Quando adentramos a floresta congelada, tive a sensação que uma pequena parte de mim faltava. Minha casa tinha ficado pra trás e com ela, um pedacinho de mim. Seguimos com velocidade pela floresta, tinha pouca experiência em cavalgar cavalos, mas consegui acompanhar a velocidade de Kedon e Nana, Zandor corria ao meu lado. Kedon nos guiava como se conhecesse tudo na floresta, provavelmente ele tinha estudado bastante o território durante esses anos. Cavalgavamos em silêncio, Nana só falava quando era necessário alguma orientação. Observei Nana, ela cavalgava a poucos metros a minha frente, seus olhar era feroz, sua postura era de uma guerreira, eu estava conhecendo um lado de Nana adormecido por muitos anos.

Não demorou muito e estávamos entrando em um local mais sinuoso, as árvores pareciam mais próximas, diminuímos a velocidade por segurança. Depois de alguns minutos, finalmente vencemos as árvores e entramos em uma clareira e mais a frente tinha uma pequena aldeia. A aldeia não era muito diferente da nossa, o numero de casas era bem menor e a maioria parecia abandonada, como uma aldeia fantasma.  Cerca de 30 pessoas estavam amontoadas no centro, quando perceberam que estávamos nos aproximando todos voltaram a atenção para nós.

Um homem alto e corpudo tomou a frente da multidão, com certeza era um soldado, seu olhar era feroz igual ao de Nana.

— Kedon – ele cumprimentou – que bom lhe ver novamente, meu velho amigo! – Kedon desceu do cavalo e foi em direção ao homem.

— Digo o mesmo, Thiberius! – Kedon respondeu – você deve se lembrar de Naila? – ele falou indicando Nana.

— Como esqueceria a melhor a melhor da lider da Guarda Real que existiu! – ele falou segurando a mão de Nana, ela sorriu – Posso ver que você continua linda, mesmo com o passar dos anos!

— E você continua o mesmo conquistador barato de sempre! – ela respondeu. Ele apenas sorriu e a abraçou, depois veio em minha direção.

— E essa deve ser a nossa tão aguardada Princesa Aika, - eu desci do cavalo e estendi a mão lhe cumprimentando.

— Muito prazer! – respondi, ele olhou para Zandor com admiração, o lobo estava indiferente ao que lhe rodeava.

— Em nome da nossa pequena parte da população da Nação do Sul, eu a saúdo! Salve a Princesa Aika! – ele falou em alto som.

— Salve a princesa! – os demais aldeões responderam. Eu não sabia ao certo como agir, então apenas sorri em direção as pessoas.

— Como estão os preparativos? – Kedon perguntou mudando de assunto bruscamente.

— Assim que recebi a carta que você enviou, começamos a nos preparar imediatamente – respondeu Thiberius – agora só estamos esperando o seu comando ou o da líder da guarda, agora que ela voltou.

— Temos que chegar na aldeia de treinamento o mais rápido possível – Nana falou – eu não quero correr o risco de encontrar nada no caminho.

— Segundo a nossa última ronda, - disse Thiberius – não a sinal de ninguém no nosso caminho.

— Quando saí da aldeia ontem, - falou Kedon – para vim buscar Nana e Aika, encontrei alguns soldados da Rainha vagando pela floresta, felizmente conseguir passar despercebido por eles.

— Como eram os soldados? – Thiberius perguntou.

— Com certeza eram do Oeste, eram apenas dois. Há muito tempo tenho percebido que ela usa homens de Lucius, provavelmente está com medo de uma rebelião. – Thiberius concordou – agora estamos em maior número, duvido que eles nos deixem passar sem fazer ao menos algumas perguntas e isso nos complicaria. Eles não podem saber da existência da Aika. – todos voltaram o olhar pra mim, fiquei um pouco constrangida. Eles ficaram em silêncio por alguns instantes, estavam refletindo a procura de uma alternativa.

— Temos algum mensageiro? – Nana perguntou quebrando o silêncio.

— Sim, - respondeu Thiberius – aquele garoto – ele apontou pra um jovem sentado em um tronco, ele era meio magrelo e tinha o nariz pontudo.

— Explique o caminho pra ele e peça pra ele ir à frente, se caso ele encontrar algo, ele poderá voltar para nos avisar.

— Irei envia-lo agora. – anunciou Thiberius.

— Bem pensando – Kedon elogiou a perspicácia de Nana, ela apenas deu de ombros. Acredito que para ela não havia nada para se vangloriar, ela estava fazendo sua obrigação. E mais vez eu havia presenciado o porquê da Nana ser a chefe da Guarda, ela era estrategista. Thiberius voltou e eles começaram a discutir sobre números e cálculos sobre a guerra que não compreendia.

Eu me afastei um pouco e encostei-me a um tronco, as pessoas ao meu redor ficavam encarando a mim e Zandor, me perguntei quando elas se acostumariam com nos dois. A população estava bem preparada e pareciam ter vivido bem naquela aldeia. Elas deviam me esperar há anos, fico imaginando se superei as expectativas ou se elas apenas viam uma garotinha. Depois de uma longa conversa, finalmente iriamos partir. A maioria possuía cavalos, poucos jovens iriam caminhando. Eu estava esperando próximo ao meu cavalo quando Nana se aproximou.

— Vamos seguir viagem na retaguarda – ela disse – Kedon e eu vamos com você, Thiberius irá à frente, guiando o povo. – ela abriu um mapa que mostrava a Nação do Sul – iremos percorrer todo esse caminho e aqui é onde fica aldeia de treinamento – ela indicou uma aldeia que ficava próximo do Castelo.

— a aldeia fica tão próximo do Castelo, - comentei – como a Rainha não tem conhecimento sobre ela?

— Ela fica por trás de montanhas e acredito que deva aparenta apenas mais uma aldeia miserável da Nação do sul. Pra não chamar atenção.

— Entendo, quanto tempo vai levar pra chegar lá?

— Se ocorrer tudo bem, chegaremos de noite. A caminhada é longa e estamos com muita gente.

— Tudo bem – falei, ela assentiu e se dirigiu a Kedon. Ele estava com seu cavalo um pouco mais a frente. Assim que subi no meu, Zandor se colocou em guarda ao meu lado. Observei Nana e Kedon conversando, agora ambos estavam mais calmos e sorriam um para o outro, ele brincava com uma mecha do cabelo dela enquanto ela conversava distraída. Uma pontada de culpa me atingiu, por minha causa Nana tinha se distanciado de Kedon, Se não fosse por mim, quem sabe os dois teriam se casado, tido filhos, uma casa. Eles podiam ter tido felicidade. Mais uma vez a raiva me dominou, a traição nos tinha levado até ali, era minha responsabilidade acabar com isso para as pessoas viverem.

A caravana começou adentrar a floresta, Nana e Kedon se colocaram ao meu lado. Olhei mais uma vez para a aldeia, agora estava completamente vazia, se alguém chegasse ali pensaria que tinha sido abandonada há anos. Começamos a acompanhar a multidão, meu corpo estremeceu, ia ser a minha primeira viagem longa, logo eu estaria vizinho ao Castelo, praticamente. Olhei para a Nana, ela deve ter percebido meu momento de pânico, pois estendeu a mão para mim. Eu segurei aquela mão como se toda a coragem dela pudesse ser transferida pra mim, por um momento acreditei que sim.

Já tínhamos cavalgado por horas, algumas pessoas já estavam cansadas, mas apesar disso, eu ainda tinha forças, meu corpo não sentia fadiga alguma. Olhei para Zandor, que caminhava ao meu lado, ele também não aparentava cansaço. Pelo o que entendi do mapa, estávamos aos pés das Montanhas Zênites, mas ainda faltava muito. Kedon tinha se adiantado na caminhada, para ajudar as pessoas caso elas precisassem. Nana estava quieta ao meu lado, sempre alerta para o que nos rodeava.

—Você não está com frio, Aika? – ela perguntou. Eu apenas dei de ombros, frio era a ultima coisa que me incomodava no momento – quanto mais nos aproximamos das montanhas, mais baixa é a temperatura.

— Eu estou bem, Nana – ela assentiu, agora que nós estávamos mais distante de Kedon, eu tinha a liberdade de perguntar a ela – Então, Kedon em? Ele me disse que vocês cresceram juntos – perguntei sem rodeios, ela me olhou desconfortável por um minuto e depois voltou a ficar séria.

— Sim, nós sempre fomos muito amigos – minha vontade era de gargalhar com a vergonha que o rosto dela transparecia.

—Ah Nana! Está bem claro que vocês sempre foram mais que amigos! – eu sorri pra ela. Ela se segurou por um momento, mais depois um sorriso se formou nos seus lábios.

—Então, - ela começou – você gostou dele?

—Não tivemos muito assunto, mais pelo que observei, ele é muito gentil e companheiro – ela sorriu de novo – e ele de várias formas, me lembra você, Nana, isso já basta.  – ela me olhou emocionada.

— Fico feliz, mas agora temos um único objetivo, vencer a guerra! Depois teremos bastante tempo pra isso – eu assenti pra ela. Como se tivesse escutado algo, Kedon cavalgou de volta para o meu lado direito, nós duas o encaramos.

— O que foi? – ele perguntou preocupado.

— Nada – respondemos ao mesmo tempo e rimos. Ele deu de ombros e olhou pra frente.

Caminhamos por mais um tempo, as pessoas estavam sofrendo com o frio cada vez mais. Kedon disse que talvez uma tempestade estivesse vindo, se fosse o caso, teríamos que parar, a caravana não ia conseguir andar em uma tempestade. Algo chamou a minha atenção, eu estava escutando um cavalgar mais a frente.

—Nana – chamei – alguém vem vindo.

— O que, Aika? – ela perguntou preocupada.

— Alguém vem vindo em nossa direção – avisei, agora o cavalgar estava mais próximo. Era apenas um cavalo, com certeza, Zandor também estava alerta – olha, Zandor também está escutando – Kedon e Nana olharam preocupados para mim e para Zandor.

— Como você consegue escutar? – Kedon perguntou.

— Sangue do Lobo! – Nana respondeu com um olhar assustado.

— Vou alerta Thiberius. – Kedon disse e foi pra frente da caravana. Toda a caravana parou. O cavalo finamente apareceu em meio a neve, era o mensageiro. Uma onda de alivio tomou meu corpo, mas logo foi dissipada por conta da cara de assustado do mensageiro. Provavelmente tinha algo errado no caminho. Kedon voltou com Thibeirius, eles pareciam preocupados. Nana percebeu a tensão, deu salto do cavalo dela e perguntou:

— O que houve?

— são soldados da Rainha. Eles estão rodando a floresta.