O Segredo da Lua escrita por F L Silva


Capítulo 2
Capítulo 2 - Feito Para Sofrer




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Faltavam quinze minutos para às oito horas da manhã quando Théo acordou abruptamente com alguém o puxando pela perna.

De imediato, sentou-se na cama alarmado, os olhos com as pupilas dilatadas tentando enxergar a figura que estava parada a sua frente no quarto escuro e abafado.

― Você vai se atrasar para as aulas ― disse uma voz rouca e máscula. Seu corpo alto e esguio se aproximou da janela, abrindo-a, permitindo que os raios do Sol se infiltrassem no quarto, clareando-o.

Lentamente, seus olhos se acostumaram à penumbra e viu com todos os detalhes o cara que estava parado a sua frente, com o semblante franzindo enquanto o encarava de volta.

Deveria ser seu companheiro de quarto. Ele estava vestido no uniforme do reformatório notoriamente modificado: calças jeans surradas e folgadas, as mangas da camisa puxadas até os cotovelos, as abotoaduras e o colarinho aberto, e a gravata com o nó afrouxado. Tinha a pele parda com os olhos levemente repuxados e cabelos negros espetados. Sustentava uma aparência rude e despreocupada.

Normalmente, esse tipo de pessoa causava arrepios a Théo.

― Quem é você? ― murmurou, colocando as pernas para fora da cama. Por um momento, ficou ressentido a se levantar só de cueca. Mas logo se lembrou de que fora dormir de roupa para o caso de seu colega de quarto o flagrasse dormindo nessas circunstâncias sem saber que agora tinha alguém com quem dividir o quarto.

― Toby ― respondeu o garoto se aproximando de sua cômoda e revirando as gavetas, a procura de algo. ― Não sabia que tinha companhia no quarto. Chegou ontem, certo?

― A-hã ― concordou Théo. ― Que horas são?

― Faltam quinze minutos para as aulas começarem ― disse Toby, parado em frente à porta, já com a mochila nas costas. ― Você vai se atrasar. ― E saiu do quarto.

― Puta merda! ― xingou Théo pulando para fora a cama e correndo direto para o banheiro. Estava atrasado. Chegaria ao seu primeiro dia de aula, num colégio novo, atrasado. Merda, merda, merda!

Num piscar de olhos, ele já estava saindo de debaixo do chuveiro com a escova em punho. Escovara os dentes ainda enquanto tomava banho. Correu de volta para o quarto enquanto tentava secar o cabelo com a toalha e vestiu o uniforme, deixando a gravata por último. Olhou para o relógio acima da mesinha de cama e se assustou mais uma vez. Talvez, se saísse agora, conseguisse chegar em cima da hora. Pegando sua mochila vazia, saiu do quarto às pressas. Enquanto se encaminhava para o pátio do primeiro andar, tentava dar um nó em sua gravata.

Quando chegou ao prédio onde ocorriam as aulas, subiu direto para o terceiro andar enquanto procurava na mochila o horário contendo o número de seu armário e a senha. Quando o achou, correu para o armário de número 302 e começou a girar o rolo de três números para abri-lo. Logo em seguida, retirou seus novos pertences que o ali o esperava e os enfiou dentro da mochila, trancando novamente o armário.

Há aquela altura, todos os corredores do terceiro andar já estavam vazios. Os poucos alunos que ainda andavam por eles, estavam se encaminhando para suas salas. Théo entrou no próximo corredor à direita, e foi até a sala onde acima da janela de vidro da porta havia uma plaquinha com os dizeres: SRA. MORELO.

Cada sala tinha o nome do professor ou professora a qual pertencia. E naquele momento, sua primeira aula era de História Europeia.

Théo parou em frente à porta, ajeitou mais uma vez seu uniforme, conferiu o nó na gravata e passou a mão por seus cabelos rebeldes ainda molhados. Depois, bateu na porta.

Não levou um segundo sequer para a porta ser escancarada abruptamente por uma mulher de óculos redondos e bifurcados, totalmente vidrados em Théo. Ao vê-lo parado em sua frente, uma carranca tomou posse de seu rosto.

― D-desculpe o atraso ― balbuciou ele, dando um passo a frente, para entrar na sala, mas Théo foi rapidamente impedido quando a Sra. Morelo se pôs na sua frente, barrando a entrada.

― Quem é você? ― perguntou com a voz rude e seca. Assim como Sabrina, a Sra. Morelo rosnava ao falar. Será que todos os professores do instituto agiam como cães raivosos?!

Por cima do ombro da professora, Théo deu uma olhada apenas para confirmar que toda a sala de aula estava prestando atenção neles. Alguns em particular estavam rindo da situação vexatória.

― Théo Ângelo. Sou...

― Só entra na próxima aula agora, mocinho ― cortou rapidamente a professora.

― Mas... ― Théo começou a protestar, tentando se justificar, mas a Sra. Morelo balançou a cabeça negativamente, já fechando a porta quando alguém, a suas costas, gritou inesperadamente:

― Ele é novato! ― Automaticamente a professora, como um cão quase sendo enganada por sua presa, olhou para trás, encarando o garoto que falara aquelas palavras. Théo também acompanhou o olhar da Sra. Morelo para saber quem tinha gritado. Por um momento, seu coração martelou no peito com certa perspectiva, algo que ele não sabia ao certo explicar o porquê. Mas logo parou quando viu que quem gritara foi um garoto de cabelos louros escuros, sentado no fundo da sala de aula. ― Chegou ontem no instituto ― continuou dizendo. ― Então, provavelmente, ainda não está adaptado ao internato. Muito menos sabe onde ficam as salas de aula. Ninguém sabe no começo; é sempre assim... ― A professora continuou encarando-o, com os olhos semicerrados fulminando sobre o menino, que apenas a olhava com um ar de inocência. ― Não seria justo ele ficar com falta só por que não sabia o caminho para a sala. Seria?...

A Sra. Morelo continuou a afrontá-lo por alguns instantes, enquanto o restante da turma confirmava com a cabeça em concordância com o que o garoto acabara de dizer. E mesmo a professora sabendo que ele tinha total razão, ela não queria retroceder no que dissera para Théo.

― Diga-me Sr. Senhor-Sou-A-Lei, já pensou em seguir carreira de advogado? ― perguntou para o garoto no fundo da sala.

― Sim, senhora ― respondeu prontamente. ― Era o meu sonho até bater com o carro do meu pai nas barracas da feira da rua e estacioná-lo dentro de um lago!

Naquele momento, toda a sala deu risinhos com o comentário de garoto. O rosto da professora ficou corado de raiva.

― SILÊNCIO ― rosnou para a sala. Depois se virou novamente para Théo e disse: ― Da próxima vez que se atrasar, você não entra. Está avisado. ― E deu espaço para Théo passar pela porta.

Théo vasculhou todo o perímetro da sala a procura de uma carteira vazia, mas a única que encontrou era a última da terceira fileira, bem ao lado do garoto que o defendeu da Sra. Morelo.

Enquanto se direcionava para a carteira, podia sentir as olhadelas dos alunos queimando suas costas. Ele odiava atrair atenção, ainda mais quando essa atenção se dar ao fato de ser novato numa nova escola e ter pagado um enorme mico no primeiro dia no refeitório. Levemente, suas bochechas começaram a esquentar.

Sentando-se na cadeira, puxou o caderno e os materiais prescritos para a aula de dentro da mochila, e os deixou sobre o tampo da mesa.

Diante da turma, a professora retornou sua aula no ponto em que tinha sido interrompida, voltando a falar sobre a Idade Média:

― Com a igreja católica no seu auge e no comando da Europa, toda a população tinha que servir a ela de acordo com suas normas...

Enquanto a professora falava, Théo se perdeu em seus pensamentos olhando a volta da sala. De fato, tinha uns quarenta alunos ali. Muitos deles estavam agregados nos assentos e amontoados perto das janelas. Poucos pareciam querer se sentar nas primeiras carteiras, pelo vazio de cadeiras puxadas para trás claramente visível. A três carteiras à esquerda de Théo, uma garota de cabelo raspado estava debruçada sobre a mesa, rabiscando alguma coisa qualquer. Poucos alunos prestavam atenção à aula.

 Coçando seus olhos, Théo lembrou-se da longa e intensa noite que tivera. Por mais que tentasse, não conseguia tirar a cena da noite anterior de sua cabeça. Mal tinha conseguido dormir direito relembrando do ocorrido. O fato de Kalleo ter lhe consolado e pelo que aconteceu depois no refeitório, quando ele o deixou sozinho para enfrentar toda a multidão de adolescentes, que minutos antes, estavam rindo dele.

Por sorte, tudo se saiu bem. E não só porque o Kalleo estava lá, sentando na mesma mesa que o Bryan, acenando com a cabeça e sorrindo, dando-lhe força, mas, por que naquele instante, Théo sabia que conseguiria. Sabia que as palavras que Kalleo tinha lhe dito, de alguma maneira tinha valido a pena.

O que aconteceu exatamente foi que, quando Théo voltou para o refeitório, entrou novamente na fila, pegou seu jantar e se sentou sozinho numa mesa que havia desocupado recentemente. Mas, antes de chegar à mesa, acabou cruzando caminho com Bryan, que lhe olhou ameaçadoramente. Théo poderia simplesmente ter desviado o olhar dele, olhando para baixo e seguido caminho, mas o encarou nos olhos, sustentando seu olhar ameaçador. Seu olhar dizia claramente: Não tenho medo de você. Depois, Bryan retorceu o rosto numa careta e seguiu caminho, deixando-o para trás, enquanto resmungava alguma coisa qualquer.

Enquanto jantava, percebia alguns olhares sobre ele, mas ninguém se atreveu a falar nada. Quando terminou, percorreu o olhar pelo refeitório a procura de Kalleo, mas não o vira em lugar algum. Então simplesmente voltou para seu quarto, tirou a camisa que ele tinha lhe emprestado e a guardou em sua mochila para entregá-lo no outro dia. Depois se enfiou debaixo das cobertas, onde tentou dormir loucamente por horas, mas o sono não lhe vinha. E quando por fim conseguiu, ele entrou num coma profundo, no qual só acordou com Toby o chamando.

― Olá ― disse alguém retirando Théo de seu devaneio da noite anterior. Quando olhou para o lado, viu o garoto de cabelos louros o encarando, o mesmo que o ajudara. Olhando para ele de perto, Théo viu atentamente seus traços. Olhos verdes, pele dourada com um forte bronzeamento, cabelos caindo levemente sobre a testa. Tinha um perfil atlético. Ou melhor, perfil de um surfista, o que fazia com que o uniforme caísse perfeitamente bem sobre o corpo dele. Ele parecia o tipo de cara que todos os garotos gostariam ser.

― Ah, oi... E obrigado pela ajuda ― murmurou tentando não ser ouvido pelos demais.

― Por nada ― disse abrindo um sorriso amarelo. ― Aquilo não foi nada. Só não suporto injustiça.

― Como sabia que cheguei ontem? ― perguntou Théo, mordendo o lábio inferior, lembrando-se de não tê-lo visto no refeitório.

― Eu vi quando você chegou ontem, acompanhado daquela ruiva... ― E parou, vasculhando em sua mente o nome de Zoe.

― Zoe ― informou Théo, olhando para frente. ― Esse é o nome dela.

― Isso mesmo ― concordou.

Quando voltou a olhar para o garoto ao seu lado, o flagrou com os olhos fuzilando-o ao máximo. Por um momento, Théo se sentiu como estivesse sendo despido.

Ligeiramente baixou a cabeça, sentindo suas bochechas corarem com os olhos do garoto sobre ele, que não fazia absolutamente nada para disfarçar. Qual era a dele? Ele nem sabia quem era o garoto e já estava estranhamente desconfortável.

― Qual é seu...

― SR. ÂNGELO! ― Théo se sobressaltou quando a professora ralhou parada a frente da classe, fuzilando-o com o olhar, enquanto todos os outros alunos se viraram na carteira, olhando para ele.

― S-sim? ― balbuciou Théo, fixando o olhar no dela como uma âncora.

― O senhor já chegou atrasado ao seu primeiro dia de aula, e há poucos segundos estava numa conversa entretida com o Sr. Juan. Gostaria de receber uma detenção?

― N-não, senhora ― disse engolindo em seco, seu rosto queimando mais ainda.

― Então sugiro que cale a boca e preste atenção na aula. ― E voltou à atenção para o restante da turma.

Baixando a cabeça e soltando o ar preso nos pulmões, Théo seu perguntou por que somente ele foi reclamado, já que, como ela citou, o garoto que estava ao seu lado também estava conversando com ele.

― Gabriel Juan ― sussurrou o garoto ao seu lado. ― Esse é meu nome. Mas todos me chamam de Juan. Imagino que era isso o que estava prestes a perguntar quando a Sra. Morelo o interrompeu.

Théo apenas concordou com a cabeça, mantendo o olhar na professora, ao longe.

― Théo Ângelo ― disse se apresentando.

― Eu sei. ― Ele sorriu. ― Você ficou... ― Juan parou pensando por alguma palavra para completar sua frase ― falado depois do que aconteceu ontem a noite no refeitório. E ainda foi corajoso o bastante para voltar lá.

― Obrigado ― murmurou ele, olhando para seu caderno com a página de anotações ainda em branco. Juan o estava distraindo da aula. De fato, era quase impossível alguém conseguir distrair Théo da aula. Sempre fora um bom aluno, tirando notas altas. Sendo o aluno exemplar. Hoje, estava tomando uma posição totalmente contrária daquela que costumava ter. Talvez fosse o ambiente do novo colégio.

― Qual é a sua próxima aula? ― perguntou Juan, os olhos ainda fixos em Théo.

Pegando seu horário, visualizou a próxima aula depois dos dois tempos de História Europeia.

― Literatura...

― Théo Ângelo! ― gritou novamente a professora, dessa vez, parada bem na sua frente, os olhos castanhos atravessando-o.

Théo pulou na cadeira, engolindo em seco, esperando pelo pior.

― Detenção. Hoje depois das aulas. Espere-me no saguão principal.

* * *

O restante do dia foi um borrão em sua memória. Talvez seja pelo fato de que nem sequer prestou atenção ao restante das aulas que sucederam a de História Europeia. Ficou vasculhando com o olhar de esguelha por todas as carteiras a procura de algo, não sabendo especificamente o quê. No refeitório, foi a mesma coisa. Mesmo embora ele mal tenha tocado em sua comida, ficou percorrendo seus olhos pelo local, até que parou o olhar na mesa na qual Bryan estava. E, de repente, sentiu uma breve frustração. E se deu conta do que estava procurando sem ter consciência. Kalleo. Sentiu-se envergonhado por seus próprios pensamentos e tentou bani-los de sua mente. O que ele estava querendo afinal?

As aulas do turno da tarde foram a mesma coisa. Por mais que Théo tentasse, não conseguia parar de procurá-lo em todas as salas que entrava. Aquela inquietação estava começando a incomodá-lo.

Quando por fim as aulas terminaram, Théo seguiu caminho pelo corredor, encaminhando-se lentamente para o saguão principal, olhando para o teto, encarando as pequenas caixinhas de vidro onde estavam guardadas as câmeras de vigilância. Será que tinha alguém na sala de monitoração o observando nesse exato momento? Mas... será que todas elas estavam ativadas? Gravando tudo a todo instante? Théo também percebeu que não havia câmeras nos dormitórios. Nenhuma a vista nos demais andares nos corredores. A não ser, claro, que estivessem escondidas. As únicas que ele vira naquele prédio fora no pátio, na entrada. Provavelmente para vigiar se algum aluno saía depois do toque de recolher para dar uma “caminhada noturna”.

No saguão principal, a Sra. Morelo já o esperava com a cara emburrada, batendo o pé impacientemente no piso de linóleo enquanto olhava para a hora no relógio de pulso. Era surpreendente em como no seu primeiro dia de aula, Théo já conseguira arranjar uma professora como inimiga.

Quando se aproximou dela, a professora o encarou com amargura. Ela parecia estar sempre com raiva dos alunos ou era uma particularidade que apenas Théo tinha alcançado?

― Estou aqui, professora.

― Por favor, Sr. Ângelo, não me trate como uma cega ― disse a megera, ironicamente, cuspindo as palavras. ― Venha comigo. ― E saiu à frente, atravessando o saguão.

A professora Morelo o levou até o outro lado do saguão, parando em frente aos banheiros.

― Por sua negligência na sala de aula hoje, decidir dispensar os empregados que são encarregados de limpar esses banheiros, lhe impondo ao castigo de fazer o trabalho deles. Isso, dentro do prazo de uma hora.

Théo olhou para ela embasbacado, seus olhos quase saltando das órbitas. A primeira coisa que Théo pensou quando ela disse que ele ficaria de detenção, foi que ficaria na sala de aula fazendo uma pilha de lições, ou escrevendo quinhentas vezes a frase “Não devo conversar durante a aula”.  Mas ele estava errado. Essa merda onde ele estava era um reformatório para jovens delinquentes. O que ele esperava?

Em uma parte do banheiro, ela indicou os produtos de limpeza que deveriam ser utilizados. Depois, se afastou e disse que retornava em uma hora para conferir o trabalho feito por Théo.

Para ser justo, Théo achou que não era somente ele que deveria estar de detenção, limpando aquele banheiro infernal. Por que, até onde todos viram, ele não estava falando sozinho ou com as paredes. Estava falando com o Juan! Então por que somente ele ficou de castigo?! Juan deveria estar ali com ele, dividindo as tarefas de limpeza.

Todo o banheiro fedia a urina, como os banheiros masculinos dos alunos da oitava série.

Quando por fim (e milagrosamente!) terminou de limpar todo o banheiro feminino, Théo se encaminhou para o banheiro masculino. Este também estava vazio. Rezava silenciosamente para que ninguém entrasse no banheiro enquanto ele estivesse limpando. Não querida dar de cara com um garoto urinando no mictório.

Ele decidiu por não limpar o mictório. Se a Sra. Morelo quiser aquilo limpo, que ela mesma fizesse o trabalho e não ele. Mais uma vez, começou pelas privadas, que de longe era a pior parte.

Théo já estava ajoelhado em frente à privada, com o escovão em mãos, quando alguém tocou suas costas.

― Vai uma ajudinha, aí?

Virando-se rapidamente, com o escovão em punho, deu de cara com Juan, que exibia um sorriso torto.

Théo não se conteve e disparou:

― Sabe que você deveria estar de detenção também, não é? ― A irritação era palpável na voz.

Juan enfiou as mãos nos bolsos da jeans preta, dando de ombros.

― Sim, sei disso. E se me permite dizer, achei bem injusto. E como te falei mais cedo, na aula, não gosto de injustiça. Por isso vim ajudá-lo.

― Pode começar pelo box ao lado. ― E entregou o escovão a ele.

― Você é sempre assim? ― perguntou ele, enquanto colocava as luvas de látex.

― Assim, como? ― questionou. ― Mandão?

― Inteligente, com senso de justiça e igualdade. Meio extravagante nas palavras. E nem um pouco fácil de decifrar. Você é como um poço de surpresas. Nunca se sabe qual reação você terá em relação a algo ― falou Juan, limpando o box ao lado. Théo conseguia ouvir um pequeno riso.

― Bem... obrigado ― balbuciou em resposta, se perguntando mentalmente se aquilo foi ou não um elogio. E como ele sabia tanto a respeito de Théo com apenas o pouco tempo que havia estado com ele na aula de História Europeia? ― Captou tudo isso numa conversa de cinco palavras?

― Não é preciso ter bastante tempo de convivência para perceber essas coisas. Mas tenho certeza de que você está acostumado a ouvir esse tipo de coisa ― continuou.

Puxando a descarga da privada, Théo se encaminhou para o próximo box.

― Nem tanto ― confessou. ― Na verdade, ninguém nunca me disse isso. Só que sou grosso, arrogante e egocêntrico, e com essas combinações juntas, chego a ser ingênuo em alguns fatores. E me surpreende que você tenha deduzido tudo isso de mim, sendo que só me viu apenas uma vez.

― Duas, com essa. ― Ele corrigiu. ― Digamos apenas que sou muito... observador. É quase a mesma coisa que ficar horas e horas visualizando a imagem de uma pintura, tentando decifrar o que ela realmente simboliza.

― Entendo ― disse Théo.

Era quase raro para Théo um garoto de sua idade ser tão observador assim. Até hoje, só conheceu alguns que eram extremamente burros e sem um pingo de inteligência. E aqueles que chegavam a serem inteligentes, eram piores que o patinho feio, com óculos de armação grossa, aparelho dentário e espinhas espalhadas por todo o rosto.

Enquanto limpava as outras privadas de um modo totalmente descuidado, sendo que ele nunca tinha feito isso, pensava no quão bom seria se ele estivesse com seu celular e pudesse ouvir música para se distrair. Deliberadamente, seria tudo mais fácil e ágil. Chegou até por a mão no bolso, apenas sentindo o vazio causado pela ausência do celular.

― Théo ― chamou Juan, saindo do último box. ― Terminei aqui.

― Eu também ― falou se levantando do chão e retirando as luvas das mãos, guardando os produtos de limpeza na estante no fim do banheiro. Depois, foi até a pia onde Juan estava e lavou suas mãos. Enxugo-as no papel toalha e tornou a baixar a manga de sua camisa.

― Obrigado pela ajuda ― disse para Juan parado diante dele com as mãos na cintura olhando para todo o banheiro, vendo seu trabalho terminado.

― Não foi nada ― disse balançando a cabeça em negativa como se estivesse acordando de um devaneio. ― Só fiz o que qualquer alma caridosa faria.

Nooossa. Obrigado pela parte que me toca ― brincou, e foi saindo do banheiro ao lado de Juan, ambos rindo, bem no momento em que a porta se abriu e Théo congelou no lugar em que estava. Era Kalleo. Vestido no uniforme escolar com as mangas da camisa levantadas até os cotovelos, colarinho aberto e a gravata frouxa no pescoço. Assim como Théo, ele parou no instante em que os viu, vagando o olhar dele para Juan, que fazendo de propósito ou não, pegou Théo pelo braço e começou a tirá-lo para fora banheiro, ainda sorrindo. ― Kalleo... ― tentou dizer quando já estava na porta. Lembrava-se vagamente que tinha alguma coisa para dizer a ele.

Kalleo apenas acenou com a cabeça, com as feições do rosto inexpressivas enquanto a porta se fechava atrás de Théo e Juan.


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