À Primeira Vista escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 1
Capítulo 01 – Acaso


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura pessoal :)



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Nova Iorque

Tinha tudo pra ser apenas mais uma manhã de outono. O Central Parque com um tapete de folhas no chão e suas cores que iam do marrom, vermelho fosco ao âmbar. Por vezes a brisa fria soprava pra longe as obrigando se embaralhar nos pés de seus muitos visitantes.

Um homem jovem, de porte físico grande, robusto, escondia seu rosto por detrás das lentes de sua câmera fotográfica. O casal a posar pras fotos eram de recém-casados.

Outros dois rapazes; um louro esguio, e um moreno baixinho, os ajudavam com os equipamentos.

Num café, não muito longe dali, estava Rosalie, recebendo instruções do chefe. Tinha que fazer uma entrega num dos escritórios no perímetro da cafeteria. Não era obrigação sua, porém, naquela manhã muita coisa começara do jeito errado. A máquina de café daquele escritório quebrar havia sido apenas um detalhe.

Rosalie recebeu a embalagem com cinco copos de café para viagem e apressou-se rumo à porta de vidro onde havia a pintura de uma xícara com uma nuvem de vapor que subia. Recebendo a lufada de ar frio no rosto, bagunçando ainda mais seus cabelos louros, preso displicentemente num rabo de cavalo.

Sua blusa preta de mangas compridas, de tecido fino, não impedia o frio de chegar a sua pele. O avental bege, com o nome da cafeteria bordado nele, perfeitamente preso a sua cintura.

Até quis voltar lá dentro e pegar o suéter quentinho que deixara no armário dos funcionários, mas, o dono do local, um sujeito careca, corpulento e mal-humorado, gritou que se apressasse.

Rosalie saltou para o lado de fora deixando a porta bater atrás de suas costas. Olhou para trás uma única vez antes de apertar o passo, resmungando mentalmente. Afinal, tinham a contrato para servir mesas, e não fazer entregas.

Seus pais haviam se divorciado há quase dois anos. Morava com a mãe e as irmãs gêmeas, de nove anos de idade, num apartamento alugado no Lower East Side; bairro de raízes imigrantes, com suas vielas, calçadas e as memoráveis escadas de incêndio em prédios de tijolos.

Seguiu apressada, olhando para baixo o tempo todo, tentando ficar menos tempo possível exposta ao frio de outono no Central Parque. Não reparou em ninguém, nem mesmo no grupo que trabalhava num ensaio fotográfico. Somente se deu conta quando flashes da câmera do rapaz atingiu seu rosto. Ele orientava o casal que posava pras lentes, até notar sua presença inoportuna.

Rose não soube o que fazer. Olhou de um lado para o outro e quando quis se mover esbarou num dos rapazes, o louro, que segurava o equipamento de iluminação. Confusa, e sem saber que caminho seguir, girou o corpo sem sair do lugar. Seu cérebro buscando uma rota de fuga. A vergonha crescendo a cada segundo que ficava ali.

O rapaz com a câmera fotográfica abaixou as lentes devagar, olhando para ela com encantamento, enquanto um sorriso se alargava no rosto com covinhas que lhe salpicavam as bochechas. Diferente de Rosalie, ele estava preparado para aquele dia frio de outono na cidade de Nova Iorque.

Constrangida, ela abaixou o olhar, empurrando uma mecha loura de seus cabelos para trás da orelha. A brisa não ajudava jogando-a de volta em seu rosto o tempo todo.

Seus olhos ficaram fixos nos sapatos dele, esmagando as folhas secas, apenas por um instante antes olhá-lo no rosto novamente.

As covinhas no rosto dele pareciam incansáveis. E, aliadas ao azul límpido de seus olhos, fizeram reviravoltas no coração e estômago de Rosalie. 

Emmett não conseguia deixar de olhá-la. Sob a luz difusa que os alcançava, através das copas das árvores, onde suas folhas secas soltavam-se a um simples soprar de vento, viu sua figura pálida tornasse quase celestial.

Diante daquele olhar e do fascínio que exercia, e de sua falta de jeito ao interromper a sessão de fotos, tudo o que pôde fazer foi se desculpar.

— Me desculpa – ela repetia, com uma falta de jeito tremenda.

— Está tudo bem – Emmett respondeu, com a câmera na mão.

— Me desculpa. De verdade, eu não queria interromper – Rose tornou a pedir, antes de se virar, segurando junto ao corpo a embalagem com os vários copos de café para viagem.

Conseguiu com dificuldade sair dali, das vistas do fotografo que a inquietava.

Enquanto Rose se afastava, Emmett tentou se concentrar no trabalho. Vez por outra, se pegou rindo recordando a forma como surgiu em frente às lentes de sua câmera. Foi difícil finalizar aquele trabalho, a imagem da garota loura, de cabelos bagunçados, esteve o tempo inteiro ocupando seus pensamentos.

Ele não voltou a vê-la pelo resto do dia. Se ela retornou do lugar onde havia ido, não fez o mesmo caminho de volta. De toda forma, suspeitava que fosse assim. E de fato havia sido.

Rose buscou o caminho que achou seguro. Sem grandes riscos de esbarrar novamente com ele e seu grupo. Levou uma bronca por sua demora, mas a verdade é que não se importou nenhum pouco.

Esteve o dia inteiro pensando no rosto que lhe sorria com covinhas ao afastar a câmera fotográfica dos olhos. A forma como seus lábios se moveram ao dizer que estava tudo bem. E na maneira natural como moveu a mão grande numa despedida breve e educada.

Na volta pra casa, dentro do metrô, voltou a pensar nele. Até lamentou não ter retornado a cafeteria naquela manhã pelo mesmo caminho. Evitá-lo não foi uma ideia muito boa. Talvez houvesse desperdiçado a única chance de encontrá-lo outra vez. 

Finalmente, usando seu suéter verde-oliva, caminhou pelas calçadas beirando os prédios de fachada de tijolos até chegar ao que vivia com a mãe e as duas irmãs.

Subiu três lances de escada. E quando parou em frente à porta, pisando num capacho marrom que desejava boas-vindas, tirou as chaves da bolsa, usando uma delas na fechadura da porta.

As gêmeas estavam discutindo sobre quem assistiria o quê na tevê. Rose se aproximou afastando o controle das mãos das duas.

— Ei, parem com isso agora mesmo – ralhou.

As meninas olharam para ela no mesmo instante. Seus cabelos num tom de louro mais escuro que os da irmã mais velha. Os olhos castanho-escuros. Era fácil saber quem era quem. Avery gostava de esportes e tinha um jeito de se vestir que parecia meio largado. Enquanto Zoey fazia o estilo bonequinha; adorava cor-de-rosa e babados.

— Eu quero ver desenho – Zoey se queixou.

— E eu quero o canal de esportes. Está sendo exibido um campeonato de skate nesse momento – Avery rebateu.

— Ótimo – disse Rose, com o controle da tevê na mão –, e eu quero saber onde está a mamãe.

— No banho – as meninas disseram juntas.

— Ok – Rose jogou o controle num dos sofás –, dez minutos pra cada uma. Começando por quem pegar o controle primeiro.

As meninas lançaram-se sobre o sofá, disputando o controle remoto outra vez. Rosalie ainda podia ouvir a discussão mesmo depois de ter fechado a porta do quarto.

Largou a bolsa sobre a cadeira do computador. Seus pés doíam, depois de um dia inteiro de pé servindo mesas. Deixou-se desmoronar sobre os lençóis de sua cama de solteiro ao lado do beliche das irmãs mais nova.

A porta do banheiro se abriu e uma mulher de cabelos caramelos, úmidos, apareceu na sala. Estava enrolada numa toalha de banho, tendo algumas gotas de água ainda sobre os ombros.

— Com quem falavam? – perguntou as meninas.

— Com a Rose – outra vez as duas estavam respondendo juntas.

— Ah, ela já chegou... – Esme falou mais para si mesma que para qualquer outra pessoa. E seguiu rumo ao quarto.

Passados alguns minutos, bateu na porta do quarto ao lado do seu. Tinha trocado de roupa e penteado os cabelos. Como Rosalie nada respondeu, abriu a porta e deu uma espiada no lado de dentro. A decoração era meio a meio, metade lembrava uma jovem mulher, e outra, duas crianças com personalidades bem diferentes.

Esme se aproximou da cama da filha mais velha, tocando seu ombro com a mão.

— Oi, querida.

Rosalie abriu os olhos, em seguida, sentou-se na cama, puxando uma almofada lilás para o colo.

— Oi, mamãe.

— Como foi no trabalho hoje?

— Ah, o de sempre... Meu chefe é um mala. Mas eu preciso juntar dinheiro para pagar meu curso de pintura no próximo verão. E retomar com minhas aulas de piano.

A mãe lhe afagou o ombro. – Eu sei... Mas, você podia pedir ao seu pai.

— Não quero. Não quero pedir nada pra ele. Assim como você também não quer.

— Rose...

— Não, mamãe. Por favor, só me deixa fazer as coisas do meu jeito.

— Tudo bem, não vou mais insistir.

Um instante depois, Rose estava olhando pra parede com o olhar vago.

— Que olhar é esse?

— Que olhar? – pediu, olhando agora no rosto da mãe.

— Esse que estava agora a pouco. E você nem me ouviu chamar quando bati na porta.

Rose virou o rosto pra parede.

— Conheceu alguém?

Outra vez ela olhou pra mãe.

— O quê? Não. De onde tirou isso?

— Fala pra mim. Sou sua mãe, tenho o direito de saber.

— Eu nem sei qual o nome dele.

— Então existe alguém – disse Esme, com ar de triunfo.

— Não existe ninguém, mamãe. Ele só estava lá.

— Onde? Na cafeteria?

— Não. No Central Parque. Meu chefe mala me pediu para fazer uma entrega hoje. Acabei tendo de passar por lá. Era caminho.

— Falou com ele?

— Com quem? Com meu chefe?

— Não, sua boba. Com o rapaz do Central Parque.

— Mais ou menos.

— Ai, amor, como assim? Falou ou não falou com ele?

— Eu só me desculpei.

— Pelo o quê?

— Eu atrapalhei uma sessão de fotos. Ele é fotografo, eu acho.

— E ele era bonito?

— Mamãe!

— Qual o problema? Aposto que era um daqueles fotógrafos supergato. Pra você ficar assim, é porque feio não era.

— Estou com fome.

— Mudando de assunto por quê?

— Não estou mudando de assunto, mamãe. Estou mesmo com fome.

— Tudo bem, eu vou preparar o nosso jantar. – Esme se levantou, pondo uma mão na perna da filha. – Por que não toma um banho enquanto isso? Vai ajudar a relaxar.

— Estava mesmo pensando em fazer isso.

— Ótimo, querida, faça isso.

Antes de deixar o quarto, Esme lançou. – Da próxima vez pergunte o nome dele.

— Mamãe, eu realmente estou com fome.

— Já entendi – Esme terminou.

— O nome de quem, mamãe? – Avery perguntou pra ela, na sala.

— Do rapaz que sua irmã conheceu hoje.

— Como ela pode ter conhecido se não sabe o nome dele? – comentou Zoey.

— Por que vocês não vão fazer a lição de casa?

— Já fizemos – disseram juntas.

— Então vão dormir.

— Ainda não nem jantamos – outra vez estavam falando ao mesmo tempo.

— Então fiquem por aqui mesmo.

— Podemos ir ficar com a Rose no quarto? – Avery perguntou.

— Não. Deixem a irmã de vocês descansar em paz. Ela teve um dia longo.

— Você também teve mamãe – acrescentou Zoey.

— Eu sei querida. Só a deixem descansar. Façam esse favorzinho pra mamãe, por favor.

[...]

Emmett estava há horas trancado no quarto escuro de seu apartamento, na Midtown East. A luz vermelha na porta alertava sobre mantê-la fechada, embora não houvesse realmente necessidade já que vivia sozinho.

A muito havia deixado à casa dos pais numa cidadezinha da Carolina do Sul para se arriscar na cidade grande. Estava se dando bem, apesar de tudo. Tinha seu próprio estúdio fotográfico e até fazia fotos para algumas revistas.

Nas paredes do quarto escuro, um varal de fotografias se destacava. Na parede mais longa havia uma mesa grande com todos os itens necessários no processo de revelação das fotos. Nem mesmo toda tecnologia e sua facilidade foi capaz de afastá-lo do rústico.

Dentro da bandeja, mergulhado no liquido revelador, uma imagem começava ganhar cores e formas.

Havia revelado algumas fotografias até então, ainda assim nenhuma delas fora capaz de lhe roubar a atenção como a de agora. Os cabelos dourados se destacaram na paisagem de cores quentes.

Ele sorriu deixando que as covinhas salpicassem suas bochechas, destacando-se sob a fina camada de barba.

Reconheceu na figura feminina a garota distraída do Central Parque. Lembrou-se de como surgiu diante das lentes de sua câmera. E como ficara envergonhada com isso. Desejou poder encontrá-la outra vez.

Retirou a fotografia do líquido revelador com ajuda de uma pinça, para mergulhar em seguida na bacia de retentor e por último o fixador. Sem esse a fotografia se tornaria mais sensível às corrosões do tempo, perdendo todo brilho em questão de horas. Depois a prendeu ao varal juntos as outras.

Revelou mais algumas, somente então deixou o quarto escuro.

O quarto de dormir era conjugado com sala e cozinha. A decoração lembrava muito a escolha de sua profissão. Lindas fotografias, em molduras, enfeitavam as paredes. Parte de seu material de trabalho se destacava sobre a superfície dos móveis. Outra parte ficava no estúdio, num prédio comercial.

Na mesinha do computador já não cabia mais nada. Tantas eram as coisas deixadas ali, de uso profissional.

Ele usava uma bermuda escura enquanto se movimentava pelo apartamento. Arrastando os chinelos de dedo nos pés, atravessou o espaço que separa os cômodos. Contornou a ilha que era o balcão de mármore preto no centro da cozinha. Pôs água no recipiente de vidro da cafeteira e café em pó noutro. Pressionou o botão e se afastou.

Abriu e fechou a geladeira, mas não retirou nada de dentro. Quando o café ficou pronto, encheu uma caneca vermelha e foi sentar-se no sofá com ela na mão. O vapor se elevava com o aroma gostoso dos grãos.

Tomou um gole demorado, apreciando o doce na ponta da língua e o amargo logo atrás. E, de repente, seus pensamentos soaram como o estalido. Café. Cafeteria. Ela usava o avental de uma cafeteria. Sim, tinha também a embalagem para viagem nas mãos.

Deixou a caneca sobre a mesinha de tampo de vidro ao lado do sofá e correu de volta para o quarto escuro. Arrancou a fotografia dela do varal de fotos, voltando pra sala imediatamente onde podia vê-la melhor. Buscou com ansiedade um nome no avental que pudesse revelar sua localização. Do contrario, teria de visitar todas as cafeterias da região, e elas eram tantas. Levaria mais tempo do que dispunha. Pra sua sorte, não seria necessário, estava bem ali bordado em letras claras.

Ficou aliviado. Tinha certeza de que iria encontrá-la, desde que ainda estivesse trabalhando no mesmo local. Certamente estaria, quis muito acreditar que sim. Afinal, quem a mandaria embora de um dia pro outro?

Voltou para o sofá. A foto dela ainda estava em sua mão. Pegou a caneca de café novamente; o líquido escuro ainda estava quente, no entanto, a vapor diminuíra. Tomou todo o café enquanto pensava nela. Na garota de cabelos dourados, brilhando como um dia de verão em pleno outono.

Precisava encontrá-la. Falar com ela ao menos mais uma vez.

Naquela noite, dormiu com a fotografia dela ao lado do travesseiro. Sequer se deu conta em que momento isso aconteceu.

[...]

— Rose – Rosalie ouviu Zoey falar – desliga isso, eu não consigo dormir.

— Desculpa Zoey – murmurou Rose, escondendo a tela acesa do celular nos lençóis.

Passado um momento, viu Zoey se mexer no beliche de baixo. Não levou muito tempo, estava de pé diante de sua cama, arrastando o cobertor florido numa das mãos.

— Eu posso me deitar aí com você?

Rosalie se moveu de maneira que suas costas tocaram a parede. – Tem certeza? – perguntou. – Aqui parece bem apertado.

Mas Zoey não respondeu. Em vez disso, falou do pai.

— Sinto falta do papai...

— Ah, Zoey... – lamentou a irmã, abraçando o corpo magro e pequeno.  – Eu também sinto falta dele. Todos os dias.

— Quero que ele e a mamãe voltem a ficar juntos... Quero nossa antiga casa de volta. E que você e a mamãe parem de sentir raiva dele.

— Você já falou sobre isso com a mamãe?

— Ela fica triste. Não gosto que fique triste. Ela sempre acaba chorando escondido.

— Eu sei... – Rosalie encostou os lábios nos cabelos macios da irmã, tinha cheiro de xampu infantil.

Quando a manhã chegou, fria e nublada, estavam todos muito apressados. Esme e Roalie iriam para o trabalho. As gêmeas, à escola.

— Querida – disse Esme encaminhando as gêmeas para a porta –, você já preencheu os formulários pra faculdade?

— Mamãe, ainda falta muito tempo. Mas, sim, já os preenchi.

Esme parou, com Avery e Zoey olhando para ela.

— Você precisa enviá-los. Não quero que faça como no ano passado que acabou não enviando nenhum.

— Eu vou enviar – Rose respondeu sem animo.

— Oh – disseram as gêmeas –, a Rose andou mentindo pra mamãe.

— Vão indo lá pra fora, as duas – Esme pediu. – Me deixe falar a sós com a irmã de vocês um instante.

— Nós queremos ouvir também – declarou Avery. – Se a Rose for levar uma bronca, melhor ainda.

— Vão falar do papai? – quis saber Zoey.

Esme soltou o ar, exasperada.

— Por favor, façam como estou pedindo, Avery e Zoey.

— Mamãe, eu já disse que vou enviar – Rose falou com um pouco mais de vontade dessa vez.

Esme segurou nos ombros dela com as duas mãos. – Meu bem, os problemas com seu pai e eu não devem afetar sua vida. Isso é exclusivamente sobre você. Sobre o seu futuro. Não desperdice por nada. Não tem nada de errado em servir mesas. Apenas não foi isso que eu sonhei para você. E posso apostar que não foi o que seu pai também sonhou.

— Eu quero ver o papai – declarou Zoey. – Sinto saudades...

— Zoey, agora não! – Esme ralhou.

Apesar da cara de choro, Zoey não chorou, tampouco disse mais nada. E, então, todos entenderam que era hora de partir.

[...]

A cafeteria estava movimentada e barulhenta naquela manhã. As pessoas pareciam estressadas. Rosalie imaginou se uma nuvem de mau humor teria afetado a todos na cidade. No entanto, começou pensar diferente quando a porta de vidro se abriu trazendo o ar frio do outono junto à presença do rapaz de sorriso de covinhas.

Usando o mesmo avental do outro dia, Rose segurava a jarra de vidro da cafeteira, no momento em que seus olhares se cruzaram.

Emmett sorriu para ela. E Rose sentiu o ar lhe faltar nos pulmões. Não esperava vê-lo ali. A verdade é que acreditava não voltar a vê-lo nunca mais.

Ele olhou em volta por um breve instante, procurando um lugar onde sentar. Porém, todos os lugares pareciam estar ocupados. Foi quando um casal resolvera deixar a cafeteria. Rose o convidou a sentar-se à mesa de pernas compridas ao lado da vitrine.

Deixou a jarra de café quase vazia sobre a bancada e voltou apressada para deixar a mesa em ordem pra ele. Recolheu o que havia em cima e limpou a superfície metálica com um paninho embebedado em álcool.

Emmett não conseguia deixar de olhá-la, até o mínimo gesto foi capturado pelos seus olhos. Ela era ainda mais bonita do que se lembrava.

— Então, o que vai querer? – Rose pediu, mantendo a postura ereta, segurando um bloquinho e uma caneta nas mãos como estivesse pronta para escrever.

— O seu nome?

— Como? – ela pediu, tomada por uma grande surpresa.

— Suponho que muitos aqui já saibam seu nome.

Rosalie abaixou o olhar. – É... bem... eu me chamo Rosalie.

— Rosalie é um nome muito bonito.

— Obrigada. – Estava olhando pra ele de canto de olho agora. – Então, o que vai querer? Café puro ou com leite? Algo para acompanhar?

— Apenas o café. Puro.

— Volto em um instante.

Foi difícil segurar o sorriso que seus lábios escancararam, quando virou as costas pra ele. Passados alguns minutos, retornou trazendo o café. Estava tão ansiosa com a presença dele ali que acabou deixando o copo cair na mesa, respingando parte do liquido escuro nas roupas dele.

Suas mãos ficaram agitadas. Não sabia o que fazer com elas.

— Me desculpa... Eu não...

— Não foi nada – tranquilizou-a Emmett.

Estava passando o guardanapo na camisa no momento em que o chefe dela se aproximou.

— É mesmo uma estabanada – grasnou com Rosalie. – Anda, vai pegar algo para limpar isso aqui.

Rose olhou de Emmett para o outro homem, morta de vergonha.

— Já estou indo.

Emmett quis impedi-la, mas ela desapareceu de sua frente rápido demais.

— Peço desculpas pela falha de minha funcionaria – acrescentou o homem. – O café será por conta da casa. Pedirei que outra pessoa venha servi-lo.

— Se não se importa, gostaria que fosse a mesma moça.

— Mas ela acabou de derramar café em você – o homem falou como que não acreditasse.

— Bom, se não for essa mesma garota a me servir, terei de sair sem tomar o café.

Passado um instante, Rosalie voltou para limpar a mesa, outra vez.

— Me desculpe – lá estava ela, outra vez desculpando.

O dono do local se afastou.

Emmett pôs a mão sobre a dela, na superfície da mesa. – Eu já disse que está tudo bem. Pare de se desculpar.

— É a segunda vez que te atrapalho.

— Não se preocupe. Gosto disso em você.

Os lábios dela se curvaram em um sorriso contido.

— Meu nome é Emmett McCarty. Sou fotografo. Bom, isso você já deve saber – outra vez as covinhas brincavam no rosto dele.

Rose se permitiu rir um pouco mais. – Isso ficou bem claro pra mim – disse.

Ele riu de tal forma que chegou até mesmo apertar os olhos. O coração de Rose falhou uma batida.

— Rosalie Hale – apresentou-se ela em dizer.

— Eu gosto de você, Rosalie Hale. Tenho pensando em você desde que atravessou na frente das lentes de minha câmera.

— Seria loucura se dissesse que também pensei em você?

— Nenhum pouco – ele respondeu causando ansiedade e satisfação a ela.

— Vou pegar outro café pra você – ela avisou já se afastando da mesa.

Dessa vez, ao voltar com o café, tomou todo cuidado na hora de servi-lo.

Sem que Rose esperasse, Emmett revelou ter ficado com uma foto sua na câmera. Ela se recusou acreditar, no entanto, ele retirou a fotografia de dentro do bolso interno do casaco e mostrou pra ela.

O fato de não estar esperando ser fotografada, valorizou o momento. Imortalizando aquele dia cinzento com uma bela imagem sua.

Adoraria ter conversado um pouco mais com ele, mas, infelizmente, precisou atender outras mesas. E nem todos os clientes eram educados e simpáticos quanto ele.

Antes de sair, Emmett lhe entregou um cartão com telefone e endereço onde poderia encontrá-lo. Disse que adoraria fotografá-la outra vez, porém, com a permissão dela.

E ele esperou. Esperou por dois longos dias, e ela não apareceu. No terceiro dia voltou a ao café onde ela trabalha, e, para seu azar, ela não estava lá. Pelo que soube, aquele era seu dia folga.

Falou com o dono do local, mas esse se recusou lhe dar o endereço. Saiu da cafeteria decidido a voltar no dia seguinte. E depois do seguinte. E quantas vezes fosse preciso.  Apenas não podia ficar sem vê-la.

Montou na harley-davidson preta estacionada ao meio-fio. Pôs o capacete, não sem antes olhar de um lado para o outro, na esperança de ela aparecer. O que não aconteceu. Emmett saiu dali, frustrado, cantando pneus no asfalto.

Estava entrando no estúdio, quando o amigo e também ajudante, Jasper, atravessou no seu caminho.

— Ei, Emmett, precisamos...

Não pôde terminar de falar, pois o amigo levantou a mão sinalizando que o deixasse em paz. Jasper recuou. Emmett foi até a mesa de equipamentos e pegou a câmera, regulando sua imagem. Olhou através dela o cenário limpo. Girou, capturando cada canto do salão. Mas foi ao enquadrar a porta que seu coração esmurrou com fúria o peito. E o mundo pareceu pequeno de repente.

Ela estava lá, parada no umbral, trajando um jeans justo e um casco preto. A bolsa junto ao corpo como que temesse ser roubada. Os cabelos dourados presos num rabo de cavalo.

Não pôde conter o sorriso que se formou em seus lábios, iluminando seu rosto pelas covinhas. E ela abaixou a cabeça, estranhamente envergonhada, ainda que houvesse a sombra de um sorriso em seu rosto.

Emmett afastou a câmera do rosto e foi deixá-la no mesmo local onde estava antes.

Jasper olhava os dois, parado num canto perto da porta.

— Pensei que não viria – começou Emmett, indo até ela. – Faz três dias desde que entreguei a você aquele cartão.

Ela olhou nos olhos dele.

— Fiquei com medo – admitiu. – Você poderia ser um assassino. Poderia ser qualquer coisa.

— Ela tem razão – Jasper concordou.

O rosto de Emmett virou na direção do amigo. – Meu amigo Jasper – ele apresentou. Jasper acenou para ela. – Ele estava me ajudando naquele dia, no Central Parque.

— Eu me lembro dele.

— Venha, entre! – Emmett a convidou, pondo as mãos no braço dela. – O que te fez mudar de ideia? – pediu.

Rosalie se limitou a desviar o olhar. Tinha sido seu coração. Mas não pretendia dizer isso a ele. Definitivamente, não iria dizer. Não nesse momento.

— Não importa, estou feliz que tenha vindo – ele acrescentou.

— Vamos fotografar? – Jasper quis saber.

— Não – Rose respondeu rápido demais.

— Mas é claro que iremos– a resposta veio de Emmett. No instante seguinte, retirava a bolsa dos braços dela e deixava sobre uma cadeira de espaldar de ferro. – Ninguém mexerá nela – tentou tranquilizá-la quanto à segurança de seus pertences.

— De toda forma, não tem muita coisa mesmo. Pelo menos não de valor financeiro – essa foi a resposta de Rosalie.

Jasper sorriu. Emmett a conduziu a frente do cenário, no fundo do estúdio.

— Você só tem de sorrir para as lentes e parecer natural.

Ele recuou, posicionando a câmera. Em vez de sorrir como ele sugeriu, Rose se encolheu. Emmett voltou onde ela estava fazendo um pedido ao lhe estender a mão.

— Vamos retirar esse casaco, vai ficar bem melhor sem ele. Está com outra blusa por baixo, imagino?!

Ela apenas concordou com a cabeça. Jasper chegou mais perto para receber o casaco dela e levá-lo para o cabideiro.

Rose ajeitou a blusinha de mangas compridas azul-marinho no corpo.

— Com licença – pediu Emmett, estendo a mesma mão que ajudara ela tirar o casaco, para soltar seu rabo de cavalo.

Rosalie olhou no rosto dele, desconfiada. O coração batia estupidamente forte e tinha a impressão de um abismo se abrindo no estômago.

Quando as mechas douradas caíram sobre seus ombros, Emmett as penteou com os dedos. Eram macios, exatamente como imaginou que fossem. O cheiro lembrava um jardim florido na primavera.

— Muito bem – disse ele, quando a vontade de beijá-la se tornou dolorosa. – Sorria para as lentes – fez questão de lembrá-la.

Foi a muito custo que ela conseguiu se soltar um pouco. E ele até conseguiu capturar algumas imagens bacanas.

— Então, Rosalie, quantos anos você tem?

Os flashes não paravam em momento algum, e Rose se perguntava como ele conseguia fazer as duas coisas ao mesos tempo. Estar focado naquilo que fazia e querer saber sobre sua vida particular.

— Dezenove – disse, por fim.

— Eu tenho vinte e cinco.

— Já é um coroa – Jasper zombou, rindo descaradamente. Rose gargalhou. E Emmett aproveitou para capturar o momento em uma bela fotografia.

— Está linda! – ele elogiou.

— Não sou linda.

— Ah, você é sim, garota.

Alguns flashes depois, Rose estava rindo e pulando. Outras vezes até mesmo se arriscando a fazer gracinhas.

Emmett estava tão satisfeito que o sorriso parecia ter ficado cravado em seu rosto. Nem mesmo o amigo, Jasper, conseguia parar de rir.

Quando finalmente a sessão de fotos chegou ao fim, ele deixou a câmera na mesa, e voltou para abraçá-la.

— Você estava ótima! – começou, passando os braços em volta do corpo dela. Rose ainda sorria. Porém, a proximidade do calor do corpo dele quase fez seu coração ultrapassar o limite das batidas.

O sorriso no rosto dele desapareceu. Ele estava tenso. Ela, ansiosa demais. Ambos com olhar fixo nos lábios um do outro.

Jasper saiu de mansinho, encostando a porta ao passar por ela.

— Quero muito beijar você – a voz dele não passou de um murmúrio.

Rose moveu os lábios, inconsciente de tal gesto.

Emmett aproximou um pouco mais seu rosto do dela. Rosalie ficou nas pontas dos pés, embora não tivesse planejado. Naquele instante, não teve dúvidas de que ela desejava o mesmo que ele.

O beijo aconteceu. Foi lento, doce, e perfeitamente apreciado pelos os dois. Outros beijos vieram depois do primeiro e nenhum deles deixou a desejar.

— Quanto tempo acha que vai levar pras fotos ficarem prontas? – Rose pediu momentos depois. As mãos dele descasavam em sua cintura. E ela gostava da sensação que o simples toque despertava em seu corpo.

— Dois ou três dias, no máximo.

— Vai sair muito caro?

— Pra você, não vai custar nada.

Ela pareceu surpresa com a resposta.

Emmett arqueou uma sobrancelha. – Convidei você, lembra?

— Mesmo assim, não posso aceitar.

— Claro que pode. Aliás, não só pode como deve.

— Está bem, não irei insistir. Até porque não tenho grana mesmo. Na verdade, eu contava com seu serviço grátis – brincou, arrancando um sorriso dele.

Foi difícil controlar o impulso de beijá-la no canto dos lábios.

— Bom, eu preciso ir. Minha mãe não faz ideia de onde estou.

— Quer ir ao cinema hoje à noite? – Emmett perguntou.

— Não sei... – ela respondeu, olhando para o lado. Amadurecendo o convite.

— Dançar numa dessas casas noturnas?

— Acho que ir ao cinema está bom.

— Então eu te pego lá pelas oito da noite. Espera, mas eu não sei onde você mora. Aquele seu chefe não quis me dar seu endereço quando perguntei hoje mais cedo.

— Posso escrever pra você num papel o endereço.

— Tive uma ideia melhor. Eu a levo lá, você só tem de me ensinar o caminho. Então, à noite quando for te buscar, já saberei o caminho. Como você chegou aqui?

— De táxi.

— Ótimo, então vamos em minha moto agora.

— Moto?

— Qual o problema?

— Nunca andei de moto antes.

— Então essa será sua primeira vez.

— Não tem perigo?

— Você só tem de segurar firme em minha cintura e aproveitar a liberdade. O resto deixa comigo.

Do lado de fora, Emmett pôs o capacete na cabeça e ajudou ela com o outro. Montou na moto e ficou esperando que fizesse o mesmo. Aguardou que pusesse os braços em volta de sua cintura. Como não o fez, ele mesmo se encarregou disso. Moveu os braços pra trás, guiando os dela a sua cintura. Rose estremeceu, mas não recusou.

— É assim que você deve permanecer – comentou, uma vez que os braços dela estavam firmes ao redor de seu corpo.

Rosalie encostou a cabeça aos ombros dele, apreciando a rigidez dos músculos. Um sorriso discreto marcou seus lábios. Aproveitando o momento para voltar a sentir o cheiro dele; uma fragrância levemente amadeirada. Estava gostando daquele contato muito mais do que esperava.

— Pronta?

— Acho que sim.

A descarga da moto pipocou. O motor rugiu alto. No instante seguinte, a motocicleta zunia no asfalto. Um grito repentino escapou da garganta de Rose. E ela continuou gritando a cada movimento que a motocicleta fazia até se dar conta de que aquilo era divertido. A adrenalina a deixava acesa. E, então, seu grito se tornou um uivo de comemoração.

E quando ele começou diminuir a velocidade, ela abriu os braços. Emmett achou graça de seu jeito de demonstrar entusiasmo. Rose voltou abraçá-lo pouco tempo depois.

Emmett a deixou em frente ao prédio de fachada de tijolos marrom. Não houve beijo de despedida, embora tivesse desejado muito. Rose estava muito agitada e, ao saltar da moto, correu para a porta dando apenas um tchauzinho.

Ele não conseguia esconder o sorriso. E ficou ainda mais satisfeito quando ela gritou sobre o ombro o número do apartamento onde morava.


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Notas finais do capítulo

Então gente, o que vocês acharam? Alguém curtiu?
Eu ficaria muito feliz se pudesse vê-los nos comentários.
Beijo, beijo
Sill