Um Rei para Hawktall escrita por Loba Escritora


Capítulo 12
Capítulo XI




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/684590/chapter/12

Hudde

O Dia Sagrado da Salvação chegara, e com ele, o início do grande torneio. A manhã ainda era escura como a noite, mas Hudde já estava de pé. Nos últimos dias, havia travado com o Sol uma disputa de quem saía da cama mais cedo, e vinha obtendo várias vitórias. Treinava exaustivamente, empenhado em superar sua melhor forma para exibir no torneio. Quando o pai de Kazimir veio dizer que encontrara outro mestre de armas para o filho, sentiu uma sensação de liberdade inenarrável. Finalmente seu tempo poderia ser melhor empregado treinando a si mesmo, ao invés de tentar consertar aquele caso perdido que era o maricas.

Deixou o salão de duelos no térreo do casarão quando o relógio deu sua nona badalada, não queria se atrasar. Sentia-se disposto após o banho, vestindo um gibão negro de tecido brocado aonde estampava a moréia vermelha dos Arkalis, se encaminhou até a sala de jantar, aonde a mesa do café da manhã estava posta.

— Bom dia, mamãe — deu um terno beijo na face da senhora Elaena. — Está radiante hoje. Bom dia, senhor — disse para o pai, enquanto se sentava.

— Bom dia, Hudde. Julguei que houvesse perdido a hora, quando pretende estar na Fortaleza Negra? — Marelf indagou, a cobrança rotineira já se embrenhando em seu tom de voz.

— Acordei antes do Sol nascer, estava treinando — respondeu Hudde, pegando um pão e partindo-o ao meio sem o uso da faca. — O memorando dizia que os competidores eram aguardados ao meio-dia.

— Fico satisfeito que esteja treinando com afinco, afinal, não são todos que nascem com o talento natural de Theodard — o pai contemplou a grande pintura que ficava na parede atrás da cadeira de Hudde. Nas poucas vezes que lhe sorria, Hudde podia apostar que não era para ele que olhava, mas sim para o rosto do único filho que amou, de quem agora só restava o retrato.

— De fato, não puxei para Theo — se eu ao menos parecesse com ele fisicamente, gostaria mais de mim? Forçou-se a não perguntar. — Mas creio que ele estaria orgulhoso de mim, quem sabe o senhor também não fique.

— Não me aborreças logo pela manhã com essa conversa de orgulho — Marelf bateu o punho fechado sobre a mesa. — Fala comigo como se lhe devesse algo, moleque. Nunca deixei faltar-te nada, logo, não há nada para me cobrar.

O pai deixou o cômodo irritado. Esse era mais um talento natural de Hudde: irritar o pai.

— Sabe, querido... — a mão da mãe tocou a sua, delicadamente. — Eu estou orgulhosa de você da hora em que me levanto até a hora em que me deito, jamais se esqueça — sorriu para ele.

  Hudde agora se encaminhava animado para o grande pátio da Fortaleza Negra, onde os competidores se reuniriam para as primeiras provas do grande torneio. Lá também estariam os demais participantes do evento, incluindo os músicos. Estava ansioso para ver Cateline, nos últimos dias teve a impressão de que ela o estivesse evitando, talvez ainda chateada por sua participação na competição. Achava aquilo infantil e despropositado, ainda mais depois de ter vindo falar com ele só para pedir um presente, mas não conseguia ficar zangado com ela por muito tempo, e além de tudo, sentia mesmo a falta da moça de sorriso espontâneo perto de si. Hudde quase sempre estava de mau humor, menos quando ela estava por perto.

Ao adentrar os portões avistou Kazimir. O que ele está fazendo aqui, afinal?, pensou. Ao se aproximar mais, notou que o antigo aprendiz conversa com outro rapaz, aparentemente um pouco mais jovem do que Hudde, trocando gargalhadas vez ou outra.

— Boa tarde, Kazimir! — deu-lhe um sorriso debochado. — Este é seu novo mestre de armas, então?

— O-Olá, Hudde — a voz do garoto fraquejou um pouco. — Sim, esse é Giuseppe — virando-se para o outro rapaz, concluiu a apresentação. — Giuseppe, esse é Hudde.

— Muito prazer! — o rapaz estendeu-lhe a mão com um sorriso do rosto.

— Já cansou de dar lições inúteis e o trouxe para ver outros cavaleiros em batalha? — disparou Hudde, sem olhar para Kazimir, mas com a prazerosa certeza de que o garoto corara.

— Na verdade, estou muito satisfeito com o desempenho de Kaz — Giuseppe disse com firmeza, mas sem deixar o sorriso desaparecer. — Ele não veio só assistir, será meu escudeiro.

Hudde avaliou Giuseppe por um momento. Era perceptível que sua camisa um dia fora branca, embora agora estivesse visivelmente amarelada, e poderia apostar que as botas nunca haviam visto um engraxate na vida. Um cavaleiro não se vestiria em farrapos, pensou.

— Escudeiro? Vai participar do torneio, então? Conheço quase todos os cavaleiros do reino, não me recordo de seu rosto ou nome...

— É porque não sou um cavaleiro — interrompeu-o Giuseppe.

— Que tipo de treinamento têm tido, Kazimir? — o sorriso de Hudde agora ultrapassava o deboche, era um sorriso inundado de maldade. — O que um... seja lá o que ele for, pode ensinar para você?

— Sou um escultor e tenho uma venda na feira, sor — Giuseppe não se deixava intimidar feito Kazimir, Hudde não sabia se o admirava ou se isso o fazia irritar-se ainda mais.

— Tem ensinado o garoto a martelar? — Hudde gargalhou. — Imagino que precise de um martelo para moças.

— Tenho o ensinado a manejar uma espada e a montar um cavalo, sor. Mas se ele quiser aprender meu ofício, ensinarei de bom grado, é um garoto inteligente, dá-me prazer em ensinar — agora o sorriso desaparecera, e o olhar do jovem rapaz se manteve firme e duro em Hudde.

— E o que um vendedor de esculturas sabe sobre espadas? — os olhos do cavaleiro fitaram Giuseppe da cabeça aos pés, exalando desdém.

— Talvez eu tenha a sorte de lhe mostrar durante o torneio, sor — Giuseppe cuspiu as palavras e pôs-se à andar. — Venha, Kaz, precisamos nos preparar.

Hudde os observou se afastarem, desejando em seu íntimo poder confrontar aquele rapazinho insolente o mais breve possível, e fazê-lo voltar correndo e aos prantos para sua feirinha.

Finalmente a encontrou, sentada nas escadarias da torre leste com lira no colo.

— Cat? — a chamou.

Ela levantou os olhos e fitou-o por um instante, abrindo um largo sorriso depois: — Olá, Hudde. Como vai?

— Surpreso por não ter se levantado e saído correndo. Parece que o que mais tem feito ultimamente foi fugir de mim — disse, enquanto se sentava ao lado dela.

— Sinto muito — ela abaixou os olhos de volta à lira. — Não tenho me sentido muito bem, creio que seja o nervosismo pelo torneio.

— E por que o torneio a deixa nervosa, minha querida? — deixou a mão pousar em uma de suas pernas.

Ela pareceu confusa por um momento, mas recuperou a tranquilidade logo em seguida para responder.

— Você participará. Tenho medo que se machuque, ou que machuque alguém...

Os sinos tocaram, e o mensageiro leu o memorando que convocava os competidores à apresentarem-se na Torre Central, onde a programação seria fornecida e eles conheceriam seus adversários.

— Desculpe, tenho de ir.

— Pois vá — ela respondeu, ainda sem olhá-lo.

— Cat... — ele puxou-a gentilmente pelo queixo, encarando seus olhos. — Agradeço a preocupação, mas vou me sair bem, sempre me saio. Apenas torça para mim e prometa que nos veremos depois para comemorarmos minhas vitórias.

— Seu prepotente! — deu-lhe um golpe sem força alguma enquanto ria.

— Senti falta desse sorriso — Hudde sorriu também, mas depois fechou o semblante. — Não se esconda de mim, Cat, sabe que não fico em meu melhor humor quando some assim.

— Sinto muito, estarei esperando quando ganhar — ela lhe deu um beijo suave, sabia bem como acalmar seus nervos. — Boa sorte, Hudde.

Mal pôde acreditar quando os adversários foram apresentados. Por vezes a sorte parecia lhe sorrir, em sua primeira justa enfrentaria Giuseppe.

Avistou-o perto de uma das grandes mesas do salão.

— Olhe só que coincidência agradável, vendedor — o sorriso de deboche havia voltado ao seu rosto. — Não é que você vai mesmo me mostrar do que é capaz hoje?

Se retirou sem esperar por resposta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Rei para Hawktall" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.