O Segredo da Lua escrita por F L Silva


Capítulo 21
Capítulo 21 - Plano de Fuga


Notas iniciais do capítulo

Após esse capítulo, haverá apenas mais dois e a história estará finalizada.
:)

Abaixo, há um link de uma música para acompanhamento do capítulo: https://drive.google.com/open?id=0BzsR3db2D0qFQ0h3M0cxbmM0bVU



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Théo gritou, a mente disparada a mil.

Como um lutador, Bryan virou-se rapidamente na direção dele, acertando-o com o cabo da arma na têmpora, derrubando-o no chão. Ele caiu, a cabeça se chocando no piso de madeira. A fumaça enegrecia penetrou fundo nos seus pulmões. Seu estômago se contorceu ferozmente e ele vomitou. Sentia o restante de suas forças se esvaindo do seu corpo junto com o vômito. Seu corpo tremeu, e tentava, em vão, fazer força para respirar. Pontinhos pretos invadiram seu campo de visão e achou que desmaiaria naquele momento.

Quando Bryan se virou para Kalleo, este já estava preparado. Abaixou-se no exato momento em que Bryan mirou o revólver e apertou o gatilho. A bala perfurou a parede coberta de chamas do outro lado do depósito.

Kalleo acertou um soco certeiro no estômago de Bryan que se dobrou em dois. Com o cotovelo, desferiu um golpe em suas costas. A arma caiu de sua mão, arrastando-se pelo chão para o outro lado do recinto. Bryan grunhiu enquanto cambaleava para frente, atrás do revólver, tossindo bruscamente.

Com um estrondo, uma viga se partiu no centro da sala e telhas caíram no interior do depósito, separando Bryan de Kalleo e Théo que estavam próximos à porta. Estantes foram abaixo se chocando no chão e o fogo se elevou mais ainda.

Kalleo abaixou-se sobre Théo, erguendo-o do chão. Passou seu braço a volta do corpo do garoto, apoiando-o de pé. Seu corpo estava mole como uma marionete, mas não estava desmaiado. Continuava consciente.

Às costas Kalleo, Bryan gritava, desviando-se do fogo. Podia ver o pavor estampado em seu rosto quando se virou para olhá-lo.

Um nó formou-se em seu estômago. Um dia, Kalleo fora amigo de Bryan. Já o chegara a conhecer bem e até mesmo o chamar de irmão, mesmo sabendo o quão mau ele poderia ser. Mesmo com tudo que ele tinha feito a Théo e ele até aquele momento, ele não podia deixá-lo morrer daquele jeito. Mesmo o pior da raça humana tinha o direito de arrepender-se.

Encostando Théo no batente da porta, Kalleo voltou para a muralha de fogo que mantinha Bryan preso do outro lado. Olhou a volta, procurando por algo que pudesse ajudá-lo a abrir caminho entre os destroços. Suas mãos varreram o chão e encontraram o ancinho de jardinagem. Não era muito, mas teria que servir. Segurando fortemente no cabo, empurrou o ancinho, tentando afastar os destroços.

Bryan, do outro lado dos destroços, o encarou, os olhos ardendo em chamas. Com a mente intoxicada pela fumaça, Kalleo ergueu a visão para Bryan no exato instante em que ele mirou o revólver nele, as mãos tremendo freneticamente.

― Não faça isso ― murmurou Kalleo, imobilizado.

O depósito tremeu e ambos viraram o rosto para o teto no exato momento em que o restante do telhado, do outro lado, desmoronou, caindo sobre Bryan.

Bryan gritou por um milésimo segundo. A explosão de chamas subiu e cegou Kalleo com a claridade abrupta, jogando-o para trás com o impacto.

Sem pensar, agindo por impulso, Kalleo correu para Théo antes que o restante do depósito fosse abaixo.

― Vamos embora ― murmurou alcançando Théo, as pálpebras pesando sobre os olhos do outro garoto. ― Ei, acorda.

Kalleo já tinha enlaçado Théo com os braços, quando ele murmurou:

― Temos que tirá-la daqui.

Zoe ainda estava caída no chão, completamente imóvel. Uma poça de sangue se formava a sua volta.

― Certo ― sussurrou Kalleo, a cabeça confusa desvairada.

Abaixou-se sobre a garota e a ergueu pelas pernas. Théo, cambaleante, a levantou pelos braços.

Às cegas, os pés tropeçando em tufos de gramas e pedras, saíram para o ar puro da noite de inverno. O vento gelado engolfou seus corpos, deixando-os arrepiados até os ossos. Não chovia mais, nem trovoava ou relampeava.

O corpo de Théo tremia, clamando por descanso, mas não podia se dar ao luxo naquele momento. Kalleo e ele levaram Zoe o mais afastado possível do depósito, subindo pelo caminho íngreme que dava para as árvores próximas ao muro.

Théo puxava o ar puro com força para dentro de seus pulmões, o alívio translúcido ao clarear sua visão.

Colocando Zoe vagarosamente sobre o gramado, Théo se debruçou sobre ela, as mãos manchadas de sangue tremendo ao levantar a barra de sua blusa encharcada de sangue que parecia fluir como uma cachoeira.

Ela ainda estava viva. Podia perceber pelo peito que subia e descia quase imperceptivelmente.

― Zoe ― chamou Théo, a garganta fechando como se um bolo a tampasse.

A garota estava com os olhos abertos, vazios e inocentes, porém repleto de uma dor descomunal. O rosto pálido como um cadáver, sem cor, sem vida.

Théo sentiu as lágrimas descerem pelo rosto, mas estas não eram causadas pela inalação da fumaça. Eram causadas pela percepção que do estava acontecendo com a única amiga que tinha na São Diego.

― Ela foi atingida próximo ao intestino grosso ― murmurou Kalleo, observando onde a bala tinha perfurado o corpo da garota. ― Está perdendo muito sangue.

― Não ― balbuciou Théo, rasgando um pedaço de sua própria camisa para tentar estancar o sangue que fluía para fora da garota. ― Ela não pode morrer.

Sua visão voltou a ficar turva e o ar fugiu de seus pulmões. O couro cabeludo começou a pinicar.

Podia ouvir ao longe sirenes tocando, mas não conseguia desviar os olhos da amiga. Junto com Théo, Kalleo também tentava estancar o sangramento.

― Ah, meu Deus! ― exclamou alguém as costas dos garotos. Ajoelhando-se apressadamente sobre Zoe, Théo viu de relance o rosto de Vicki contorcido de preocupação, os olhos pulando para fora das órbitas. ― O que aconteceu?

― Bryan atirou nela ― foi tudo que Théo conseguiu dizer, sufocado pelas lágrimas.

― Temos que chamar ajuda! ― Vicki segurou o rosto pálido de Zoe entre as mãos. ― Ei, não fecha os olhos. Fica aqui comigo!

Zoe parecia não compreender nada a sua volta. Estava totalmente entorpecida pela dor pulsante.

De repente, Kalleo parou e olhou para Théo:

― Temos que ir embora ― falou ele, olhando a volta. ― Vicki, você pode chamar ajuda para Zoe?

― Embora? ― perguntou Théo, confuso.

― Sim, temos que fugir o quanto antes.

― Por quê?

― Por que quando verem tudo o que aconteceu, vão nos culpar e iremos passar grande tempo de nossas vidas aqui. Ou pior, talvez nos mandem para lugares diferentes.

― Mas não fizemos nada de errado. ― Sua mente girava. ― Só nos defendemos.

― Eu sei ― Kalleo se aproximou mais de Théo. ― Mas a nossa palavra de nada adiantará quando lerem nossos históricos. Tanto nós dois, como Megan e Juan seremos responsabilizados e punidos. Isso, se eles não já fugiram.

A voz de Kalleo era concisa, contendo o pânico escondido nelas.

― Você prometeu que nunca me abandonaria ― ele continuou, os olhos lacrimejando. ― E eu nunca irei te abandonar. Preciso que você venha comigo. Vamos sair daqui, ir para bem longe. Iremos morar juntos, ter uma casa. Construir uma vida...

Théo assentiu, respirando pela boca. Seu peito se inflou com as palavras de Kalleo e o toque caloroso de suas mãos em sua pele.

― Sim.

Ele iria com Kalleo. Iria para qualquer lugar que ele propusesse, por que ele o amava. Nunca teve dúvidas quanto a isso, mas cada dia que se passava, mais ele sentia esse amor ardente crescer dentro dele. Não importa onde estivesse, desde que estivesse com ele, tudo estaria certo. Tinha encontrado com quem desejava passar o restante de sua vida, e por nada nesse mundo iria deixá-lo.

Kalleo o pegou pela mão, içando-o para ficar de pé.

― Temos que ir agora mesmo, enquanto estão todos distraídos. ― Ele o puxou seguindo em direção à ala sul da São Diego. Théo parou, retraindo-se, olhando para trás. Para Zoe.

― E Zoe? ― perguntou, não querendo deixar a amiga.

― Irei chamar ajuda agora mesmo ― Vicki se prontificou em pé. ― Kalleo tem razão, Théo. Vocês serão considerados culpados. Vão. Fujão agora mesmo. ― E antes de esperar por uma resposta dos garotos, Vicki desceu a encosta correndo aos gritos, pedindo por ajuda.

Théo matinha o olhar fixo no corpo de Zoe. Seu rosto parecia pertencer a uma boneca de porcelana. Não queria deixá-la ali. Não podia. Ela continuava a sangrar, embora o sangue fluísse lentamente para fora.

Ele estava novamente arrancando outro pedaço de sua camisa quando a mão de Zoe ergueu-se e o parou. Em choque, olhou atônito para ela. Ela tentava falar algo, os lábios lutando para formar as palavras que queriam proferir.

Théo se abaixou, seu rosto a centímetros do dela para poder ouvir o que ela queria dizer, as lágrimas caindo sobre seu rosto.

― Vá ― ela murmurou, as pálpebras pesando sobre os olhos.

― Me perdoa, Zoe... ― ele murmurou, as lágrimas escorrendo livremente por seu rosto.

Subindo novamente a encosta, Vicki vinha correndo acompanhados de outras duas pessoas.

― Temos que ir agora ― falou Kalleo, pegando Théo pela mão. ― Ela vai ficar bem.

Limpando o sangue em sua jeans, Théo se levantou e entrou para a escuridão da noite enquanto olhava para Zoe uma última vez, se arrependendo amargamente de deixá-la ali.

* * *

Théo correu junto com Kalleo o máximo que suas pernas lhe permitiam. Ambos se esgueiravam pelas sombras das árvores, esperando para que ninguém os notasse.

Era adrenalina demais para uma única noite, e Théo tinha medo que a qualquer momento fosse desmoronar como uma avalanche no pico de uma imensa montanha. O vento frio na noite batendo em sua pele de nada adiantava para lhe manter acordado. Aquilo somente o fazia se sentir pior em relação a tudo, em estar fugindo com o amor de sua vida e entrando em conflito consigo mesmo por abandonar Zoe ferida daquele jeito.

Mas não tinham outra opção. Tinha que fugir o mais breve possível.

Puxando-o pela mão, Kalleo guiava Théo por trás do refeitório, dando a volta. Passaram pelos fundos da cozinha, completamente escura, onde por uma semana Théo trabalhara cumprindo seu castigo por ficar seminu na frente de todo o instituto no auditório. Estranho. Aquilo parecia ter acontecido há anos, quando na verdade fora há apenas algumas semanas. Era surpreendente a forma com o que o tempo parecia tornar as coisas tão insignificantes. Será que um dia olharia para trás e tudo o que se passou nessa noite, seria apenas uma vaga lembrança de pequenos fragmentos irreconhecíveis em sua mente?

Os gritos dos bombeiros e as sirenes ainda ecoavam por toda a São Diego, alarmando todos num raio de quilômetros. Logo o local estaria cercado, com curiosos a espreita por todos os lugares. Eles tinham que ser rápidos.

Alcançaram a lateral do prédio da ala sul, jamais vista por Théo. Kalleo parou diante de uma porta de madeira antiga escondida pela escuridão. Se ele não tivesse levado Théo até ela, jamais teria imaginado que ali havia uma porta.

Mexendo freneticamente na fechadura, os dedos visivelmente trêmulos, Kalleo abriu a porta com um empurrão de leve com os ombros. As dobradiças rangeram e a porta deslizou para dentro.

― Quase ninguém no instituto se lembra dessa porta que dá no porão do prédio.

― Estava aberta? ― Théo se aproximou do portal, olhando o interior. As paredes úmidas do corredor pintadas de um branco desbotado estavam com a pintura descascando. O piso de cerâmica que um dia julgava ter sido branco estava encardido e sujo, com camadas de pó marcando antigas pegadas. Tinha cheiro de sujeira, terra e podridão, como se um animal morto estivesse em seu interior, mas pelo breu, Théo não conseguia ver nada. O lugar parecia abanando há anos e precisava urgentemente de uma limpeza.

― Sim. Sempre a deixo aberta. Só preciso abri-la com um empurrão. ― Kalleo parou no portal, a respiração ofegante e os olhos alarmados analisando o interior. ― Preciso pegar uma coisa antes de irmos embora.

E antes que Théo pudesse protestar, Kalleo o puxou pela mão e ambos mergulharam na escuridão do corredor.

O corredor era mais frio do que pôde imaginar, abraçando-o como um lençol molhado numa noite fria de inverno. Seus pés vacilavam a cada passo dado, e o único som audível ― além das sirenes, agora ao longe ― era de sua respiração ofegante e a de Kalleo.

Kalleo parou bruscamente e mexeu em algo. Théo achou que tinham chegado ao fim, e logo depois, ouviu o som de outra porta rangendo ao se abrir. Essa outra se abriu com mais dificuldade, travando a cada centímetro que abria. Quando abriu uma brecha o suficiente para passarem, Kalleo largou sua mão e Théo se viu perdido no escuro, tateando as cegas por ele.

Como um raio iluminando o céu, uma lâmpada incandescente iluminou a ele e Kalleo a sua frente, que tinha a mão no interruptor. Estavam num porão pequeno repleto de estantes, caixas de papelão e armários de arquivos velhos empilhados um em cima do outro de maneira desleixada. O cheiro era de mofo e poeira, penetrando nas narinas de Théo, fazendo seus olhos lacrimejarem. O único local pelo qual podiam se movimentar era pelo estreito corredor que seguia em direção à outra porta, do outro lado do porão.

― Vamos ― chamou Kalleo.

Atravessaram o porão e saíram para uma escada íngreme de ferro. Subiram a escadaria apressadamente, tentando não causar ruído. Ao alcançarem o topo, Kalleo parou, encostando-se a parede. Théo fez o mesmo. Lentamente, andaram de lado até o final desse outro corredor, parando no final, em que o corredor se expandia para ambos os lados. Despontando a cabeça para fora, olhou para ambos os lados, se certificando de que estavam sozinhos. Não era audível nenhum eco de passos no piso de linóleo.

A única luminosidade do ambiente eram as luzes que iluminavam as placas de emergência, indicando o caminho de saído do prédio.

De mãos dadas, viraram no corredor à direita, correndo por ele silenciosamente, e entraram e outro à esquerda, percorrendo por ele até o fim, onde só tinha uma passagem para à direita.

― Eu quero que você fique aqui ― sussurrou Kalleo, pressionando as mãos nos ombros de Théo. ― Preciso entrar na sala de Sabrina, e preciso que você fique de guarda até eu voltar.

Théo não teve a oportunidade de emitir qualquer palavra e Kalleo já tinha se afastado dele, entrando no corredor à direita. Olhando freneticamente para ambos os lados, encostou-se a parede e aguardou, tentando controlar o nervosismo e a apreensão que se expandia por seu corpo como um parasita indesejável. Tentava, em vão, esquecer as cenas que viu naquela noite. Os gritos e a dor que penetraram por seu corpo impetuosamente. Sentia as dores dos ferimentos causados por Bryan, e sabia que havia hematomas espalhados por seu corpo toda vez que andava e respirava fundo, fazendo sua costela doer, mas evitava pensar nisso. Só iria fazê-lo afundar, e não era disso que estava precisando no momento.

Juan estava entre eles. A incredulidade ainda pairava como uma sombra em sua mente, negando-se a acreditar em sua própria visão. Como ele pode ter sido capaz de cometer tal ato? Por que teria se juntado a Megan e Bryan para machucar a Kalleo e ele? Pela briga que houve na noite anterior? Ele queria vingança por aquilo? Era tudo muito confuso de se pensar, e sua garganta voltou a se fechar, os olhos ardendo, ameaçando a voltar escorrer lágrimas que ele achou não ter mais para chorar.

Pelo canto do olho, achou ter visto um movimento pelo corredor que viera. Parou automaticamente, prendendo a respiração, os ouvidos a espreita. De repente, ouviu passos pesados no corredor e o coração em seu peito palpitou de pânico. Um facho de luz clareou o corredor à frente e Théo recuou o passo, pronto para ir atrás de Kalleo, quando alguém se aproximou por trás inesperadamente e tampou sua boca com a mão bruscamente.

Shhh ― sibilou ao seu ouvido.

Théo olhou alarmado para a figura a suas costas e reconheceu a fisionomia de Kalleo. Seu corpo relaxou sobre o toque de seu corpo junto ao dele.

No corredor à frente, o facho de luz ficou mais forte e ambos os garotos se espremeram contra a parede. Segundos depois, um dos guardas do instituto passou pelo corredor, atravessando direto, as botas de borrachas emitindo ruídos no piso.

Théo soltou a respiração que nem se deu conta que prendia.

― Vamos rápido ― sussurrou Kalleo, puxando-o de volta pelo caminho que tinham percorrido.

Chegaram à bifurcação de corredores que tinham passado momentos antes, no qual o guarda tinha seguido na direção oposta a eles. Percorreram o mesmo percurso de ida e desceram a escada sorrateiramente, em nenhum segundo Kalleo soltando a mão de Théo.

Mesmo com todo o alvoroço, Théo sentia-se protegido com o simples toque de Kalleo. Sua mão à dele transportava certo reconforto e calor inerente que ninguém jamais poderia transpassar.

Quando chegaram ao porão úmido, Kalleo apagou a luz incandescente e fechou a porta atrás deles. Voltaram novamente para a escuridão do corredor sombrio e secreto e emergiram de volta na calada da noite.

Kalleo não parou para fechar a velha porta de madeira. Disparou as pressas pelo gramado verde molhado da chuva, virando mais para a esquerda, distanciando-se da cozinha e dando a volta no prédio da ala sul. Théo acelerou o passo, tentando acompanhar os movimentos rítmicos das grandes pernas de Kalleo. Chegaram a uma cerca de arame coberta por trepadeiras de cima a baixo. Kalleo correu para o canto esquerdo, onde Théo percebeu que havia um portão trancado por um cadeado. Do bolso da jeans, Kalleo sacou um molho de chaves igual ao que ele viu no dia em que entraram escondidos na sala de pertences confiscados para resgatarem seu celular.

Escolhendo uma pequena chave do chaveiro, a inseriu no cadeado e girou.

― Abriu.

Empurrando lentamente o portão, passou a cabeça para o outro lado e espiou a volta, certificando-se de que não tinha ninguém.

― Vamos ― chamou Kalleo, o olhar ainda observando todo o perímetro.

Quando Théo passou para o outro lado, entendeu por que Kalleo tinha entrado na sala de Sabrina: estavam na garagem da São Diego. Podia ver vários automóveis estacionando singularmente nas vagas. E, mais adiante, o portão de saída da São Diego, totalmente aberto. Era visível toda a confusão dos bombeiros dali.

Kalleo se aproximou de um Toyota Corolla prateado, sacando novamente o chaveiro.

― Vamos roubar o carro de Sabrina? ― questionou Théo, enquanto Kalleo abria porta.

Ele achou que a cota de fazer coisas erradas por noite tinha acabado. Nunca tinha roubado e não era a favor de tal ato. Achava um gesto bastante incorreto e que a prática dele só causaria mais danos.

― Vamos só pegar emprestado. ― Kalleo tentou tranquilizá-lo. ― E podemos deixar num lugar acessível para recuperarem de volta. O carro tem rastreador. ― Ele se aproximou de Théo, pegando em seu rosto com as mãos em forma de conchas. ― Vai dar tudo certo. Eu prometo. ― E se inclinou para encostar seus lábios rapidamente nos de Théo. Ao se afastar, Théo concordou acenando com a cabeça e se dirigiu para o banco carona.

O inconfundível cheiro de carro novo pairava sobre o ar dentro do automóvel. Théo sabia que estavam fazendo uma coisa errada, mas Kalleo tinha dito que iriam reparar o erro. O carro, no fim das contas, seria devolvido. E eles não estavam de fato roubando, sendo que Kalleo era enteado de Sabrina, a dona do veículo, não é?

Kalleo colocou a chave na ignição e girou; de repente o carro ganhou vida. Dando ré, saíram do estreito espaço da vaga e se afastaram da garagem.

― Como vamos conseguir passar? ― perguntou Théo ao ver o balburdio no portão. Seguranças corriam de um lado para o outro, gritando ordens.

― Aperte o cinto. ― Kalleo cerrou os dentes, segurando fortemente o volante.

Théo se apertou no assento, puxando o cinto de segurança contra o corpo. Ninguém parecia ter prestado atenção neles ainda. Estavam todos entretidos na confusão que se instalara no depósito. A gritaria, sons de sirenes e torrentes d’água era audível mesmo dali.

Pisando fundo no acelerador, o carro desceu com rapidez para fora da São Diego. Os pneus cantaram, marcando o chão. Atravessaram os portões no exato momento em que um carro de polícia adentrava do outro lado, as luzes vermelhas e azuis piscando freneticamente. Um segurança gritou ao perceber o carro saindo para a rua sem permissão.

O veículo deslizou pela pista molhada. Girando rapidamente o volante, Kalleo fez a curva e disparou para a rua, se afastando o máximo possível da São Diego e o caos que se alastrava.

* * *

A melancolia atingiu Théo como uma tapa desferida na cara.

No momento em que saíram da São Diego e olhou para trás pela janela, sentiu o mundo sob seus pés desmoronar. O enjoou o dominou, ameaçando vomitar a qualquer momento.

Achou que quando saísse daquele reformatório, sentiria um sentimento de felicidade, de que, enfim, tinha passado por aquele obstáculo e nunca mais teria que viver sob um teto menosprezado como aquele. Pelo menos, era isso que ele pensava que ia acontecer no domingo, quando ele seria livre oficialmente.

Todos os acontecimentos daquela noite emergiram como uma explosão vulcânica, jorrando freneticamente no seu crânio. Podia até sentir a dor. Encostando a cabeça no vidro da janela, deixou as emoções transcorrerem livremente por seu corpo. Era o melhor que tinha a fazer: se entregar. Sabia que a única maneira de se curar era através da dor que era expelida para fora de seu corpo pelas lágrimas salgadas que desciam por sua face corada.

Todo o turbilhão de emoções era uma mistura. Não conseguia distinguir a tristeza da a dor e da raiva. Sentia-se aflito e confuso, com dor e cólera.

Àquela altura, já tinham socorrido Zoe. Mas será que ela conseguira sobreviver? Ela estava tão mal, tinha perdido tanto sangue, que Théo tinha medo de imaginar o que acontecera a garota.

Zoe. A amiga que ele jamais achou que encontraria num reformatório. A angústia de perdê-la era compulsoriamente nostálgica. Ela tinha se sacrificado tentando ajudar a Kalleo e ele. Mas como ela fora parar lá? Como os encontrou? Ele não sabia de onde ela teria aparecido. Mas se pudesse voltar no tempo, teria evitado tudo isso. Mas voltar no tempo não era um luxo ao qual ele poderia se dar.

E agora ele estava fugindo. Fugindo para longe do caos, tentando escapar do que o esperaria ali. Fugindo de prestar socorro à única amiga, de explicar o que exatamente aconteceu e de até saber o que aconteceria no futuro dela. Nunca mais a veria.

Entre todo o afronto, apenas uma coisa o confortava: a presença de Kalleo. Estava com ele e isso era o bastante. Tinha que bastar, por que a partir de agora, seria só eles dois e mais ninguém.

Mas não conseguia deixar de pensar... O que seriam deles agora? Viveriam fugindo da polícia, que com certeza os procuraria? Iriam se esconder entre as sombras para não serem vistos? Mesmo isso parecendo uma forma de vida devastadora, ele estava disposto a aceitar. Kalleo tinha razão quando disse que eles seriam culpados pelo acontecimento no depósito. Todos que estavam lá dentro eram internos, julgados delinquentes pelo tribunal de justiça ― salvo Kalleo, mas isso de nada adiantaria. Provavelmente o acontecimento seria visto como uma briga de alunos que acabou em tragédia depois de um grave desentendimento, e Kalleo e Théo iriam acabar por pagar por isso, permanecendo mais tempo no instituto, ou seriam transferidos para outros. Quanto tempo iria durar? Anos, provavelmente. Uma pessoa havia morrido, e outra estava à beira da morte.

A mão esquerda de Kalleo deslizou sobre seu joelho, o apertando levemente. Théo afastou-se da janela, virando-se para ele. Kalleo mantinha o olhar oscilante entre a pista e Théo. Ele não parecia estar tão devastado como Théo. Mantinha-se mais firme e forte. O cara durão que transparecia a qualquer pessoa, mas que somente Théo conhecia o garotinho por trás daqueles olhos num misto de azul e cinza.

Kalleo pisou no freio antes de mergulhar num cruzamento à frente, quando o sinal vermelho do semáforo abriu.

― Isso vai passar ― murmurou complacentemente, as palavras acalmando a alma de Théo. Ele arquejou, o peito inflando ao inspirar o ar.

Kalleo retirou a mão de seu joelhou e subiu para seu rosto, encostando-a na bochecha corada de Théo. Com o polegar, secou as lágrimas de seu rosto.

Théo fechou os olhos, sentindo o calor que emanava de sua pele e o aconchego que ela transmitia, saboreando cada segundo de prazer como se fosse o último.

O sinal verde abriu e Kalleo acelerou o automóvel, adentrando no interior da cidade. Mexeu no painel do carro, e logo em seguida, uma música suave começou a tocar.

― Para distrair ― falou ele ao ver o olhar confuso de Théo. ― É “Longest Night”, cantada por Howie Day.

Théo não respondeu. Simplesmente voltou a encostar a cabeça no vidro da janela, olhando para a noite no lado de fora.

* * *

Já se passavam das três da madrugada quando Kalleo estacionou o carro na rua deserta em frente a uma casa de dois andares.

Théo se remexeu no banco, olhando pela janela. Seus olhos sonolentos, assim como seu corpo pesado, ansiavam por descanso. Seus músculos tensionados estavam rígidos ao menor movimento. Queria poder dormir em uma cama quentinha, nos braços de Kalleo, sentindo o corpo junto ao seu e mergulhar num sono profundo em que sonharia com um mundo totalmente surreal, em que nada dos acontecimentos daquela noite lhe invadissem a mente. Mas não podia. Naquele momento, era de extrema urgência que se afastassem o mais rápido possível da cidade. Só não tinha ideia de para onde iriam.

― Onde estamos? ― perguntou, observando a casa que tinham estacionando a frente. Assim como todas as outras na rua, seu interior estava escuro, mas tinha um leve toque de abandono.

― Na minha casa. ― Kalleo abriu a porta e deu a volta no carro apressadamente, abrindo também a porta do carona para Théo. ― Ainda tem forças para andar? ― perguntou ao ver Théo se mover desajeitadamente para fora do veículo.

― Sou um leão das montanhas, Sr. Bernardes ― brincou, apoiando-se no braço que Kalleo estendeu para ele. ― Afinal, o que estamos fazendo aqui?

― Tenho que pegar algumas coisas. Roupas e comida. Tenho certeza que algumas das minhas caberão em você. ― Eles passaram pelo jardim malcuidado, subindo os degraus que dava para a varanda. Tirando a chave do bolso, inseriu na fechadura da porta e girou. ― Logo depois vamos embora o mais rápido possível, antes que deem por nossa falta e rastreiem o carro de Sabrina.

― O.K.

Acionando o interruptor de luz, a casa de repente ganhou vida. Théo se viu numa sala de estar moderna e aconchegante. Um grande sofá em forma de U com estofado de um branco vibrante dominava grande parte da sala. Um tapete felpudo bege estava sob um criado-mudo com tampo de vidro transparente e enfeites sobre ele. Na parede ao lado, uma grande janela cobria metade da parede de cima a baixo. Cortinas brancas cobriam a visão para o lado de fora da casa. Sob o teto, um grande lustre estava pendurado sob suas cabeças, brilhando com os cristais reluzentes. O piso de madeira se estendia por toda a extensão do campo de visão que lhe permitia enxergar.

― Temos que subir. ― Kalleo correu para uma escada de madeira lustrosa de cor branca, subindo os degraus rapidamente.

Théo o seguiu, mas de forma lenta. Os músculos queimavam com o esforço extra que seu corpo exercia com o cansaço excessivo. No topo da escada, viraram à direta e Kalleo seguiu para a primeira porta, entrando no seu interior ao acender a luz.

O quarto era extravagantemente infantil, pensou Théo. As paredes de cor azul eram repletas por estantes com diversos brinquedos empilhados. Ursos de pelúcia, bonecos de Max Steel e do desenho animado de Toy Story eram visíveis. Tinha até um cavalo de madeira no canto da parede. A cama de solteiro no centro do quarto era a única parte do quarto que não transparecia ser infantil com as cobertas de um azul escuro.

― Quarto exótico ― comentou Théo.

Kalleo riu enquanto corria para o guarda-roupa de mogno embutido na parede, enfiando peças de roupas dentro de uma mochila.

― A última vez que decorei esse quarto tinha eu tinha doze anos. E os brinquedos, nunca conseguir me livrar, mesmo quando parei de brincar com eles.

Ao contrário de Kalleo, Théo não tinha nenhum brinquedo de sua infância guardado no quarto. Todos estavam empacotados em caixas dentro do porão de sua casa, empoeirados com o tempo de estadia. Seu quarto era mais formal, com uma cama comum, com cobertas comuns, com estantes repletas de livros no lugar de brinquedos, e todos comuns.

Tudo em sua vida era assim: comum.

Menos Kalleo. Ele era a única particularidade que não era comum.

― Aqui. ― Kalleo atirou outra mochila para Théo, que a agarrou no ar. ― Desce na cozinha e enche com algo para comermos no caminho.

― Para onde vamos? ― perguntou inseguro, pressionando os lábios. Qual o plano afinal?

― Para o litoral. Meu pai deixou uma casa de praia no meu nome antes de morrer. Sabrina mal se lembra dela e tenho certeza que vai demorar a nos procurar lá ― ele falava enquanto remexia o guarda-roupa. ― Não vamos poder ficar lá por muito tempo, então veremos para onde iremos. Tenho algum dinheiro na minha conta da herança de papai. Vai nos ajudar.

― Eu não sei... ― balbuciou. ― E se algo der errado?

Théo não podia negar o medo que tinha de algo dar errado. Odiava sempre ver o lado negativo das coisas e pensar nas inúmeras chances de algo dar errado.

― Ei. ― Kalleo largou a mochila na cama e se aproximou de Théo, encostando ambas as mãos em seu rosto. ― Você confia em mim? ― Théo assentiu com a cabeça, olhando diretamente nos olhos de Kalleo tingidos do cinza da Lua. ― Então escute o que eu lhe digo: vai dar tudo certo. Eu amo você.

Tais palavras penetraram na alma de Théo, irradiando-o com uma aura pungente e vibrante que sentia percorrer por todo seu corpo, arrepiando os pelos.

Os braços de Kalleo deslizaram por seu corpo, prendendo-o seu corpo junto ao dele. Quadris se juntaram, assim como os ombros, e finalmente os lábios. Delicadamente, Kalleo o beijou, sugando seus lábios, mordiscando-os de leve. Traçou uma linha por seu pescoço, subindo novamente até sua boca. Théo subiu suas mãos para o cabelo macio de Kalleo, entrelaçando seus dedos aos fios lisos, puxando-os para trás.

Quando se afastaram, pareceu ter se passado apenas alguns segundos o beijo, quando na verdade durou mais que isso. O tempo parecia se alastrar rápido demais enquanto um estava nos braços do outro.

― Eu te amo ― falou Théo, a face corando com a estranheza de pronunciar aquelas palavras.

― Já disse que adoro quando você fica envergonhado? ― Pela primeira vez naquela noite, Kalleo exibiu um sorriso carregado de paixão e ao mesmo tempo melancolia.

Engolindo em seco, Théo desceu a escada, correndo para a cozinha. Mal acendeu a luz e correu direto para a dispensa. Abriu o zíper da mochila e começou a enfiar diversas latas de comida enlatada. No frízer, pegou algumas garrafas de água e refrigerante. Depois correu para o armário, enfiando alguns pacotes de batata frita, Cheetos e biscoitos.

― Terminou? ― Kalleo entrou apressado na cozinha, os olhos alarmados. ― Precisamos ir. Agora.

― Aconteceu alguma coisa?

― Sirenes ao longe. ― Foi tudo que precisou dizer para alarmar Théo. O sangue ferveu e a adrenalina pulsante retornou ao seu corpo.

Sem tempo para apagar as luzes da casa, Kalleo puxou Théo para o outro lado da cozinha. Théo estava prestes a perguntar para onde eles estavam indo quando Kalleo abriu uma porta que dava para a garagem da casa.

A garagem era como qualquer outra, com diversos materiais, muitos deles de construção e manutenção, em estantes de madeira nas paredes. Uma bicicleta azul estava caída de lado.

Kalleo correu para o único carro na garagem. Um Renault Sandero de cor preta de quatro portas. Destravou as portas e pulou para dentro junto com Théo, jogando as mochilas para os bancos de trás. Mexeu apressado no porta-luvas e de lá dentro tirou um pequeno controle. Virou na direção do portão e apertou um botão. Instantes depois, o portão se mexeu e começou a içar para cima.

O som de sirenes de carro de polícia vibrou mais alto, há alguns metros de distância da casa. Tinham dado por falta deles. O carro de Sabrina tinha sido rastreado. Estavam atrás deles.

― Vai, vai, vai! ― guinchava Kalleo, enquanto puxava o cinto de segurança. Théo fez o mesmo com os dedos trêmulos. Puxou o cinto sobre o corpo no instante em que Kalleo ligou o carro e saiu da garagem cantando os pneus.

Girando o volante, fez uma curva fechada no instante em que uma viatura cruzou seu campo de visão. A traseira do Sandero bateu no para-choque dianteiro do Toyota Corolla de Sabrina quebrando o farol esquerdo.

― Droga ― xingou, puxando o volante e pisando fundo no acelerador.

O coração de Théo subiu pela boca e ele se agarrou firmemente no assento. Olhou para trás e não conseguiu conter o pavor quando viu duas viaturas correndo a toda velocidade atrás deles, as sirenes ligadas alarmando a todos no raio de quilômetros.

― E-e agora? O que vamos fazer? ― balbuciou Théo, os olhos saltando das órbitas.

― Despistá-los ― respondeu Kalleo, friamente, os olhos fixos na estrada à frente, arrancando pela pista ainda molhada da chuva.

Théo sentiu o vômito subir pela garganta, o pânico e o choque do momento dominando sua mente. Seu corpo tremia de cima a baixo. Nunca estivera numa situação dessas e tampouco imaginaria estar. Esse tipo de coisa acontecia em filmes, e não na vida real.

Kalleo serpenteava por entre os carros, ultrapassando vários e entrando em ruas paralelas, tentando despistar os policiais, mas nada que fazia parecia adiantar. As viaturas continuavam em seu encalço.

― Atenção! ― de repente uma voz robusta ecoou pela rua emitida através de um megafone. ― Parem o veículo. Repito: parem o veículo!

― Estão mandando parar. ― Théo olhava freneticamente para trás, para as viaturas policiais.

― Não vamos parar ― negou Kalleo, com o peito arfando. Assim como Théo, ele também estava com medo, mas tentava disfarçar, centrado em dirigir.

Pisando mais fundo no acelerador, o veículo passou dos 80km/h.

― Estamos indo muito rápido ― murmurou Théo, vendo os edifícios e comércios na rua passaram num borrão pela janela.

Num movimento brusco e inesperado, Kalleo fez a curva entrando numa rua esquerda. Théo se chocou contra a janela, batendo a cabeça de leve. As sirenes continuavam a persegui-los.

Mesmo para uma quinta-feira de madrugada, as ruas da cidade estavam bastante movimentadas por automóveis passando de lá para cá, e todos se desviavam do caminho ao ouvir as sirenes irrompendo na noite fria e gélida.

Estavam se aproximando velozmente de um cruzamento quando há poucos metros de distância o semáforo fechou.

― Segure-se ― disse Kalleo, e, tampouco ele falou, jogou o carro por cima da calçada, entrando na rua lateral à direita. O carro se chocou contra algo metálico, causando um estrondo. Théo se sobressaltou com o susto e percebeu que o Sandero tinha batido de frente numa lata de lixo. ― Merda! ― praguejou.

Kalleo continuou a dirigir, não se importando. Os braços flexíveis ao volante e os olhos esbugalhados fixos na estrada, não se desviando por um segundo.

Gotas de chuvas começaram a cair lentamente do céu, e numa fração de segundo começou a se chocar com força no carro. Kalleo ligou os limpadores de para-brisa, varrendo as gotas de chuva para poder enxergar a estrada.

Pelo espelho do retrovisor, Théo ainda podia ver a polícia os seguindo.

― Parem o veículo! ― tornou a falar o policial no megafone atrás deles. ― Só queremos conversar!

Théo se mexeu desconfortavelmente no banco, a cabeça a mil não conseguindo se concentrar em nada a volta, somente no pânico crescente em seu peito e a adrenalina reverberando por todo seu sangue.

― Eles só querem conversar ― repetiu.

― Não, eles não irão nos pegar ― grunhiu Kalleo, o medo palpável na voz vacilante. ― Nós vamos sair dessa. Eu prometo. Nada vai nos acontecer.

Kalleo estava tão desesperado quanto ele. Théo podia ver nas expressões de terror estampadas no rosto dele.

As viaturas se aproximaram mais, quase se encostando ao para-choque traseiro do Sandero. Kalleo puxou o carro para a faixa à esquerda e logo puxou de volta para direita, quase batendo de frente com outro carro que vinha na outra direção.

Eles emergiram em outra rua, essa mais movimentada e com pessoas em frente a estabelecimentos de festas. Todos olhavam alarmados para a perseguição policial que se passava na rua.

O Sandero estava se aproximou novamente de outro cruzamento à frente, correndo a toda velocidade. Quando eles estavam perto o bastante para atravessar, o sinal vermelho piscou no semáforo. De última hora, Kalleo pisou fundo no freio. O carro guinchou, os pneus cantando pela pista molhada.

De repente, foi como se o mundo começasse a oscilar entre passar em câmera lenta e numa velocidade insólita.

O veículo derrapou pela pista molhada para o centro do cruzamento enquanto Kalleo pisava freneticamente no freio, o carro girando sem controle. Théo gritou. Os carros que trafegavam na outra direção pararam. O balburdio se formou a volta. Do cruzamento à esquerda, um caminhão surgiu, derrapando sem controle. Com um forte e bruto impacto na traseira do Sandero, o carro foi jogado para frente.

O mundo parecia rodar num turbilhão de gritos, sirenes, freadas, pneus de carros derrapando e portas batendo, enquanto o carro capotava ao longo da rua. Algo se chocou contra a cabeça de Théo. Ele foi impulsionado para frente, mas o cinto de segurança o puxou de volta e foi jogado contra o banco quando o airbag inflou. Sentiu seu corpo arder em dor com o impacto e o estilhaço do para-brisa e das janelas quebrando.

Quando enfim o carro parou de capotar e ficou de cabeça para baixo sobre a calçada, seus braços feridos, manchados de sangue, penderam para o teto do Sandero. Um grunhido rouco escapou de sua garganta. Pontinhos pretos se infiltraram em seu campo de visão e tudo a sua volta rodou.

E então a escuridão o cercou, se apossando de seu corpo como um manto frio e reconfortante.


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Notas finais do capítulo

Quero dizer que, os próximos capítulos só serão postados de acordo com a frequência deste. Ou seja, de acordo com o desempenho deste em relação a visualizações e comentários, o próximo poderá demorar a ser postado ou não. Se houver uma boa positividade, será postado o quanto antes. Se não houver, irá demorar um pouco.



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