Águas Obscuras escrita por Alph


Capítulo 19
Me torturando


Notas iniciais do capítulo

Foi mal a demora, estava lavando o cabelo.
Obrigado pelos 200 comentários, vocês são incríveis!



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As sereias da minha tribo com ajuda das de Divitias ajeitavam nossos pertences nos ynais para voltarmos para Neferice. Sentia meus dedos formigarem junto a um frio em meu corpo. Toda vez que via Marissa conversando com a Ghiva, anciã de Divitias, algo me deixava atônita. Uma sensação negativa passava por todo meu corpo me deixando com diversas interrogações que atormentavam meu psicológico.

Antes de partimos tivemos um breve culto a Amidh e a sua filha, a deusa menor da magia, agradecendo pela festividade em Divitias. Todas as sereias se despediram e pegamos viagem novamente para Neferice. Hammys durante todo o percurso perguntava o motivo de eu estar estranha e “distante”. Realmente não sabia o que ele queria dizer com isso, mas havia muita coisa na minha cabeça e talvez eu tivesse deixando isso transparecer demais.

Eu apoiava minha mão em meu queixo e fitava a velocidade do ynai perante a floresta de Divitias deixando meu cabelo se espalhar pela correnteza. Parecia que algo estava acontecendo comigo, só que sem eu saber o que realmente acontecia. Sentia como se alguém estivesse pisando em minhas costas e que muitas pessoas omitissem coisas de mim. Era uma sensação horrível, mesmo com Hammys tentando me animar.

 

 

A temperatura da água em Neferice parecia ter atingido o ápice do Verão, estava muito gostoso de nadar, me sentia muito confortável. Mas aquele conforto se limitava apenas a sensação física, porque minha mente estava muito abalada em relação a tudo e todos. Eu queria muito tirar coisas a limpo com Marissa e obter as repostas necessárias para todas minhas dúvidas.

Os dias foram passando lentamente desde nossa chegada de Divitias como se os deuses resolvessem desacelerar o tempo para eu sentir todos os nuances da tortura mental. Agora eu estava sendo muito mais vigiada por Hammys e pelas sereias da tribo. Eu queria tanto poder conversar com Héclyro e abraçá-lo, sentir seus braços envoltos do meu corpo, mas isso parecia tão distante da realidade que eu estava passando.

Todas as manhãs eu me sentava na cama, enquanto Hammys cochilava, e observava o meu corpo na luz do dia. Sentia meus seios mais inchados e sensíveis, meus mamilos com tonalidades de um rosa mais escurecido e toda vez que tocava nos meus peitos era uma sensação estranha, não era desagradável, mas também não era bom, sentia certa agonia. 

Sentava-me em frente a um espelho e passava minhas mãos pelo meu pescoço sentindo minhas brânquias. A todo custo eu tentava relembrar a sensação dos lábios de Héclyro ali e o prazer que seu carinho me dava. No entanto, essas memórias duravam pouco quando me lembrava da caixa de Marissa que tinha coisas a respeito de minha mãe.  As imagens das escritas dela me cortavam com a dúvida.

Eu queria que Marissa jogasse limpo comigo, estava cansada de ficar lidando com essas barreiras que ela erguia contra mim. Na verdade eu nunca conseguia saber o que ela pensava, era inescrutável. Marissa sempre carregava consigo diversos enigmas, ela mais parecia uma estátua que nadava e falava de tão fria. Sempre que conversávamos, ela criava um escudo de gelo impenetrável comigo, eu tinha que fazer aquilo acabar.

Estava determinada a conversar com ela sobre minha mãe e esclarecer isso de vez, porque as informações que Eryus me passava não batiam com a versão dela e da tribo e isso me deixava estressada. Também essa história de irmos para Divitias nem fazia sentindo, para mim essa viagem foi apenas um pretexto para entregar aquela arca para aquela Vihar e sua irmã gêmea nas costas.

Os raios solares aos poucos foram ficando mais alaranjados, tornando o mar mais escurecido. Eu não havia sido chamada para nenhuma tarefa então me dei ao luxo de ficar a tarde toda conversando com Hammys sobre nossos problemas, mais dos dele, pois ele ultimamente estava bem sentimental devido à falta que o tritão dele fazia para ele.

Era estranho tentar focar minha mente na conversa quando meu corpo estava apreensivo e ultimamente meu humor parecia oscilar bastante. O que mais queria naquele instante era conversar com Marissa e eu precisava fazer aquilo naquele a qualquer custo, pois eu iria acabar ficando louca.

— Preciso conversar com Marissa — disse atônita não deixando Hammys concluir o que dizia sobre sua tribo, pois minha mente não estava mais naquela conversa há alguns minutos.

— Quê? Por quê? — Comprimiu as sobrancelhas em “V” e me encarou.

— Fique aqui, por favor. — Minhas brânquias relaxaram. Olhei para minhas mãos e as membranas entre os dedos tentando não encarar Hammys. — Tenho meus motivos .

Apenas levantei meu corpo que já estava em chamas internas, deixando Hammys inquieto no santuário, e guie-me a um templo aberto de mármore entalhado com muitos tecidos esvoaçantes onde tinha uma grandiosa mesa de vidro toda esculpida, nela estavam algumas sereias da Santa Bancada das Sereias Antigas conversando e jogando um jogo feito de peças de diamante e logo na ponta da mesa estava Marissa.

Era tão estranho vê-la sorrindo e conversando, nem parecia a mesma mulher que ficava em um trono. Ainda sim, seus olhos verdes pareciam mais focados em várias coisas do que ali na conversa com as sereias. Aproximei-me calmamente da longa mesa de vidro com as sereias presentes que tagarelavam vorazmente.

Ao chegar à outra ponta da mesa, pensei que Marissa fosse me dar atenção, mas ela me ignorou completamente como se eu não estivesse ali. As sereias mais velhas, inclusive a Natísys, mãe de Tamara, continuavam conversando alto. Coloquei minhas mãos na cintura e encarei Marissa esperando ela me deixar falar.

— Maris...

Quando fui tentar falar a mãe de Tamara mandou eu me calar e não atrapalhar elas.  Marissa nada disse e continuaram. Então tentei novamente chamar a atenção dela para que pudéssemos conversar sozinhas e não atrapalhar as demais. Marissa me fitou e ignorou abaixando a cabeça.

— Preciso conver...

Novamente uma das sereias me mandou ficar calada e esperar elas terminarem a partida do jogo. Mordi minhas bochechas por dentro para amenizar o stress, mas parecia não adiantar.  Então quando eu simplesmente abri a boca, outra delas disse:

— Volta depois, não está vendo que estamos ocupadas?  — Fuzilei o jogo em cima da mesa, depois a cara da sereia que disse aquilo para mim.

Minhas brânquias moveram-se agitadamente, meu coração estava como um tambor. Tentei me acalmar, fiquei de costas e comecei a mover minha cauda para me afastar, pois eu queria ter um tempo sozinha para conversar em particular com Marissa, mas acabei escutando “Mal educada, não consegue ver que as mais velhas estão conversando.”

Parei ali mesmo de costas. “Amidh deve ter escolhido ela por pena” Eu deixei meus ombros caírem e cerrei o punho. Realmente estava ficando cansada de ser calada por alguém sempre que eu queria falar. A ponta dos meus dedos forçava as garras cortarem a carne da palma da minha mão, tentando conter minha raiva. Meu rosto e minhas orelhas estavam queimando e eu sentia o formigamento aumentar.

“Não tenho paciência com essa garota. Nojo!”

Elas sabiam que dava para eu escutar o que estavam falando, e aproveitaram que eu estava de costas. Minha cabeça latejava de raiva e eu sentia minhas garras perfurando ainda mais as minhas mãos. Minhas barbatanas estavam ouriçadas e meu maxilar trincado. Meu tórax subia e descia como se algo fosse sair de dentro dele.

“Nisso que dá sereia criada sem mãe.” Aquela voz era da Natísys. Ainda de costas olhei de soslaio para ela, vi que a nojenta me fitava no canto do olho.

Por um impulso de ódio eu nadei com tanta velocidade até a mesa urrando e com muita força soquei aquele vidro grosso, despedaçando-a toda. Vi os pequenos cacos descendo pela maré até o chão. Subi meu olhar até encarar todas as sereias ali presentes, elas estavam com olhos arregalados enquanto as peças do seu maldito jogo caíam.

— Saiam todas daqui — falei calmamente. Elas me fuzilaram, espantadas, e depois fitaram Marissa que estava me encarando inexpressiva. — Saiam! — berrei com todas as minhas forças fazendo as sereias saírem dali com muita pressa.

Meu peitoral subia e descia com tamanha velocidade que eu só me dei conta após o silêncio do lugar predominar. Marissa nadou calmamente até mim e me guiou para uma conversa a sós.  Eu confesso que naquele momento eu estava com medo do que ela iria fazer comigo. Entretanto, fiz tudo aquilo na raiva e o que a mãe de Tamara falou para mim foi a gota da água. Natísys podia falar o que quisesse de mim para as outras, mas não da única pessoa que me amou de verdade: minha mãe.

Havia certa quantidade de sereias ao redor daquele templo, que passavam pelo lugar e se espantaram com o barulho da mesa quebrando, e agora também estavam olhando para mim e Marissa. Ela me levou para o mais longe possível para despistar os olhares curiosos.

— Venha. — Marissa nadava com grande leveza para longe da mesa. — Você queria conversar e agora nós vamos.

Paramos perto de umas antigas construções quebradas da tribo que estavam sendo tomadas de contas pelos corais. Muitas estátuas destruídas e algas. Marissa me observou caçando meus olhos e eu evitei o contato. Eu poderia começar a pedir desculpas e me justificar pela atitude, mas não fiz, era orgulhosa demais para isso.

— Queria conversar comigo... Pode começar. — Eu achava que ela fosse chamar minha atenção e para minha surpresa ela não fez isso. Ela sentou-se em um pedaço de estátua quebrada e começou a bater suas garras em cima de uma peça de mármore.

— Eu sei o que você faz. — Meus dedos começaram a tremer involuntariamente e eu os escondia para trás de minha cauda.

— O que eu faço? — perguntou ela com frieza na sua bela voz.

— A sua indiferença a mim. — Tentei prosseguir, mas parecia que a voz queria me faltar. — Eu sei o motivo da sua indiferença contra mim, Marissa.

— Não acredito que você fez aquela cena toda para isso, garota.

— Eu... E... Eu-u não tenho provas, não tenho como justificar... — Eu comecei a dizer aquelas palavras mais para mim do que para ela e logo me vi sussurrando. Naquele instante a minha raiva não me ajudou a ter coragem para falar tudo o que eu queria, me sentia impotente. — Os fatos não batem com a realidad... Eu sei! Eryus me contou a verdade.

— O que você está dizendo, garota?! — Ela me fuzilava com um olhar comprimido. — Está falando nada com nada.

— Não me chame de garota! Eu tenho nome! — gritei.

Ela ficou em silêncio, tentei me recompor, pois naquele instante sentia meu rosto formigar. Minha vontade era soltar todas as minhas suposições para ela e falar tudo que estava engasgado em minha garganta. Realmente queria confrontá-la e conseguir ouvir ela dizer a verdade para mim, mas eu era fraca. Sei que nada iria acontecer a ela, mas eu queria apenas saber a limpa e clara verdade do que realmente tinha ocorrido com minha mãe, pois a dor do silêncio me atormentava por todos esses anos.

Só eu sabia o que era sentir a falta de alguém com quem contar, me abraçar quando estava triste ou brincar. Crescer sozinha e sem suporte não foi algo fácil. Ninguém sabia o que era viver sem respostas.

— O que foi então, Allysa? — perguntou ela quebrando minha linha de pensamentos.

— Eu sei que foi você. Você dizia gostar dela, mas eu sei que não gostava, como também não gosta de mim! — Eu agradeci por estar dentro do mar, pois só assim ela não iria conseguir ver as lágrimas descendo do meu rosto.  — Por que fez aquilo com minha mãe? Só me diz a verdade! Você não sabe o tanto que me doeu crescer sem ela, sem sentir a presença dela. — Comecei a perceber que ia gaguejar. Um nó se formava em minha garganta me impedindo de falar o que eu queria, era como se algo me bloqueasse.

Toda a minha raiva parecia ter se transformado em lágrimas que não saíam de meus olhos. Sentia-me tão vulnerável perto de Marissa, porque não importava o que eu dizia ou fazia, nada vindo de mim era importante para ela. Passava as mãos pelos meus cabelos com grosseria. O silêncio dela na minha frente me deixava mais sufocada ainda. Coloquei minhas mãos em meus olhos e esfreguei a palma de minhas mãos em minhas sobrancelhas.

Eu me sentia extremamente carente e sozinha. No entanto, quando eu encontrei Héclyro e conseguimos estabelecer uma boa relação, e ainda descobri que ele tinha sangue de seres do mar, eu percebi que ali eu havia encontrando meu porto seguro que fazia a dor da solidão diminuir quando tudo na minha vida estava desmoronando.  Era muito bom contar com ele, pois eu sabia que estaria me esperando na pedra para me ajudar no que estivesse ao alcance dele.

Ainda de olhos fechados, senti Marissa me abraçando, o que me deixou espantada. Por incrível que pareça aquele abraço foi de conforto e ao mesmo tempo tinha um teor de despedida. Era um abraço vindo somente dela que demorou se desfazer. Eu estava em muito chocada, mas apenas consegui emitir alguns grunhidos de tristeza e confusão mental, pois meu corpo doía muito por causa do embaralhado de sentimentos que estavam na minha mente. Então a abracei de volta.

— Allysa, eu nunca faria isso com ela. Eu nunca mataria sua mãe se é isso que você quer dizer. — Notei as brânquias dela movendo-se calmamente depois que ela cessou o abraço, mas segurou minhas mãos feridas. — Sua mãe era muito importante para mim de uma forma que eu nunca vou conseguir explicar. Desculpa eu ter sido tão fria contigo durante todos esses anos. — Ela fez uma pausa e ficou me olhando. — Mas eu não consigo olhar para você e não ver ela, então sinto a dor e culpa voltarem sobre mim. Dói muito, mais do que pode imaginar. A única maneira que eu vi em te afastar foi te tratando assim. — Soltou os dedos dos meus e passou suas mãos nos seus cabelos cacheados. — Ela é tão presente em você e toda vez que te vejo é como se eu estivesse a vendo e a culpa e dor me corroem por dentro. Sinto-me incapaz, fraca e vulnerável perto de você. Allysa, você é a memória constante de meus erros e isso me tortura. Sei que é uma atitude muito egoísta isso que faço, mas não consigo mudar.

— Culpa de que? Que culpa, Marissa? — Notei se afastando, me encarando, para dentro da floresta de algas.  — Que culpa?! — gritei acompanhando ela.

— A culpa do erro que vou ter que cometer novamente — sussurrou ela enquanto sumia entre as algas.

Durante a noite que caia sobre mim, eu estava caçando ela no meio da floresta de algas perto das ruínas dos templos antigos quebrados a todo custo, queria que ela me saciasse minhas duvidas, não que as alimentassem.

Tudo aquilo foi dolorido demais para mim, ainda mais a mudança repentina de Marissa comigo nas últimas semanas. Fiquei cansada demais como se meu peso estivesse duplicado, então desisti de caçá-la e voltei para o meu templo curando minhas mãos com meu dom. Ainda sim eu não queria morrer na escuridão das minhas dúvidas, e eu iria atrás das respostas com todas as minhas forças. 


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Notas finais do capítulo

Capítulo sem betagem.
Quem gostou bate palmas, quem não gostou paciência.
Se tiver erros, me avisem por favor.
Obrigado a todos que abriram o capítulo para ler.

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