O Segredo da Lua escrita por F L Silva


Capítulo 11
Capítulo 11 - Perigosamente Tóxico


Notas iniciais do capítulo

Desde que criei todo o enrendo da história, esse foi um dos capítulos que fiquei mais ansioso e animado para escrever.
Espero que gostem, assim como eu gostei!



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No domingo à noite, Théo estava no meio da plateia junto com Zoe no grande e claustrofóbico auditório da São Diego.

Estava passando o peso do corpo de um pé para o outro, impacientemente. O show de dublagem já tinha começado, mas segundo Zoe, eles seriam um dos últimos a se apresentarem por terem se inscrito há apenas alguns dias. Théo achou ótimo o fato de eles serem um dos últimos. Assim, a plateia estaria mais atenta e prestariam mais atenção neles.

Ele estava bastante ansioso com a sua apresentação. Passara os últimos três dias ensaiando quase a noite toda os passos da música com Zoe nesse mesmo auditório depois das aulas. Quando apresentou a proposta para a amiga, não podia negar para si mesmo que estava com medo, mas logo depois que a garota aceitou ― não antes de lhe fazer inúmeras perguntas a respeito, exigindo uma explicação plausível ― se sentiu mais relaxado e disposto. Nos ensaios, deu o máximo de si. Ambos os garotos sabiam o que iriam acontecer após a apresentação, e se iriam levar bronca de todo o jeito, iam ao menos apresentar com estilo, calando a boca de todos a volta, deixando espaço apenas para exclamações.

Há cerca de uma hora todos os alunos foram convocados para o auditório quando a voz rude da diretora Sabrina ecoou pelos alto-falantes, dando-lhes a ordem. Cadeiras redobráveis estavam por todo o salão em frente a um palco abarrotado e com pouca iluminação. Saindo detrás das cortinas pretas que estavam atrás do palco, a Srta. Candece marchou para frente palco, anunciando o novo número de apresentação com sua voz fina fingindo entusiasmo. Seu cabelo louro estava solto, esvoaçando ao vento dos ventiladores nas paredes laterais. Parecia uma garotinha e não uma mulher de 32 anos com a pele do rosto esticada de tanto Botox. Ela era a professora de teatro, uma das poucas no instituto que não era casada.

― Nossa! Essa última foi divina, não acham? ― cantarolou a mulher no microfone que carregava consigo.

Com tantas cabeleiras escuras entre a plateia, era difícil localizar Kalleo entre as fileiras de alunos. Não o tinha visto ainda, mas até chegar sua vez, ele deveria estar ali. Tinha que estar. Ele tinha que ver o que Théo estava para aprontar.

― Vamos ao próximo número, então! ― anunciou o Srta. Candece saindo do pequeno palco e dando lugar a uma garota baixinha e magricela de cabelos oxigenados. Era a mesma garota que Théo tinha visto na festa de Key outro dia. Um batom com coloração escura, quase preto, foi passado rigidamente em seus lábios cheios. Acima de seus olhos, a maquiagem também era preta. A garota era um misto de preto e branco: maquiagem e roupas pretas, cabelo e pele branca.

Um pedestal mantinha o microfone a centímetros do rosto da garota, enquanto ela ajeitava uma guitarra em seus braços finos. Então a música começou. A garota começou a tocar lentamente em sua guitarra suspirando e pigarreando dramaticamente ao microfone. Com uma voz cansada e entediada, cantarolou duas vezes a mesma frase: “Somebody mixed my medicine”. Então o som de uma bateria ― no instrumental ― vibrou junto com o toque de sua guitarra, ficando abusivo a cada vez que a garota cantava, num inglês quase perfeito.

Théo olhou abobado para o palco, assim como vários outros alunos, que começaram a gritar e vibrar ao som do rock que era tocado. Conhecia aquela música: “My Medicine” da banda The Pretty Reckless. No palco, a garota era uma réplica perfeita da Taylor Momsen.

Após alguns minutos, a música acabou e a garota se retirou do palco enquanto os aplausos ecoavam pelo auditório. Ao lado de Théo, Zoe batia palmas freneticamente. Aquela tinha sido, sem dúvida, a melhor apresentação até o momento.

― É melhor irmos nos arrumar ― falou Zoe ao ouvido de Théo. Ele se levantou junto com ela e seguiram para o outro lado da sala, onde ao lado do palco, atravessaram uma cortina que dava para a sala separada especialmente para a produção dos alunos. Suas roupas já estavam separadas num canto, quase escondidas. Conseguir arrumar as roupas ideais foi mais fácil do que Théo achou que seria. Apenas apresentou sua ideia para Zoe, que instantaneamente estalou os dedos e o arrastou até o compartimento de roupas de teatro que a São Diego possuía.

Enquanto se arrumava na pequena sala abafada com diversos outros alunos que já tinham apresentado e que ainda iriam apresentar, ambos seguiram para os fundos, cada um entrando em um dos box. Por um breve segundo, a vergonha súbita do que iria acontecer logo em seguida quando fossem chamados ao palco passou pela cabeça de Théo, mas logo ele afastou esse pensamento. Não iria desistir. Ia seguir adiante com o plano.

Despindo-se, ele ficou apenas com a cueca boxer preta e logo voltou a vestir a calça de tecido preto, com os sapatos sem meias. Vestiu a camisa branca deixando o colarinho aberto assim como as abotoaduras. Por último, colocou a gravata fina e preta, deixando-a folgada em volta do pescoço.

Saindo do box, olhou-se no espelho de corpo no lado de fora da porta. Não estava nada mal. A roupa social lhe caiu perfeitamente bem. Estava atraentemente sexy para o jovem de sua idade.

― Meu Deus! ― exclamou Zoe a suas costas, olhando-o embasbacada. Estava vestida com uma camisa branca de botão, com mangas curtas. Usava uma minissaia de pregas de tecido preto que exibia grande parte de suas coxas delineadas. Nos seus pés, calçava um par sapatilha. Ela estava com o cabelo ruivo solto, caindo em cascatas pelos ombros. A franja estava cobrindo um de seus olhos, e, nos lábios, ela havia passado um batom vermelho provocativamente sexy.

― Tem certeza que consegue dançar sem os ósculos? ― indagou Théo, olhando para a garota sem os óculos de armação grossa.

― Claro que sim. ― E abanou a mão contra seu rosto. ― Nossa. Você está um gato!

― Você quem está assustadoramente sexy ― ele riu.

― Assustadoramente? ― Ela ergueu uma sobrancelha, provocativa.

― Adjetivo apropriado por ser uma delinquente estudando num reformatório ― brincou.

― Daqui a pouco seremos nós ― murmurou Zoe, olhando através da cortina, diretamente para o palco. Théo acompanhou o olhar dela. Um garoto de cabelos castanhos avermelhados cantava a música “Wildest Dreams” de Taylor Swift. Zoe murmurou vagamente o nome do garoto. Bruno. Faziam a aula de biologia juntos. ― Tem certeza que vai fazer isso mesmo?

― Tenho ― respondeu ele, respirando fundo. Nos últimos dias vinha se perguntando se aquilo valia mesmo a pena. E a única resposta que lhe vinha à mente era a mesma: sim. ― E você?

― Sabe que não vou dá pra trás. Ainda mais agora... ― dizia enquanto vagava o olhar pela pequena sala abarrotada de poeira. Alguns alunos estavam andando de um lado para outro, gritando para eles a respeito das roupas que deviam usar. Uma garota, inclusive, desenhava algo estranho em seus braços, com tinta preta.  Outra estava vestindo uma capa vermelha e o garoto do seu lado estava numa roupa de lobo. Théo ficou curioso quanto ao que eles iriam apresentar. ― Mas, Théo... Está fazendo isso para causar ciúmes? ― perguntou, juntando as sobrancelhas.

Théo olhou para o chão, depois para seu reflexo no espelho.

― Em parte, sim. Quero fazer ciúmes, também. Mas acima de tudo quero contestar ― suspirou, torcendo a boca. ― Mostrar para ele minha forma de me contrapor ao que ele diz.

Na quarta-feira à noite, quando Zoe invadiu seu quarto depois que Kalleo tinha saído, ele contou para a amiga, deixando de lado a parte de que eles tinham se beijado. O beijo deles era o segredo que ele iria guardar consigo.

Respirando fundo, ela disse:

― Tudo O.K., vamos nessa.

* * *

― Esta noite está magnífica! ― exclamou a Srta. Candece ao microfone, andando pelo palco. ― Estamos quase acabando com as apresentações por hoje! Agora, um dos últimos números dessa noite: Zoe e Théo irão dançar para vocês!

― Ai, meu Deus ― gemeu Zoe ao seu lado.

Com a menção de seus nomes, os garotos atravessaram a cortina e subiram no palco. Théo sentia suas pernas tremendo com o medo. Parado a esquerda de Zoe, ele fixou o olhar na plateia, procurando por ele. Ele encontrou Kalleo atrás da última fileira de cadeiras, em pé, com os braços cruzados sobre peito. Seus olhos estavam fixos no palco. Em nele.

Théo encontrou o olhar de Zoe, e ela percebeu, assim como ele, que também tinha visto Kalleo. Toda a plateia estava em silêncio, encarando-os silenciosamente a espera. As luzes dos holofotes num misto de cores brancas, vermelhas e rosas estavam sobre eles.

Respirando fundo, eles esperaram a música começar a tocar.

A música “Toxic” de Britney Spears começou a vibrar nas caixas de som espalhadas pelas paredes de todo o auditório. Enquanto a intro da música tocava, Théo e Zoe se movimentavam limitadamente iguais e logo voltavam a ficar parados no palco, braços e pernas separados do corpo, com o rosto olhando para o lado, parados como uma estátua.

 

Baby can't you see?

I'm calling

A guy like you should wear a warning

It's dangerous, I'm falling

 

There's no escape, I can't wait

I need a hit, baby gimme it

You're dangerous, I'm lovin' it

 

Com o início da voz de Britney, ambos os garotos começaram a se mover de acordo com os ensaios em movimentos rítmicos e sexy, passando as mãos pelo corpo de forma provocante.

A música era maliciosa e delicada, assim como Théo queria que fosse sua apresentação.

 

Too high, can't come down

Losing my head, spinning round and round

Do you feel me now?

 

Entre o intervalo o último verso e o refrão, Zoe parou a frente Théo, virada para ele, enquanto ele ainda dançava. E em um rápido movimento, ela o agarrou pela camisa com ambas as mãos, rasgando-a até todos os botões se abrirem. Com início do refrão, Théo girou, arrancando a camisa de seu corpo, deixando apenas a gravata.

 

With the taste of your lips, I'm on a ride

You're toxic, I'm slippin' under

With the taste of your poison, I'm in paradise

I'm addicted to you

Don't you know that you're toxic?

And I love what you do

Don't you know that you're toxic?

 

Ambos dançaram o refrão como se fosse uma valsa totalmente escandalosa. Zoe abaixando-se a frente de Théo, segurando-o por sua gravata, deixando seu rosto a centímetros do dele. No meio do refrão, ambos os garotos viraram-se para de frente, Zoe com as pernas entre as de Théo, e moveram os quadris de encontro com o outro, numa forma clara representando o sexo.

Quando o refrão acabou, num movimento rápido e repentino, Théo puxou a alça da camisa de Zoe que a prendia na frente. Logo a garota estava sem a camisa, mostrando um top preto sem alça cobrindo os seios.

Na plateia, os garotos vibraram.

O ritmo da música era exatamente o que Théo queria quando sugeriu a Zoe para eles apresentarem naquela noite. E, por coincidência, a letra da música era exatamente como Théo se sentia em relação à Kalleo.

 

It's getting late to give you up

I took a sip from the devil's cup

Slowly it's taking over me

 

Com o som das cordas agudas, Zoe passou a frente do Théo, colocando a mão em seu cinto e puxando-o. Na mesma hora, a calça folgada caiu no chão. Girando o corpo, Théo se livrou de sua calça junto com seus sapatos que estavam folgados nos pés, prontos para serem retirados. Fazia tudo isso ainda dançando, ouvindo as pessoas gritarem. Via rostos na multidão, exclamando. Podia ver a diretora Sabrina na linha da frente, com uma cara enfurecida com a vulgaridade deles. Professores cochichavam entre si. Théo viu até Juan rindo na fileira da frente.

 

Too high, can't come down

It's in the air and it's all around

Can you feel me now? 

 

Assim como Théo, Zoe foi a próxima. Numa puxão rápido, Théo soltou a minissaia de sua cintura. Como planejado, ela saiu girando para se livrar do tecido. Por cima da música, os alunos gritaram ainda mais. Os dois agora estavam dançando seminus. Théo apenas de cueca a gravata e Zoe de top e uma calcinha boxer. Tudo da cor preta. Ao longo da música, quanto mais roupas tiravam, mais sexy a coreografia ficava, e mais eles dançavam juntos, fazendo movimentos provocantes e rítmicos.

Em certo momento, durante a repetição do refrão, Zoe se virou de costas para Théo. Este veio e se prontificou atrás dela, prontamente colado, e levantou a perna visível para o público, enlaçando Zoe com ela, enquanto sua mão descia pela barriga da garota.

E então chegou o bridge da música. Os movimentos de ambos mudaram, ficando mais leves, mas extremamente vulgares. Ambos estavam entrelaçados.

Foi então que Zoe fez algo inesperado: sua mão desceu pela barriga de Théo, e num movimento frenético, quase robótico, puxou a cueca de Théo por tempo suficiente para baixar a cabeça e olhar pela pequena fresta que apenas ela podia ver, depois girou rapidamente o rosto para a plateia, arregalando os olhos com o queixo caído, encenando. Gritos ecoaram por todo o auditório; o público não tinha ficado assim em nenhuma outra apresentação. Todos os alunos estavam em pé, para ter uma visão melhor da dança.

Por um milésimo de segundo, a visão de Théo cruzou com a de Kalleo. Um choque se espalhou por seu corpo. Ele estava com as feições duras. Estava bravo. Isso foi o suficiente para fazer Théo dançar com mais vontade. Não se importava de estar mostrando seu corpo assim.

Exclamações surgiam de toda parte, e enquanto Théo dançava, sua visão era um borrão com rostos o olhando perplexos.

 

Intoxicate me now

With your lovin' now

I think I'm ready now

(I think I'm ready now)

Intoxicate me now

With your lovin' now

I think I'm ready now

 

Enquanto a conclusão da música tocava, Zoe não largava sua gravata, puxando-o para junto de si. Théo, o tempo todo, passando as mãos pelas curvas do corpo da garota. Em um movimento rápido, e totalmente imprevisto, Zoe o virou de costas para o auditório, passando as mãos delicadamente por suas costas. Baixo-as para a borda de sua cueca, ela novamente fez algo inesperado: puxou a cueca dele para baixo, roboticamente, de acordo com a melodia, deixando amostra por apenas alguns segundos, os glúteos brancos de Théo, e numa fração de segundo puxou a cueca de volta para cima.

Théo a girou, fazendo o último passo da coreografia, tentando não pensar no que a garota fez, e passou o braço direito pelos seios da garota enquanto pousava a mão esquerda sobre a virilha dela, ao mesmo tempo em que Zoe, nos seus braços, o puxava pela gravata, os rostos a alguns centímetros de distância. Ambos resfolegando com o fim da apresentação.

Aplausos e gritos ensurdecedores exclamaram de todas as direções. De todos, menos dos professores. Eles sustentavam o olhar bravo e inquieto. A Srta. Candece estava no canto, afastada, com os olhos minúsculos vagando para todos os lugares menos o palco. A onda de aplausos cessou no momento em que a diretora Sabrina subiu ao palco. Os olhos de falcão penetrando os garotos, como se ela quisesse fuzilá-los só com o olhar. Théo se encolheu ao lado da amiga, esperando pelos gritos berrantes da diretora.

Engolindo em seco, esperando pela bronca, e fixou o olhar no fim do auditório. Kalleo ainda estava lá, olhando-o com desprezo e reprovação.

* * *

Novamente, pela segunda vez desde que chegara a São Diego, Théo estava sentado na cadeira com estofado de couro na sala da diretora. Um leve cheiro acre de naftalina preenchia o ar à volta. Em uma das paredes da sala, vários quadros estavam pendurados, mostrando os antigos diretores do colégio. Nas outras, eram preenchidas com estantes que iam do chão ao teto, com várias fileiras de livros de couro empoeirados. Pareciam livros saídos da Idade Média. Um armário trancado a chaves estava no canto, quase escondido no fim da sala. A diretora estava sentada atrás de sua mesa de mogno, girando uma caneta na mão enquanto rolava para baixo a tela do computador com o mouse procurando algo. As feições duras e rígidas da mulher estavam mais marcantes que antes ― claro, a diretora estava sempre com expressões que a definiam como mal-humorada.

Quando a diretora subiu ao palco no fim da apresentação há alguns minutos, Théo achou que a mulher iria começar a berrar com eles ali mesmo, na frente de todos, expondo-os ao ridículo. Mas, por algum milagre, ela simplesmente fechou os olhos por um mísero segundo e falou com a voz mais passiva do mundo para segui-la até sua sala. Rapidamente, correram para vestir suas roupas, e a seguiram para fora do auditório, calados. Théo o tempo todo lançando um olhar receoso para Zoe, desculpando-se. Aliás, tinha sido culpa dele. Ele quem sugeriu tudo o que fizeram ― mesmo tendo sido ideia dela quase deixá-lo nu, duas vezes.

Enquanto saíam, a Srta. Candece retornou com as apresentações, com um sorriso amarelo esboçado no rosto, tentando manter novamente a ordem, fingindo que nada demais tinha acontecido. Ao passarem pela porta de saída, Théo não teve opção a não ser passar por Kalleo. Ergueu a cabeça e o encarou fixamente, sustentando o olhar de indignação dele. Não. Não se arrependeu do que fizera no palco. Teria feito tudo de novo, se possível, para poder ver aquela expressão no rosto dele novamente. Conseguira o que queria. Mas... estava satisfeito? Ele devia se sentir vitorioso, até mesmo eufórico. Mas por que não se sentia assim? Por que em vez disso sentia um vazio dento de si, como um buraco negro corroendo-o? Não era esse o efeito que devia lhe causar.

Contorcendo os dedos levemente sobre seu colo, esperou pacientemente a diretora dirigir a palavra aos garotos. Quando ela finalmente voltou o olhar para eles, Théo gelou sobre a cadeira e esperou pela bronca.

― Ninguém, nunca, na história desse instituto, jamais fizeram o que vocês fizeram hoje naquele auditório. ― Sua voz era fria e rígida, como uma faca cortando o vento. ― Vocês tem ideia do que fizeram?

Théo abriu a boca para falar, mas foi subitamente interrompido:

― Calado! ― rosnou a diretora. ― Vocês são dois delinquentes desprezíveis que agiram indevidamente por impulso, mostrando claramente para todos os alunos que não obedeciam ao instituto. Tem noção da revolta que poderiam fazer? Eu não quero que nenhum outro aluno pense que pode quebrar as regras como bem entender só por que dois imbecis trataram de se despir em público desafiando a São Diego.

― Diretora... ― interrompeu Zoe, cautelosa. ― Não estávamos desafiando nada. Somente...

― Eu não quero saber se estavam ou não ― cortou bruscamente. ― Se não tinham a intenção, foi exatamente o que transpareceu a todos naquele auditório.

Mordendo a língua, Théo olhou para a veia na têmpora da diretora, pulsado excessivamente. Parecia estar prestes a explodir como uma bomba relógio.

― Eu poderia muito bem entrar em contato com os pais de vocês e mandá-los para outro reformatório. Um bem pior que esse. ― Théo e Zoe prenderam a respiração, assustados. ― Mas não irei fazer isso. Vou tratar de lhes dar um castigo que nunca se esqueçam.

― Mas, diretora... ― falou Théo. ― Zoe não teve culpa. Foi toda minha!

― Mentira ― cortou a garota. ― Tive tanta culpa como ele. Aliás, eu também me despir na frente de todo hoje à noite.

― Sei disso. E como vocês sabem, o dever da São Diego é reformar os delinquentes juvenis que agem imaturamente por impulso ― continuava a falar, entrelaçando os dedos das mãos e se recostando na cadeira de couro. ― Ambos irão voltar para aquele auditório e ficar por lá até o fim das apresentações. Logo após o término, ambos irão começar a pagar por seus atos. Théo irá ajudar na cozinha. Fará todo tipo de serviço que a cozinheira lhes impuser: desde limpar o chão até carregar grandes caixas de insumo para as refeições. E Zoe ficará na biblioteca, com a Sra. Ramalho. Irá retirar todos os livros das prateleiras e os limpar cuidadosamente, um por um.

― Mas aquela biblioteca é enorme! ― protestou.

― Problema seu.

― Por quanto tempo? ― perguntou Théo, torcendo a boca, claramente irritado.

― Por uma semana. Todos os dias depois do término das aulas até o toque de recolher.

― Mas assim não teremos tempo para terminar as lições e estudar para as provas! ― exclamou Zoe, exasperada.

― Isso já não é problema meu ― respondeu dando de ombros. ― Deviam ter pensado nas consequências antes de bancar os revolucionários.

* * *

Quando retornaram para o auditório, ambos os garotos entraram cautelosamente, ficando atrás das fileiras de cadeiras, esperando que ninguém os visse, assim como Sabrina ordenou. Não queriam chamar atenção mais do que já tinham feito naquela noite.

Olhando para os lados, Théo procurou por Kalleo entre aqueles que ficavam atrás, do lado direto da sala, mas não o viu. Devia ter ido embora logo depois que Théo saiu acompanhado por Sabrina.

No palco, a garota vestida com o capuz vermelho cantava andando de um lado para o outro, desviando do garoto que estava vestido de bolo. Ela cantava a música “Tag, You’re It” de Melanie Martinez. Théo conhecia aquela música. A garota não cantava tão bem como a Melanie ― claro ―, mas dava o melhor de si. Quando terminou a música, a Srta. Candece voltou ao palco.

― Bem, essa foi uma ótima encenação do conto de fadas da Chapeuzinho Vermelho ― dizia, forçando um sorriso. ― Agora, vamos a última apresentação da noite! ― Suspiros de inquietação e alguns “aleluia!” irromperam entre os alunos, esperando finalmente pelo momento em que sairiam dali. ― É uma inscrição de última hora. Pode vir. ― E acenou para um garoto parado perto do palco.

O coração de Théo disparou quando ele viu Kalleo subindo ao palco com um violão em uma das mãos e uma banqueta de ferro na outra. Sem olhar para o restante do auditório, ele posicionou o pedestal com o microfone a sua frente e sentou-se na banqueta, apoiando o violão em seu colo, segurando-o firmemente.

Ele ficou calado por um momento, encarando o chão aos seus pés, pensativamente.

Percebeu Théo, que Kalleo estava vestido com a camisa preta que tinha emprestado para ele, e que este o devolveu de volta na quarta-feira.

― Eu... vou cantar uma música ― começou a falar no microfone, percorrendo os olhos pela multidão no auditório. ― A música se chama “Segredo”, de Manu Gavassi com participação de Chay Suede. ― Ele parou, torcendo a boca, visivelmente ponderando se falaria algo a mais ou não. Quando seu olhar finalmente encontrou o de Théo, ele continuou: ― Vou cantá-la para uma pessoa que está aqui hoje. Ela expressa tudo o que sinto.

Baixando os olhos para as cordas do violão, começou a tocar lentamente, uma melodia doce e suave. Uma queimação reconfortante reverberou todo o corpo de Théo quando a voz grave e calorosa de Kalleo irrompeu pelas caixas de som, preenchendo todo o auditório com uma harmonia extraordinária. Ele tinha a voz de um ser inumando.

Delirante. Sedutora. Arrepiante.

 

Seus olhos parecem perfeitos pros meus

Sua boca parece que já percebeu

Vem, me conta um segredo

Eu preciso escutar

 

Um suspiro escapou dos lábios de Théo ao ouvi-lo cantar. Uma sensação livre de êxtase se espalhou por seu corpo. Kalleo estava mesmo cantando para ele ou seria para outra pessoa? Se fosse para outra pessoa, então por que ele olhava diretamente para Théo quando declarou a música para alguém que não citou o nome?

 

Seu sorriso me faz esquecer onde estou

Se acordo sozinho já não sei quem sou

Vem, me abraça um segundo

E prometa ficar

 

Quando começou a cantar o refrão, os olhos cinzentos de Kalleo fixaram-se em Théo intensamente, queimando-o, como na noite em que ambos se beijaram debaixo do carvalho. Ele se sentia puxado de volta para aquela noite, em que ambos se beijaram, a intensidade do beijo, da pressão de seus lábios contra os dele.

 

Você vira o meu mundo de ponta cabeça

Vou dizer antes que eu esqueça

Você foi o melhor que me aconteceu

E agora nada é igual

Nada importa no mundo quando você me beija

Essa é minha única certeza

Quando tudo em volta parece mudar

Pra mim devemos ficar pra sempre assim

 

Não. A música não tinha sido por acaso. Não parecia ter sido escolhida a dedo para ser cantada por ele assim. Tinha algum significado real por trás daquelas rimas. Kalleo... gostava de Théo assim como ele gostava dele? Seria isso o que ele estava querendo dizer com aquela música?

Sua cabeça girou ao pensar nisso. Mas tudo era contraditório. Se Kalleo gostava dele, por que então o estava evitando?

 

Seus olhos me prendem e só você sabe

Sua boca desmonta todo esse disfarce

Você é o segredo que eu quero gritar

 

Todos no auditório estavam calados, olhando atentamente para Kalleo, enquanto cantava com sua voz incrivelmente harmoniosa e de certa maneira sexy. Ele tinha um timbre que poucos cantores possuíam. Era a primeira vez que Théo o ouvia cantar, e tinha certeza que também era a primeira que todos os outros ouviam também, pelas expressões carregadas em seus rostos.

A música era exatamente como Théo se sentia em relação à Kalleo. Ele realmente virou seu mundo de ponta cabeça desde que o conheceu, instigando-o e conhecendo uma parte de si que não conhecia. Não esperava nunca em sua vida desejar e ansiar por um garoto como Kalleo.

 

Você vira o meu mundo de ponta cabeça

Vou dizer antes que eu esqueça

Você foi o melhor que me aconteceu

E agora nada é igual

E nada importa no mundo quando você me beija

Essa é minha única certeza

Quando tudo em volta parece mudar

Pra mim devemos ficar pra sempre assim

Pra sempre assim...

 

E mantendo os olhos fixos em Théo, Kalleo repetiu os últimos versos da música:

 

Quando tudo em volta parece mudar

Pra mim devemos ficar pra sempre assim...

 

Um silêncio total pairou no auditório quando Kalleo terminou a música, até ser interrompido por um gritinho que escapou da boca de alguém da multidão de alunos, e uma garota de cabelos louros saltou de sua cadeira correndo até o palco. Era Megan. Quando ela alcançou Kalleo, se jogou contra ele, abraçando-o, o rosto com um sorriso vitorioso.

― Obrigada, pela música, meu amor ― gritou ela para todos do auditório ouvir.

Aturdido, Kalleo olhou em volta, parando o olhar sobre Théo bem no momento em que ele saía do auditório, vermelho de raiva e vergonha, batendo a porta atrás de si.


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