Loki se irritou, jogando os papéis e um tinteiro no chão. Annia, que brincava com suas bonecas, o olhou assustada. Ele deu um urro de raiva e em seguida esmurrou a parede.

— Desgraçada! Desgraçada! AQUELA DESGRAÇADA!

— Irmão, se acalme!

Thor levantou, indo até o irmão, tentando o conter. Há tempos não o via daquela maneira, era no mínimo estranho vê-lo sem opções.

— Thor, entenda que tirar aquela... - olhou para a expressão de Annia ali, e calou-se por alguns segundos, repensando a injúria. - Não é uma opção tirar Kira da Terra. O que ela quer já está aqui. Ela... Talvez tenha o apoio da raça maldita dela. KREE! - ele berrou.

— Se a tirarmos de Midgard...

— ELA VAI PRA ASGARD!

— Eu estou sem opções. - rendeu-se o loiro.

— Eu não...

— Você não está analisando todas as variáveis, Loki. - olhou para Annia. - Está disposto mesmo a ir contra Kira dessa forma?

— Não sozinho. Kira é uma guerreira como Sif. Ela mostrou a muitos de sua raça que ser mulher não muda muito, até porque usa magia também. - andava de um lado a outro da pequena sala. - E ela provavelmente tem a tarefa de pegar a máscara. Os Krees já travam uma luta secreta com seus amigos da SHIELD, ela também é problema deles. A missão dela não é a Terra ou Asgard... - olhou o irmão, numa pausa dramática. - Sua missão sou eu... e minha arma mais forte. Ela quer a máscara!

                               [...]

Depois de longos minutos de planos ainda, ideias e táticas, Thor resolveu ir até Colson. Loki o orientou a pedir, infelizmente, ajuda de alguns dos vingadores, talvez até todos. O loiro resolveria as coisas com a SHIELD e avisaria o irmão se tudo ocorresse como planejaram.

O moreno estava olhando para o teto, piscando pesadamente. Sua cabeça doía. Então ouviu um barulho, era Annia levantando. Ela logo voltou dos fundos com um balde e dois panos. Sentou-se próxima ao tapete e começou a usar um dos panos para limpar o chão. Loki viu que ela estava silenciosa demais, e ao vê-la fazer aquilo, sentiu-se culpado.

Sem dizer algo, foi até ela, sentando no chão também. Pegou o pano de sua mão, fazendo da forma mais humana aquela limpeza. Quando, com um pouco de detergente, conseguiram limpar o chão, Loki secou com o outro. Ela continuou lá, enquanto ele levava as coisas de volta a seus lugares.

— Eu disse para não usar essas coisas de lá. Minhas canetas não fazem essa sujeira toda. - disse tranquilamente, pegando um livro num compartimento da mesa de centro.

Annia o deixou na mesa, abrindo calmamente, passou a olhar as fotos. Loki, no sofá, se interessou, sentando-se atrás dela; depois de algumas fotos se aproximou mais, pondo o braço na mesa.

— Essa é minha mãe. E essa é a vovó. E essa sou eu. - dizia pausadamente, apontando com seu pequeno dedo para cada uma das pessoas na foto. Ela ainda era um bebê.

— Sua mãe é bem bonita... onde ela está?

— Morreu.

Ele ficou pasmo com aquilo, ela disse tão normalmente que chegava a ser absurdo.

— E isso não te incomoda?

— Eu aprendi uma coisa com a vovó... Você não sente falta do que nunca teve. Ou pelo menos não deve ter. Eu era bem pequena... mais pequena na época, então não sinto falta. A vovó cuidou de mim como uma mãe, é dela que eu me lembro... - passou o dedo em uma foto sua ao lado de Miranda em seu aniversário de cinco anos. - É dela que sinto falta.

Houve um longo silêncio. Loki conhecia bem aquela dor, a saudade de quem se ama tanto. Ela passou mais algumas páginas, e o moreno ali observava os anos passarem. Nas inscrições embaixo das fotos, Annia lia como uma narração. Ela passou uma fina folha e olhou a foto mais recente com sua avó. Estavam na frente de casa, Annia com seu vestido azul. Era uma foto simples, mas que Loki conseguiu absorver bem.

Ela leu como uma sentença a frase que sua avó escreveu embaixo dessa última foto, no meio do álbum.

— Última foto juntas antes dele chegar.

Mais embaixo um desenho em que Loki estava de costas, na porta. Annia o olhava, de seu lado; ele se lembrava desse momento, foi quando teve o primeiro contato com Annia. Ela o distratou... "abusada", pensou. Miranda provavelmente os havia observado a cena.

— Loki chegou.

A outra metade do livro estava vazia. Miranda disse que naquele álbum ela iria pôr as lembranças mais especiais, até completar. A criança pôs o livro de fotos no mesmo lugar, indo para o quarto após isso.

Uma parte da consciência de Loki gritava para que fosse atrás dela. Mas sabia como era o sentimento de luto por trás das lembranças. Porém, Annia, como uma criança, precisava de sua ajuda. E foi por isso que ele se ergueu do chão, indo até ela, que agora estava na cama.

— Sente saudade, entendo. E gostaria de poder ajudar. - sentou ali com ela, ao seu lado. Ela já estava debaixo do cobertor.

— Tudo bem, Loki. Gosto muito de você, mas sei que não pode fazer tudo... Saudade é normal, ela disse que eu sentiria. Pena que não posso nem ir até o cemitério levar uma rosa branca...

— Esqueceu-se da que deixamos lá? Eu cuidei para que não murchace.

— Eu sei, Loki... eu sei. - ela abaixou o olhar, se aconchegando nele, enquanto decidia se falava. - Sabe, ouvi você conversando com o tio loiro... Eu sei que aquela mulher que você disse quer meu colar, porque sua máscara feia tá nele. E sei que você precisa de um plano pra fazer ela ir embora sem matar as pessoas de "sua terra".

— Não quero que se preocupe com isso, Annia.

— Me ouve, por favor. - ela pediu, ele assentiu. - Você naquela noite que eu estava sem sono me contou que sabe fazer várias coisas mágicas, e que sabe como proteger coisas ou objetos com poder. Loki, entrega meu colar pra essa mulher. Se ele estiver mesmo protegido por você ela vai morrer, não é? - ele ficou pensando naquilo, tinha sentido, mesmo precisando de ajustes. - Não é?

— Estranhamente... Sim. Mas claro que não é só isso... Por que mesmo prestou atenção à minha conversa com Thor e está dizendo isso a mim agora? - outro dia a ensinaria a não fazer isso...

Houve um longo silêncio. Annia estava estranha. Ela respirou fundo algumas vezes e abriu a boca, sem conseguir falar. Depois, tirou de debaixo do travesseiro um desenho. Entregou a ele. Sarah havia dito para as crianças desenharem um lugar para onde queriam ir nas férias, e ela desenhou Asgard, lembrando da descrição que o moreno deu.

— Eu sei que você gosta muito de "sua terra" lá em cima. Sei que não gosta muito daqui... - sua voz parecia embargar. - Mas  uma coisa que eu não quero é que você volte pra lá e me deixe sozinha. Você é tudo é o mais importante que consigo pensar. A vovó ensinou que o certo as vezes dói mais e é mais complicado. Mas você pode fazer o certo sem ir embora, não é?

— Annia, por que tanto medo?

— Porque todos uma hora vão embora. - ela chorou, abraçando o moreno. - Todos me deixaram sozinha.

Ele retribuiu o desesperado abraço da menina, que lhe apertava como se fosse um adeus. Annia era muito especial, ele reconhecia isso. Olhou o desenho grosseiro e amarelo de Asgard. Do outro lado, o que viu lhe fez comprimir os lábios, sentindo seu peito apertar. Ele estava ali, de verde, ao lado dela, com seu vestido preto de bolinhas vermelhas. Embaixo, estavam dois corações, um azul e um verde, como se fossem os colares, e em letras tortas e coloridas "MINHA FAMÍLIA" estava escrito.

— Sua tola. Você é uma tola, Annia. Eu não vou deixar você, está me ouvindo? - ele fez com que ela o olhasse.

— Jura? - ela pegou no colar dele. Pegando no dela ele, respondeu.

— Por minha vida.

— Enquanto houver sol. - ela brincou, limpando as lágrimas. Loki revirou os olhos.

— Tá bem, enquanto houver sol.

                         [...]

Ambos olhavam o teto, onde Loki fazia algumas constelações serem refletidas. Ele havia contado a Annia sobre Frigga, mostrando que saudade era algo comum. Falou também de algumas coisas que ela lhe ensinou. Aos poucos a luz das estrelas iam se apagando, e com ela, os dois ali caíam na inconsciência do sono.

— Como ele está?

Odin perguntava ao guardião, que via os dois dormirem. Sorriu levemente, não acreditando.

— Feliz... E em casa.