O Segredo da Lua escrita por F L Silva


Capítulo 19
Capítulo 19 - Oculto Visível




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Antes que Théo percebesse o que estava prestes a acontecer, num piscar de olhos Kalleo se lançou contra Juan, desferindo um soco certeiro em seu olho. Juan foi jogado para trás com o impacto, metade de seu corpo caindo sobre Théo.

― Desculpe ― murmurou enquanto se endireitava, tocando no local onde fora acertado por Kalleo. ― Por que fez isso? ― perguntou virando-se para Kalleo, que já se aproximava para o segundo soco, quando Juan se desviou facilmente para o lado, descendo da arquibancada.

― Por se atrever a toca nele, seu merdinha ― rosnou Kalleo, cuspindo no chão enquanto andava lentamente em circulo com Juan.

A chuva voltara a cair com mais força, logo ensopando os garotos que se fitavam sem desviar o olhar, como dois cães numa disputa acirrada. O ambiente a volta da quadra estava escuro, deixando a figura dos garotos distorcida à vista de Théo. Era quase difícil enxergar alguma coisa. Ambos não paravam de escorregar no piso molhado.

― E quem é você para achar que tem algum direito sobre ele?

― O namorado.

Juan olhou brevemente para Théo, um olhar indagador. Nesse momento Kalleo partiu novamente para cima de Juan, o punho erguido pronto para acerta-lhe um soco. Mas Juan foi mais ágil, desviou para o lado e revidou, acertando Kalleo no estômago.

― Não parecia que ele tinha namorado quando me beijou.

Kalleo grunhiu e se endireitou, pronto para avançar mais uma vez. Juan se afastou para trás, para pegar impulso, mas a quadra estava molhada e acabou escorregando. Kalleo o pegou pelo pescoço, girando-o no ar e o jogando contra o chão.

Théo gritou, se levantando do assento.

― Parem! ― vociferou. ― Vocês dois, parem agora!

Mas os garotos não pareciam ouvir. Continuavam a desferir socos um no outro, gritando obscenidades, não se importando nem um pouco com Théo.

Quando Juan se pôs novamente de pé, Kalleo se abaixou lentamente, como um felino. Juan o atacou e Kalleo se jogou contra ele no exato instante em que recebia um soco no ombro e revidava no queixo de Juan.

― Isso é tudo o que você tem? ― grunhiu Kalleo.

Juan inspirou, endireitando-se. Logo depois, ambos estavam agarrados novamente, desferindo socos na barriga e nos ombros.

Théo correu para eles, gritando para pararem. Queria que eles parassem de brigar. Que parassem de brigar por causa dele.

Quando chegou perto o suficiente dos garotos, os tocou, tentando afastar, assim como via as pessoas na rua fazendo para tentar apartar uma briga. Suas mãos penetraram entre o vão dos corpos deles, puxando-os.

Parem!

Eles eram mais fortes do que esperava. Duas grandes massas contra o pequeno Théo que não chegava nem à altura deles. Os três giraram, e antes que percebesse, Théo estava caído no chão, enquanto Juan e Kalleo giravam no chão, um tentando ficar por cima do outro, acertando-lhe o rosto com repetitivos socos.

― O que está acontecendo?

Alguém puxou Théo pelos braços, afastando-o dos garotos que bolavam pelo chão. Théo olhou para o dono da mão pequena e branca e visualizou o rosto de Zoe, com os cabelos vermelhos molhados em volta dos ombros.

― E-e-les começaram a brigar... ― gaguejou Théo.

― Por quê? ― Zoe exigiu saber, olhando confusa para os garotos lutando.

― Juan me beijou e Kalleo viu. ― Théo sentiu, mesmo no frio implacável e penetrante, o rubor subir pelas suas bochechas.

― Eles estão brigando por você? ― grasnou ela, incrédula. ― Ah. Meu. Deus.

Os garotos estavam novamente de pé. Kalleo partiu para cima de Juan, mas o outro garoto foi mais rápido, já esperando pelo movimento. Desviou facilmente e girou o corpo, prendendo Kalleo pelo braço e desferindo socos em suas costelas.

Théo sentiu seu estômago se contrair ao ver aquela cena. Queria fazer com que eles parassem a qualquer custo. Toda vez que Juan batia em Kalleo, Théo sentia a dor em seu próprio corpo. Implorava, mentalmente, para que parassem.

Sem pensar no que estava fazendo, correu novamente para os garotos, a chuva deixando seus movimentos lentos com as roupas encharcadas. Juan estava prestes a socar novamente Kalleo, quando Théo interveio, segurando seu pulso. Kalleo aproveitou a oportunidade e chutou as pernas de Juan.

Juan cambaleou para trás e Kalleo puxou Théo pelo braço, pegando-o de surpresa. O arrastou até onde Zoe estava e o largou bruscamente ao lado dela.

― Não se meta nisso ― sibilou ele antes de se virar e voltar a andar em círculos com Juan, ambos com os punhos erguidos e arfando de cansaço.

Théo sentiu o estômago afundar novamente quando os garotos voltaram a lutar. Um enjoo pulsante transcorria por seu corpo, deixando suas pernas bambas.

― Isso é melhor que UFC ― anunciou Vicki, chegando de repente, olhando fixamente para a luta, sem piscar os olhos.

― Não acredito que está gostando disso ― murmurou Théo, horrorizado.

― O quê? Eu adoro uma boa briga de rua. Assistia constantemente da janela de minha casa. Até participava de algumas.

― Dessa vez eu tenho que concordar com ela ― falou Zoe. ― Brigas de rua sempre são emocionantes. Principalmente quando é aqui no reformatório. Chega a ser hilária.

― Aposto dez reais que o Juan ganha essa.

― Eu aposto no Kalleo. Ele é mais alto. Tem mais vantagem.

― Mas o Juan quem parece ser mais forte.

Théo evitou olhar para a luta. Não suportava ver os dois se machucando daquela maneira, e sabia que a culpa era dele. Somente dele.

― Ah, merda ― gemeu Zoe.

― O que foi? ― Théo ergueu a visão novamente para os garotos em tempo de ver Kalleo dando uma rasteira em Juan, fazendo-o cair com tudo no chão. Juan gritou, gemendo de dor, enquanto Kalleo se debruçava sobre ele, desferindo socos. Não demorou-se muito e Juan impulsionou seu corpo para o lado, derrubando Kalleo de cima dele.

― Ah, não! Os estraga-prazeres chegaram. ― Zoe apontou para a esquerda, onde os guardas com o uniforme da São Diego corriam. Foi só então que Théo percebeu: Zoe, Vicki e ele não eram os únicos espectadores. Havia mais uma dúzia de alunos observando a espreita, gritando até, incentivando a luta. ― Vamos sair daqui antes que achem que estamos envolvidos.

Zoe puxou Théo pelo braço, tentando afastá-lo da quadra o máximo possível enquanto os dois guardas se aproximavam dos garotos e puxava cada um pela gola da camisa, paralisando seus braços nas costas.

― Não ― murmurou Théo, hesitante em seguir Zoe.

― Vamos. Você não vai ajudá-los em nada. Só vai piorar a situação com sua presença.

― Não me diga que a culpa da briga é você, Théo! ― exclamou Vicki, seguindo os meninos. ― Ah, meu Deus. Que bafo!

― Calada ― sibilou Zoe.

O treinador Perini apareceu, gritando com Kalleo e Juan enquanto se debatiam presos pelos guardas. Por sob a chuva que caía pesadamente, Théo não conseguia ouvir o que eles discutiam. Ambos os garotos pararam de tentar se soltar e baixaram a cabeça, enquanto o treinador continuava a gritar, o rosto contorcido de raiva.

Logo depois, o Sr. Perini disse alguma coisa para os guardas, e eles soltaram Kalleo e Juan. Em seguida se encaminhou para fora da quadra, e gesticulou para Juan e Kalleo seguirem-no. Os guardas foram logo atrás, mantendo ambos os garotos distantes um do outro.

Enquanto eles desapareciam no saguão principal, Théo varreu o olhar a volta, percebendo pela primeira vez quem era os espetadores. Reconheceu Toby escorado no vestiário junto com Key. A garota gótica que tinha tocado rock no show de dublagem, e bem de frente de Théo, Bryan o olhava fixamente, um sorriso malicioso brincando em seu rosto.

* * *

Na terça-feira de manhã, Théo se arrastou lentamente para fora da cama enquanto seu celular ainda alarmava, tocando a música “Bombs On Monday” de Melanie Martinez.

Olhando-se no espelho trincado sobre a pia do banheiro, vislumbrou o quão acabado aparentava estar. Olheiras profundas marcavam o espaço abaixo de seus olhos. O cabelo louro desgrenhado chegava a lhe cobrir os olhos de tão grande que estava. Os lábios estavam pálidos e ressecados, com a pele descascando. Os olhos dourados estavam vazios e opacos, quase sem vida.

― Quem sou eu? ― perguntou para seu próprio reflexo que o encarava de volta.

Sou um idiota, que só faz a coisa merda.

Ele estava cansado. Tinha conseguido dormir metade da noite, mas todo o momento acordava entre um intervalo e outro, esperando que quando abrisse os olhos, Kalleo estivesse na sua frente. Era um pensamento totalmente irreal, mas quando se está imerso por sonhos, todo o mundo toma outra forma, e tudo parece diferente. De repente, tudo parece ser possível. Seus desejos mais profundos parecem serem críveis.

Ele não podia negar para si mesmo a vontade avassaladora que ficara de ir ao quarto de Kalleo logo depois que Zoe o arrastara para seu quarto. Kalleo e Juan tinham sido levados para a secretaria depois da briga de ambos, e depois disso, não os viu mais. Pela primeira vez, Théo tinha certeza de que sabia exatamente onde Kalleo estava. Depois do que tinha acontecido, ele não teria outra opção a não ser ir direto para seu quarto e seguir com o procedimento normal de aulas do instituto. Porém, não o fez. Sabia que Kalleo estava com raiva dele, e sabia que ele seria a última pessoa que Kalleo gostaria ver no momento.

Théo tinha beijado Juan num momento de fraqueza, logo depois de uma discussão entre Kalleo e ele. Kalleo acabou por presenciar e, por ciúmes, brigou com Juan que não tinha culpa. Claro que Juan não tinha culpa. Ele não sabia de nada do que vinha acontecendo entre Kalleo e ele. Toda a culpa era simplesmente de Théo, que tinha agido como um idiota, por ter dado corda ao que Bryan lhe dissera, e, mais ainda, por ter beijado outro garoto que não fosse Kalleo.

E agora, o que ele iria fazer? Procurar por Kalleo e se desculpar, tentar explicar tudo o que aconteceu? Ou simplesmente esperar um tempo até que Kalleo viesse falar com ele?

Théo simplesmente não conseguia pensar direito. Seu cérebro estava disperso, como se os pensamentos vagassem por ele como nuvens num céu aberto. Sabia que precisava por uma longa noite de sono e se desligar de tudo que o afligia a sua volta. Mas ele não era uma máquina que podia ser desliga com o simples apertar de um botão.

Quando terminou de vestir o uniforme, se encaminhou para o refeitório. Precisava comer antes que as aulas começassem.

O céu de inverno estava nublado, assim como no dia anterior. Ainda fazia frio e a grama sob seus pés estava molhada da chuva que caíra a noite toda. Por além do prédio da biblioteca, Théo conseguia vislumbrar as altas copas de árvores e uma densa floresta logo atrás. Era para lá que ele queria poder fugir. Estar em contato com a natureza, mesmo perdido no meio, era o desejo que naquele momento ele mais ansiava.

O refeitório estava com metade de um do terço dos alunos, como sempre acontecia em todas as manhãs. O cheiro de leite e café preenchia todo o ambiente, de forma convidativa, arrebatando-o para as manhãs em sua casa, quando sua mãe lhe preparava o café da manhã com leite e chocolate. Depois de pegar sua bandeja, sentou-se na mesa que Zoe ocupava. Do lado dela, havia mais duas outras pessoas que Théo não conhecia. Uma garota de cabelos crespos que estava estranhamente de cabeça baixa, como se evitasse olhar para os outros na mesa, e um garoto de cabeça raspada que olhava sonhadoramente para a mesa ao lado, mas para ninguém especificamente. Parecia estar sonhando acordado, completamente dopado por sedativos.

Pela forma com que Zoe comia, não dando nem um pouco de atenção aos garotos, ela não os conhecia. Tinha apenas sentado naquela mesa por ser uma das poucas com assentos vazios.

― Bom dia ― cumprimentou ele, ao sentar-se de frente para ela.

― Um ótimo dia para morrer ― resmungou de volta, fazendo cara feia para sua bandeja.

Théo passou cinco minutos tentando colocar algo para dentro do estômago. Não sentia fome, mas sabia que precisava comer. A comida em sua boca tinha gosto de borracha, mas ele tentou não se importar. Quando achou que não podia comer mais, bebeu o restante do leite que tinha em seu copo.

Era sempre assim todas as manhãs. A refeição era particularmente a pior do dia, e poucos internos tinham o interesse de comparecer. Pelo visto, não valia a pena perder trinta minutos de sono para o café da manhã.

Quando Théo levantou o rosto para as mesas a volta, notou rostos familiares olhando-o. A duas mesas de distância, Toby o olhava de soslaio. Estava sentado com Key e uma garota que parecia um rato pelos dentes que despojavam para fora da boca e as grandes orelhas. O hematoma no olho de Toby não era mais visível. Estava como antes, quando o conheceu. Será que, assim como Bryan e Megan, ele sentia raiva de Théo?

Desviando o olhar para outra mesa, viu Bryan sentado ao lado de Megan, ambos conversando e rindo. Havia outra garota também, de cabelos castanhos. Emily. A mesma que sempre aparecia acompanhada de Megan. Diferente de Toby, eles nem apreciam notar a presença de Théo no refeitório. Foi então que Théo sentiu uma súbita necessidade de olhar para mesa ao lado deles. Algo nela atraia sua atenção, e Théo não sabia o que seria até pousar seus olhos nela.

Ele engoliu em seco quando viu os olhos penetrantes de Kalleo sobre ele, fitando-o intensamente, como se pudesse fazê-lo entrar em combustão só de olhá-lo. Théo mal tinha notado a presença de Nico na mesa, apenas olhava diretamente para Kalleo, enquanto seu coração martelava fortemente em seu peito, quase saindo pela boca.

Não foi preciso dizer uma única palavra ou fazer qualquer gesto para as bochechas de Théo corarem. Sentia-se despido por aquele olhar penetrante como nunca fora antes.

Lentamente e com graça, Kalleo se levantou da mesa, quebrando o contato visual. Vestido no uniforme que lhe caía tão bem no corpo, levou a bandeja para a pilha que já se formava do outro lado do refeitório. Théo o seguiu com o olhar por todo o percurso, não desgrudando dele um segundo sequer.

Kalleo se encaminhou para a porta do refeitório, e pouco antes de sair, virou-se e olhou mais uma vez para Théo. Mesmo a distância, Théo pôde ver a bile na garganta dele subir e descer pelo pescoço ao engolir em seco. Depois fez um rápido gesto com a cabeça e saiu pelas portas duplas.

Era um sinal para segui-lo.

― Tenho que ir ― murmurou para Zoe, se levantando rapidamente e jogando sua bandeja sobre o balcão onde continha as demais.

Cruzando as portas duplas de madeira do refeitório, localizou Kalleo parado no corredor que dava para a biblioteca. Andou hesitante até ele, sentido o cabelo da nuca grudar. Ficou nervoso só de imaginar o que aconteceria a seguir.

Quando chegou perto o suficiente dele, conseguiu enxergar em seu rosto o que não tinha conseguido ver no refeitório a distância. Um pequeno hematoma arroxeado se formava bem abaixo do seu queixo. E na têmpora direita, um pequeno corte deixou a carne vermelha viva. Havia também um pequeno corte no lábio inferior. Mesmo com esses ferimentos, ele não deixava de ser atraentemente bonito. Os hematomas tinham lhe dado uma aparecia sexy e selvagem, o tipo de garoto perigoso de um reformatório.

― Você está bem? ― balbuciou.

― Estaria melhor se não tivesse visto meu namorado beijando outro cara ― respondeu secamente, contraindo os lábios e fechando os olhos como se tentasse apagar a lembrança da mente.

Théo se encolheu de vergonha. Não tinha sido sua intenção trair Kalleo. Ainda mais daquela maneira, logo depois de uma discussão.

― Desculpe... ― murmurou, baixando a cabeça e encarando seu tênis. ― É que ontem...

― Não o chamei aqui para falarmos disso ― cortou.

Théo se retraiu e encostou-se a parede fria. Seu estômago se revirou.

Kalleo não parecia demostrar nenhum tipo de expressão, além de agir mecanicamente como um robô. A única arma que usava era o asco estampado em sua voz. Parecia estar se contendo.

― Então, sobre o que quer falar?

― Quero esclarecer suas dúvidas ― ele revirou os olhos. ― Não é por causa de sua desconfiança que causou todo esse alvoroço?

Desde que começaram a conversar, Kalleo só tinha se mantido na ofensiva, bombardeando Théo com palavras rudes. Théo apenas se contraía, calado, não ousando responder no mesmo tom. Sabia que tinha sido sua culpa tudo de drástico o que vinha acontecendo entre eles ― ou quase tudo.

― Não precisa ― murmurou, olhando para o corredor ao lado, enquanto duas garotas passavam indo em direção à biblioteca.

― Precisa, sim. ― Kalleo se recostou a parede, enfiando as mãos nos bolsos. ― E sim, existem motivos para eu ter um quarto só para mim, saber coisas que ninguém mais sabe, ter acesso a coisas que nenhum outro aluno poderia ter.

― Eu não quero saber ― falou calmamente, as mãos suando frio. Não queria falar com Kalleo da forma como ele o tratava agora, com indiferença e arrogância.

― Ah, quer sim ― discordou, os olhos fuzilando-o ardentemente. ― Você ficou desconfiado de mim por causa disso, e sei que tive um pouco de culpa, por não ter te contado antes e preferir adiar, ou até ignorar como você mesmo disse ― ele falava de forma baixa e brusca, como uma cobra sibilando vorazmente. ― E tem razão, Théo. Eu não sou como os outros alunos do instituto. Sou diferente, e sabe por quê? Por que diferente de todos os outros alunos aqui, inclusive você, eu não cometi nenhum delito para estar trancafiado entre esses muros. ― Kalleo se desgrudou da parede, andando até Théo, mantendo o rosto a centímetros do seu enquanto rosnava. Os olhos de um azul profundo com as pupilas dilatadas não piscavam ao fitá-lo.

Théo engoliu em seco, colando seu corpo completamente a parede, com Kalleo o prendendo do outro lado. Não conseguia pensar em nada concreto. Sua cabeça apenas girava, com o perfume da pele de Kalleo a centímetros da sua. Queria poder tocá-lo, sentir o corpo dele contra o seu, mas nesse momento era complementarmente impossível. Kalleo tinha intenções divergentes à dele.

― Não fez nada? ― repetiu, quando sua mente conseguiu processar a informação captada.

― Não ― confirmou, encostando o braço na parede ao lado da cabeça de Théo, prendendo-o mais ainda. ― Por isso tenho um quarto só para mim. Também trabalho às vezes na secretaria. Por isso sabia seu sobrenome. Li sua ficha pouco antes de você chegar. Tenho direito a celular para me comunicar com as pessoas fora daqui. Posso, também, sair uma vez a cada semana, acompanhado do meu responsável, claro. Ela não me permite sair sozinho. Também tenho acesso às câmeras espalhadas pelo instituto. Assim, eu sempre sabia onde você estava quando precisava ir até você.

― E-eu não sabia... ― Então era isso? Por isso ele vivia sumindo? Por estar trabalhando na secretaria? Tinha um quarto só para si por que não tinha cometido nenhum crime? Seu estômago embrulhou, ameaçando por pra fora seu café da manhã.

― Eu queria te contar, mas não sabia como. ― Kalleo estava mais sereno agora. Não estava mais na ofensiva. Apenas mantinha a expressão calma e passível.

A mente de Théo girou, tentando assimilar o que Kalleo dizia a seus pensamentos confusos em relação a ele.

― Mas há mais uma coisa que não se encaixa. ― Théo olhou diretamente nos olhos de Kalleo, mantendo contato. Alguns alunos passaram atrás deles, mas nenhum deles parecia perceber a presença dos garotos. Estavam totalmente entretidos entre eles, como se estivessem presos numa enorme bolha que os enlaçavam. ― Se você está aqui por não ter cometido nenhum delito, então por que está?

Kalleo suspirou, fechando os olhos por um segundo, como se estivesse resignado por falar.

― Nunca achou estranho ninguém saber o sobrenome da Sabrina?

― Da diretora? ― perguntou, confuso. O que ela tinha a ver?

― Isso.

― Sim. Zoe e eu estávamos falando disso outro dia, o fato de ninguém saber o sobrenome dela e ela exigir que a chamem somente pelo primeiro nome. Mas o que isso tem a ver?

― Tem a ver pelo motivo de ambos termos o mesmo sobrenome ― ele falou calmamente, as expressões complacentes. ― Sabrina é a mulher com a qual meu pai se casou logo depois que minha mãe faleceu. E que depois que meu pai morreu, casou-se novamente com outro cara, que acabou por se transformar em meu padrasto e abusar de mim.

Théo prendeu a respiração, os olhos esbugalhados com a incredulidade.

― Sabrina é a sua m-madrasta? ― balbuciou.

Kalleo assentiu.

― Por isso estou preso aqui. Sou menor de idade e estou sob tutela dela. Antes de Sabrina, meu pai era quem controlava o reformatório. Era o diretor. Com a morte dele, ela passou a administrar tudo, e como passava maior parte do tempo aqui, achou melhor nos mudarmos para cá. Não tive alternativa a não ser vir com ela. Meus parentes moram todos distantes.

Uma lembrança saltou na mente de Théo, na noite em que ambos entraram escondido na secretaria para pegar seu celular de volta.

― Então foi por isso que Sabrina ficou surpresa ao te ver naquela noite na secretária quando os alarmes dispararam...

― Ela não esperava por isso. Passou uma hora me dando sermão.

― Sempre que você não está à vista no campus, está na secretaria?

― Quase sempre ― assentiu. ― Às vezes estou fora do campus. Mas sempre junto com ela.

Théo ficou em silêncio, organizando todos seus pensamentos, tentando assimilar. Kalleo tinha aberto sua cabeça e tirado todas suas dúvidas a respeito dele. Agora, tudo sem encaixava e fazia sentido.

― Era disso que Bryan falava quando disse que você não me conhecia ― seu olhar endureceu. ― Não devia ter dado bola para o que ele falou.

― Eu sei... Desculpe ― balbuciou Théo, sentido um buraco no peito, causado pelo arrependimento.

Kalleo passou a mão pelo cabelo. De repente, ele estava inquieto.

― Mas o caso é que nada disso o livra do fato de ter beijado outro cara.

Théo se retraiu, como se tivesse levado um soco nas costelas. Kalleo tinha voltado para a ofensiva.

Decidiu ficar calado. Tentar desculpar-se só pioraria a situação. Levantou o queixo e fixou o olhar nele.

Sabia que Kalleo ainda estava com raiva, que lutava com isso dentro de si. Théo podia perceber isso pela maneira que se portava, e nada que ele fizesse melhoraria essa situação. Quando alguém está com raiva, o melhor a fazer é deixá-la extravasar, e correr o máximo possível para não deixar os fragmentos o alcançar. Mas Théo não iria correr. Estava disposto a receber o impacto.

― Não vai se defender? ― perguntou lentamente, o olhar ainda duro.

― Não há razão para me defender, quando já fui julgado ― foi tudo o que ele disse.

― Está certo. Não há. ― Kalleo puxou um sorriso pelo canto do lábio esquerdo, meio irônico e meio real, como se, por um momento, demonstrasse o antigo Kalleo despreocupado que sorria sempre ao ver Théo. Era ele quem Théo queria. O antigo Kalleo.

― E o que vai ser agora? ― Mesmo com todo o alvoroço que se formava dentro dele, afogando Théo como se uma âncora estivesse presa ao seu pé e o puxasse para baixo, dando apenas tempo para ele se debater antes do último suspiro, ele sentia a necessidade de perguntar, de saber, o que seria deles agora. ― Como ficamos?

As lágrimas brotaram nos seus olhos. Quentes e salgadas, prontas para escorrerem livremente por seu rosto.

― Eu não sei. ― Kalleo se contraiu, afastando a mão que estava encostada a parede, próxima a cabeça de Théo. ― Eu não sei ― repetiu ele. Parecia transtornado como o garotinho de nove anos que Théo encontrou sentado no chão na noite em que dormiram juntos. O garotinho assustado e com medo. ― Uma parte de mim, a parte bruta, diz para eu ir embora e ficar sozinho. Afastar-me de tudo.

― E a outra? – murmurou Théo, evitando quebrar o contato visual.

― A outra diz para eu beijá-lo ― sussurrou ele, o rosto a centímetros do seu. Conseguia sentir o hálito dele.

Théo prendeu a respiração, sentido o corpo de Kalleo se aproximar mais dele. Seus olhos azuis estavam fixos nos seus, demonstrando o desejo intenso de beijá-lo. Sim, ele queria aquilo, mesmo estando no corredor com vários alunos à volta. Pouco importava quem os visse.

Fechando as pálpebras, esperou pacientemente pelos lábios de Kalleo encostando-se nos dele. Passaram-se alguns segundos, mas nada aconteceu. Quando voltou a abrir os olhos, se viu sozinho no corredor.


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Notas finais do capítulo

Eu preciso saber... O que estão achando da história? Há alguma crítica? Se houver, pode fazer. Eu aguento! Receber um feedback do seu trabalho é sempre bom :/



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