Um Rei para Hawktall escrita por Loba Escritora


Capítulo 3
Capítulo II




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HUDDE

Enquanto caminhava a passos largos até a Casa da Moeda em cumprimento às ordens do pai, tomado por uma grande impaciência que em nada melhorava seu cotidiano humor, Hudde notou uma movimentação incomum no Largo da Lei. As mulheres sussurravam ao pé do ouvido umas das outras, entre risos, amontoadas nas bancas que rodeavam o local, enquanto os homens disputavam um pouco de espaço no crescente tumulto mais próximo às escadarias da Grande Catedral de Prussiya. Até mesmo as crianças demonstravam abelhudice, subindo em árvores e carroças, na tentativa de descobrir o que despertava tamanha atenção nos adultos. Por fim, também acometido pela curiosidade, Hudde decidiu ver do que se tratava.

Informaram-no que um pronunciamento seria feito, todos ali aguardavam a leitura de um pergaminho escrito do próprio punho de Rei Aloys. Será que Prussiya havia tomado mais alguém de Vossa Majestade? Torcia para que sim. Para que cada criatura que ele ousasse amar neste mundo lhe fosse arrancada. Tal como sua usurpação arrancou de Hudde o irmão, e também seu verdadeiro rei.

Komur Arundel era rei por direito. Filho da espirituosa Rainha Dalah e herdeiro legítimo de Kahandre. Não era nenhum bastardo, como alegou Aloys quando ainda era Alto Juramentado do Rei, pouco antes deste falecer após uma terrível queda de seu cavalo. Não duvidaria se lhe dissessem que o próprio Aloys o empurrara do garanhão, mas todos dizem que nem se encontraram naquela maldita tarde. Há décadas atrás, Aloys jurara sua fidelidade, obediência e servidão a Kahandre, banhando sua espada nas águas de Prussiya e depositando-a aos pés do rei. Mas o sangue do monarca dos Arundel nem ao menos havia esfriado quando Aloys começou com suas conspirações…

Dalah era conhecida por sua presença marcante. Sempre fez uso de vestimentas deslumbrantes enquanto um sorriso largo estampava sua face. Havia quem a julgasse extravagante, mas a verdade é que ela exercia profundo fascínio sobre aqueles que eram agraciados com sua companhia. Em seu reinado, a Fortaleza Negra não era fúnebre como tem sido nos últimos anos, Hudde era apenas uma criança na época, mas ainda se recordava da alegria da antiga corte. A rainha nutria grande apreço pelos músicos de Hawktall, pagava-lhes bem, tanto em ouro quanto em gracejos, não havia um único jantar no qual ela não dançasse com algum dos instrumentistas. Com frequência, Dalah também abria as portas para poetas e atores, pois dizia que o pão é o que nutre o corpo, mas o que alimenta a alma é a arte.

Era esperado que despertasse o amor de seus súditos, mas as más línguas viam luxúria ao invés de bondade. Por conta disso, levou-se um tempo deveras curto para que a dúvida fosse acesa em todo o reino: seria Komur herdeiro legítimo ou um bastardo fruto de traição? Colocaram em dúvida a fidelidade da rainha sem nem mesmo apresentar um possível amante que pudesse ser um pai para seu filho.

Em meio às exigências da população e a falta de um rei coroado, os Sacerdotes tiveram que intervir, e então um julgamento foi marcado. Sabendo que não obteria verdadeira justiça de fanáticos religiosos que ansiavam por sujar o nome de qualquer mulher mais poderosa do que eles, a rainha planejou cuidadosamente uma fuga, na intenção de ganhar tempo e buscar aliados que protegessem o direito de herança de seu filho. Mas Dalah foi traída. A tentativa de evitar o julgamento foi considerada uma confissão de sua culpa. Foi decapitada ali, naquela mesma escadaria.

Tomada como culpada por adultério, os sacerdotes a impediram de passar pelo Ritual de Reencarnação. Dalah jamais voltaria aos braços de Prussiya, tampouco nadaria ao lado de nossos irmãos do mar. Ela foi condenada ao enterro, e ainda hoje assim como por toda a eternidade, enquanto seu corpo apodrece sob a terra, sua alma está imersa na grande escuridão ao lado de Rodeiky, aonde nem mesmo seu maravilhoso sorriso será um dia capaz de voltar a iluminá-la.

Komur, para sua segurança, havia permanecido em reclusão na Ilha dos Tritões. Dois corvos adentraram uma das torres do pequeno castelo naquele dia. Um trouxe a notícia da morte de sua mãe, o outro era de Aloys, exigindo que lhe entregasse a coroa, alegando que era esse o desejo de Kahandre quando apresentou a ele sua desconfiança sobre a traição de Dalah em seu leito de morte e que, uma vez que a suspeita havia se confirmado, o último desejo do rei deveria ser realizado.

Há quem diga que Komur torceu o pescoço do corvo como quem destronca uma galinha, depois disso uma dezena de outras asas negras varreram o céu, levando convocatórias a cada grande família de Hawktall. Ele jamais entregaria sua coroa, e com sua recusa, a guerra eclodiu. Famílias se dividiram entre apoiadores de Komur e de Aloys, o reino sangrou.

Os Arkalis ficaram ao lado Komur, e embora o pai tenha se juntado ao exército, quem liderava os homens levados por ele era Theodard, o primogênito de Marelf e seu irmão mais velho. Estar na linha de frente era considerado uma grande honra, mas provou ser também um grande alvo, talvez o irmão sobrevivesse se estivesse na retaguarda, afinal, o pai sobreviveu. Quando o próprio Aloys tirou a vida de seu rei e já tendo a notícia que a lança atravessara o dorso de Theo, Marelf se ajoelhou, rendido e humilhado, suplicando por perdão… Foi de fato perdoado, Aloys não desejava mais derramamento de sangue, e os Arkalis eram nobres contribuintes da corte. Mas nem mesmo um perdão real parecia ser capaz de impedir que a plebe os olhassem com desdém até os dias atuais.

Hudde deu por si no meio do aglomerado de curiosos quando o Guarda Real começou a ler: “Meu amado povo de Hawktall, o Sagrado Dia da Salvação se aproxima. Após o período de resguardo por minha tão dolorosa perda, voltei a vocês meus pensamentos e também ao bem do meu precioso reino. Esse ano teremos mais do que o ritual de oferendas à Prussiya. A Família Caillot terá o prazer de promover um grande torneio aonde todos os homens solteiros, cavaleiros ou não, poderão competir. O campeão não ganhará somente riquezas, mas também se tornará membro oficial do Conselho do Rei e lhe será concedida a honra de acompanhar minha única filha, a amada Princesa Marey, ao seu primeiro baile real, no qual ela será apresentada à toda corte. Que as ondas lhes tragam saúde e prosperidade. São os votos de seu soberano, Aloys Caillot.”

A euforia tomou conta da praça enquanto Hudde permaneceu imóvel, atônito demais com o que acabara de ouvir. Um lugar no Conselho do Rei e ser o acompanhante da princesa em sua apresentação à corte? Aloys estava envelhecendo sem um herdeiro homem e sabia o que isso significava. Hudde e todos ali entenderam que o torneio se tratava de muito mais do que fora escrito sobre aquele pergaminho. O rei estava entregando de bom grado sua preciosa filha… intocada, sequer contemplada… de igual bom grado Hudde aceitou a oferta.

Ganharia tal torneio, desposaria Marey, voltaria a ser respeitado e devolveria a honra à sua família. E então, uma vez que sua linhagem estivesse garantida no ventre da princesa, eliminaria Aloys e tomaria a regência. Depois que seu herdeiro fosse devidamente coroado, entregaria Marey aos cães. Todos os Caillot desapareceriam, assim como desapareceram todos os Arundel. Dalah, Komur e Theodard seriam vingados.


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