Um Rei para Hawktall escrita por Loba Escritora


Capítulo 6
Capítulo V




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Giuseppe

A correria havia deixado sua respiração descompassada e podia sentir o coração aos saltos dentro do peito, mas conseguiu chegar a tempo, embora não estivesse certo de que isso o deixava satisfeito. Os lisos cabelos castanhos insistiam em cair sobre seus olhos, deixando Giuseppe irritado, mas no fundo ele sabia que o mau humor possuía outra origem. No final das contas, não adiantou negar tantas vezes, estava feito. Era agora oficialmente um participante do Torneio e não havia mais saída.

O que a família não entendia era que ele estava prestes a entrar em um jogo muito maior do que as competições que ocorreriam nas arenas. O rapaz não era nenhum tolo, sabia bem que os nobres cavaleiros do reino não aceitariam de bom grado que um qualquer como ele os desafiasse assim. Não que Giuseppe não estivesse acostumado com a discriminação, sofreu as consequências da pobreza a vida inteira. Mas seria a primeira vez que sua posição na sociedade – ou a falta dela – ofendia pessoalmente alguém, e temia que alguns almejariam cobrar um preço muito alto por tal ofensa.
Perguntava-se o que Prussiya queria dele, afinal. Giuseppe sempre manteve seu caráter nos melhores moldes que haviam lhe sido dados. Era educado, gentil e honrado. Nunca questionou a Deusa sobre os infortúnios que sua família sofreu ao longo dos anos; nunca importou se tinham ou não alimento para saciar a fome ou apenas para se manter em pé, jamais deixou de fazer suas oferendas no Dia da Salvação; nunca permitiu que nada abalasse sua fé, e ainda assim, Ela parecia continuar a testá-lo.

Deve ser realmente tedioso nas profundezas do oceano para que seu entretenimento favorito seja me aporrinhar, pensou irritado. Pelas Águas Sagradas, o que estou falando? Perdão, Prussiya! Ajoelhou-se na direção do mar para uma pequena prece, sem receio de que alguém o visse. Em Hawktall as orações jamais precisavam esperar, a fé era o maior atributo de um homem. Lhe sou grato por ter a oportunidade de salvar a vida de meu pai. Em sua misericórdia, permita que ele caminhe um pouco mais conosco antes de mergulhar ao Seu lado… permita que ele veja Louis crescer. Por favor, por favor…

Nos últimos dias, a tosse do pai havia se agravado e agora os lenços ficavam manchados de sangue quando ocorriam, e ocorriam com frequência… a noite toda, tingindo o travesseiro de vermelho. A mãe só interrompia o pranto para dar lugar às orações, o irmão, falante e alegre, passou a se esgueirar em silêncio pelos cantos da casa, com uma tristeza que roubava toda a luz da modesta casa.

Quando Annele foi chama-lo na venda, correu tão rápido que a camisa parecia que se fundiria com sua pele, de tão rente ao corpo que o suor a deixou. Ele chegou ao mesmo tempo que o curandeiro da vila, e este havia sido muito claro: ou as ervas especiais ou a morte, e esta vinha cada vez mais veloz.

Mas as ervas não existiam em Hawktall, eram oriundas da Ilha dos Tritões, e busca-las custaria caro por demais, nem mesmo parando de comer e usando todo o lucro da venda conseguiriam pagar. O torneio era a única saída. Ou se tornaria campeão ou órfão… e irmão de outro órfão. Não suportaria ver Louis passar por tamanha dor, precisava tentar, mesmo que isso significasse arriscar a vida nos jogos da corte.

Passaram-se três dias e quase não conseguiu se inscrever. O prazo havia terminado, mas o escrivão que cuidava das listas era cliente antigo da venda, gostava de Giuseppe e do pequeno Louis, então providenciou para que seu nome se unisse aos dos outros competidores. Agora precisaria de uma armadura. E de uma lança, de uma espada, de um escudo… não fazia a mínima ideia de por onde começar a conseguir tudo isso, isso é se conseguiria.

Decidiu então que começaria por tentar ver a princesa. Depois de passar a noite em claro, percebeu que não conseguiria ter paz se usasse alguém assim, para conseguir dinheiro, posses e poder. Se ao menos a visse, tivesse oportunidade de conhecê-la… Talvez as especulações do povo não passassem de bobagens e não estivesse nos planos de Rei Aloys fazer do campeão, um pretendente. Mas caso isso se confirmasse, ficaria mais confortável se ela o conhecesse e soubesse que não era sua intenção trata-la como um troféu. Já aos pés da grande torre, decidiu que precisava encontrar alguma honra naquilo.

Escalou a enorme árvore nos fundos do castelo de forma ágil e discreta, era bom nisso desde garoto e ninguém nem mesmo o percebeu ali. Chegando em seu galho mais alto, ficou próximo o suficiente da janela da torre, bastaria um pulo… E pulou! Para sua agradável surpresa, não estava trancada, pôde entrar sem dificuldade.

Agora bastava procurar o quarto da princesa e… seus pensamentos foram interrompidos junto com sua respiração. Os olhares se cruzaram através do espelho. Não precisava encontrá-la, ela estava ali. Em seu lindo vestido azul, com o emaranhado de cachos ruivos descendo pelas costas… Era bela. A mais bela que havia visto em toda sua vida.

— Princesa… Eu… — Giuseppe não sabia o que dizer, as palavras fugiram dele.

— N-não… Não devia estar aqui… — ela começou a dizer, assustada.

Os olhos muito azuis arregalaram-se e buscaram outra presença entre as paredes ao redor deles. Por um instante, Giuseppe temeu que ela fosse gritar. Caso o fizesse, ele perderia a cabeça antes de conseguir ao menos chamar por Prussiya. Precisava interrompê-la. Mas o que diria? Não encontrou palavras, e em um rompante de loucura e coragem, decidiu selar seus lábios com um beijo.

Não parecia real, era como estar em um sonho. Tinha que ser um sonho! Já havia estado com outras moças antes e jamais havia se sentido assim, certamente quando abrisse os olhos, acabaria. E então os abriu…

E se deparou com seu lindo sorriso. Estava acordado. Era real.

Ouviram passos no corredor.

— Precisa sair daqui. Agora! — disse ela, enquanto o empurrava na direção da janela.

De repente, se deu conta de que não havia feito nada do que planejava fazer indo até ali e de que talvez fosse impossível vê-la de novo até o fim daquele maldito torneio.

— Me encontre ao cair da noite, no Porto dos Juramentos, por favor! Preciso lhe falar… É importante… Juro pelas Águas Sagradas que é muito importante! — implorou Giuseppe, enquanto se esgueirava de volta para a árvore.

— Estarei lá! É uma promessa — respondeu sua princesa.

Ele foi para casa então, com uma sensação que nunca havia sentido antes, a de que talvez Prussiya tivesse se cansado de aporrinha-lo, no fim das contas.


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