Mudblood escrita por Ella


Capítulo 9
Negações


Notas iniciais do capítulo

Guardem os tomates, okay???
Como alguns de vocês podem ter visto no grupo do Nayh, eu desloquei o ombro. Caí, graças a minha ótima coordenação motora, e joguei todo o peso no cotovelo. Aí deu merda.
Escrevi esse capítulo inteiro praticamente com a mão esquerda, ignorando os olhares dos meus pais. Eu me sinto muito bem comigo mesma depois disso. Claro que o atraso também é culpa da minha preguiça em escrever com uma mão só. Eu meio que "Aaaah, escrever com a mão esquerda. Afe" e perdi a vontade. Mas pelo menos tô melhor, o ombro não dói tanto mais.
E, cara, que frio delicioso esse, né?



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   — Eu prefiro Percy Jackson.

   Procurei pelo sentimento de raiva que sempre aparecia quando essas palavras eram ditas. Não encontrei.

   Segurei a lista nas mãos, lendo e relendo todos os motivos que me fazem odiar Taylor. Percebo que eu sou muito infantil. Nenhum dele faz sentido. Nem mesmo um.

   De toda forma, eu posso canalizar todo o meu ódio na Dra. Rabbit. A culpa é toda dela.

   As sessões são péssimas. Ela sabe tudo o que eu penso, mas finge que não, age como se me amasse, sendo que eu nem sei o primeiro nome dela e continua me fazendo falar de Taylor e enfatizar as qualidades dele. Que são muitas, pra piorar.

   Ela me fez dizer o que eu mais apreciava nele. Mentalmente, eu confessei que gostava do humor dele e de como não desistia de mim. Da forma que ele me olhava em transe algumas vezes, como se no fundo, bem no fundo, entendesse todas as minhas reações. Adorava o jeito que falava da sua mãe, das gêmeas e da sua Jolly. Amava a facilidade com a qual eu conseguia o fazer corar e da forma que suas covinhas apareciam quando sorria.

   Em voz alta, tudo o que saiu foi:

   — Ele é amigável.

   Ela anotou mais alguma coisa na caderneta, não esboçando nada em relação à minha resposta, logo depois me mandando dizer o motivo pelo qual Taylor não me agradava.

   Pensei na sua teimosia, na minha incapacidade de irritá-lo, na certeza que ele tinha de que esse “nós” podia dar certo e em como ele me deixava confusa. Respondi alguma coisa sobre “Polos iguais não se atraírem” ou qualquer outra dessas frases totalmente clichês.

   E é por isso que eu estou aqui, nua e descabelada, andando de um lado para o outro do quarto, me perguntando principalmente o que diabos estava acontecendo comigo.

   Desde o Natal, eu não parei de pensar nele.

   Nunca fui uma pessoa muito confusa. Eu gosto de certezas e convivo com elas. Quando não as tenho, penso nas perguntas até as achar. Visto isso, como eu não achava uma resposta para Taylor?

   Eu sei que estou no fundo do poço.

   Entrei num fórum online para pessoa que odeiam suas marcas. O “Eu odeio minha marca!”.

   Encontrei de tudo. Tem a @suckergall85 que falou que o destinado dela tinha filhos e que era jovem demais pra ser madrasta, a @holden_mcgroin que estava apaixonada pela destinada do melhor amigo e o @4everdramione que não tinha marca mas que visitava o grupo só pra se convencer de que ter marcas não é tão legal, o @maxxxy, que não conseguia gostar da destinada, não importava o quando tentasse, a @katecutie que mandava correntes do tipo “Meu nome é Samara, tenho 14 anos (teria se estivesse viva)” e @KarolineMey que mandava mensagens positivas e reflexivas sobre tirar a marca. Ela nos contou que tinha apagado a dela dois anos atrás e que sua vida era maravilhosa desde então, com o homem que ela escolheu amar. Ela até mandou uma foto dos filhos super fofos deles.

   Também tinha uma louca que respondia a tudo com emoticons e um esquisito que tentava pregar que tirar a marca te leva para o inferno.

   Dra. Rabbit tinha me indicado o grupo. Falou que ajudaria a responder as perguntas que eu obviamente tinha e que seria bom trocar ideias com pessoas que pensam da mesma forma que eu.

   Engoli o medo e me apresentei, falei minha idade e contei tudo. Tirando a @holden_mcgroin que me chamou de vadia por tratar o Taylor tão mal e o @4everdramione que queria conversar sobre Harry Potter, não foi a pior experiência da minha vida.

   Alguns falaram que eu devia esperar e conhecer ele mais, tirar a marca era pra sempre e tinha que ser bem pensado, outros falaram que a minha insegurança era apenas consequência de tudo que as pessoas me falaram durante os anos.

   Me senti acolhida. A @suckergall85 me pediu para mandar o Neal para um lugar não tão legal e a garota das correntes me desejou boa sorte.

   Karoline disse ter gostado de mim e deixou o email dela para o caso de eu querer tirar dúvidas. Quis abraçá-la e fazer mil perguntas, principalmente sobre a última frase que ela deixou no tópico.

   “@winniedarling17 Vá com calma! Tente separar o que você acha sobre a sua marca do que você realmente viveu com ela. Pessoas podem ser felizes com ou sem uma alma gêmea, descubra qual opção te faz mais, o que está no seu pulso diz somente e apenas sobre você.
E mande um abraço para o Troy, ele parece ser muito doce e paciente :)”

 

 

 

 

   — Finalmente você chegou! – Elliot estava quase beijando os pés do Taylor de alegria.  Alex tentava amarra o tênis em cima de uma perna só e carregava as chaves do carro do pai na boca.

   — Oi? – Malfoy olhou confuso para ele, não entendendo nada até olhar para trás e ver o emaranhado de cobertores e travesseiros que era eu.

   Ele estava preocupado, percebi. Andou até mim, encostando a pele gelada de sua mão em minha testa. Minha nuca se arrepiou mas ele não pareceu perceber, ou se o fez, entendeu que tentar tirar sarro de uma pessoa em seu leito de morte não era legal.

   — Leve ela pra cama. O remédio pra dor de cabeça está na prateleira de baixo do armário do banheiro, o pra febre está na antipenúltima e o termômetro na cômoda dela. Ela se recusa a tomar banho gelado, odeia sopa e não toma xarope ou qualquer outro remédio líquido. Não tente beijar ela, para o seu próprio bem. – Elliot berrou um obrigado para o loiro confuso do meu lado e jogou um beijo no ar pra mim.

   — Não façam nada que eu não faria! – Alex gritou. Não tinha muito sentido, o que é que Alexander nunca faria? Alex era dois metros de pura depravação. Uma depravação muito bonita, na verdade.

   Quando os garotos enfim foram embora, Darling sorriu.

   — Oi.

   Eu não estou doente. Eu não estou doente. Eu não estou doente.

   Gosto de tentar negar os fatos sempre que acho que algo está errado. Também serve pra desilusões, decepções e medos. Mas não está mais dando certo, visto que eu só pareço piorar.

   Minha cabeça está latejando, meu corpo não tem forças pra nada, depois de todas as idas ao banheiro não havia mais nada no meu estômago e se eu espirrasse mais uma vez o meu nariz iria cair. E cá estava Taylor, prestes a presenciar tudo isso.

   Me fale sobre decadência.

   — Você está bem? – ele perguntou. Apenas coloquei minha melhor feição irônica, debilitada demais pra responder com algum comentário regado a sarcasmo e grosseria. — Entendo.

   Fomos imersos num silêncio confortável, ao menos pra mim. Taylor sentou do meu lado sem parar de me fitar e começou a analisar tudo em volta ao mesmo tempo em que batia os pés no chão, gerando um barulho muito irritante. Chovia lá fora e por isso a casa estava mal iluminada, o que me permitia abrir os olhos sem ter uma cabeça latejando em troca. Os pingos batiam na janela e foi nisso que me foquei. Paz.

   — Ei, você disse que não adoecia? – Mas claro que ele não podia ficar calado.

   — Eu não estou doente. É só um resfriado. – Não era.

   A abertura dos jogos estava próxima e isso significava que os garotos não teriam tempo pra mim já que Alex ficaria treinando vinte e cinco horas por dia e o Elliot o acompanharia em cada maldito treino. Também significava que Norrie me deixaria no relento, já que tinha que era ela quem estava cuidando da organização da festa. E eu até iria em uma dessas duas opções se não estivesse presa em casa.

   Morrendo.

   Ele se levantou, como o ser inquieto que era, e ligou a televisão em algum programa de culinária. Não foi a melhor das escolhas. As receitas eram bonitas e pareciam boas demais, o que me deixou deprimida já que a única coisa que eu tinha comido hoje era sopa e comprimidos.

   — Eu quero a minha mãe.

   — Ah, Deus.

   — Ela devia estar aqui.

   — Então porque eu estou aqui?

   — Ele tá trabalhando. Preciso de alguém para me trazer sopa e chá. Os outros não podem, aqui está você.

   — Eu sou o seu plano B, Andy Hill? – Ele cruzou os braços, fingindo estar irritado. O canto de seu lábio estava levantado levemente, formando o sorriso mais imoral já visto em décadas.

   — Claro que não. O B é o Elliot. E também não é o C, Alex é. Norrie vomita quando vê alguém vomitando, o que me diz para nunca ir beber com ela na faculdade e coloca ela no posto de plano D. Você é o E. – Consegui soar séria, o que no final colocou um sorriso no meu rosto e no dele.

   — Eu devia ter lagar aqui.

   — Devia. Mas não vai.

 

 

 

   Pedi para Taylor fazer outra sopa, usei a desculpa de que a da Jenn é horrível, não que seja mentira, e isso acabou me fornecendo tempo o bastante para pensar em fatos sobre a minha atual situação;

   Um. Maioria das partículas do meu corpo querem beijar Taylor Darling. Dois. O resto quer não querer. Três. Troy Darling não combina com ele. Quatro. Eu não sabia se ficar com Taylor me faria mais feliz ou mais infeliz e tinha medo de descobrir. Cinco. Taylor faz uma ótima massagem nos pés. Seis. E eu não estou com dor nos pés, logo não tenho um motivo plausível para tê-lo pedido uma massagem, mas o fiz. Ou seja, eu sou oportunista. Sete. Nada no mundo vai me fazer tomar um banho gelado. Prefiro morrer de febre. Oito. Não tenho chamado ele de Malfoy, o que é alarmante. Nove. O que me impede de me desenrolar desses cobertores, ir até a cozinha e beijar Darling até o fim dos tempos é o medo em passar seja lá o que eu tenho pra ele.

   Não consigo sair desse mar até que ele volte e se sente do meu lado. Malfoy está segurando um prato infantil numa mão e uma colher rosa com um desenho de urso na outra.

   — Acho eu esqueceu o babador, Malfoy. – Deixei o tédio se alastrar no meu rosto.

   Ele revirou os olhos e levantou a primeira colherada. E não, eu não vou recusar a oferta de receber comida na boca.

   —Me desculpa por ser uma chata – falei de boca cheia. Ele acenou com a cabeça, soltando um riso baixo.

   — Tudo bem.

   — Nunca mais tente colocar legumes na minha sopa.

   — Anotado.

   — Ou pelo menos coloque em pedaços menores.

   — Sim, Andy.

   — E você esqueceu de colocar sal.

   — Sério?

   — Não faz muita diferença. Eu não to sentindo o gosto das coisas.

   — Ah.

   — Você devia medir a minha temperatura.

   — Você é a não-doente mais irritante do mundo.

   — Eu me esforço.

 

 

 

   Não demorou pra anoitecer. Eu e Taylor gastamos boa parte da tarde olhando pro rosto do outro e tentando não rir (o que ele sempre perdia), jogando jogos idiotas no celular dele, comentando e discutindo sobre comerciais da Polishop (o que me irritou, já que ele achava que o super liquidificador de mil dólares era mais legal que a grill que fazia batata-frita sem óleo).

   Mamãe disse que chegaria em breve e Norrie ligou dez vezes, sempre perguntando a minha temperatura e se eu queria algum donut.

   — “Meu pai está na loja ao lado comprando meus livros e minha mãe está mais adiante procurando varinhas”, disse o garoto. – Darling falou em uma voz entediada e bati palmas internamente. Taylor imitando Draco Malfoy era tudo o que eu precisava na minha vida.

   Acho que todo ser humano devia ter um inglês de estimação que pudesse ler Harry Potter pra ele. O sotaque de Taylor ficava dez vezes mais bonito toda vez que ele falava Hogwarts, acredite ou não. Sem falar da voz dele que era rouca e suave, fazendo meus olhos se fecharem sozinhos.

   — Você pode dormir. Eu vou continuar aqui.

   Ele se deitou e colocou o meu corpo em cima do dele. Enterrei a minha cabeça no seu peito e me impedi de sentir culpa por algo que simplesmente parecia certo. Eu estava entre a vida e a morte, merecia uma recompensa.

   Taylor continuou lendo por algum tempo e a voz dele foi se distanciando mais e mais. Em algum momento na linha que me separava da inconsciência, ele parou de ler e começou a cantar e acariciar o meu cabelo.

   Durante a minha vida eu tentei negar várias coisas pra mim mesma. tentei negar a vontade de ter Neal na minha vida, meu medo de trovões e meu sonho obscuro de viver um romance como nos filmes idiotas da Norrie. E isso me fez bem, me fez encarar as coisas. Eu havia me tornado uma expert em negação.

   O grande problema é que não se dá pra negar fatos. Não posso negar que meu eu infantil ainda se acendia com a ideia de ter um pai, ou que esse mesmo eu infantil se enrolava mais no cobertor em noites de tempestade. E também não podia negar, principalmente, a dolorosa, angustiante e inquietante verdade:

   Eu sentia algo por Malfoy.


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Notas finais do capítulo

Nossa, por essa ninguém esperava, né?
(ironia)