Brilho nos Olhos escrita por Bacon


Capítulo 4
Cinza no azul


Notas iniciais do capítulo

eM MINHA DEFESA
eu teria postado esse capítulo duas semanas atrás, mAS coisas aconteceram e dEPOIS fiquei esses últimos 10 dias sem essa coisa linda que chamamos de internet, então n foi possibru
MAS ESTOU DE VOLTA E PRONTINHA PARA SER MORTA :D

Now, srsly
Queria agradecer de novo aos comentários lindos, vocês são puro amor e eu me derreto toda sdghvjfdbsn ❤️
E CANTINHO ESPECIAL DNV, DESSA VEZ PRA LINDÍSSIMA DA RAVENA KRANE QUE RECOMENDOU A HISTÓRIA E AAAAAAAAAAAAAAAAA ❤️❤️❤️❤️❤️ nossa nossa assim vc me mata asdghvjfcksnmASDHGVJBFCNSD SOCORRO, MUITO, MUITO OBRIGADA ❤️

Agora, sem mais delongas, vamos ao capítulo. Segurem os kokoros porque lá vem o drama(tical murder) /tapa
tô meio alterada e boba, dsclp

Boa leitura! ❤️

(Ah! Uma última coisinha: eu fiz a playlist! Aqui está o link: http://bit.ly/29Ee5OY
Recomendo ouvir na ordem, fora do aleatório, hehe. Fiquem à vontade pra me dizer o que acharam ❤️)



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Faltavam cinco minutos para o recomeço das aulas e Nicholas estava a sete de distância de sua sala de Física. Nove, levando em consideração seu passo de tartaruga. Ofegante e exausto, se encontrava entre as arquibancadas do campo de futebol da escola. Não aguentava mais correr e, de qualquer forma, já havia algum tempo desde que tivera certeza de que Samwell não o perseguia. Nicholas não sabia se era porque ele era rápido, sagaz em sua rota de fuga ou porque Samwell simplesmente decidira que não valia a pena ir atrás dele. Fosse qual fosse a resposta, não estava reclamando.

Caminhando pelas arquibancadas, sem prestar atenção alguma para o campo vazio, Nicholas só foi encontrar o que procurava quando — gastos mais dois minutos — avistou algumas nuvens de fumaça, já bem finas e prestes a se dissipar, subindo e subindo em direção ao céu. Vinham de trás de uma fileira mais à frente, bem como Nicholas imaginara que viriam. Caminhou naquela direção, passando a sentir o cheiro característico de cigarros, e desceu alguns degraus para que pudesse acessar uma área de menor destaque e importância: consistia apenas de uma cerca velha e enferrujada, de mais ou menos dois metros e meio de altura, para separar os limites da escola de um terreno baldio, algumas estruturas de sustentação da arquibancada e, entre elas, um pequeno corredor de grama coberto por embalagens vazias de salgadinhos e refrigerantes.

E um Theodore.

Um Theodore aparentemente muito mal-humorado, sentado de pernas cruzadas na grama e com as costas apoiadas num poste de iluminação. Fumava o que parecia ser seu quarto cigarro, a julgar pela quantidade de bitucas descartadas no chão. Ao que tudo indicava, estava refletindo sobre alguma coisa, o olhar distante enquanto tragava lentamente e exalava a fumaça pelos lábios entreabertos. Quase triste. Mas não o suficiente para que Nicholas se importasse.

E Nicholas se aproximou, a mente tão cheia de pensamentos e dúvidas que nem pensou no que estava fazendo. Parou em pé ao lado de Theodore que, se tinha percebido sua presença, não parecia ligar. Olha só, pensou Nicholas, finalmente sou capaz de olhá-lo de cima. Suspirou:

— Isso vai te matar.

Theodore ergueu a cabeça para encará-lo, o rosto torcido num misto de surpresa e desgosto. Não teve a oportunidade de expressar o que estava em sua mente quando o outro garoto continuou, estendendo uma mão:

— Me dá um.

— Que porra...? — Theodore murmurou, parecendo ainda mais confuso. Nicholas continuou com a mão estendida.

— Me dá um cigarro.

Surpreendentemente, Theodore revirou os olhos e deu-lhe o maço, junto de um isqueiro, antes de voltar a encarar a grade e a mata em frente de si. Nicholas pegou um cigarro, acendeu-o e tragou, expulsando a fumaça dos pulmões com um longo suspiro. Fazia tempo que ele não fumava; quase se esquecera de como era. Agora, porém, sentia o prazer de reviver seu vício e liberar, mesmo que pouco, o stress. O fumo infestando o seu ser dava-lhe a sensação de leveza, como se ele próprio fosse feito de vapor e, assim como ele, pudesse se desfazer tão facilmente. Apaziguava-o mais, talvez, a noção de que aquilo o estaria matando lentamente. Nicholas não queria morrer, mas o pensamento era agradável. Mostrava que ele estava, afinal, vivo.

Apoiou-se num suporte de madeira e ficou ali, fumando silenciosamente ao lado de Theodore. Não se sentou. O simbolismo de estar erguido, alto sobre o chão de forma quase imponente e com Theodore a seus pés, era precioso demais para ser descartado. Nicholas sentia-se grande sobre Theodore — que, naquele momento, parecia tão inexplicavelmente frágil. Pequeno. Não fraco, mas como se tivesse desistido de alguma coisa; derrotado. A inversão de posições fez Nic ver-se a si mesmo em Theodore, mesmo que pelo mais breve instante.

Não gostou daquilo. Mas continuou em pé.

Franzindo o cenho, Nicholas jogou a cabeça para trás, fumou outra vez e exalou a fumaça, observando-a manchar o céu azul e desaparecer logo em seguida em frente a seus olhos. Tão desimportante que não se mantinha por mais que alguns segundos — fugia. Era, porém, tão bonita em sua brevidade, nas formas dançantes que contornavam o vento... Em compensação, o céu, vasto e tranquilo, não se deixava macular; não ali, não agora. Era feio. Não havia um algo que interrompesse a eternidade de seu azul. Não havia nada. Apenas o azul. Azul, azul, azul. E ele parecia tão triste e sozinho. Azul. Eu sou a fumaça ou o céu?, perguntou-se Nicholas, e baixou os olhos por alguns segundos, pois nenhuma resposta parecia adequada.

O silêncio se estendeu entre os dois rapazes, que por muito pouco não se esqueceram um da presença do outro. Eventualmente, quem falou foi Theodore, a voz baixa como se estivesse conversando consigo mesmo:

— Não sabia que você fumava.

Nicholas mirou-o desgostosamente.

— Você não sabe nada sobre mim.

Theodore deu de ombros, murmurando um Isso é verdade, e voltou a fumar. Os dois ficaram em silêncio novamente por mais alguns minutos desconfortáveis.

— Acho que vou ter que começar a te chamar de amor e não mais de Olhos Puxados, hein? — falou o loiro, com o cigarro entre os dentes. Seu tom de voz traía o humor que ele tentava expressar com pontadas de incerteza.

— Me chame de qualquer um dos dois que eu arranco a sua língua. — Nicholas bufou, exalando fumaça pelas narinas. Não olhou para Theodore.

— Me admira que você não tenha tentado arrancar até hoje.

— Eu tentei.

Theodore caiu na gargalhada. E foi só isso por mais alguns minutos.

A tensão entre eles diminuiu, entretanto. Continuaram cada um em seu mundinho, pensando na vida, no mundo, na morte da bezerra, ou simplesmente pensando em nada. Era o caso de Nicholas. Ele não queria mais pensar. Não queria mais atormentar-se a si mesmo e por isso apenas relaxou o corpo sobre o encosto, sentindo o fumo tomar em seus pulmões o lugar da brisa que lhe acariciava o rosto.

Demorou um pouco para perceber que ele estava realmente relaxado na presença de Theodore. Mas, ao contrário de absolutamente tudo pelo que passara nos últimos dias, aquela tranquilidade era certa. Apenas certa. Mas não feliz. Nic ainda sentia-se oprimido pela solidão do céu e a fuga da fumaça.

Provavelmente estava ficando louco.

— Eu soquei um cara hoje, sabia?

Theodore inclinou-se para encará-lo com olhos arregalados; o cigarro quase caiu de sua boca. Pareceu que começaria a rir de novo, mas não o fez.

— Quem?

— O Samwell. Sabe aquele cara meio moreno, meio loiro, do segundo ano?

— E ele não te matou?

— Você sabe que eu corro rápido.

— O que você fez?

Uma pausa caracterizada pelo corpo de Nicholas tencionando-se novamente.

— Não quero falar sobre isso.

— Então por que começou, porra?

Outra pausa. Nicholas olhou para Theodore e os dois se encararam por mais algum tempo. Então Nicholas voltou a olhar para o nada, o cigarro entre os dedos, e continuou:

— Eu me senti como você, sabe?

— Você não sabe como eu–

— Forte. Poderoso, até. — Suspirou. — Eu sempre imaginei como seria essa sensação, porque aparentemente você adora socar a porcaria da minha cara.

— Eu não–

— Foi uma merda. Me senti um monstro.

— Me escuta.

Me deixa falar, cacete!

— Não, você me deixa falar! Você acha que–

Cala a boca!

Theodore calou a boca e no instante seguinte estava em pé sobre Nic, puxando-o pela gola da camisa. Era a segunda vez no dia que Nicholas tinha seu rosto tão próximo ao de alguém, mas não se importava. Estava mal equilibrado na ponta dos pés e mesmo assim precisava olhar para cima. Respirar era desagradável, mas ele também não se importava. Os cigarros abandonados na grama levantavam fios de fumaça.

— Vai! Me bate! — gritou, cara-a-cara com Theodore, os punhos cerrados ao lado do corpo.

E de repente estava com os pés no chão outra vez, sem nunca recobrar o equilíbrio devido ao empurrão contra que tomara contra o peito. Nicholas se apoiou num dos suportes da arquibancada, observando com frustração enquanto o brutamontes se afastava com passos duros.

Pensou em gritar-lhe xingamentos, mas, em vez disso, contentou-se em mostrar o dedo médio — mesmo que apenas ele mesmo o tenha visto.

***

Supreendentemente, os dois continuaram a se encontrar, de vez em quando, para passar o tempo. Não haviam combinado. Não faziam questão da presença um do outro. Não queriam companhia. Mas iam mesmo assim, lá atrás da arquibancada.

Nicholas nunca saberia explicar por que, dois dias depois dos incidentes, se dirigia àquele lugar ao invés de ao parquinho. Encontrara Theodore sentado no chão e fumando, numa cena quase igual à de antes. Quando se aproximou, o loiro já foi lhe estendendo o maço de cigarros e o isqueiro, e Nicholas pegou-os como se fossem seus. Acendeu um cigarro e devolveu o resto logo em seguida.

Ficaram ali, em silêncio, por todo o resto do período, matando aula sem demonstrar o mínimo sinal de preocupação. E então, quando o sinal bateu anunciando que os alunos já estavam dispensados para ir para casa, levantaram-se e, sem se despedir, seguiram seus caminhos.

Isso se repetiu diversas vezes, sem que houvesse um padrão. Nicholas era, afinal de contas, um aluno teoricamente exemplar e em hipótese alguma poderia estar matando aula — e muito menos fumando! — na escola. Por isso, aproveitava-se de aulas vagas — destinadas à confecção de trabalhos ou simplesmente inúteis — e professores desatentos. Nunca parou para pensar no porquê do esforço.

Era uma companhia vazia, aquela que tinham um com o outro. Como se tentassem preencher o vazio que ambos sentiam dentro do peito.

Mas de que serve um nada em conjunto de outro?

Nicholas não entendia por que ficavam ali, e imaginava que Theodore também não. Não fazia sentido, mas eles há muito se haviam desatado do conceito. Nicholas chegou a pensar que talvez, e só talvez, aquela fosse uma forma silenciosa que Theodore encontrara de se desculpar por todo o mal que já fizera.

Uma pena.

Nicholas não estava disposto a aceitar pedidos de desculpas.

Às vezes, eles conversavam. Talvez para quebrar a monotonia, talvez para jogar conversa fora, talvez apenas uma mistura de pensamentos em voz alta — conversavam. Quem puxava assunto primeiro não tinha importância; dependia muito do dia, de qualquer forma. Geralmente, a troca de palavras consistia de xingamentos e reclamações sobre gozações ou alguns dos piores colegas. De vez em quando, os assuntos variavam um pouco mais.

— Como você sabia que eu tô sempre por aqui? — Theodore perguntou certa vez.

— Você acha que eu sou estúpido o suficiente pra tentar me esconder de você nos lugares que você frequenta?

— Uau, meu namorado é um gênio.

— Eu não sou seu namorado.

— Graças a Deus.

Era comum que Theodore reclamasse do vocabulário de Nicholas. Você só fala palavra difícil, resmungava. Vê se começa a falar que nem gente.

O caso era que Nicholas não falava palavras difíceis. Pelo menos, não muitas; só de vez em quando. Ele nem era de falar muito, em primeiro lugar. Mas o engraçado foi como, sem que ninguém soubesse o porquê, seu vocabulário aprimorou-se de forma tão repentina que o de vez em quando passou a ser de vez em sempre. Curioso, não? O pobre Theodore ficava tão irritado...

               

Era uma terça feira e eles estavam, uma vez mais, fumando em conjunto.

O dia estava mais animado que o habitual. Os dois conversavam e, mais presente que o silêncio, estavam as exclamações de risadas. Em pé, apoiados nos suportes de metal, tanto Theodore quanto Nicholas compartilhavam histórias engraçadas de suas vidas escolares; em especial, como faziam para espantar os engraçadinhos que tentavam mexer com eles após o Brilho. Não se lembravam exatamente o que os levara a contar as histórias — o fato era que, de repente, Theodore estava gargalhando feito um cão e Nicholas, sem poder evitar ser contagiado, soltava risinhos tímidos.

Depois, o assunto das histórias evoluiu para situações engraçadas do cotidiano, como palavras mal interpretadas e olhares para bocas mal interpretados. E o assunto evoluiu para momentos cômicos de suas vidas, e para as graças de suas adolescências conturbadas, e para suas infâncias incríveis.

Afinal, quem diria que um jovem Theodore, no auge de seus treze anos, molhara a cama graças a um pesadelo aterrorizante com abajures assassinos e comedores de gente? Certamente, não Nicholas.

E quem diria que o bebê Nicholas era um aventureiro, um destemido domador de feras que, ao tentar montar um pastor alemão, acabara fazendo com que tanto fera quanto aventureiro quase se afogassem numa piscina infantil? Certamente, não Theodore.

Dois bobalhões. Suas barrigas doíam e era quase surpreendente para Nicholas pensar que não havia levado um soco.

Em certo momento, porém, enquanto contava de um episódio com o secador de cabelo de sua mãe, Theodore, entre risos, movimentou um braço para que pudesse levemente acotovelar Nicholas. Levemente. Amigavelmente. Como faria com um bom amigo. Mas Nicholas, pego de surpresa pelo movimento e dominado pelos antigos instintos, afastou-se de Theodore antes que este pudesse tocá-lo.

As risadas desapareceram tão logo como surgiram.

Encararam-se — Nicholas com o coração aos pulos, preparado para fugir; Theodore em choque, aos poucos entendendo o porquê de uma reação como aquela.

E, dessa vez, foi Theodore quem sentiu-se um monstro.

Afastados novamente, voltaram ao silêncio. Tenso, Nicholas passou a encarar o mato à frente, separado do perímetro da escola pela cerca. Avistou um pássaro saltitando pelo chão, procurando comida em meio à terra. Focou-se nele. Era um animal pequenino e escuro, difícil de notar na sombra das árvores. Nicholas não conseguia ver, mas sabia que suas perninhas seriam finas e frágeis como um graveto. E, mesmo assim, o pássaro era capaz de manter-se em pé, firme e seguro, sem precisar se preocupar com a possibilidade de apenas aquilo ser insuficiente. Porque não era.

Nic observou o bicho e sentiu o queixo tremer, os olhos arderem. Invejava-o. Invejava-o por sua habilidade de sentir-se confiante com sua própria fragilidade; por saber que ser apenas si mesmo era o que bastava. Porque ele não era.

O pássaro continuou saltitando e procurando por comida, até que, subitamente, parou. Sua cabeça se virou na direção dos garotos e ele se manteve imóvel por alguns segundos, como se os estivesse mirando; Nicholas até poderia dizer que o pássaro devolvia seu olhar, se acreditasse em suas próprias palavras. E então o pássaro levantou vôo.

Nicholas estava pensando demais e isso sempre acontece quando ele está nervoso.

Foi aí que ele concluiu, de uma vez por todas, que não era o pássaro. Não queria sê-lo e não o seria. Então reuniu suas forças, jogou o cigarro no chão e respirou fundo. Cerrou os punhos, virou-se para Theodore e, o mais firme que pôde, perguntou:

— Por quê?

Theodore não respondeu, mas também não perguntou “por que o quê”. Ele sabia do que Nicholas falava e envergonhava-se, querendo fugir do assunto. O silêncio entre os dois continuou, a tensão aumentando, até que Nicholas cansou de esperar e fez menção de ir embora. Theodore percebeu com um pequeno sobressalto, como se temesse que aquilo fosse acontecer. E, antes que Nicholas pudesse dar um passo, o loiro falou. Seus olhos estavam baixos para que não precisasse encará-lo.

— Eu queria que você não brilhasse pra mim. Queria fazer o brilho sumir.

Nicholas revirou os olhos e cerrou os punhos, deixando-se dominar pela raiva que antes esmagava seu peito. Mesmo virado do jeito que estava, tentando encolher-se sobre si mesmo e se esconder, Theodore seria capaz de sentir todo o desprezo que Nicholas sentia por ele naquele momento.

— Mentiroso da porra. Você não tinha como saber.

— Eu simplesmente soube quando te vi pela primeira vez, tá bom? Foi como se alguma coisa tivesse apitado na cabeça e, sei lá, eu apenas soube.

— Você é ainda mais estúpido do que eu pensei se acha que vou cair nessa.

— Então vai embora daqui, cacete! Por que perguntou se não é pra ouvir?

Os dedos de Nicholas doíam em seu aperto. Theodore levantara a cabeça e os dois encararam-se novamente, como tantas vezes antes — tomando cuidado para não mirarem um os olhos do outro para que seus peitos não brilhassem; era desagradável e agora não era a hora para que se lembrassem de que faziam parte de um conto de fadas idiota.

Foi como se não estivessem sendo amigáveis poucos minutos antes. A tensão era palpável e perigosa: a mesma de semanas antes, quando Theodore ainda o atormentava. O coração de Nicholas estava disparado, bombeando adrenalina por seu corpo. E Theodore baixou os olhos outra vez.

— Esse tipo de coisa não existe, sabe? — Ele sussurrou, a voz tensa. — Não existe; simplesmente não existe. Meus pais, eles dizem que sim e que eles brilharam quando se conheceram. Que eles se casaram cedo porque, quando é tão difícil achar seu Brilho, não poderiam se dar ao luxo de perder tempo. Essa baboseira toda pra fingirem e enganarem eles mesmos de que são felizes.

Nicholas quase gritou que não ligava. Quase gritou que não se importava com os pais de Theodore e que queria que ele deixasse logo de enrolá-lo, dissesse a verdade. Mas a maneira como Theodore segurava uma das barras, como se ela não fosse apoio da arquibancada, mas, sim, apoio dele, o manteve de boca calada.

— Eu nunca os vi brilharem. Eles falam e falam e falam que brilham e que é lindo, que é uma das melhores coisas que já aconteceu pra eles, mas eu nunca vi. Essa porra não existe, essa coisa de “amor verdadeiro” e “almas gêmeas” e toda essa merda, isso não existe! E aí, quando eu te vi pela primeira vez, eu acho que olhei nos seus olhos sem querer, sei lá, mas eu– Eu– Talvez eu tenha começado a brilhar. Não sei, não importa. Mas eu sabia que era você e foi simplesmente aterrorizante.

Theodore estava tremendo; Nicholas não o entendia. Theodore estava nervoso, e Nicholas, ao contrário, perdera um pouco de sua própria raiva e tensão. Ele olhava para Theodore e via que ele dizia a verdade. Queria chegar em alguma conclusão. Então ele o esperou concluir.

— Meus pais, eles... Eles brigam toda noite, tá legal? Toda noite. Eles gritam e se xingam e jogam coisas e começam a se bater e— Theodore cobriu o rosto com uma das mãos e apertou os olhos com força. Respirou fundo e suspirou. Quando voltou a falar, sua voz continuava trêmula, porém agora mais baixa e incontestavelmente carregada de tristeza. — Começam a se bater e aí eu entro no meio. E aí eles batem em mim e eu bato neles. E eles em mim, e eu neles. Até alguém pedir para, pelo amor de Deus, para, para, para, eu vou morrer...

Nicholas observava-o falar. Observava seu jeito, seu rosto. A forma como os olhos pareciam perdidos em memórias, em visões que só o que era castanho era capaz de ver. A forma como as pálpebras estavam baixas, caídas. Nicholas observava a forma como o queixo tremia e como, a cada e ême e , seus lábios se juntavam e puxavam a ponta de seu nariz para baixo. E como o próprio Theodore parecia curvar-se cada vez mais do mesmo jeito, como se cada palavra o sugasse em direção ao chão. Nicholas observou como ele jogou fora o cigarro e cobriu o rosto novamente com as duas mãos. Como se agachou e sacudiu a cabeça, ainda escondendo o rosto.

— E é tudo sempre tão escuro. Tão escuro, tão escuro, tão escuro. — Sua voz, não mais que um sussurro, soava abafada. — Nunca tem nada. Só abajures quebrados e lâmpadas falhando. E ódio. — Theodore soltou uma risada seca, sem humor algum. Tirou as mãos do rosto e, com uma delas, passou a correr as unhas pela terra, de novo e de novo, tremendo. — Ódio deles, ódio seu. Você deve querer me ver morto, e eu deveria morrer mesmo.

Não levantou os olhos para Nicholas nenhuma vez. Continuou de cócoras, cabeça abaixada, mãos sobre a terra.

— Eu só não queria me tornar como eles. Que se dizem luz, que se sentem luz, mas não... — Suspirou. — Mas de que isso importa, né? Eu sou que nem eles. Me tornei pior que eles. Eu pensava que eu estava fazendo um favor pra você e pra mim e que no final ia tudo ficar bem porque você ia me odiar e não ia ter porcaria de brilho nenhum e você poderia ter alguém melhor que eu e que–

Theodore socou o chão, levantando poeira. Estava ofegante e ainda a olhar para baixo. Nicholas estava estático, paralisado. Como um mero observador de tudo o que se passava frente a seus olhos. Era como se o outro procurasse algo em que se ancorar e o próprio solo não fosse o suficiente para prendê-lo ao chão. Theodore achava que estava para se perder. E, olhando para ele, Nicholas pensou que talvez realmente estivesse. Talvez estivesse para se pender em meio à sua própria raiva, ao seu próprio ódio a si mesmo. Da mesma forma que Nicholas temia que ele mesmo um dia se perdesse.

— Eu sei que sou um monstro e que você não vai aceitar meu pedido de perdão. Mas pelo menos agora você sabe.

E, de fato, Nicholas não o perdoaria. Mas, olhando para ele e vendo toda a dor que o atormentava e o peso que carregava nas costas, Nicholas conseguiu entender, mesmo que apenas naquele mísero momento, o que se passava na cabeça de Theodore. Ainda assim, era impossível de imaginar. Mas pelo menos agora ele sabia.

E, por ora, isso bastava.

Sem saber como responder ou como reagir, Nicholas preferiu não dizer nada. Não insultaria Theodore ao dizer que entendia algo que não estava nem próximo de imaginar. Também não o abandonaria ali, sozinho, mostrando-se tão insensível como o monstro que temia tornar-se. Então apenas sentou-se ao lado dele. Sua presença era tudo o que tinha a oferecer como conforto.

Assim, ficaram os dois ali: ambos soturnos e cabisbaixos, a fumaça dos cigarros esquecidos subindo para manchar o céu.

Permaneceram em silêncio até o toque do final do dia e não se despediram quando foram embora.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Espero que sim!! ❤️
Eu viajei um pouco e tivemos várias metáforas por aí, como vocês puderam ver assgdhvjbsn Por favor, comentem com a opinião de vocês! Ficou confuso, não fez sentido, achou bom, achou ruim? Pode vir falar pra mim sem medo!

Bastante gente falou que não está entendendo muito bem a dinâmica do brilho no capítulo passado e eu tentei dar uma contextualizada melhor dessa vez. Ficou melhor, deu pra sacar? Infelizmente, foi uma coisa meio sutil. Eu estava querendo adicionar um diálogo dos dois só pra essa questão ficar bem clara mesmo, mas não tô conseguindo encaixar e isso é falha minha. Desculpem D: Por isso é importante que vocês me digam se ainda estão confusos ou não, aí eu posso saber se preciso mesmo continuar tentando colocar esse diálogo, ok? :') ❤️

Welp, é isso. Novamente, desculpem-me a demora. *corre pra chorar no cantinho*
Espero que tenham gostado do capítulo e até o próximo! ❤️

(Oh, agora que lembrei. Eu queria deixar as falas bem reais e por isso os garotos estão falando muito palavrão porque, welp, é assim que os garotos que eu conheço falam. [E as garotas também - tipo eu, oi -, mas isso não vem ao caso.] Por favor, me digam se a linguagem estiver muito exagerada ou desagradável de ler. Eu mesma não sou muito fã de palavrões em textos, mas sabe como é, né.)