Ele respirava tranquilamente, aproveitando o máximo possível a companhia de Sarah. O dia não tinha amanhecido ainda, e Annia, muito provavelmente, dormia, assim como a professora. Lá fora, uma chuva fora de hora rompia contra as telhas. Pelo visto Jane também gostava de chuva...

Sarah estava de costas, e Loki abraçado a ela. Sentia seu cheiro, cheiro que tanto amava. A luz do abajur estava acesa, refletindo a claridade alaranjada na pele delicada dela. Como que atendendo sua prece, a mulher virou, ainda dormindo.

Agora ele a podia admirar melhor. Estava aconchegada ao corpo do moreno, que não se reconhecia por gostar tanto. Os cabelos ondulados lhe caiam levemente desajeitados pelo rosto. Com cuidado, os tirou dali. Mas enquanto o fazia, Sarah abriu os olhos. Estavam os dois de lado, ela com a cabeça em cima do braço dele.

Sonolenta, sorriu.

– Oi. - disse sorrindo, com a voz embargada.

– Olá. Tendo bons sonhos?

– Sabe que nem lembro?! - ela riu, procurando uma posição melhor. Optou por ficar de barriga para baixo. Olhou para Loki, séria.

E para ele, para ele Sarah estava absurdamente linda. Os lençóis não lhe cobriam inteira, deixando seu corpo um pouco à mostra. Os cabelos, bagunçados, lhe caíam sobre os ombros. Ela estava séria, não de uma forma ruim, mas observadora, tal como ele.

– Vem cá. - o moreno esticou o braço, chamando-a.

Ela se aproximou, mas ficando quase por cima dele. Loki riu, questionando em seguida.

– Você não tem medo de mim mesmo, não é?

– Não. - ela respondeu de forma quase manhosa, e lhe deu um beijo rápido. - Eu até tenho motivos, muita gente tem. Mas não tenho medo de te ter aqui, e sim... - parou.

– Diga.

– Não importa.

– Tenho algo para você, Sarah. - ela estranhou um pouco, mas voltou a se apoiar na cama, só que mais perto dele.

Loki pegou uma pequena caixinha preta de cima da mesa. A abriu, mostrando a ela uma bela gargantilha. Era trançada em ouro com algumas pedras pequenas, Sarah achando similar à Águas Marinhas. Uma pedra maior ao centro, parecendo com uma gota. A pedra maior, da mesma cor das outras, tinha um azul singelo, tal como todo o resto da peça.

– Que lindo, Loki. - ela abriu aquele sorriso que ele tanto queria. Seus olhos âmbar pareciam brilhar, mas logo ela ficou séria. - Não posso aceitar, deve ter sido... - ela revirou os olhos para si mesma. - As vezes esqueço quem você é. - depois de rir um pouco, Loki disse.

– Não se preocupe com isso. É uma jóia rara, uma herança, deve notar por não parecer tão... atual quanto as que as mulheres desse mundo usam. - ele mesmo depositou a peça no pescoço dela. - Há muitos séculos, minha mãe e eu tentamos um novo feitiço. Eu tinha de aprender a usar minha magia para criar uma chama de he'll. Eu tinha de me esforçar muito, era muito difícil. Mas eu e minha mãe éramos os únicos que tinham poder para aprender. Asgard havia sido atacada, tive poucos dias para aprender.

– E como era?

– Terrivelmente doloroso. Para nós dois. Então a cada tentativa que dava errado, ficávamos exaustos e sentíamos muita dor... Por isso fiquei tão feliz quando conseguimos. Então quando ganhamos a guerra, de tão feliz, pensei em criar algo para ela. Fui até o reino dos elfos e roubei uma pedra de um dos elfos mais odiáveis que já conheci. - ela riu. - É sério, eu o odiava muito. Mas suas terras tinham cristais lindos. Coloridos. Entre o verde, azul e roxo. Aí eu roubei dele, o mais amado e difícil de encontrar em suas terras... Dizem que tinha valor sentimental por fazer parte de uma construção sagrada, e eu roubei. Até hoje sou proibido de voltar àquele Reino. - e agora sim ela riu, dando uma pequena gargalhada.

– Enfim você fez o colar para sua mãe.

– Ainda não. Depois fui até o tesouro de Asgard, e peguei o ouro mais puro que havia ali. Minha mãe merecia. Levei tudo para meus aposentos e demorei dias para fazer. Era complicado para mim, ainda estava fraco e não fazia a mínima ideia de como fazer uma peça feminina. Tive medo de ela não gostar. Mas depois, quando entreguei o colar a ela... - lembrou daquele dia ainda mais. O sorriso de Frigga lhe purificava a alma. Eram tão felizes.

– Esse é mais um motivo para que eu não aceite. - ela pediu, séria. Depois de um sorriso de consolação, disse.

– Minha mãe, quando eu fiz o que fiz, e fui para a masmorra, me devolveu o colar. Ela o tinha usado por mais de um milênio. Eu fiquei com muito ódio. De todos eles. Principalmente de Odin...

– Loki, eles...

– Ele a proibiu de me ver. Eu pensei que ela sentisse raiva de mim. Não sabe como é isso... Então, no dia que eu tive preparo para tirar aquele colar do embrulho que ela havia dado, vi um pequeno bilhete.

– Dizia o quê? - Loki pensou se responderia, mas como já estava ali, continuou.

– "Não podemos nos ver ainda, filho, mas lhe asseguro que darei um jeito. Sempre damos. Lembre-se de anos atrás, quando deu-me esse colar tão lindo, cuide dele para mim. Devolva quando nos vermos." Ou algo assim.

– Se viram...?

– Ela morreu antes que conseguisse. Não entendo, ela tinha tanta fé em mim... Queria que eu perdoasse Odin, que eu voltasse a ser a mesma criança de tantos anos. Enfim, quando ela morreu, guardei o colar. Disse para mim mesmo que ninguém o usaria de novo. Mas... - fitou os olhos âmbar de Sarah. - Mas eu achei alguém que pode usar o colar que foi de minha mãe. Alguém que eu sei que a rainha Frigga amaria conhecer. E você, Sarah, é a única que eu sei que é digna de usar algo que foi dela.

– Loki... Não sou. Pela forma como fala dela, e como sei que ela é... Sei que sua mãe era uma mulher incrivelmente poderosa e forte.

– Aceite o colar, já disse, você é única. Tão única quanto minha mãe. Tão importante quanto ela. Assim como Annia. Mas... Existe aqui, obviamente, sentimentos que não nutriria por mais alguém. Dos dois lados. Mas, mesmo que eu tenha a pequena em grande estima também, sinto que devo dar esse colar a você, entende?

– É um adeus, não é? - ela perguntou, levemente entristecida.

A resposta de Loki foi um longo suspiro. Chamou-a para si, lhe abraçando. E então respondeu.

– Eu não sei. Espero profundamente que me reste forças para ver seu sorriso mais uma vez.

                             [...]

O abraço forte lhe apertou mais o coração. Annia estava, pela primeira vez que chegou na Terra, totalmente desprotegida dele. Sarah, sentada perto de May, já no avião. Não queria mais uma despedida, e ele sabia.

– Pode soltar, Annia. - riu.

– Promete não se meter em briga?

– Não.

– Promete não matar ninguém?

– Não.

– Promete não morrer?

Essa era a pior. Sabia que não podia responder aquela pergunta. Mas fez o que melhor sabia, mascarou.

– Prometo, Lady reclamação. Agora vá logo. E vê se não mate os outros de raiva.

– Até parece que quem estará vai ser você.

Ele sorriu, já de costas. Olhou para a professora mais uma vez, guardando na lembrança mais ainda o seu rosto. Annia, já de seu lado, acenava. Aquela menina deveria ser uma bruxa poderosa. E sem dúvida havia ensinado a Sarah o feitiço que fazia com que Loki sentisse tanta falta de sua companhia. Elas tinham isso. Faziam com que, em sua presença, não existisse mundo ou dificuldades, apenas eles. Mas a distância de uma das duas lhe tirava metade do chão. Já das duas...

– Eu não sei voar... - disse para si. -do seu lado, Colson perguntou o que havia dito. - Nada. Apenas... Vamos logo. O obelisco não sairá do lugar sozinho.