocado aquela torrada inteira na boca.

— Nos conhecemos no McDonald’s. – Nico disse por fim e eu quase engasguei mais uma vez enquanto tentava engolir aquela torrada.

— Que feio, tia Thalia... – Haley estalou a língua em negação. – Não pode colocar muita comida na boca... Você pode se engasgar.

Obrigada pela informação, Haley. Tia Thalia agradece!

— Continuando... – Nico sorriu de canto e eu contive a vontade de enfiar uma torrada em sua boca. – Nos conhecemos no McDonald’s. Ela havia acabado de entrar e eu estava comprando um lanche...

— E que lanche o senhor estava comprando? – Entrei na brincadeira, tanto para deixar aquela história mais verídica quanto para provocá-lo. Nico bufou baixo e revirou os olhos.

— Um McLanche Feliz. – Ele respondeu por fim. Jason riu baixo e eu ri no mesmo tom.

— Mas McLanche Feliz é para crianças, tio Nico! – Haley entrou na conversa outra vez. – Você não é criança... Ou é?

Foi o cúmulo: tanto os meus risos quanto os de Jason assumiram um tom mais alto à medida que Nico ficava tão vermelho quanto a caixa de um McLanche Feliz que tanto gostava de comprar.

— E ele me deu o brinquedo! – Acrescentei, ainda rindo e me lembrando de que Nico realmente me deu o brinquedo. Depois suspirei baixo, pensando em como me encaixaria naquela história. – Bem... Eu havia acabado de ser dispensada pelo meu atual ex e estava péssima. – Comecei. Aquela história tinha um fundo de verdade. Eu ainda estava, de certa forma, arrasada pela forma que Luke agiu. – E, bem... Nico tem esse talento especial de perceber a dor das pessoas.

Nico sorriu levemente. Mas eu não pude saber se aquele sorriso era sincero ou se Nico era um maravilhoso ator.

— Como vocês são fofos! – Haley bateu palminhas animadas. Depois ouviu o alarme do fogão e levantou-se num pulo. – BOLO! – Ela disse, correndo afobada até a cozinha e sendo seguida por Jason. – PAI! O BOLO TÁ PRONTO! EU QUERO BOLO!

Jason riu alto enquanto adentrava a cozinha e desligava o forno. Haley dava pulinhos animados enquanto meu irmão deixava o bolo para esfriar. Encarei Nico, sorrindo minimamente.

— Bom trabalho – Sussurrei antes que meu irmão voltasse até nós.

— Agora é só esperar esfriar. – Ele disse, afagando os cabelos da filha. – É muito bom ver como você fez bem à Thalia em tão pouco tempo de namoro.

Nico sorriu levemente. Suspirei baixo ao seu lado e sorri para meu irmão. Uma leve desconfiança passou pelo seu olhar, mas foi rapidamente substituída por um sorriso.

— Vocês vão ficar para comer bolo? – Haley perguntou. Os olhinhos brilhando em expectativa. Ri baixo e a abracei, olhando de leve para Nico, que assentiu. Ele que me levou até a casa de Jason. E eu não queria atrapalhá-lo.

— Claro que vamos ficar para comer bolo, pequena! – Falei, olhando-a nos olhos. Haley sorriu radiantemente. – E eu tenho certeza de que Nico está tão ansioso quanto eu para comer bolo de chocolate!

Nico sorriu de onde estava. Era incrível o modo como sabia lidar com crianças. E isso fez com que eu me perguntasse se ele já não tinha experiência.

— Eu quero um pedaço maior que o da Thalia! – Brincou, fazendo Haley rir.

— Não, o meu vai ser o maior! – Entrei na brincadeira. Nico fez um falso bico.

— Eu vou pegar dois pedaços grandões! Assim vocês ficam iguais! – Haley caminhou até Jason. – Pai! A Tia Thalia e o Tio Nico vão querer um pedaço de bolo bem grandão!

Jason riu alto. E eu ri baixo, ainda ao lado de Nico. Tio Nico? Mas já, dona Haley?! Virei-me para Nico, que tinha aquela expressão que seu tio favorito, que sempre traz doces quando vem te ver, sempre faz para você.

— Eu conheço essa cara... – Murmurei. Nico sorriu levemente.

— Que cara?

— Essa cara de “vou comprar guloseimas e brinquedos até meu dinheiro acabar” – Respondi, fazendo-o rir baixo.

— Ok... – Começou. – Talvez eu queira encher sua sobrinha de guloseimas e brinquedos. Ela é um doce de criança!

Ri baixo.

— Você parece ter jeito com crianças...

— Tenho uma sobrinha também. – Nico suspirou. – Emily Levesque Zhang.

Sorri levemente, compreendendo.

— Ela deve ser toda mimada por você.

Ele fingiu estar indignado.

— Está me acusando sem ter provas? Eu apenas compro algumas balas toda vez que vou visitá-la!

Ri alto, pensando que costumava fazer o mesmo com Haley. Pelo menos até começar a sair com Luke, que, confesso, acabou fazendo com que eu me afastasse um pouco da minha família.

— Eu quero conhecê-la.

Nico sorriu de canto.

— Não se preocupe, Grace... Você vai conhecer a minha famiglia também.

Sorri minimamente. Um sorriso que cresceu quando Haley e Jason adentraram a sala. Haley tinha um prato, com um grande pedaço de bolo, em cada mão. Jason trazia um pote com cobertura de chocolate e uma colher para que pudéssemos cobrir o bolo à vontade.

— Esse bolo está uma delícia! – Nico elogiou após dar a primeira mordida e Haley sorriu docemente, enchendo uma colher com cobertura.

— Prova com cobertura! – Disse enquanto, sem nem ao menos ouvir a resposta de Nico, virava a colher com cobertura sobre seu pedaço de bolo. Nico riu baixo e fez o que ela pediu. E seu olhar era simplesmente cômico. Parecia eu, criança, provando meu primeiro pedaço de bolo de chocolate.

— É maravilhoso! – Exclamou, carregando cada palavra num forte sotaque italiano. – Eu quero mais dessa cobertura deliciosa!

— É para já! – Haley sorriu docemente, colocando mais colheres de cobertura sobre o bolo. Seus olhinhos brilhantes logo se voltaram para mim. – E você, tia Thalia? Vai querer também?

Dei a Haley meu mais genuíno sorriso, estendendo meu prato em sua direção e rindo ao vê-la melecar meu bolo com cobertura de chocolate.

— Muito obrigada pequena!

— Haley... – Jason começou depois que terminamos de comer. – Por que não vai até o quarto para o papai ter uma rápida conversa de adulto com a sua tia e o namorado dela?

Haley fez um bico. Mas, ao ver meu sorriso, sorriu também e correu escadaria acima. Jason suspirou, tirando os óculos de armação dourada que estava usando, e nos encarou profundamente.

— Então... – Começou. – Quando pretendem me contar que vão se casar?