Amai Desu Ka? escrita por Mildrith


Capítulo 1
Covinhas.


Notas iniciais do capítulo

O primeiro é KyouHaba. ♥



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                                                   Covinhas.

O céu já estava escurecendo quando Kyoutani se sentou sobre a areia rala, com a mochila nas costas e os joelhos encostados ao peito.

— Eles esqueceram de novo... – murmurou, resignado, por mais que sentisse a parte detrás dos olhos arderem. Mas não iria chorar, era um homem – contanto que sete anos pudesse ser considerado uma idade adulta – e não podia demonstrar fraqueza; não ali!, por mais que fosse praticamente o único ainda esperando.

O sinal já havia tocado há mais de quarenta minutos, mas o carro prateado e simples de sua mãe ainda não fizera a curva na esquina, ainda não parara em frente ao parquinho onde sempre esperava, ainda não viera para salvá-lo daquele lugar sufocante. Era costumeiro atrasarem, mas aquele era quase – ou de fato – um record.

— Idiotas! – ladrou, assim que se viu sozinho naquele lugar desolado. Os brinquedos ao redor poderiam parecer um atrativo para uma outra criança qualquer, mas nunca foram sua praia. Apenas esperava ali porque o caminho ficava mais fácil para seus pais; eles podiam passar direto assim que saíssem do trabalho e Kyoutani, apesar de não parecer, gostava de facilitar as coisas para seus pais.

Mas pelo jeito, não era mútuo.

Sua carranca apenas aumentava, revelando o quanto sua paciência - que sempre fora pouca - estava resumida a um grande nada. Se levantou após alguns minutos frustrados e começou a andar de um lado para o outro, chutando a areia fina que forrava o piso. Os grãos claros se infiltravam no seu tênis e meias, mas não ligou nem um pouco. Era o castigo para sua mãe, faria questão de tirar os tênis no tapete da sala! Continuou a descontar sua raiva juvenil ali, soltando resmungos e muxoxos que poderiam se assemelhar a sutis  e baixinhos rosnados, exatamente como seu cachorro fazia quando ninguém lhe jogava a bolinha.

Quando satisfeito, com os pés cheios de areia e a expressão mais calma, virou-se e se encaminhou para o balanço, decidido a se sentar lá e esperar mais confortavelmente. Mal deu dois passos - afundando com gosto a sola contra a textura fofa de terra, grama e areia -, percebeu que já havia alguém ali, ocupando um dos dois assentos e se balançando vagarosamente, distraído. Hesitou imediatamente, cessando até mesmo sua respiração, a hostilidade exalando dos olhos caramelo.

Um garoto.

Da sua idade.

Resistiu à vontade de se virar e correr, mas não podia sair dali. Seus pais não ficariam satisfeitos se chegassem ali – algumas vezes mal-humorados – e não estivesse mais à vista destes. Decidido a ignorar a aversão que nutria por outras crianças, caminhou, lentamente, notando que o alvo de seu receio também o vira e se aprumara no lugar ocupado. Ainda que meio nervoso, tirou a mochila dos ombros magros e pousou-a no chão, ao lado do suporte dos assentos.

Consegui!

Pensou orgulhoso quando finalmente estava sentado no assento vazio, ao lado do companheiro indesejado que observava-o com curiosidade. Tombou a cabeça para trás após soltar um longo e necessitado suspiro, observando as estrelas rareando pelo céu meio roxo, meio alaranjado; logo azul escuro.

— Seus pais também te esqueceram?

Uma voz mais fina que a sua quebrou aquele silêncio típico, preenchido apenas pelo chiar das correntes velhas do balanço. Olhou para o lado, meio assustado e como se só agora tomasse a gravidade dos fatos; tinha alguém ali. Decidiu ignorar, lançando apenas um longo olhar para o garotinho ao seu lado; dono de olhos e cabelos em um castanho diferente, magro e com um rosto neutro. Naquele momento, tinha um sorriso contornando os lábios rosados e pequenos.

— Não me esqueceram! – afirmou alto, destruindo os próprios planos que era ignorá-lo. Voltou a olhar para frente, por cima das árvores distantes que eram como sombras no horizonte. Após alguns segundos, levou o pé mais para trás; decidido a conseguir mais impulso.

Sentiu o vento bater forte e rápido contra seu rosto quando o pé escorregou na terra batida, tão concentrado em fugir do olhar do outro menino que esqueceu-se de seu medo injustificado para com brinquedos - de qualquer tipo. Um chiado assustado escapou da sua garganta - como um filhote acuado. Segurou firme nas correntes, fechando os olhos com força exagerada como se o ato fosse diminuir o medo que o fez suar frio. O vento arrepiava até mesmo seus cabelos escuros, mesmo que fossem tão curtinhos.

Vou morrer...!

Mas não morreu.

O balanço parou com um solavanco e Kentarou abriu os olhos, surpreso. Quando olhou para a corrente, viu que uma mão pequena segurava-a com firmeza determinada, apesar dos nós dos dedos terem adquirido um tom branco pelo esforço.

— Tudo bem? – o menino voltou a questioná-lo, desta vez, com os grandes e brilhantes olhos encarando-o com preocupação.

— Q-q-quem é você?!

— Yahaba, e você? – a resposta veio fácil enquanto se concentrava em acalmar os batimentos cardíacos, desalinhados pelo susto recente.

— Kyoutani... – resmungou.

— Como?

— Kyoutani! Kyoutani Kentarou! – se levantou rapidamente, inflando as bochechas e virando-se para o pequeno – agora conhecido – Yahaba. Não soube como continuar aquele diálogo, mas logo, seu "herói" de segundos antes deu um jeito de quebrar o clima.

— É um prazer, Ken-chan!

Ken-chan? Franziu as sobrancelhas, sem baixar a guarda que julgava ser muito grande.

E assim, sua companhia de solidão se levantou também, mostrando que era um tantinho mais alto que si. Fitou a mão que lhe era estendida, a mesma que o ajudara sem hesitação, mesmo que fosse um estranho. Estreitou os olhos como se ela pudesse ser uma ameaça e recuou alguns passos, quase tropeçando para trás. Seus dedos coçavam para cumprimenta-lo, mas não conseguiu mover a mão em tempo.

— Ah, acho que são os seus pais! – Yahaba anunciou, apontando por cima de um gira-gira com a mão que antes lhe era oferecida. Um carro prateado virava a esquina Era sua mãe.

— Ah... é. Eu disse que não tinham me esquecido! – se defendeu, voltando o olhar para o rosto do mais alto.

— Eu não duvidei!

— Huh... – acenou positivamente, sem saber porquê. Seu rosto estava ardendo e se perguntou se havia sido picado por algum mosquito sem perceber. Coçou-o, mas era o rosto inteiro e estranhamente, estava quente. — Eu vou indo... Y-yahaba...

— Nos vemos amanhã, Ken-chan.

Estava prestes a pedir que não lhe chamasse daquela maneira estranha, constrangedora – afinal, homens feitos não permitem serem chamados por “-chan” -, quando a buzina chamou sua atenção. Rapidamente, esticou a mão e agarrou a do outro, já abaixada, apertando sem mais hesitação. Soltou-a antes de correr e entrar no carro, onde a porta traseira já estava aberta e sua mãe o esperava.

— Desculpe o atraso, a empresa estava uma bagunça, e o transito...

As justificações vieram do banco da frente, entretanto, não ouviu mais nada. Apenas murmurou em concordância enquanto fitava a mão direita, formigando pelo contato físico breve, mas considerável, que fizera.

Consegui falar com alguém!

Consegui tocar alguém!

Flexionou os dedos curtos. Logo, passou a observar pela janela um Yahaba acenar para si, alegremente, enquanto o carro se colocava em movimento e passavam a se afastar daquele lugarzinho, agora iluminado apenas pelos resquícios da luz do dia e um poste recém aceso.

Ele ficará bem ali?

— Ken-chan, está com febre? – a voz de sua mãe veio para puxar sua atenção novamente; mas apenas virou o rosto para a mesma quando já haviam contornado a esquina e não mais tinha vista do parque, onde seu mais novo – e único – amigo ainda estava.

Acenou negativamente, sentindo um pequeno sorriso crescer nos seus lábios e suas bochechas redondas arderem mais. Descobriu mais tarde que aquilo é o que chamam de corar. E também, que aquilo não acontece apenas quando se está irritado, com muita vergonha ou correndo, que é o que acreditava antes.

Acontecia – e aconteceria muitas vezes em um futuro breve -, também, sempre que Yahaba lhe sorrisse um sorriso de covinhas.


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Notas finais do capítulo

See ya~



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