Coffee Breaks escrita por Kira Queens


Capítulo 8
Feels Like Falling In Love


Notas iniciais do capítulo

Socorro, me desculpem, o capítulo ficou enorme!!! Acho que eu me empolguei um pouquinho. Juro que pensei que fosse ficar menor, mas é que quando eu vou começar um capítulo eu já tenho a ideia central dele aí quando eu termino de escrever tudo sobre isso, eu vou e termino o capítulo, simples assim. Aí dessa vez acabou que dava pra explorar bastante coisa ao redor dessa ideia principal e tal. Mas enfim, tomara que vocês gostem, fiz um capítulo bem light e amorzinho pra vcs.



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Eu queria que Finnick Odair tivesse me beijado. Ele provavelmente ainda estava adormecido em meu sofá, confortável com o travesseiro e a coberta que eu havia lhe cedido na noite anterior. Eu já havia acordado há algum tempo, mas não tinha coragem de levantar e encará-lo. Não depois de admitir para mim mesma que eu queria que aquele quase beijo tivesse de fato acontecido. Nossos rostos estavam tão próximos que eu podia sentir sua respiração, o ar saindo de seus lábios entreabertos. Eu já havia previsto que iria acontecer, àquela altura tinha que acontecer, não faria sentido algum se não acontecesse. Mas não aconteceu. Minha gata miara, chamando nossa atenção e, consequentemente, quebrando nosso contato visual. O que me magoava, no entanto, era saber que a culpa não tinha sido dela. Se Finnick fosse tomar a iniciativa ele já teria tomado e eu sentia medo demais de ser rejeitada para fazer o primeiro movimento.

Só que nós éramos amigos, então não importava, eu nem sequer tinha motivos para estar chateada. Suspirei e tirei o lençol de cima de mim, levantando-me, determinada a agir como se nada tivesse acontecido, até porque, parando pra pensar, nada realmente tinha acontecido. Fiquei em dúvida se eu deveria acordá-lo ou não, mas não precisei. Assim que abri a porta do meu quarto, o cheiro de café recém-coado e torradas invadiram minhas narinas. Fui até a cozinha, deparando-me com Finnick segurando um prato de torradas e deixando-o na mesa.

— Annie! — ele exclamou com um sorriso, parecendo infinitamente melhor do que na noite anterior — Ainda bem que você levantou, eu estava aqui sem saber se deveria te acordar ou não. — sorri para ele, sentando-me numa das cadeiras.

— Sei como é.

— Estou retribuindo a gentileza — disse-me, sentando-se na cadeira à minha frente — Espero que não se importe que tenha sido com as suas torradas e o seu café e tudo mais.

— Está tudo bem, obrigada — tranquilizei-o.

Nós comemos em silêncio, trocando alguns olhares de vez em quando. Seu cabelo estava emaranhado e seu rosto ainda amassado devido ao sono. Sentia-me à vontade com ele, não me importando por estar vestindo um pijama colorido de ursinhos nem pelo meu cabelo estar uma bagunça. A única coisa me incomodando era que, normalmente, nós não conseguíamos calar a boca quando estávamos juntos. De verdade, nós ríamos o tempo todo e o assunto nunca acabava. No entanto, naquele momento a coisa mais interessante sobre a qual nós conseguimos falar fora sobre o café da manhã.

Isso foi o bastante para confirmar minhas suspeitas de que o fato de que nossas bocas haviam ficado próximas demais – ainda que não próximas o bastante— o deixara desconfortável também.

— Deixe-me ver o machucado — eu pedi a ele, gesticulando em direção ao seu braço, quando terminamos de comer.

Finnick arqueou as sobrancelhas e entreabriu os lábios, como se tivesse se esquecido completamente do seu braço ferido. Fiquei em pé ao lado dele, tirando a fita adesiva e desenrolando a gaze.

— Parece melhor. Está doendo? — ele negou com um gesto em resposta — Certo — murmurei enquanto refazia o curativo. Dessa vez, ele não olhou para mim, mas sim para baixo, encarando as próprias mãos.

— Obrigado, Annie — pronunciou Finnick por fim, desviando seu olhar de encontro ao meu — Por tudo — nossos rostos novamente estavam próximos demais.

— Não se preocupe, é pra isso que servem os amigos.

Assim que as palavras saíram de minha boca, pude ouvir a voz de Katniss em minha mente perguntando “Só amigos?”. Senti-me tão culpada que quis correr para longe dele e tentar organizar meus pensamentos. Isso não deveria acontecer; amigos não querem beijar amigos.

— Eu tenho que ir, minha mãe vai começar a ficar preocupada — disse Finn, mas sem fazer menção de levantar da cadeira.

— É, você deveria ir mesmo. Eu tenho que tomar banho e tudo mais — tudo em meu tom de voz denunciava que a última coisa que eu queria era vê-lo sair por aquela porta. Não queria ter que me despedir. Não quando da última vez que nos despedimos ele sumira durante semanas. Não com aquele clima estranho ainda pairando entre nós. Nós éramos amigos, poxa! Não era certo que disséssemos tchau com as caras descontentes com as quais estávamos. Nada em toda aquela situação era certo.

Até que, enfim, Finnick se levantou e eu o acompanhei até a porta. Ele coçou a orelha de Mia uma última vez enquanto eu destrancava a fechadura.

— Vê se não some — eu disse, ciente de que ele se lembraria de que aquelas foram as últimas palavras que ele me dissera da última vez.

— Você também.

E então eu fechei a porta, encostando-me na mesma e deixando escapar um suspiro pesado. Fechei os olhos, tentando entender o que estava acontecendo. Desde que nos conhecemos nunca nos comportáramos daquele jeito. Eu não podia e nem queria simplesmente deixá-lo ir embora sem ter a certeza de que iria ficar tudo bem entre nós.

Em um ato de puro impulso eu abri a porta atrás de mim, decidida a ir atrás dele nem que eu tivesse que correr escada abaixo. Não sabia o que iria falar ou que explicação iria dar para a minha atitude completamente irracional, mas nada disso era relevante pra mim. Tudo o que eu sabia é que não poderia deixar que Finnick simplesmente fosse embora daquele jeito.

Mas, para a minha surpresa, quando eu abri a porta, com o meu coração tão disparado que talvez fosse possível vê-lo pulando no meu peito como nos desenhos animados, Finnick ainda estava lá. Tão estupefato quanto eu deveria estar. Parecendo estar tão desesperado quanto eu mesma estava. Nós não precisáramos pensar no que falar ou no que fazer nem nada do tipo, até porque, a decisão já estivera feita desde a noite passada, o que nos vinha faltando desde então era coragem.

Sendo assim, já não faltava mais nada. Ao mesmo tempo em que seus braços envolveram minha cintura, minhas mãos agarraram sua nuca e nossas bocas se encontraram. Enrolei meus dedos em seu cabelo, sentindo o aperto de seus braços se pressionarem ao meu redor. Sua boca ainda estava com o gosto do café amargo e o toque de seus lábios sobre os meus era doce, mas urgente. Só então eu percebi que o tempo todo ele queria aquilo tanto quanto eu. E foi exatamente como deveria ser, o que me fez estremecer, porque eu sabia muito bem que beijos como devem ser não acontecem com pessoas que não devem ser.

Eu não saberia dizer como nossa relação se sucederia a partir dali. Nós éramos amigos e estávamos oficialmente estragando tudo. E eu detestei isso, porque eu deveria tê-lo ajudado, não ser mais um problema em sua vida, arrumar mais confusão para sua mente já conturbada. Logicamente, na hora eu não pensei nisso. Minha única preocupação naqueles poucos minutos era a gentileza com a qual eu mordiscava seu lábio e a sua barba por fazer roçando meu pescoço quando ele o beijou.

Quando o beijo cessou, eu teria imaginado que nós ficaríamos duas vezes mais tensos, que eu bateria a porta na cara dele e ele sairia correndo, mas não foi isso o que aconteceu. Nós nos entreolhamos, tentando processar o que havia acabado de acontecer. Surpreendentemente, o medo e o receio que antes nos dominava agora já não existiam mais. Quando fitei seus olhos verde-mar, tudo o que eu vi foi o desejo ardente de continuar o que nós havíamos começado. Mas nós ainda precisávamos digerir aquilo. Mas não era hora. Mas ele tinha que ir embora, porque a mãe dele iria se preocupar, e eu tinha que tomar banho e tudo mais.

— Eu devia ter feito isso antes — sussurrou Finnick. Não tínhamos intenção de voltar a nos beijar, mas suas mãos continuavam em minha cintura, embora agora com mais leveza, e eu mantinha as minhas em seu rosto. Era tão bonito o seu rosto. 

— Eu sei — nós rimos de um jeito bobo e cúmplice. Eu não sabia de onde havia tirado coragem para afastar-me dele, mas o fiz — Vê se não some — repeti, dessa vez com um sorriso divertido.

— Não vou.

E então ele se foi, definitivamente dessa vez. E eu fechei a porta, encostando-me nela e começando a rir que nem uma pré-adolescente quando beija pela primeira vez. O que me fez voltar à realidade foi o som do meu celular tocando, ainda conectado ao carregador no criado-mudo ao lado da minha cama.

Era Katniss quem ligava. Ainda não tinha dado tempo de pensar se eu contaria ou não a ela sobre os últimos acontecimentos. Ela era minha melhor amiga e eu queria que ela soubesse, mas, por outro lado, eu nem sabia ao certo como eu me sentia e, além do beijo em si, não havia nada para contar. Finnick e eu não faláramos sobre o que aconteceu – só aconteceu e pronto. E provavelmente não falaríamos sobre isso tão cedo. Optei por apenas atender a chamada e deixar que ela falasse primeiro.

— Annie! — ela exclamou meu nome quando eu atendi — Eu preciso de um favor.

— Eu estou muito bem, obrigada, e você? — brinquei, sentando-me na cama.

— Muito engraçada — ironizou Kat — É que eu e o Peeta conversamos ontem, né? E nós combinamos de sair, mas eu fiquei com vergonha e medo de não termos sobre o que falar e sugeri chamar você e o Finnick.

— Deixa eu ver se eu entendi: vocês querem transar, mas não querem parecer promíscuos, então decidiram sair juntos primeiro — ela ficou em silêncio alguns segundos antes de responder.

— Basicamente — confirmou com a voz culpada — Eu nem sei pra que eu fiz isso, eu nem quero sair com ele! Mas agora eu acho que é muito tarde pra voltar atrás, porque ele disse que vai falar com o Finnick, então, por favor, diz que vai me ajudar.

Fiquei apreensiva. Finnick e eu havíamos acabado de nos jogar um contra o outro há não mais que dez minutos. Eu não sei se queria ir a uma espécie de encontro duplo com ele. E se nós começássemos a agir estranho de novo? Eu ainda não queria falar sobre isso com Katniss, mas ela iria acabar percebendo.

— Annie? — ela me chamou quando eu não respondi — Nossa! Desculpe-me, eu sou uma idiota! É porque você e o Finnick não têm se falado, não é? Eu tinha me esquecido. Tudo bem, você não precisa ir, eu cancelo com o Peeta. De verdade, vai ser até melhor — Katniss parecia mesmo aliviada em poder se livrar desse encontro.

Com ela, sempre foi sobre o físico. Ela se interessava por alguém e ficava com ele indeterminadamente até que ele se apaixonasse e quisesse algo sério, então ela terminava tudo. Não era por maldade, ela só se assustava com a ideia de ter um compromisso sério com alguém. Mas eu sabia que isso a magoava também, ela queria se envolver, só nunca tinha conhecido ninguém que a despertasse um sentimento forte a esse ponto. E eu desejava que ela encontrasse. Respirei fundo e expirei, torcendo para que eu não me arrependesse da decisão que estava tomando.

— Não, eu vou, se Finnick também concordar — respondi — Nós conversamos ontem, está tudo bem. Mas eles têm dinheiro e nós, não, então trate de combinar um lugar acessível para todos — ela riu em resposta. Irritava-me como os restaurantes elegantes cobravam um absurdo simplesmente por serem considerados chiques. Nada além de uma oportunidade de lembrar a nós, a classe menos favorecida, qual era o nosso lugar.

— Certo, pode deixar. Obrigada, Annie — disse, com a voz desanimada — Obrigada mesmo por ir, eu não iria ter coragem se fosse só eu e ele.

Eu sorri encarando o teto do meu próprio quarto. Mia estava deitada ao meu lado, lambendo suas patas.

— Você é tão forte e já passou por tanta coisa que é engraçado pensar que o que te assusta é a possibilidade de ter um momento sentimental com um cara — eu pude imaginá-la revirando os olhos e fazendo careta ao ouvir aquilo, mas ela sabia que era verdade.

— Deixe-me em paz — respondeu — Eu te mando por mensagem o que a gente decidir. Quer que a gente te busque ou você vai com o Finnick?

Quis gritar para que ela parasse de tocar no nome dele, mas sabia que ela não tinha culpa, afinal, a coitadinha nem estava ciente do que havia acontecido. Eu só queria não ter que pensar nele, porque a sensação era de que eu perdia um pouco da minha sanidade toda vez que isso acontecia.

— Você mora pertinho de mim, Finnick mora longe.

— É verdade, e eu prefiro não ter que ficar sozinha com o Peeta.

— Eu pensei que a sua intenção fosse justamente ficar sozinha com ele — eu tinha entendido o que ela queria dizer, mas não pude perder a oportunidade de implicá-la.

— Mas é que eu quero ficar sozinha de um jeito que nós não precisemos conversar! — respondeu-me aumentando o tom de voz.

Depois disso, nós desligamos e eu passei o resto do dia intercalando entre escrever e assistir filmes. Tentei manter minha mente ocupada, porque sabia até onde ela iria se eu a deixasse vagar. Eu tinha medo de pensar demais a respeito de Finnick e acabar me descobrindo apaixonada por ele. Até a menção da palavra já me dava calafrios. Àquela altura eu já o conhecia bem o suficiente para saber que sua reação não seria das mais positivas se eu desenvolvesse aquele tipo de sentimento por ele. Ele veio até mim buscando uma amiga e eu teria que ser capaz de dar isso – e apenas isso – a ele.

Não pude deixar de rir diante da ironia da minha situação. Ninguém nunca havia gostado de mim daquele jeito – não que eu tivesse conhecimento, pelo menos. E, apesar de ter gostado de uns ou outros, fora tudo muito breve, eu nunca nem sequer estivera próxima de um relacionamento. E agora que eu poderia dar certo com alguém se nós nos permitíssemos, nós não podíamos. Ele tinha problemas demais para lidar e eu seria apenas mais um, enquanto eu estava focada demais em todos os meus planos para me dar ao luxo de uma distração.

Encarei as teclas do notebook, sem conseguir me manter concentrada no que eu estava escrevendo. Liguei para Meredith pedindo mais alguns detalhes sobre a sua história com o marido. Agora que o conto de Harry e Maggie já estava praticamente terminado, faltando apenas revisar e acrescentar algumas coisas, o que eu faria posteriormente, eu estava mantendo todo o meu foco na história sobre a mãe de Finnick. Seu único pedido foi que eu usasse nomes fictícios. Ela duvidava muito que o Derek ou alguém que eles conhecessem fossem sequer ouvir falar sobre o meu livro, porque não combinava em nada com o estilo deles, mas, mesmo assim, ela achou melhor prevenir. Quando o livro fosse – finalmente! – publicado, a última coisa que nós gostaríamos era que Derek descobrisse que havia um conto sobre ele e a esposa. Ele ficaria furioso.

Percebi que já estava tarde e fui tomar banho, ciente de que eu nem sabia que roupa iria vestir ainda. Katniss já havia me mandando uma mensagem com a hora e o nome do lugar. Iríamos a uma lanchonete não muito longe dali e Finnick também havia aceitado se juntar a eles. Perguntei-me se ele estava tão ansioso quanto eu.

Como iria ser um encontro casual, não me dei ao trabalho de me arrumar muito. Prendi os fios castanho chocolate num rabo alto, vesti uma blusa amarela de alcinhas e uma saia branca estampada com girassóis. Sorri, lembrando-me do quanto Katniss detestava minhas roupas. Ela sempre dizia que eu deveria parar de me vestir como se eu estivesse no jardim de infância e eu retrucava dizendo-lhe que ela era uma pessoa amarga, apesar de não ser totalmente verdade.

Faltando pouco para às 21h, ouvi uma buzina e peguei a minha bolsa, passando-a pelo meu braço e ajeitando sua alça em meu ombro. Eu sempre tinha a impressão de que a alça iria escorregar e a bolsa cair, mas eu não gostava de usar esse tipo de bolsa com a alça cruzada. Dei ração para a Mia, que arranhou meu tornozelo em resposta. Seja miando ou me arranhando, ela sempre protestava de alguma maneira quando eu saía de casa.

Com a proximidade do outono, logo as saias e blusas sem manga teriam de vir acompanhadas de meia-calça grossa e jaquetas. A brisa leve já estava começando a esfriar, foi o que eu notei ao sair do prédio, expondo-me ao ar livre. Não encontrei o carro de Katniss, mas como só havia um parado ali em frente, abri uma das portas traseiras e entrei, encontrando Peeta e Katniss nos bancos da frente.

— Peeta é um péssimo motorista — foi a primeira coisa que ela disse a mim — É sério, ele deve ter descoberto só hoje que nós dirigimos à esquerda nesse país.

A reclamação não me surpreendia nem um pouco. Katniss amava dirigir e provavelmente só estava sentada no banco do passageiro no carro de Peeta por insistência do mesmo.

— Se você está mal humorada pra tentar me afastar, não vai funcionar — disse Peeta, com toda a calma do mundo na voz — Vai ter que se afastar sozinha, se quiser — Katniss abriu a boca para dar continuidade à discussão, mas Peeta olhou para mim pelo retrovisor, dizendo: — Oi, Annie! Finnick vai nos encontrar lá.

Eu não pude deixar de reparar na expressão no rosto de Katniss de que preferiria ter ficado em casa e do sorriso presunçoso que brincava nos lábios de Peeta. Perfeitos um para o outro.

— Certo — respondi-lhe — E é exatamente isso o que ela está fazendo, Peeta, não deixe — Katniss virou para trás para me olhar com incredulidade enquanto Peeta deixava escapar uma gargalhada — Que foi? — eu dei de ombros diante do olhar indignado de Kat — Foi você quem me pediu para vir.

— Já estou me arrependendo — murmurou — E essa saia é horrorosa.

Peeta e eu trocamos um olhar cúmplice. Quando somos crianças e um menino nos trata mal, os adultos dizem que é porque ele gosta de nós. Isso além de equivocado é um dos primeiros fatores machistas que encaminham as mulheres em direção a um relacionamento abusivo. Em toda a minha vida, eu só presenciei um caso de alguém que tratava outra pessoa mal por gostar dela: Katniss. Eu nunca deixaria de ficar assustada diante da forma em que ela fugia de sentimentos amorosos como o diabo fugia da cruz. Sempre que nós assistíamos a comédias românticas ela dizia que queria algo assim para ela um dia, mas nunca se dava a oportunidade de efetivamente ter.

Peeta não sabia disso ainda, mas ela já havia gostado dele e era isso o que a fazia querer fugir. O que eu pensava era que ela já havia criado todo esse relacionamento hipotético digno de livros da Jane Austen em sua cabeça e ela tinha medo de que, quando se apaixonasse verdadeiramente por alguém, não fosse ser equivalente às suas expectativas. Fugir era uma maneira de manter o sonho vivo e intacto. Se ela nunca tentasse, então nunca se decepcionaria. Era um modo triste de viver, mas uma maneira eficaz de evitar o tal coração partido.

Finnick já havia me falado um pouco de Peeta anteriormente. O que eu sabia era que ele tinha dois irmãos mais velhos que moravam juntos em outra cidade. Ele quase nunca visitava os pais, porque sua mãe não tinha o gênio fácil, embora seu pai fosse bastante gentil. Ele e Finnick se conheciam há bastante tempo, porque seus pais eram empresários e já haviam feito alguns negócios com os Odair, comparecendo eventualmente a algumas festas da família. Não contei nada disso à Katniss, contudo, optando por deixar que ela descobrisse por ele.

O trajeto até a lanchonete foi silencioso. Peeta era realmente distraído, tendo quase avançado pelo sinal vermelho duas vezes, de modo que Katniss erguera as sobrancelhas, como se estivesse reprimindo a vontade de verbalizar um “Eu não disse?”. O que ela não parecia ter percebido era que constantemente ele a olhava pela visão periférica, enquanto ela estava muito ocupada ajeitando a trança lateral em que seu cabelo estava penteado.

Estacionamos em frente ao lugar chamado Nanny’s, o que fez com que eu sentisse saudade da minha avó falecida há três anos. Ela tentara me ensinar a cozinhar uma vez, mas se tinha uma coisa que eu não possuía era habilidade na culinária. Agora que eu nunca mais iria comer sua comida novamente eu gostaria de ter me esforçado mais para aprender.

Finnick já estava parado em frente à lanchonete, aguardando por nós. Prendi a respiração ao vê-lo, tentando conter as emoções, mas já era tarde demais, eu podia sentir minhas mãos começarem a suar e minha barriga a esfriar. Ele usava uma camiseta polo branca, cujas margas curtas delineavam os músculos definidos de seus braços.

Nós três saímos do carro e foi só então que ele me viu. Eu pude escutar a voz de Peeta dizendo alguma coisa, mas não entendi o que foi. Finnick me olhava fixamente e, por um momento, todo o resto do mundo se esvaiu e só existíamos eu e ele. Tentei reprimir um sorriso e notei que ele fazia a mesma coisa. Olhei para baixo, repetindo para mim mesma que eu deveria manter o foco; esquecer como mexer os próprios pés nunca fora parte do meu plano. Por fim, Finn e eu desistimos do nosso esforço inútil para manter o semblante sério e sorrimos um para o outro. Eu caminhei até ele, abraçando-o e sentindo suas mãos apertarem minha cintura. Encaixei o rosto na curva de seu pescoço, inalando seu perfume doce que me fez esquecer até mesmo onde eu estava.

— Finnick? — Peeta chamou sua atenção quando eu e ele nos separamos — Eu perguntei se você já chegou há muito tempo.

Ele pareceu a voltar a si, umedecendo os lábios.

— Ah, não, faz uns cinco minutos — respondeu-lhe. Cumprimentou seu amigo com um toque de mãos e Katniss com um beijo no rosto — Vamos entrar.

Por dentro, a o ambiente era aconchegante, decorada no estilo anos 60. O piso era xadrez e os sofás booth vermelhos. Alguns banquinhos distribuídos de frente ao balcão, fotos da Audrey Hepburn pregadas na parede e Beatles soando nas caixas de som. Ocupamos uma das mesas; Peeta e Finnick sentados em um sofá, Katniss e eu sentadas no outro. Pegamos os cardápios e eu rolei os olhos procurando por algo sem carne.

— Vamos pedir umas batatas fritas — sugeriu Peeta ao mesmo tempo em que a garçonete se aproximava para anotar nosso pedido. Todos nós concordamos em relação às batatas e ao suco, cujo sabor nós optamos por laranja com acerola, mas variamos quanto ao tipo de sanduiche. Finnick pediu igual a mim, um lanche só com queijo, alface, tomate e milho, e eu sorri balançando a cabeça, sabendo que era só pra me agradar. Ele retribuiu o gesto, os olhos brilhando.

— Você não come carne, Annie? — indagou-me Peeta quando ficamos sem ter o que falar.

— Não, desde os 14 anos — respondi-lhe — Não creio que os animais sejam nossos para comer — Peeta assentiu e não falamos mais sobre isso. Ele e Katniss começaram a discutir alguma coisa sobre décadas, porque ele achava que a década de 90 tinha sido a melhor em relação à música e filmes, mas ela preferia os anos 60 e 80.

Finnick e eu apenas observávamos sem opinar, ocasionalmente trocando olhares, porque havíamos percebido a mesma coisa: Katniss e Peeta eram um clássico exemplo daquela história de que os opostos se atraem. Eles não conseguiram encontrar nem sequer uma coisa em que eles concordassem, mas também não conseguiam parar de conversar.

A música que tocava chegou ao fim e eu senti meu rosto enrubescer quando a próxima começou a tocar. If I fell in love with you, would you promise to be true? Finnick também percebeu, pois curvou os lábios em um sorriso sugestivo. Sua naturalidade me constrangeu mais ainda e eu podia sentir meu rosto quente. Ele começou a cantarolar a música até que, para o meu alívio, nossos lanches e sucos chegaram.

Peeta e Katniss agora debatiam sobre os males do açúcar, que ela não gostava de colocar no suco natural, mas ele sim.

— Você acaba com os benefícios das frutas quando coloca açúcar nelas — explicou Katniss após tomar um gole da bebida — Não faz sentido algum. O que faz sentido é colocar açúcar no chá ou no café — o loiro fez uma careta.

— Não gosto — respondeu — Só no suco mesmo, para não ficar azedo.

Katniss o encarou aturdida, como se não acreditasse que eles pudessem ser tão diferentes, mas claramente era isso o que os mantinha interessado um no outro. No caso de Finnick e eu, eram as nossas semelhanças que nos aproximavam cada vez mais.

— Vocês dois estão estranhamente quietos — observou Katniss, virando-se para nós, que nos fizemos de desentendidos — E olha que a Annie quase nunca cala a boca.

— Você não perde a oportunidade de me atacar verbalmente! — eu desconversei. Kat revirou os olhos, dando a última mordida no seu sanduíche.

O lanche dali era gostoso. Eu já havia passado em frente ao Nanny’s antes, mas nunca havia entrado. Fiquei contente, porque a comida era pouco gordurosa, até mesmo as batatas fritas vieram sequinhas.

— É verdade — concordou Peeta — O que vocês dois têm?

— É que a gente andou dando uns pegas, mas não contamos pra vocês — assim que Finnick pronunciou tais palavras eu arregalei os olhos, boquiaberta. Eu já ia perguntar o que tinha dado nele quando ouvi a gargalhada dos dois ao nosso lado. Só então reparei que Katniss estava ocupada demais devorando as batatas restantes para notar minha reação, que deixava nítido que Finnick não fizera apenas uma brincadeira inocente.

— Se isso fosse verdade vocês não admitiriam nem mortos — verbalizou Kat.

Peguei o ketchup e passei em uma batata, decidindo manter minha boca ocupada para não precisar falar. Eu era a pessoa mais transparente que já habitara esse planeta; totalmente incapaz de mentir, fingir ou disfarçar. Qualquer coisa que eu dissesse a respeito daquilo, ela iria perceber que era verdade e então faria o discurso mais dramático do século sobre como eu era uma péssima amiga por não ter contado. E eu não estava nem um pouco a fim de ter que responder perguntas sobre o beijo de Finnick quando ele estava sentado há não mais que 1 metro de nós.

Como eu só posso ser amaldiçoada ou alguma coisa do tipo, é claro que mesmo eu estando calada a minha capacidade de piorar as coisas nunca falha. Nem sequer uma vez, não mesmo. Ao colocar a batata na boca, sem perceber eu sujara o canto do lábio de ketchup, o que explicava o conseguinte sorriso de Finnick.

— Aqui — ele esticou o braço até chegar ao meu rosto, passando o dedo sobre o canto da minha boca onde estava o resquício do molho para limpá-lo.

Droga! Lá estavam as malditas famigeradas borboletas no meu estômago novamente. Como eu queria que elas tivessem permanecido pra sempre dentro do casulo.

Notei que Katniss e Peeta trocaram um olhar confuso, a par de que, seja lá o que fosse, alguma coisa realmente estava diferente entre Finn e eu. Felizmente, eles não comentaram mais nada, voltando a debater sobre comida. Por sua vez, Finnick me perguntou sobre o meu dia. Eu lhe dei o máximo de detalhes possível para tentar nos manter entretidos, mesmo que meu dia tivesse sido absurdamente normal. Quero dizer, a única coisa fora da minha rotina que havia acontecido ele já sabia bem o bastante sobre.

Por fim, nós pagamos a conta e nos dirigimos até a calçada para nos despedirmos. Espantosamente, Peeta andava com o braço ao redor de Kat. Eles já não discutiam mais, apenas discordavam de forma civilizada.

— Você me deixa em casa, Finnick? — eu perguntei a ele, sabendo perfeitamente bem que nossos amigos já tinham outros planos para o resto da noite.

— Deixo sim — confirmou — Gostei da saia — ele comentou. Pensei que estivesse apenas me tirando sarro, mas, apesar do tom divertido que ele usara, não havia um pingo de ironia em sua voz.

— Não gostei da camisa, mas até que fica bem em você.

— Vou considerar como um elogio.

— Pode considerar, sim.

A noite estava um pouco mais fria do que eu esperava, fazendo com que eu me arrepiasse levemente. Despedi-me de Katniss com um abraço, que me agradeceu por ter vindo. Peeta também me abraçou, dizendo-me que gostara de me ver novamente. Eu disse o mesmo e então seguimos nossos caminhos separadamente. Finnick me guiou até o carro dele, onde eu já me acomodei no banco do passageiro.

Ele começou a guiar o carro enquanto eu murmurava a melodia de uma canção qualquer, pegando o celular para checar as horas.

— Eu sei que fiquei brincando com a situação e tudo mais... — começou Finnick, quebrando o silêncio — Mas nós somos amigos, certo?

— É claro — confirmei — Nunca cogitei outra opção —garanti-lhe, optando por omitir a parte em que eu tinha imaginado a possibilidade, apesar de não ter de fato cogitado que pudesse acontecer.

Ele suspirou pesadamente.

— Você não imagina o tanto que eu fujo de compromisso sério — falou — Eu não me imagino envolvendo uma garota nos problemas todos lá de casa — você já me envolveu — Não sei, eu não tenho cabeça pra isso.

— Eu sei como é. No meu caso eu só não tenho lá muita sorte mesmo — expliquei — Mas Katniss foge disso também, só que sabe que eu acho que Peeta tem potencial pra mudar isso? — tentei mudar de assunto, mas na mesma hora já sabia que não daria certo.

Nós não parávamos de ressaltar que éramos apenas bons amigos, mas também o tempo todo falávamos sobre sermos algo a mais. Aquilo já estava ficando exaustivo e Finnick não estava ajudando nem um pouco. Ele queria deixar claro o que nós éramos, mas não parava de se contradizer e eu já estava ficando irritada.

— Sei. Mas é que eu gosto muito de você, não quero acabar te afastando de mim — resisti ao impulso de suspirar.

— Foi só um beijo. Aconteceu. Além do mais, você é muito velho pra mim, não se preocupe.

Ele soltou uma gargalhada.

— Ei, são só cinco anos de diferença — protestou. Ele parou o carro e só então eu percebi que já havíamos chegado ao meu prédio — Eu não posso me apaixonar por você, isso iria estragar tudo pra nós dois. Não me deixe te beijar de novo.

Eu ri, revirando os olhos.

— Parar de falar sobre isso talvez ajude — sugeri — Eu não tenho mais quinze anos, apesar de ainda escutar Taylor Swift — eu disse a última parte num murmúrio — Eu sei como essas coisas funcionam e tal. Ninguém vai se apaixonar. Tem essa coisa maravilhosa chamada autocontrole, sabia? É só você não me beijar.

— É que tem essa pequena parte de mim que... — não deixei que ele terminasse.

— Às vezes eu queria que a gente não tivesse desenvolvido tanta intimidade, aí eu não precisaria lidar com esse tipo de conversa — resmunguei — Não depende só de você, está bem? E eu estou aqui te dizendo para deixar a sua língua longe da minha boca.

Ele sorriu, demonstrando tanta dificuldade em tirar o olhar de meus lábios quanto eu tive em pronunciar aquelas palavras.

— Certo, então. Hora de sair do meu carro — eu ri, soltando o cinto de segurança e aproximando-me dele para poder abraçá-lo. Passei meus braços ao redor de seus ombros, sentindo-o afagar as minhas costas. Ele repousou o rosto no meu ombro.

Afastamo-nos alguns centímetros e nos olhamos rapidamente nos olhos antes de fechá-los e juntar nossas bocas. Se o primeiro beijo foi urgente e ansioso, aquele fora calmo e delicado. Sem pressa ou nervosismo. Eu tinha plena consciência de que aquilo não deveria estar acontecendo, mas era tão difícil quando ele cheirava tão bem e tinha uma aparência tão atraente.

— Tem um pouco de azul nos seus olhos — Finnick comentou quando nos separamos.

— Você precisa parar de me beijar — disse a ele, preparando-me para deixar o carro.

— Eu não beijei sozinho — retrucou com um sorriso malicioso. Olhei para cima, tentando fingir impaciência.

— Eu estou indo embora — avisei pegando a bolsa e abrindo a porta do carro.

— Certo, pode ir — ele assentiu, colocando uma das mãos no volante e usando a outra para girar a chave na ignição — Vê se não some.

— E pare de dizer isso! — exclamei — Que inferno — resmunguei fechando a porta atrás de mim. Ainda tive tempo de ouvir sua gargalhada antes que eu entrasse no prédio e ele arrancasse com o carro, sumindo de vista.  

Durante a minha subida pela escadaria, sentia-me tão leve e feliz que não pude deixar de pensar que nós estávamos percorrendo um caminho sem volta. E algo me dizia que já era tarde demais pra mudar de ideia.


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Notas finais do capítulo

Pois é gente, o beijo saiu!! A tendência agora é continuar melhorando (mas lógico que eventualmente terão alguns probleminhas no paraíso hehehe) (mas sem spoilers), e aproveitando eu quero falar que eu to com umas ideias pra fic que não giram em torno do romance deles, então não, a fic não ta acabando, na verdade, ela talvez chegue a 20 capítulos ou até mesmo passe, diferente do que eu tinha falado. Ai sinceramente nem me levem a sério, eu mudo de ideia sobre as coisas que eu falo a cada capítulo.
Eu ainda não revisei mas pretendo fazer isso amanhã, se tiver erro podem me falar.
Vocês ignoram tudo o que eu pergunto, mas aqui vai eu tentar de novo conseguir uma resposta: vocês preferem capítulos com quantas palavras mais ou menos?? Eu não posto com menos de 2000, mas é muito raro passar de 4000 também, aí eu só quero saber o que vocês preferem, porque quando fica muito grande eu tenho medo de ficar cansativo de ler, e aliás o nyah ta aqui no cantinho me dizendo exatamente isso. Mas como não é o nyah que lê minha fic, eu prefiro saber a opinião de vcs mesmo sfjdjsdkggdj
E é isso, pessoal. Obrigada a quem ta lendo e comentando, eu fico bem feliz. E desculpa por eu não estar conseguindo postar em dia fixo, mas tbm to fazendo o possível pra não demorar. Bom feriado, amiguinhos, e até semana que vem! ♥