O Segredo da Lua escrita por F L Silva


Capítulo 18
Capítulo 18 - Declínio Sombrio




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Kalleo não teria participação no estupro da Molly, teria?

Théo estava quase certo de que Kalleo não teria coragem de cometer tamanha atrocidade.

Era segunda-feira de manhã e ele andava de um lado para o outro em seu quarto, pensando. Desde seu encontro com Bryan, tinha visto Kalleo mais duas vezes, mas não ousou perguntar nada a respeito do que Bryan lhe dissera. Algo no fundo de sua mente lhe dizia que Bryan estava tentando fazer um jogo com ele, enganá-lo e fazê-lo com que questionasse o que sabia a respeito de Kalleo.

Sim, com certeza era isso. Kalleo não tinha feito nada demais, e todas as respostas para as perguntas que tinha a respeito dele poderiam ser respondidas passivelmente, com uma resposta bastante plausível da qual nada extravagante ― como o estupro ― fosse usado como resposta.

Mas, mesmo se fosse assim, por que algo ainda o deixava incomodado? Por que sentia como se alguém sussurrasse em seu ouvido que Bryan tinha razão? Havia mistérios sobre Kalleo que ele não sabia, e que o próprio Kalleo evitava responder, desviando-se das perguntas. E Théo, como um tolo, era facilmente manipulado, atraído pela beleza e atração que Kalleo possuía sobre ele, desnorteando-o.

Era como se tivesse o anjo e o demônio em cada lado de seu ombro, sussurrando uma coisa diferente, tentando lhe atrair a atenção. No momento, ambos estavam empatados.

Théo tentou listar as coisas estranhas que envolvia Kalleo, mas eram tantas que ficou agoniado. De fato, ele era diferente de todos os outros alunos, e parecia possuir prestígios que nenhum outro possuía.

Olhando pelas grades da janela, Théo esperou que claridade do dia infiltra-se para dentro do quarto, mas isso não chegou a acontecer. As horas passavam, mas permanecia escuro lá fora. Quando decidiu sair do quarto, percebeu que o céu estava escuro, encoberto por pesadas camadas de nuvens, prestes a romper em chuva. Uma corrente de ar gélida transcorria por todo o campus, levantando saias e vergastando cabelos. Diferente do dia de sábado e domingo, a segunda-feira estava sombriamente fantasmagórica.

Quando pegou seu celular, lembrou-se dos e-mails que tinha enviado para seus pais e seu amigo Will. Com certeza, já tinha chegado uma resposta e ele não tinha nem visualizado ainda.

Abriu primeiro o e-mail de seus pais:

 

Para: theo-angelo17@gmail.com

De: jessicaangelo56@outlook.com

Enviada: Sexta-feira, 17/07 às 18:32

Assunto: Te amamos

Théo, querido,

Sentimos muito sua falta, você não faz ideia. Mas, felizmente, isso está para mudar. O Sr. Toccacelli, o advogado do seu caso, disse que logo, logo será sentenciada a data em que você finalmente irá sair da São Diego. Ele nos prometeu que seria em breve.

Seu pai e eu estamos muitos ansiosos para vê-lo novamente.

 

Eles também sabiam.

É claro que sabiam, eram seus pais. Estavam mais informados sobre o caso que todos os outros. Se ele tivesse lido o e-mail antes do sábado, assim quando enviado, não teria sido pego de surpresa na sala da diretora.

Fechando o e-mail de seus pais, abriu o de Will.

 

Para: theo-angelo17@gmail.com

De: willianfons@hotmail.com

Enviada: Sábado, 18/07 às 10:54

Assunto: Fazendo falta

Fico feliz que agora podemos nos comunicar. E pra mim, você faz uma grande falta. Agora que estou sem você, tenho que me conformar com a companhia de Alex no colégio, mas não o aguento. Me seguro para não mandá-lo calar a boca e parar de falar de Stars Wats. Ficou irritante já!

Mas me conta, cara, como é as coisas aí? É como nos filmes em que acorrentam os alunos mais perigosos e os deixam a base de água e pão duro? E as garotas? Tem alguma gostosona que você está afim? Cara, não se de nada de sua nova vida!

Abraços,

Will

 

Théo sorriu com mensagem de Will. Era típico de seu amigo lhe perguntar essas coisas. Enquanto respondia ao seu e-mail, parou por um momento. Will tinha perguntado se tinha alguma garota que ele estava afim, mas acontece que não era uma garota, e sim um garoto. Mas seria uma boa ele contar isso para Will por mensagem? Como Will reagiria? Definitivamente, não. Não era algo para ser contado por mensagem. E mesmo se contasse, o que iria dizer sobre Kalleo? Que estavam... O quê? Namorando? Se pegando? Não sabia nem que definição usar para a relação de ambos.

Kalleo. Novamente os pensamentos voltados para ele. Théo não conseguia mais ficar surpreso quando tudo se direcionava para Kalleo. Já tinha se acostumado. O que não gostava era dos novos pensamentos que vinha acompanhado do nome dele. Bryan o tinha dado o que pensar, e Théo tinha que descobrir a verdade.

* * *

Quando Théo saiu da última aula do dia, voltou correndo para seu quarto no dormitório.

Com a chegada da noite, o ar ficou mais denso e úmido, e trovões acompanhados de raios explodiam no céu, clareando a noite e atraindo a atenção de todos. A chuva começou a cair pesadamente sobre o campus, e Théo teve que se agasalhar com um suéter de cor preta. Quando voltou a sair do seu quarto, marchou direto para o quarto 74. Era o de Kalleo. Tinha esperanças de encontrá-lo lá.

Durante todo o dia, a inquietação tomou de conta de dele, deixando-o nervoso e a flor da pele, querendo gritar e socar as paredes. Sua cabeça latejava de dor de tanto revirar na cabeça os pensamentos a respeito do garoto que gostava.

Quando bateu na porta do quarto, esperou um pouco e logo depois foi escancarada por Kalleo, que sorriu ao lhe ver. Instantaneamente, como sempre acontecia, seu peito esquentou a vista daquele sorriso, esquecendo por um décimo de segundo o que viera fazer. Balançando a cabeça, não sei deixando levar, ele entrou no quarto firmemente.

― Achei que estaria aqui ― falou secamente.

Kalleo não pareceu perceber e foi na direção de Théo, abraçando-o. Estava prestes a beijá-lo, quando Théo o afastou, colocando a mão em seu peito para impedir o ato.

― Agora, não.

―O que houve? ― Kalleo franziu o rosto, confuso.

― Temos que conversar.

― Claro. ― Kalleo afagou do garoto com os polegares. ― Sobre o quê você quer conversar?

― Sobre você. ― Théo engoliu em seco.

Kalleo semicerrou os olhos, fitando atentamente Théo. Depois o soltou e se afastou um pouco.

― O que quer saber sobre mim?

― Tudo ― deu de ombros. ― Estou cansado de me sentir como se não o conhecesse o suficiente. Não sei nem qual é seu sobrenome! Às vezes você me parece um estranho. E está sempre desviando de minhas perguntas.

― Bernardes ― falou calmamente. ― Meu sobrenome é Bernardes.

Tá legal. A conversa não estava tomando o rumo que ele queria. Não era para ser assim, de forma tão seca. Ele não tinha pensado em um modo de abordagem, mas não era pra ser assim.

Decidiu então tentar outra tática; ser o mais direto possível.

― Como conseguiu as chaves da secretaria outro dia?

― Por que está perguntando isso agora? ― Kalleo fez cara feia.

― Por que quando lhe perguntei no dia a respeito, você evitou me responder.

― Se não te respondi, é por que não achei relevante ― rebateu.

Sim, Kalleo estava lhe escondendo algo. Podia perceber pela maneira defensiva com que falava. O peito de Théo se apertou. Kalleo não é o que parece, as palavras de Bryan sussurrava em sua mente.

― Você nunca acha relevante me contar nada do que eu pergunto ― retrucou, cerrando os dentes. Estava começando a ficar irritado.

― Não comece com isso, Théo.

― Não começar? Eu só queria obter respostas.

― Desculpe, por não querer falar de minha vida pessoal ― desdenhou.

― Então sua vida pessoal é bisbilhotar as pessoas e roubar chaves da secretaria?

A tensão que já pairava entre os dois era visível. Nem um pouco comparada com a eletricidade que emanava quando ambos se tocavam. Essa sensação era totalmente contrária. Como que se ambos se tocassem, faíscas de choque elétrico sairiam do contato das peles.

― Bisbilhotar? ― guinchou, irritado.

― Como se você não soubesse mais que todos os outros sabem a respeito de si mesmo. ― Théo riu ironicamente. ― Você mesmo me disse no meu primeiro dia na São Diego, que sabia de coisas que ninguém mais imaginaria. Você sabia meu sobrenome, sem eu sequer ter dito. Você tem privilégios que nenhum outro aluno tem. Um quarto só para si. Sabe os plantões dos guardas e quando as câmeras de vigilância estão desativadas. Falta às aulas constantemente, e poderia até dizer que sai do campus quando bem entende por você simplesmente desaparecer do nada. Você é como um fantasma que ninguém sabe onde encontrá-lo, e sempre aparece inesperadamente. ― Théo não percebeu que seus punhos tinham se fechado. Estava com raiva. Tinha sobressaltado mais do que esperava que pudesse acontecer. Seus olhos queimavam, ameaçando novamente a desabar em lágrimas. Mas não lágrimas de lamentos ou dor, e sim de raiva. Por um momento, se sentiu puxado para a noite em que brigou com Kalleo debaixo do carvalho. A mesma noite em que ambos se beijaram pela primeira vez. Mas o que estava mais vivo na mente de Théo naquele momento, não era a sensação dos lábios deles se tocando, e sim do leão que lhe rasgava o peito, exigindo sair; ser notado.

― Isso é tolice ― falou Kalleo, amargamente, cruzando os braços sobre o peito. ― Você está sendo um idiota, Théo.

― Agora você diz que eu sou um idiota? ― vociferou, o rosto queimando de ira. ― O que aconteceu com o inteligente? O garoto que você disse que amava?

― Eu ainda o amo ― falou passivamente. ― Mas achei que ele seria mais inteligente, a ponto de descobrir as coisas por si só.

Diferente de Théo, Kalleo não demonstrava estar alterado. Portava-se de forma passível, ouvindo e rebatendo a suas perguntas com rispidez, mas continuava inalterável, com os braços cruzados sobre o peito.

― Por que você não fala logo tudo?! ― ralhou.

― Acho melhor conversarmos outra hora. Você está alterado agora.

― Não ― falou bruscamente, o peito arfando. ― Vamos conversar agora. Você não irá fugir.

Kalleo suspirou.

― Amanhã nós conversamos.

― NÃO.

― Théo...

― O que você está escondendo de mim? ― Théo se aproximou de Kalleo, diminuindo o espaço entre eles. ― Tem alguma coisa que você não está me contando... Algo muito estranho ao seu respeito.

Kalleo recuou o passo, o olhar oscilando. A bile na garganta subindo e descendo.

― Vá embora ― foi tudo que conseguiu dizer.

― Eu vou. ― Théo se conformou, assentindo com a cabeça. Mas antes, daria sua última jogada. ― Mas quero que me responda uma coisa antes.

― O quê?

― Qual a sua participação no estupro de Molly?

― O quê?! ― Automaticamente, o rosto de Kalleo ficou pálido como um fantasma, os olhos quase saltando das órbitas. Théo percebeu que, finalmente, tinha causado alguma reação nele. ― Como sabe disso?

― Não importa como fiquei sabendo ― empertigou-se. ― O que me importa é saber o que você teve a ver com isso.

― Absolutamente nada! ― sua voz vacilou, o olhar ainda incrédulo. Depois, a percepção transpassou por seu rosto, e sibilou baixando a voz uma oitava: ― Acha mesmo que eu teria coragem de fazer uma coisa dessas depois que tudo que me fizeram?

Dessa vez, foi Théo quem recuou. Kalleo realmente teria coragem? O Kalleo que ele conhecia? O Kalleo que fora abusado pelo padrasto, realmente teria coragem de abusar de uma garota? Fazer o mesmo mal que o fizeram?

― O único envolvimento que tive, foi de encontrá-la largada no banheiro, chorando ― ele continuou a falar, a mandíbula rígida e os olhos duros e firmes. ― Fui eu quem a encontrou instantes depois de ter sido abusada! Fui o único que compreendia perfeitamente o que ela sentia e tentei ajudá-la. Mas não fui muito útil quando ela ficou sozinha e acabou se matando.

Ah, meu Deus. O que ele fizera? Naquele instante, Théo sentia-se um idiota. É claro que Kalleo não teve participação no estupro de Molly. Era isso que Bryan queria Théo achasse que fosse. Estava apenas brincando com Théo, fazendo um jogo com ele. Queria deixá-lo confuso sobre Kalleo e provavelmente fazer até com que ambos brigassem. E foi exatamente o que conseguiu.

― Desculpe... Eu... ― lamentou-se.

― Não sabia? ― debochou, cuspindo as palavras. ― Da próxima vez, se informe direito a respeito dos fatos.

E antes que Théo pudesse falar mais alguma coisa, Kalleo deu a volta por ele e saiu do quarto, deixando-o sozinho.

* * *

A chuva continuava a cair pesadamente quando Théo saiu do prédio dos dormitórios, vagando lentamente pelo campus. Ainda não tinha dada a hora do toque de recolher, então poderia andar por aí o quanto quisesse.

Puxou o capuz sobre o rosto, tentando evitar que a água lhe tocasse a pele. A chuva fria lhe causava arrepios, mas ele tampouco se importava. Estava absorto demais em seus pensamentos, se culpando, se sentindo um idiota pelo que tinha feito.

Devia ter percebido o que estava fazendo antes de ter ido falar com Kalleo. A dúvida plantada em sua cabeça tinha feito com que fizesse merda, e, com certeza, magoado o garoto que ele amava. Agora, como resultado, Kalleo estava bravo com ele. Bravo por ter achado que ele teria tido a audácia para abusar de uma garota, assim como acontecera com ele quando criança. Um trauma pelo qual ele passou que deixou sequelas que despontam até hoje, ao dormir e sonhar, tendo vislumbres daquele dia que tanto odiou.

Suas lágrimas se misturaram com a água da chuva que escorria pelo seu rosto, e ele não fez nada para impedi-las. Enfiou as mãos com mais força dentro dos bolsos do moletom que tinha pegado em seu quarto antes de sair do dormitório. Não queria ficar dentro de seu quarto, se lamentando. O local entre aquelas paredes já era deprimente demais para ele se lastimar.

Ele sentia, como um cão sedento para sair de dentro de casa e ir brincar no jardim, que não podia ficar mais um minuto sequer no seu quarto. Não sabia exatamente para onde ir, mas começou a andar lentamente e sem rumo pelo campus. Queria poder sair do instituto, ir além do alto muro farpado, poder, mesmo que só por um segundo, respirar o ar lá fora, limpo de toda a sujeira que o reformatório carregava. Mas ele estava trancado. Faltava ainda seis dias para ficar livre. Teria que se conformar com o que tinha, por enquanto. Não tinha um lugar preciso para onde ir, além do grande carvalho. Mas julgava que o lugar já estava sendo ocupado por Kalleo. Com certeza ele teria ido para lá. E por mais que quisesse, não podia falar com ele agora. Sabia que Kalleo não iria querer vê-lo. Ele tinha sido expulso de seu quarto. Claro, depois de tudo o que ele disse, essa seria a reação mais imaginável.

Théo não o culpava. Sabia que tinha errado, mas também sabia que a culpa não tinha sido totalmente sua. Sabia que Kalleo tinha deixado a entender, a imaginar, que ele escondia algo. Se Kalleo não escondesse o que quer que ainda esconda de Théo, nada disso teria acontecido. Théo não teria lhe dito aquelas palavras, e ele, naquele momento, não estaria se sentindo um babaca, andando sem rumo enquanto chorava, sentindo um bolo cobrindo a garganta, o impedindo de respirar.

Quando deu por si, Théo se viu diante das arquibancadas. A visão era deprimente, com os bancos enferrujados com a tinta descascando. Mesmo o assento estando molhado, ele se sentou, contemplando a frente a visão da quadra encharcada. Foi naquela quadra que ele fora golpeado por Bryan, e Kalleo acabou brigando com ele, por tê-lo ferido. Também tinha sido naquele mesmo banco da arquibancada, onde Kalleo o encontrara pela primeira vez, chorando, assim como agora, por ter sido humilhado por Bryan no refeitório. E logo atrás dele, nos vestiários, tinha sido onde Kalleo o ajudou a se limpar e onde ambos jogaram cera de depilar na toalha de Bryan para se vingar. Théo lembrava-se da sensação de Kalleo bem atrás dele, enquanto ambos estavam escondidos atrás das estantes, esperando pacientemente pelo ápice de sua vingança. A respiração dele em seu pescoço, as palavras sussurradas ao seu ouvido, a forma com que ficou corado...

Théo suspirou entre soluços ao recordar-se de cada lembrança. Era incrível a ligação que os fatos tinham com Bryan. Ele estava quase sempre por trás de todas as vezes que ambos se viram. Kalleo tinha dito que Bryan lhes fizeram um favor, fazendo com que ambos se conhecessem e se aproximassem. Por um momento, Théo ousou pensar caso Bryan não estivesse no instituto. Ele teria conhecido Kalleo? Teria gostado do garoto tanto quanto gostava agora?

― Théo? Você está bem?

Pulando de surpresa no banco, ele olhou instintivamente para o lado. Não esperava ter companhia; achava estar sozinho. Era isso que ele queria. Assim poderia pensar sem que ninguém lhe interrompesse.

Juan se aproximava dele a passos rápidos, as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans. Vestia um moletom sem capuz, deixando o cabelo louro molhado a vista. Parecia assustado ao olhar para Théo.

― O que aconteceu? ― Juan não parecia ter notado que ele chorava até se aproximar e ficar de frente para Théo, exigindo sua atenção.

― Nada ― respondeu, limpando a garganta.

― O Nada não é capaz de ferir as pessoas.

― Eu só quero ficar sozinho. ― Théo baixou o olhar para seus pés, achando que se Juan percebesse que ele não queria conversar, iria embora. Queria ficar sozinho. Precisava disso.

― Respeito que todos nós, às vezes, precisamos de espaço ― ele falava calmamente, enquanto se sentava ao lado de Théo ―, mas também reconheço que nem todos querem realmente ficar sozinho quando acham que é isso que precisam. ― Ele pousou a mão nas costas de Théo, afagando-o. Algo nesse gesto o fez com que ele se sentisse mais calmo.

Théo se remexeu. Tentou estancar as lágrimas com as costas da mão e se endireitou no assento.

A chuva continuava a cair, porém com menos intensidade. Logo se reduziu a uma leve garoa. Mas o frio que o ar carregava ainda era mordaz e lhe causava arrepios.

― Vem aqui. ― E antes que Théo percebesse, Juan o puxou, fazendo-o encostar-se no seu ombro, passando o braço por seu corpo. Théo se viu alinhando a cabeça na linha entre o ombro e o pescoço do garoto.

Era estranha a sensação que Juan conseguia causar a Théo. Diferente de Kalleo, Juan era mais calmo e harmonioso, e não eletrizante e atraente como Kalleo. O toque de Juan sobre sua pele era mais quente que o de Kalleo, e o fazia se sentir como se estivesse num forno.

― Às vezes me sinto assim como você ― falou Juan, pensativamente, olhando para o céu escuro. ― Sinto um vazio dentro de mim, e, de repente, tudo despenca, como uma avalanche. Todos os sentimentos ruins me atingem, e somando com a fragilidade que sinto trancado nesse instituto, acabo me desmoronando em lágrimas.

― Acho que todos passam por isso... Quem não ficaria deprimido, sem poder ver a família, os amigos, fazer o que gosta?... Estamos todos presos, por que todos nós, querendo ou não, cavamos nossas próprias sepulturas.

― Que modo analógico de pensar ― Juan riu.

― A equiparação é uma virtude que você obtém ao perceber a ambiguidade do mundo, sendo ela boa ou má.

Juan se endireitou de modo que ficasse de frente para Théo. O olhava de forma pensativa e indagadora, com uma das sobrancelhas arqueadas. Ostentava um leve sorriso torto nos lábios.

― Adoro quando você fala de modo inteligente.

Théo acompanhou o sorriso dele, de leve. As lágrimas tinham cessado, mas ainda sentia o aperto no peito.

Théo não percebeu quando Juan mordeu levemente o lábio inferior e aproximou seu rosto do dele. Estava com os olhos fixos nos dele, totalmente encantando. O verde intenso quase brilhando com a pouca luz que vinha dos holofotes da quadra. Sentia-se preso ao seu olhar. Quando a mão de Juan tocou a sua, era cálida e aconchegante, lembrando-o das cobertas grossas em seu quarto, na sua casa na cidade.

Sua respiração ficou pesada, e podia sentir seu corpo preso ao banco como chumbo. Não sabia exatamente o que estava acontecendo, até que o nariz de Juan encostou-se ao seu. Lentamente e com calma, seus lábios se tocaram. Primeiro com cautela e suavidade, depois mais firme e intenso.

Théo não tinha consciência se o que estava fazendo era certo ou errado. Mas, enquanto o beijava, sentia-se mais livre da aflição que carregava consigo. Sentia-se seguro e acolhido, como se Juan entendesse tudo pelo que ele passava.

Quando Juan se afastou, Théo tocou os lábios onde ele o havia beijado. Juan o olhava com expectativa, os olhos brilhando intensamente fixos nele.

Pelo canto do olho, Théo viu de soslaio uma figura se mover a sua direita. Os batimentos de seu coração aceleraram, fazendo-o arfar.

Saindo de detrás das arquibancadas, Kalleo apareceu, ficando visível para ambos os garotos. As narinas dilatavam ao respirar pesadamente, a mandíbula rígida cerrada. Ele os fulminava com o olhar sombrio, carregado de uma intensidade jamais vista. Seus punhos tremiam cerrados fortemente, fazendo as veias das mãos e braços pularem visíveis para fora.

Diante de Juan e Théo, Kalleo parecia um leão raivoso, pronto para atacar sua presa.


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Notas finais do capítulo

Quem é do outro time, provavelmente gostou desse capítulo!