Segredo escrita por JW


Capítulo 1
Segredo


Notas iniciais do capítulo

Como é uma one-shot, obviamente será apenas um capítulo. Espero que gostem amiguinhos. Beijos e abraços. Ah! E não se esqueçam de deixarem seus comentários, é muito importante ♥

Também acho que seria interessante, vocês ouvirem essa música: https://www.youtube.com/watch?v=qD_PyhJehjA
Ouvi ela enquanto escrevia.



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24 de Dezembro

Um dos sons favoritos de Sebastian era o das gotas da chuva caindo sobre o telhado de sua casa. A noite tinha sido fria e sequer por um segundo a chuva tinha cessado, era tão tranquilizante aquele som, Sebastian tinha a sensação de que poderia morrer ouvindo aquele som, que morreria feliz, realizado. Porém, seu momento de prazer acabou naquela fria manhã.

Ao despertar, não chovia mais, contudo, o frio tinha tomado conta da atmosfera. Ele se virou para o lado do seu criado mudo, o relógio digital com números vermelhos marcava 07h30min, faltavam trinta minutos para ele despertar.

Um suspiro saiu do interior de Sebastian, em poucas horas aquela casa estaria infestada de parentes chatos e inconvenientes que só davam as caras no fim do ano, para comer e indagar da vida alheia um dos outros. Tias as quais ele nunca via perguntariam pelas ''namoradinhas'‘. A única coisa boa naquela reunião seria rever o seu amado primo Pedro, o qual não via há alguns meses, como sentia falta daquele menino, de cabelos cor de mel e rosto angelical, que era tão importante para ele como o oxigênio.

Odiava Natal, porém, aquele seria mais torturante ainda, seria o primeiro Natal sem o seu pai, que tinha morrido há alguns meses da pior forma possível, definhando em uma cama de hospital por meses, esperando o câncer de pulmão o consumir por completo, até que sua energia vital acabasse e ele viesse a falecer. Não, ele não merecia aquilo, sempre tinha sido um pai muito atencioso, bondoso, carinhoso e presente. Mas quem disse que a vida é justa?

Já deprimido, o menino empurrou o cobertor para o chão do quarto e o atravessou apenas de cueca boxer branca, com uma típica ereção matinal. Foi até o espelho de seu guarda roupa. Encarou sua imagem, quase um metro e oitenta, pele esbranquiçada, os pelos que tinha pelo corpo quase não eram detectados por serem loiros. Bocejou, espreguiçou-se e passou a mãos pelos cabelos espetados, muito pretos, pretos como o café, os olhos também entravam em contraste com os cabelos, pois eram bem escuros, parecendo dois besouros.

Sebastian enfiou a mão dentro da cueca ajeitando seu membro ereto.

− Péssimo dia. − falou para si mesmo prevendo o que para ele era certeza. − Péssimo não, horrivelmente péssimo. − concluiu.

Escancarou a porta do roupeiro pegando as primeiras peças de inverno que viu pela frente, jogou uma água na cara e desceu as escadas de sua casa rumo à cozinha, pelo menos poderia empanturra-se de um café da manhã gostoso, antes dos familiares, ou melhor, dos parasitas chegarem.

Na mesa do café se encontrava uma sonolenta e irrita Sofia, irmã de Sebastian de quatorze anos com humor de 70. Era uma réplica feminina de Sebastian, os dois se pareciam muito com o falecido pai, quase não herdando nada fisicamente da mãe Andreia.

− Bom dia. − disse Sebastian.

Sofia levantou a cabeça sonolenta como quem diz ''É... tanto faz'', enfiou uma colher cheia de cereal na boca e mastigava sem vontade parecendo uma vaca. Sebastian colocou água para esquentar, para fazer um café.

− Mamãe não desceu ainda?

Não. Ela resolveu acabar com o álcool do mundo, ontem à noite. − disse irritada. − De novo.

A mãe de Sebastian e Sofia, naqueles meses após a morte do pai, Raul, tornou-se uma alcoólatra ativa. No entanto, desde muito pequeno, Sebastian sempre se lembrava da mãe bebendo algo à noite, um vinho ou cerveja quando muito calor, mas era apenas um habito, agora era um vício interminável.

− Merda. − sussurrou, desligando a chaleira que chiava, já previa o dia todo, a mãe com dor de cabeça, irritada e talvez os vômitos ocasionais.

No quarto do andar de cima da casa, encontrava-se uma figura de bruços, apenas de calcinha, com o rosto esmagado contra o colchão. Em uma das mãos de Andreia havia uma garrafa vazia de vinho, na outra um toco de cigarro e, perto de sua boca, uma possa de vomito roxa, que estava sendo absorvida pelo colchão.

Bateram na porta. Andreia resmungou. Bateram com mais força, novamente ela resmungou, as batidas eram ampliadas com mais força, parecendo que uma furadeira perfurava a cabeça de Andreia.

− Que inferno... − murmurou. − O que é??? − disse por fim gritando.

− Mãe, é véspera de Natal. − respondeu Sebastian, tentando manter a calma.

Ao ouvir “véspera de Natal”, Andreia sentiu sua têmpora arder. Tinha muito para fazer em pouco tempo e com uma ressaca dos infernos, só quem bebia vinho sabia com era ruim uma ressaca dele. Passou a mão pela boca seca, que pedia água, o gosto de vinho em sua língua era enjoativo demais.

− A lista de presentes está em cima da lareira, junto com o cartão, não exagerem crianças... − disse a mãe levantando-se, passando a mão nos cabelos, molhados pelo vômito, sua visão era turva ainda. − Voltem antes do meio dia, vamos ter que ir ao mercado.

Sebastian ficou quieto por um segundo atrás da porta, um suspiro foi soltado, nem queria imaginar como estaria a figura da mãe naquele momento. Por um instante pensou em mandá-la ir ''a merda'', ou ''se foder'', mas do que adiantaria? Então apenas disse um simples ''ok''.

A responsabilidade de comprar os presentes de Natal para os parentes era sempre do pai, Raul, porém, após sua morte a responsabilidade da tarefa foi passada para os irmãos Sofia e Sebastian.

Sebastian foi até a lareira pegando a lista feita a mão e o cartão de credito. A primeira da lista era a ''Tia Ângela'', irmã de Andreia. Uma mulher dois anos mais velha que Andreia, muito gorda de cabelos cacheados amarelados, parecia aparentar o dobro de idade, religiosa fanática, não era muito bem quista, pois era chata. Ao lado do nome tia Ângela, havia escrito ''qualquer acessório de cozinha ou um santo''.

Sebastian revirou os olhos, quem gostaria de ganhar aquelas porcarias de Natal. Abaixo havia escrito ''Pedrinho'', o primo de Sebastian e Sofia, filho da bizarra tia Ângela e do mala do tio Ricardo, um sorriso surgiu no rosto de Sebastian, ele amava o primo, os dois tinham a mesma idade e desde sempre eram ''parceiros de crime'', e mais tarde tornaram-se algo mais, um para o outro, ao lado do nome de Pedro havia escrito “você sabe o que comprar, Sebastian”. É realmente ele sabia, melhor do que ninguém.

***

A água fria caia pelos cabelos loiros de Andreia, que estava sentada na banheira, com as mãos em volta dos joelhos, precisava acordar, precisava sentir-se melhor.

Levantou-se da banheira meio tonta ainda, com a cabeça latejando forte, enrolou-se em uma toalha, abriu o armário pegando dois comprimidos de paracetamol e os engoliu sem muita cerimonia. Encarou-se no espelho do armário, seu reflexo era horrível, bochechas murchas, olheiras gigantes, o cabelo ressecado, Andreia não era mais a mulher atraente e de rosto que esbanja felicidade, que era há alguns meses. A morte do marido Raul tinha levado sua energia vital, a vontade de viver, se não fosse pelos filhos, ela já teria cometido alguma bobagem.

Fechou o armário do banheiro com força e tratou de se arrumar rapidamente, tinha muito que fazer, arrumar a casa, comprar as coisas para a ceia de Natal, montar a árvore de Natal e a tarefa mais difícil de todas, tentar manter-se sóbria.

***

Pedro olhava sem muito interesse pela janela do carro. Estavam passando pela ponte que daria acesso a cidade dos parentes, olhou para a água do mar, um grande platinado que refletia o céu azul, que estava acima do carro. Tinha sido uma longa e cansativa viagem, que estava chegando ao fim. O menino estava irritado não compreendia o porquê de juntar toda a maldita família no Natal.

''Porque sua tia Andreia precisa de apoio, perdeu o marido a pouco tempo, que Deus o tenha.'' Esta era a reposta da mãe, Pedro também não entendia por que a mãe tinha que meter o nome de Deus em tudo.

Porém, como sempre, havia os dois lados da moeda, mesmo não gostando muito de reuniões familiares, Pedro estava ansioso para rever seu primo Sebastian, abraçá-lo forte, sentir seu cheiro, o gosto de sua língua...

O transe de Pedro foi interrompido. Bufou, irritado, não aguentava mais ouvir o barulho do mini game da irmã de seis anos, que estava ao seu lado. Linda estava naquela fase de criança sabichona que sabe de tudo, bate o pé e chora por qualquer coisa, para ser mais claro um mini demônio.

Ao lado de Linda estava o velho Cláudio, o avô por parte de mãe de Linda e Pedro, ele não incomodava, era um velho caduco que tinha dormido e roncado a viagem inteira.

A mãe de Pedro e o pai mal falavam, deixando que o som irritante do videogame de Linda dominasse o lugar, em sinfonia com o ronco do avô.

''Será o pior Natal de todos, certeza'', pensou Pedro deixando sua cabeça encostar- se ao vidro do carro. ''Pelo menos Sebastian estará lá''.

Quando a mãe mudou a estação de rádio para um que cantava hinos de igreja, Pedro revirou os olhos, era o seu limite, tirou o celular do bolso da calça jeans quase sem bateria, posicionou os fones de ouvido nas orelhas e deixou a melodia de ''She Will be loved'', invadir sua alma, fechou os olhos, ouvindo a música nem tudo parecia estar tão fodido.

***

Era quase hora do café da tarde, os presentes já estavam devidamente colocados embaixo da arvore de Natal, que ficava ao lado da lareira. A família de Andreia chegaria a qualquer momento, já os pais se Raul viriam à noite, Regina e Olavo eram os únicos parentes próximos vivos de Raul, claro tirando Sofia e Sebastian.

Andreia sentou-se exausta no sofá, tinha feito as compras, limpado a casa e montado a árvore. Merecia relaxar um pouco.

− Filha, busca pra mãe um pouco de vinho? − pediu descontraidamente.

− Já não acha que bebeu demais ontem? − desafiou Sofia.

Andreia ergue a sobrancelha com o afronto da filha e diz rispidamente.

− Não, não acho, vá buscar. Sofia encruzou os braços. − Vá você, não sou eu que quero beber.

Andreia levantou-se brava, conhecia bem o gênio da filha caçula, que tinha a personalidade forte e dotada de muita autenticidade. Não querendo começar uma discussão, ignorou a filha e foi atrás do seu vinho, o qual ela precisava, pelo menos um pouco, afinal, não teria como aturar a família inteira de cara limpa.

Ao sentir o vinho quente descer pela garganta, Andreia ouviu o barulho da buzina. Eles tinham chegado. Correu desajeitada, queria passar uma boa imagem à família, com a taça ainda em mãos gritou.

− Crianças, venham pra sala receber a visita!— gritou, já preparada em frente a aporta.

Respirou fundo e arrumou o vestido amarrotado, olhou para trás, e lá estavam Sebastian e Sofia, com a cara de quem tinham poucos amigos.

− Pelo amor de deus, mostrem esses dentes! − pediu.

Sofia forçou o seu sorriso mais cínico e falso, o qual parecia que tinham colocado dois ganchinhos entre os lábios e os arreganhados para mostrar os dentes, já Sebastian, apenas forçou um sorriso, meio triste, quase não mostrando os dentes.

A porta foi aberta. E lá estavam os membros da família, todos ao lado um do outro como estivessem prontos para tirar uma foto. Os olhos de Sebastian foram de um a um a até encontrarem os de Pedro. Pedro também tinha feito o mesmo gesto, e os olhares cruzaram-se e sorrisos verdadeiros surgiram no rosto dos dois. No fim, nem tudo seria tão horrível assim.

***

Em frente a um espelho fixado na porta do roupeiro, refletia-se a figura de Sofia Luz. Com seus quatorze anos de idade, era mais alta do que a maioria das meninas da sua idade, os cabelos muito negros e lisos, escorriam-se pelos seus ombros, a pele muito pálida feito mármore e os olhos escuros pareciam dois besouros, a menina era a versão feminina de Sebastian.

Passou a mão sobre o vestido vermelho na região do ventre, o qual usava nos natais, uma pequena erupção, quase não podia ser vista pelos mais descuidados. Murchou a barriga. Estava grávida de quase três meses, em pouco tempo não teria mais como esconder a verdade. Como contaria à mãe alcoólatra que estava grávida aos 14 anos de idade? E pior ainda, grávida de um garoto de dezoito anos, que ainda não tinha acabado o ensino médio, não trabalhava e só pensava em correr atrás de um a bola de futebol, ele também não sábia da gravidez. Ninguém sabia, apenas Sofia. Uma lágrima grossa desceu pela bochecha esbranquiçada da menina. ''Controle-se garota, controle-se''.

Secou a lágrima e respirou fundo. Os parentes já haviam chegado para ceia a algumas horas, todos tomaram café, conversando as mesmas conversas de sempre, tão vazias, tão previsíveis. Ao acabarem, Sofia tratou de subir para seu quarto a fim de se arrumar para a ceia.

No quarto ao lado, encontravam-se Sebastian e Pedro, deitados um ao lado do outro na cama de casal de Sebastian, com as mãos entrelaçadas, encarando o teto do quarto.

− Você sentiu minha falta? − perguntou, Sebastian.

− Lógico, e você?

− Não muito. − brincou travesso.

Pedro subiu em cima de Sebastian socando-o de brincadeira no peito e dando-o um selinho curto e sem malícia. Os primos tinham um tipo de casinho que vinha desde a infância, entre os nove e dez anos, e que se intensificou com os quinze, quando ambos já sabiam e eram convictos que eram gays, tendo suas primeiras experiências sexuais juntos. Durante os anos a paixão dos dois jovens primos transformou-se em amor, que era muito bem escondido da família, tanto por serem primos tanto pelo fato da mãe de Pedro ser uma fanática religiosa, o que complicava tudo mais ainda.

Como os garotos se viam pouco, duas ou três vezes no ano, mantinham mais o contato via celular ou internet.

Os beijos dos primos foram ganhando intensidade, as mãos de Sebastian, tentaram tirar o suéter de Pedro, porém, ele as afastou, e parou de beijar.

− Sebastian, não! Muito arriscado, estão todos lá embaixo!

Você que começou! − respondeu mostrando um sorriso malicioso, voltando a beijar os lábios de Pedro.

Pedro afastou-se delicadamente, sabia que se continuassem aquilo levaria os dois a ficarem nus, o que levaria a sexo, o que levaria a gemidos e barulho, o que poderia levar a um flagra constrangedor.

Deitou-se ao lado de Sebastian novamente e encarou o telhado.

O silêncio perdurou por alguns momentos. Sebastian resolveu tocar em um assunto que não agradava muito o primo.

− Temos que contar pra eles, o fim do ano está próximo. − começou cauteloso.

− Está cedo ainda.

− Como cedo, Pedro?! Temos que contar antes de irmos embora!

Os primos já tinham planejado há algum tempo que quando ambos acabassem o ensino médio, o que já havia acontecido naquele ano, iriam mudar para outra cidade, para morarem juntos. Sebastian já havia conseguido um estágio, para Março do ano seguinte, em um pequeno jornal, e Pedro já estava matriculado na faculdade, para cursar matemática. Tudo daria certo, era o sonho dos dois.

Eu sei disso, mas você sabe como minha mãe é! Eu tenho muito medo que ela nos rejeite... Preciso de mais tempo.

Nosso tempo está se esgotando. − falou Sebastian firme.

Pedro meio que se irritou, aquela conversa sempre o irritava, mesmo sabendo que o primo tinha razão, porém, era complicado demais, não era algo que se fazia assim fácil, de uma hora para outra.

− Eu sei, Sebastian! Para de encher o saco, já disse que vou falar na hora certa!

Sebastian abriu a boca para responder, entretanto, foi interrompido por uma batida na porta do quarto. Era Ângela, tia de Sebastian e mãe de Pedro:

Meninos, venham cumprimentar, a senhora Regina e o senhor Olavo chegaram!

Os garotos sobressaltaram-se, meio assustados, levantando-se da cama. Regina e Olavo eram os avôs paternos de Sebastian.

Os garotos arrumaram as roupas, que estavam amassadas, devido aos ''amassos'' que os dois deram. Sebastian abriu a porta, dando de cara, com a tia gorda de cabelos amarelados e encaracolados, dando a ela um sorriso nervoso. Ângela olhou para dentro do quarto, desconfiada, encarando o filho Pedro.

− O que vocês dois faziam ai? − perguntou séria.

Sebastian sentiu um nó na garganta.

− Ah... Estávamos...— gaguejou, sentindo os poros exalarem suor e a garganta apertar.

− Garanto que falando sobre as namoradinhas! − falou animada, desmanchando a expressão séria e apertando a bochecha do sobrinho. Sebastian, que sentiu um peso enorme sair de suas costas.

− Era isso mesmo tia.

***

A longa mesa de madeira, antiga e rústica, vestida com a tradicional toalha vermelha que era exclusiva para o dia de Natal, o peru no centro, era digno dos que se via em desenhos animados, muito brilhoso e apetitoso. Os pratos de louça branca ficavam em lindo contraste com os garfos de prata e as velas longas e brancas. No canto da sala de jantar, o grande e majestoso pinheiro de Natal, enfeitado com bolas grandes vermelhas e douradas, e luzes que não paravam de piscar. A decoração Natalina estava perfeita.

Logo os pratos e talheres começaram a tilintar, a meia noite tinha passado e era hora de começar a ceia de Natal.

− Pelo amor de Cristo! Vocês não estão esquecendo de nada?! − gritou escandalizada Ângela. Todos pararam e a encaram, inclusive sua irmã Andreia, que cortava uma fatia de peru.

− Esquecendo de algo? − perguntou, curiosa, em sua mente estava tudo correto. Ângela balançava a cabeça negativamente, parecendo muito ofendida, triste.

− A oração antes do jantar! Temos que honrar o menino Jesus, afinal, é o seu aniversário certo?

A família toda olhou-se tensa, sabiam como a tia Ângela era difícil de se lidar, religiosa fanática, se ofendia facilmente.

− Certo... − disse por fim, Andreia, pousando a faca ao lado do peru. - Que tal você, Sofia? − propôs a mãe, dando um olhar pidão a filha, ela mesma, sabia que não conseguiria fazer uma oração descente que agradasse a irmã.

− Nem a pau! − exclamou Sofia, fazendo com que os parentes arregalassem os olhos, e com que se tia Ângela quase tivesse um infarto. − Acho que Jesus Cristo, tem mais o que fazer do que ouvir a minha oração idiota.

Blasfêmia! − gritou Ângela, segurando o rosário sobre o peito. − Que Deus te perdoe, menina!

Andreia teve que engolir o riso, enchendo sua taça de vinho, meio que tremendo, tentou fazer uma cara brava para filha e a repreendeu.

− Sofia, esse não são os modos que te dei! − indignou-se falsamente.

Percebendo que aquilo se transformaria em uma longa e desnecessária, discussão, Sebastian resolveu interferir, faria tudo para acabar logo com aquele espetáculo de circo e ir para o seu quarto com Pedro.

− Deixa que eu faço a oração... − falou, cessando a discussão, dando a mão para Pedro, e assim consecutivamente todos se deram as mãos, sentados em seus devidos lugares e fechando os olhos, menos Sebastian.

Sebastian sentiu a mão macia e quente de seu primo, uma sensação tão cômoda que lhe dava paz. Respirou fundo e começou a oração:

Obrigado senhor... por permitir que todos pudéssemos nos reunir hoje aqui para celebramos o aniversário do seu filho, Jesus Cristo. − fez uma pequena pausa, tomando fôlego e procurando inspiração e sorrindo, vendo que a pequena prima Linda tinha apertado os olhos e mostrava a língua para ele. − Queríamos agradecer, senhor, pela comida na mesa, pedir que abençoe mamãe, que foi quem a fez... − um sorriso surgiu nos lábios de Andreia. − Agradecer, senhor pelo vovô Olavo ter conseguido passar por sua cirurgia de fígado sem maiores problemas. − ''E o vovô ainda tem fígado? Não o vomitou de tanto beber?''. O pensamento maldoso surgiu na mente de Sebastian sem permissão, mas não o abalou, ele continuou a orar. − Queria agradecer também, senhor, por eu e meu primo Pedro termos conseguido ser aprovados no ensino médio, peço que nos guie com sabedoria para o futuro...

Sebastian continuou a oração por alguns minutos, até que a parte mais sincera foi dita, e assim a oração finalizada: − ... E por fim, senhor, peço que cuide de meu pai, que não está mais aqui conosco.

Os olhos foram abertos e as mãos desdadas. Tia Ângela tinha no rosto gorducho uma expressão de puro orgulho.

− Linda oração, meu sobrinho! − elogiou animada. − E você, Sofia, devia aprender com seu irmão, menina! − ralhou.

Sofia fez-se de surda, obtendo uma expressão de desdém no rosto e enfiando uma quantidade grande de salpicão em seu prato.

Na metade da ceia de Natal, o velho avô Cláudio, pai de Ângela e Andreia, que passava a metade do seu tempo cochilando, já dormia sentado, todos na mesa ignoravam, fingindo não perceber. A pequena Linda deliciava-se com o seu pudim, hora ou outra mostrando a língua para os familiares, até que, assumindo a mesma atitude infantil, Sofia mostrou a língua para a menina, que se sentiu afrontada e começou a berrar sem parar.

− Mamãe! Sofia está mostrando a língua pra mim! − gritava a menina, em meio a choros histéricos e incontrolados.

Sofia revirou os olhos, pedindo Deus que a criança que ela gerava em seu ventre não fosse tão insuportável quanto a pequena prima.

− Sofia, pelo amor de Deus, peça desculpa a sua prima! − ralhou a tia Ângela com a sobrinha.

− Peça desculpa! também disse, tentando ser severa, a mãe Andreia.

Sofia levantou-se da mesa, estava cansada demais daquele circo.

− Já estou satisfeita, vou para meu quarto. − anunciou ignorando a mãe e a tia.

− Sente-se, Sofia! − gritou Andreia, impaciente, não entendia por que Sofia tinha que agir de forma tão rebelde na frente de toda a família, parecia proposital, para envergonhá-la. O que eles achariam? Que ela não tinha controle sobre os filhos.

Sofia assustou-se, a mãe não era de gritar, nem com ela nem com Sebastian. Olhou de canto de olho a taça de vinho, já estava quase vazia, era isso, devia ser o álcool falando.

− Sou sua mãe e os filhos devem respeitar os pais!

Sofia encruzou os braços mostrando uma postura de desafio. Do seu lugar, Sebastian soube que aquilo não era bom sinal.

− Sabe o que os pais devem fazer também, mamãe? − falou ironicamente, principalmente na palavra mamãe. − Dar bons exemplos e não beberem até cair todo o santo dia.

O ar pareceu sumir do pulmões de Sebastian e tudo pareceu ficar em câmera lenta. O garoto de pele pálida viu todos ao redor da mesa observando suas expressões faciais. Tia Ângela estava totalmente escandalizada com a ''afronta'' de Sofia, ao seu lado, o tio Ricardo observava com a boca caída e seus pequenos olhinhos pareciam querer saltar de sua cara gorducha, até Linda tinha parado de berrar histericamente e assistia, ansiosa, para ver o ''circo pegar fogo”. Cláudio, o avô materno, como sempre, dormia.

Regina e Olavo, os avôs paternos pareciam dois pimentões vermelhos, quase nunca se pronunciavam, eram dos que presenciavam a tudo, quietos, e por fim, o primo Pedro, que parecia ter vontade de se meter, querendo acalmar os ânimos.

Andreia, com uma expressão muito séria, com os lábios tremendo, levou a taça de vinho até boca, tomando o último gole.

− Se bebo até cair todo santo dia é porque preciso de forças para ter que te aguentar, menina! − as palavras saíram de forma fria e amargurada, o que pareceu atingir Sofia feito um soco no estômago.

O silêncio reinou e a frase que séria dita por Sofia faria o caos reinar na ceia da família.

− Estou grávida. − anunciou do nada.

− O quê??? − gritou a mãe, piscando incontrolavelmente, incrédula. − O que diabos você acabou de dizer, Sofia???

Estou grávida. − repetiu baixinho. − Estou grávida do Leo e decidi que vou ter o bebê.

Tudo em câmera lenta novamente, como fosse uma cena de filme. O rosto de Andreia contorceu-se fazendo com que ela ficasse com a fisionomia de uma fera, rapidamente ela se levantou, em um pulo abrupto, derrubando a taça de vinho no chão, que se espatilhou no tapete, fazendo o líquido roxo espalhar-se.

− Sua vádia! O que eu fiz pra você fazer isso comigo???— gritou, segurando a filha pelos ombros sacudindo-a e a estapeando com força no rosto.

Tia Ângela, que estava mais perto de Andreia, conseguiu agarrar a irmã por trás impedindo que ela pulasse em cima da filha, mas foi em vão. Foi preciso que Ângela e o marido se unissem para conter a raivosa Andreia.

− Andreia, controle-se! − pedia o cunhado, que lutava com a força extrema de Andreia.

Sofia ficou parada, boquiaberta, com as bochechas vermelhas, marcadas pelo tapa.

− O que seu pai diria se estivesse aqui??? A filha dele grávida com quatorze anos!!! − berrava Andreia, que se debatia, segurada pela irmã e o cunhado.

− Ele está morto!!! − berrou Sofia de volta, disparando a chorar desesperadamente.

Sebastian, apavorado com toda aquela cena horrível, levantou-se, após falar ao pé do ouvido de Pedro: Pelo amor de Deus, leve Sofia para cima ou mamãe vai matar ela. − pediu.

Com os olhos esbugalhados, Pedro assentiu, pegando a prima pelo braço e a levando para o seu quarto. Regina e Olavo continuavam sentados, olhando a cena, quietos, como se não acreditassem no que viam.

Pedro sentou a prima na beirada de sua cama. Sofia respirava com dificuldade, como se tivesse corrido uma longa maratona, as marcas dos dedos de sua mãe estavam destacadas em sua bochecha branca e umas poucas lágrimas quentes escorriam pelos seus olhos negros que pareciam dois pequenos besouros. Ele sentiu pena e sentou ao lado dela, passando o braço sobre o seu ombro.

− Eu sinto muito, Sofia...

Eu não sinto, precisava falar logo, não podia esconder mais por muito tempo.

Não acha que você falou em uma hora meio... – Pedro tentava procurar as melhores palavras, sabia do temperamento forte da prima. − ... delicada?

Sofia virou o rosto rapidamente, com as sobrancelhas cerradas e uma expressão brava em sua face.

− Sabe, Pedro, eu não sou a única que guarda segredos dessa família fodida, ou você acha que eu não sei?

Falta de ar e a garganta fechando-se foi o que Pedro sentiu ao ouvir aquilo. Será que ela sabia? Será que estava falando de outra coisa? Resolveu fazer-se de desentendido. − Sa-sa—sabe do quê?

Do casinho entre você e Sebastian. Só não enxerga quem não quer. – falou agressiva, secando as lágrimas do rosto. – Então não venha me julgar, pois vocês são tão mentirosos e falsos quanto eu! A diferença é que eu tenho coragem de atirar a merda no ventilador!

Pedro levantou-se, estupefato, sentia como se uma manada de búfalos ferozes tivesse passado por cima do seu corpo.

− Sofia, você não pode contar sobre isso para ninguém! — advertiu, todo cheio de pânico. – Você sabe como minha mãe é... E depois dessa cena que a tia Andreia fez, imagino o que ela faria comigo e o Sebastian.

Ah, por favor, Pedro! Se eu quisesse falar já tinha falado, eu já sei disso a anos!

− Desde quando?— perguntou boquiaberto, estava chocado. Como podia ser tão obvio?!

− Vocês precisam ser mais discretos em quanto fodem na garagem... Ouvi seus gemidos, enquanto fumava escondida nos fundos da casa, isso já tem dois anos.

Sofia!— escandalizou-se, Pedro tinha certo pudor em relação a palavrões e se sentia envergonhado muito facilmente.

− Agora, se não se importa Pedro, eu quero ficar sozinha, preciso pensar em como eu, uma garota de quatorze anos, vai se virar com uma criança.

Certo. − falou abaixando a cabeça, encarando os próprios pés - Novamente eu sinto muito Sofia...

***

No andar de baixo da casa, Andreia era abanada pela irmã Ângela, que agitava um leque rapidamente, forçando a raivosa irmã a tomar um pouco de água com açúcar.

− Eu já disse que não quero essa água! Eu quero ir lá em cima falar com a Sofia! − falava raivosa, afastando o copo, tentando levantar-se.

− Você está muito agitada, minha querida irmã... fique calma, não é o fim do mundo... − falava com a voz esganiçada a irmã.

Sebastian aproximou-se da mãe, fazendo-a a sentar novamente.

− Fique sentada aí, mãe, pelo menos até a sua raiva passar. − pediu calmamente.

− Esse é o problema! Acho que nunca vai passar! − dizia, revoltada, balançando a cabeça de um lado para o outro, até parar, dando-se conta de algo, e encarando Sebastian, muito séria. − Você sábia disso, Sebastian?

Sebastian assustou-se, erguendo as sobrancelhas e esbugalhando os olhos, assim como a mãe, e todos ali presentes, aquela noticia tinha sido total novidade para ele. − Claro que não! − ofendeu-se. − Claro que eu não sabia!

− Eu não duvido de mais nada depois disso! Como aquela ingrata pode fazer isso comigo, mas eu vou lá agora mesmo! − novamente Andreia tentou levantar-se e o filho a impediu.

− Mãe, não! Vai ficar sentada aí até a poeira baixar, quem sabe mais tarde, ou amanhã de manhã.

Tia Ângela continuava a abanar a irmã com o leque.

Sabe, querida irmã, nem tudo está perdido... Uma criança pode ser uma benção na família, uma dadiva de Deus.... Quem sabe Sofia não case com o pai da criança, assumindo matrimonio...

Você está louca, Ângela?! − explodiu Andreia. −Sofia casando??? Tendo um filho??? Ela é uma criança! Nem começou o ensino médio! Ela não pode ter essa criança, ela vai fazer um aborto!

Ângela, totalmente escandalizada, deu um grito parecendo um guincho de um suíno, deixou o leque cair no chão e tapou a boca com a mão.

− Santo Deus! Aborto é um pecado horrível minha irmã! É como cuspir na face do Santíssimo Senhor Jesus Cristo!

Sebastian revirou os olhos, aquela conversa envolvendo crenças religiosas não estava resolvendo em nada a situação, só piorava. Irritado, puxou a tia pelo braço e falou ao pé do seu ouvido.

− Tia, mamãe não precisa disso agora... Os pensamentos dela estão a mil, a senhora pode fazer o favor de acomodar todos em seus quartos? Eu cuido da mamãe...

Certo, certo... Mas meu sobrinho, tira da mente da sua mãe essa ideia de aborto...

Sebastian assentiu com a cabeça, qualquer coisa para a tia calar a maldita boca e fazer algo de útil. Ela acomodou todos em seus devidos quartos, enquanto Sebastian tratou de pegar um calmante para a mãe, obrigando-a a tomar.

Em poucos minutos o calmante foi fazendo efeito, Andreia ficou mais calma, com a voz embargada e as pálpebras lutando para ficarem abertas.

Passou um dos braços da mãe em volta do seu pescoço e a levou para seu quarto, despindo-a, deixando-a só com roupas intimas. Deitou-a na cama e a cobriu. Quando estava prestes a sair, a mãe, que estava dopada, agarrou Sebastian pelo pulso.

− Filho... − disse com a voz embargada.

− Mãe, descanse... Amanhã resolveremos tudo. − falou dócil, tentando acalmar a mãe.

− Meu filho amado...— Andreia, parecia estar meio que alucinando, quase caindo em sono profundo, falando com os olhos já fechados. − Você não é como sua irmã... Nunca esconderia nada de mim... Meu orgulho.... Sebastian meu orgulho... − entre as palavras soltas, ela caiu em sono profundo.

Aquelas palavras o atingirem como toneladas de peso, sentiu os ombros caírem e a garganta se fechar, sentiu culpa. Não, ele não era tão diferente de Sofia, ele escondia um segredo da mãe, e de todos, ninguém sabia sobre o relacionamento entre ele e Pedro, ele não era o santo que todos pensavam, era uma fraude, a única diferença era que Sofia tinha tido a coragem de contar.

Saiu do quarto da mãe atravessando o corredor, indo até o final, onde se encontrava o seu quarto. A casa estava fúnebre, totalmente silenciosa, os parentes deviam estar todos dormindo, pensou em passar no quarto de Sofia antes, mas o seu cansaço físico e emocional não o permitiu. Que raios tinha dado na cabeça da sua irmã? Como podia ter sido tão inconsequente? Ela não pensava nela? No futuro dela? E agora? O que ela faria com uma criança, a qual teria que criar, educar e sustentar, tudo isso com quatorze anos?

Adentrou o quarto e encontrou Pedro sentado na beirada da cama, com as mãos no colo, parecia estar esperando-o. Tinha a boca entre aberta e um olhar meio que assustado, Pedro não esperou reação alguma de Sebastian, já despejando suas palavras: − Sebastian, ela sabe de nós! Sofia sabe! − disse agoniado.

Sebastian não teve a reação esperada, não se assustou, não sabia o porquê, mas já esperava que Sofia pelo menos desconfiasse, ele sabia que a irmã mais nova não era boba, podia ser irresponsável e inconsequente, porém, boba não. Então se sentou ao lado de Pedro na cama, dando um grande suspiro.

− Pelo amor de Deus, você não vai falar nada??? − sobressaltou-se Pedro, indignado. Como seu primo podia ficar tão calmo, depois de ouvir a noticia que tinha lhe dado?

− O que você quer que eu fale, Pedro... − respondeu, dando os ombros, ele estava tão exausto.

− Sei lá... Fale com ela, tenho medo que ela conte para alguém...

Sebastian revirou os olhos, como sempre, Pedro tinha medo de que a família descobrisse sobre o caso deles, aquilo o estava cansando, ele não aguentava mais aquela farsa, aqueles segredos.

—Ela não vai falar nada, tenho certeza. - tranquilizou, mesmo no fundo desejando que contasse, afinal não seria tão ruim, pelo menos não precisaria, mais ocultar, nada de ninguém.

Cansado, Sebastian despiu-se ficando só de cueca.

− Estou morto, sinto como se um caminhão tivesse me atropelado, vou dormir. — anunciou, deitando- se e se tapando com a coberta.

Pedro repetiu a ação, ficando apenas de cueca, deitando-se ao lado de Sebastian. Deitou-se do lado de Sebastian, do modo de ''conchinha'', beijando a nunca do primo.

− Eu te amo. − sussurrou baixinho no pé do ouvido.

− Eu também.

Ambos adormeceram, caindo em sono pesado e profundo em pouco tempo.

***

Era manhã de Natal, uma manhã fria e cinza. Ângela acordou mais cedo que o normal, enrolando-se em um robe e atando os cabelos amarelados em um coque, deixando o marido dormindo sozinho no quarto de hospedes e saindo, dando uma rápida espiadela na irmã, que dormia profundamente, ressonando.

Logo após, resolveu passar no quarto do sobrinho, Sebastian, abrindo a porta lentamente, para não acordar os garotos. A cena que viu a paralisou, deixando em um estado catatônico. As roupas de ambos caídas sobre o assoalho, os dois dormindo abraçados, como um casal geralmente dormia. O coração de Angélica foi bombardeado, ela fechou a porta rapidamente, mas não fazendo barulho, escorou-se na porta, tapando a boca com a mão, pois temia que um grito lhe escapasse, as lágrimas começaram a cair pelo seu rosto velho e rechonchudo. O que ela mais temia na vida tinha se concretizado.

***

Sebastian acordou-se antes de Pedro naquela manhã, saindo do abraço do primo lentamente, preocupando-se em não acordá-lo, foi até suas roupas no assoalho e as vestiu, percebendo o quanto tinham sido imprudentes em dormir daquele jeito com a porta do quarto destrancada. Decidiu descer para a cozinha, tomar um café quente. Todos pareciam continuar dormindo na casa, que estava silenciosa, porém, ao chegar à cozinha da casa, assustou-se com a cena que viu. Tia Ângela estava sentada com um cigarro entre os dedos, uma caneca com café, da qual saia um vapor dançante e lágrimas escorriam pelos olhos da tia.

Sebastian assustou-se, pois, até onde ele sabia, ela não fumava. Tinha uma expressão horrível no rosto. Ela percebeu a presença do sobrinho, contudo, não o olhou, apenas continuou encarando o ''nada''.

− Tia, a senhora esta bem? − perguntou.

−Sebastian, você e Pedro não podem ter absolutamente nada entendeu? − despejou diretamente, falando firme.

Sebastian sofreu um grande impacto, foi pego de surpreso, seu cérebro começou a trabalhar rapidamente, tentando entender o que estava acontecendo ali.

− Eu vi vocês dois hoje mais cedo em sua cama, não sou boba, sei o que vi e digo para vocês dois acabarem imediatamente com o que estão fazendo.

Tia...

Ângela levantou-se rapidamente com os olhos arregalados, que expressavam puro terror, segurou o sobrinho com força pelos braços, sacudindo-o com força.

− Você tem que me prometer, Sebastian! Que você e Pedro vão acabar com isso! − gritou. − É errado, vocês são dois homens e primos! É pecado! Vocês vão se arrepender pelo resto da vida!

Tia! Me solta você, tá me machucando! − pediu Sebastian, assustado com a reação da tia.

− Antes me prometa que você e Pedro nunca mais vão ter nada! − implorou ela, cujo rosto estava encharcado de lágrimas. A velha mulher estava totalmente perturbada.

− Tia... Sei que é difícil para a senhora entender, mas eu e Pedro nos amamos.

− Não!!! − berrou Ângela, soltando o sobrinho e lhe dando uma forte bofetada no rosto. − Nunca mais diga um horror desses, menino!

Sebastian sentiu o rosto arder, levou a mão onde tinha sido esbofeteado, pensando que aquilo não podia estar acontecendo.

− Pois eu digo! Eu o amo!!! E quero namorar com ele, construir uma vida com ele!!! − gritou, afrontando a tia.

Ângela levou a mão até a boca, balançando a cabeça negativamente, em choque.

− Você não entende, garoto... Vocês não podem se amar, pelo amor de Deus, me diga que vocês nunca... nunca... − Ângela parecia não conseguir acabar a frase. − ... Nunca fizeram sexo.

Sebastian ficou em total silêncio, juntando suas forças e, por fim, sussurrando: − Já fizemos.

Meu Deus! − berrou forte, levando as mãos aos próprios cabelos, puxando-os com força, totalmente fora de si. − Vocês não podem fazer isso!

Tia, pare de reagir de forma tão exagerada... − implorou Sebastian.

− Exagerada??? Você não entende! Vocês não podem! Vocês são irmãos!!!

Por um tempo, Sebastian achou que tinha escutado errado, mas se deu conta de que não, ficou confuso, sua boca escancarou-se e tremeu.

O quê? − falou, não crendo. − Tia, claro que não... Eu e Pedro somos primos... Por que a senhora esta falando isso?

Porque é a verdade, você e Pedro são irmãos!!!

A senhora está louca, isso é mentira! Mentira!!!

− Sebastian, eu e seu pai tivemos um ligeiro caso, anos atrás, eu acabei engravidando do Pedro por acidente, vocês são irmãos!

Mentirosa! Mentirosa!!! − gritou, tampando os ouvidos com as mãos, e sacudindo a cabeça como que para tirar as palavras ouvidas de sua cabeça. − É mentira isso é impossível! Mamãe me contaria!

Não tinha como! Só eu e seu pai sabíamos, juramos que levaríamos esse segredo pro tumulo, sentíamos muita vergonha do acontecido! Nunca imaginei que isso aconteceria, nunca imaginei que Pedro se envolveria com você... Eu tinha medo que ele se envolvesse com Sofia... Mas jamais imaginei que aconteceria algo entre vocês!!!

As lágrimas escorriam pelo rosto de Sebastian, aquilo era insano, era irreal, era nojento, não podia estar acontecendo. Não podia crer que sua tia teve um caso com o seu pai morto, que ele e Pedro eram irmãos... Eles não podiam ser irmãos! Eles tinham ido pra cama, transado e se beijado, aquilo era errado, era nojento! Era inacreditável!

− Escute, Sebastian... Você tem que se afastar imediatamente do Pedro e jamais contar pra ninguém o que aconteceu entre vocês, muito menos contar sobre vocês serem irmãos, Pedro não aguentaria uma noticia dessas... Ele não é um garoto forte, ele surtaria, faria alguma bobagem!

− Cala a boca! Cala a boca! Sua vadia desgraçada! Você guardou esse segredo sujo por anos! Você vai apodrecer no inferno! Desgraçada!!!— gritava Sebastian descontroladamente.

− Pelo amor de tudo que é mais sagrado, meu filho, pare de gritar você, não percebe o que esta em jogo aqui??? Ninguém, além de nós dois, pode ficar sabendo disso!!! − pedia a tia, com os olho arregalados de puro pavor.

− Você tem medo que descubram que você não é a beata que todos pensam que é? A religiosa, tia Ângela, não passa de uma puta hipócrita!!!— rebateu ríspido, cuspindo as palavras.

− Por favor, meu sobrinho, pare de falar essas coisas, você acha que eu própria não me culpo todo santo dia por isso???

Sebastian deu dois passos para trás agarrando os cabelos espetados e negros, sentia a visão turva e o estômago enjoado, como se fosse vomitar a qualquer momento, fechou os olhos e tentou organizar os pensamentos para saber o que faria a seguir.

− Escute bem o que vou dizer e não me interrompa. − falou baixo sem abrir os olhos, tentando manter a calma. − Eu vou sair de casa, você tem até meio—dia para ir embora e nunca mais voltar, mas quando eu digo ''nunca mais'', eu digo para sempre entendeu???

Como assim para sempre?

Sebastian abriu os olhos e tirou as mãos do cabelo, tirando sua expressão de tristeza e dor da face e substituindo por uma de pura raiva.

− Para sempre que dizer para sempre!!! − gritou. − Nunca mais vai chegar perto de mim ou da minha família, quando mamãe te ligar não vai atender, não vai retornar as ligações, não vai vir aqui em casa, finja que estamos todos mortos, e nunca mais dê as caras!!! Ou eu juro por Deus, que se você não fizer isso, eu conto para toda a família a vaca traidora que você é!!!

− Por favor, Sebastian, não faça isso...

− Cale a boca! Você tem até meio—dia!

Sebastian deu as costas à tia, correndo até a garagem da casa, meio que cego, sem se dar conta do percurso que fez. Entrou no carro do falecido pai e deu a partida, totalmente fora de si, com uma tremedeira horrível que percorria o corpo.

A chuva caía do céu negro, com pingos d’água ricocheteando no carro. O mundo parecia estar desmoronando. Entre tremores, choro desenfreado e mais tremores, Sebastian foi obrigado a estacionar o carro no acostamento. Ele simplesmente não conseguia dirigir. Chorando, encostou a testa no volante do carro, batendo ali a testa repetidamente.

''Quero voltar, quero voltar agora para quando as coisas não eram tão difíceis... Como tudo isso aconteceu? Como tudo pode ficar tão fodido de uma hora para outra? Como tantas coisas ruins aconteceram em um intervalo, de apenas três dias?''

Um grito gutural e raivoso saiu da boca de Sebastian, as lágrimas quentes escorriam dos seus olhos de besouros e caíam pelo pescoço branco, que possuíam veias saltadas.

Sentiu-se violado e com nojo, sentiu-se um ser totalmente sujo, um ser podre, que tinha ido com a cama com o próprio irmão. Por mais que ele não soubesse que Pedro era seu irmão, a culpa não tinha critérios para se alojar dentro de si.

O mais difícil ele sabia estar por vir e seria ter que manter aquele segredo dentro de si, ter que participar daquela podridão toda, que a tia e o pai haviam começado anos atrás. Ele tinha consciência de que não poderia falar para ninguém, ou a família desmoronaria por completo. Ele sabia que a mãe não suportaria a noticia, que o marido que ela tanto amou e ainda amava, a havia traído com a própria irmã! E Pedro? Ele jamais aguentaria saber que tinha ido pra cama com o próprio irmão, Pedro era sensível demais, poderia cometer alguma loucura, como o suicídio.

Deste modo, se Sebastian desse com a língua nos dentes também acabaria com o casamento dos tios e ele não queria que Pedro e Linda tivessem pais separados, por mais podre que a tia pudesse ser.

Ali naquele carro, com a cabeça escorada no volante, com a chuva bombardeando o carro e as lágrimas correndo no rosto, Sebastian, sabia o que fazer para o melhor de todos, teria que aprender a conviver com aquele segredo, com aquela dor, com a culpa. Seria o melhor para todos.

***

Um ano depois...

Sebastian voltava do estágio do pequeno jornal que trabalhava a quase um ano, indo para o simples apartamento, que morava não muito longe do trabalho. O garoto não ganhava muito dinheiro, mas já tinha o suficiente para se manter, pagar aluguel, contas, comida e pagar o curso de inglês que fazia, e a terapia (que tinha precisado muito nos últimos tempos). Sem a terapia, ele certamente teria cometido alguma besteira. Ele aceitou o que havia acontecido, tinha sido uma triste fatalidade, à qual nem ele e nem Pedro eram responsáveis, eles não tinham culpa. A analista de Sebastian, após o tratamento aliado a antidepressivos e antiansiedades, recomendou que Sebastian falasse para a família sobre o segredo, segundo ela tiraria um enorme peso das costas.

Porém, ele negou, nunca faria aquilo, nunca faria a mãe e Pedro e o resto da família terem que conviver com a horrível verdade que ele convivia.

Desde o acontecido, ele não tinha mais tido noticias alguma de Tia Ângela, que sumiu completamente do mapa, mudando até de cidade, trocando de número de telefone, era como se ela e a família nunca tivessem existido. Pedro tentou de todas as formas tentar entender o porquê do afastamento, sofrendo muito no inicio. A única coisa que Sebastian fez foi mandar uns sms's, para ele, dizendo que o relacionamento tinha acabado, dando um fim aquilo tudo e não respondendo ligações e nem sms's do primo-irmão.

Sebastian não era uma pessoa triste, mesmo tendo que conviver com aquela parte tão escura de sua vida. Ele tinha aprendido a driblá-la, trabalhando, estudando, visitando a mãe, a irmã e o sobrinho de um aninho, nos tempos livres.

A vida nunca mais séria a mesma, ele sabia, mas também sabia que tinha forças suficientes para seguir em frente.


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Notas finais do capítulo

Não se esqueçam dos meus comentários u.u



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