A aldeia estava a todo vapor com os preparativos para a guerra, Kedon parecia conformado com a ajuda de Kodah, não havia mais tocado no assunto. Eu já havia treinado suficiente para derrubar Karol, coisa que nem Kedon era capaz, diminui o ritmo do meu treino e comecei a ajudar os aldeões nos preparativos para a guerra.

Homens e mulheres iam para a guerra, mas o maior número era de adolescentes, o império da Tirana havia conquistado um exército de órfãos prontos para vingar a morte de seus pais. Kedon, como general, parecia bastante confiante, a chegada dos soldados do Oeste não tinha o assustado. Reuniões com soldados eram realizadas diariamente no local de treinamento para que o plano fosse repassado. Eu, Karol e Kedon nos revezamos nas reuniões para repassar os planos, mas era notável que a maioria dos soldados já participavam das reuniões quando era eu que apresentava o plano, isso encheu meu coração de satisfação.

Eu estava sentada com Luke no centro de treinamento, nós juntos com alguns soldados afiávamos as pontas das lanças em pedras. Ao nosso redor, os soldados andavam para todos os lados levando equipamentos de guerra para a frente da aldeia, onde seria a saída do nosso exército.

— Você está preparada? – Luke perguntou enquanto batia o aço na pedra – para guerra, eu digo... – reflito alguns segundos sobre a pergunta.

— Sinto que sim – respondo sem parar de afiar meu aço – e você? – pergunto. Ele hesita, levanto o rosto para ver seu rosto e encontro um olhar preocupado.

— Tenho medo de morrer, Aika – ele responde com um suspiro e um sorriso tristonho. Meu coração dói com a sua declaração.

— Você não vai morrer, Luke – ele suspira, coloco a mão em seu ombro – Você é um dos nossos melhores soldados – ele abre um sorriso.

— Obrigado, Aika – ele sussurra. Acredito que todos estavam nervosos como Luke, apesar de estarmos confiantes, não deixava de ser uma batalha.

Em meio a multidão de homens e mulheres que rodeavam o centro de treinamento, Dinah surge como uma rainha em um belo vestido, em seu rosto está estampado um enorme sorriso.

— O que será agora – falo em voz alta, Luke também olha em direção a Dinah.

— Se ela está sorrindo, é algo muito ruim para você – Luke brinca.

— Senhorita Aika, aconteceu algo maravilhoso! – ela fala enquanto se aproxima.

— Tenho até medo de escutar, Dinah – respondo, Luke solta uma gargalhada.

— Que bobeira, senhorita Aika – ela fala com a mão na cintura – o que aconteceu foi que nasceu uma criança! Chegou a hora da senhorita abençoa-la! – ela fala quase saltando de felicidade.

— Dinah, estamos nos preparando para uma guerra, isso pode ... – ela levanta a mão me impedindo de terminar.

— Abençoar uma criança recém-nascida é uma das obrigações da realeza – ela fala decidida, abro a boca para protestar mais uma vez, mas ela volta a falar – e o Sr. Kedon exigiu que você fosse – ela cruza os braços. Ela tinha achado meu ponto fraco, raramente eu negava fazer algo que Kedon me pedisse – Então? Levante-se! Vamos nos preparar – ela começa a me puxar. Luke e as pessoas próximas de nós começam a rir.

— Mas... Mas... – tento protestar, mas é impossível – Então quero que Luke vá comigo! – falo sem pensar.

— Eu? – Luke grita. O encaro com um olhar desesperado. Dinah também o encara com um olhar decidido.

— Tudo bem – Dinah responde – mas coloque uma roupa melhor – Luke revira os olhos.

— Você me mete em cada uma, Princesa – ele fala sem paciência.

                                       ***

Já estávamos todos em frente a cabana do aldeão, era uma cabana bastante simples, mas uma pequena bandeira com um lobo estampado em dourado estava pendurada na pequena varanda. O vestido que Dinah escolhera para eu vestir, não era nada simples: eu estava banhada com uma enorme saia azul em veludo que acompanhavam enormes mangas. O vestido era todo costurado em linhas brancas, com pequenos detalhes em vermelho. Eu já não me sentia tão estranha em vestidos, mas não estava totalmente acostumada.

— Onde está esse garoto?! – pergunta Kedon, sem esperar respostas. Ele estava vestido em uma gloriosa blusa em vermelho com botas de cano alto, metade de seu cabelo estava amarrado. Dinah batia o pé ao seu lado também sem paciência, do lado de fora, escutavamos um choro de bebê que vinha de dentro da casa – bem, vou começar sem ele – fala Kedon – Aika, os nomes dos pais da criança são Tuka e Rory, tudo que você precisa fazer é segurar a criança e falar coisas que você deseja para o seu futuro.

— Eu vou ter que segurar o bebê? – pergunto nervosa com a situação.

— Você consegue enfrentar Karol, mas tem medo de um bebê recém-nascido? – pergunta Kedon incrédulo. Antes que eu tenha chance de responder, Luke chega com uma cara de cansaço.

— Desculpem minha demora, tive que pedir emprestado uma roupa nova – ele fala sem fôlego. Noto que ele veste uma roupa completamente diferente das de costume, sua blusa é verde com mangas longas e em linhas douradas, sobre ela está um sobretudo marrom, provavelmente de couro, sua calça e bota são das cores do sobretudo e seu cabelo está penteado para trás.

— Olhe para você! Parece um príncipe! – falo brincando, ele revira os olhos.

— E você? Parece até uma menina de verdade! – ele zomba, dou um pequeno soco no seu braço.

— Tudo bem, já chega – fala sem Kedon sem paciência – me acompanhem – ele sobe a varanda e dá duas batidas leves na porta. Um homem abre a porta, provavelmente Tuka, ele é alto e possui cabelos brancos, seus olhos são de um azul profundo.

— Kedon... – seu olhar me alcança – Princesa Aika! Ele fala com admiração – por favor, entrem! Minha filha está aqui com Rory. Nós quatro nos esprememos para dentro do pequeno cômodo enquanto Tuka fechava a porta atrás de nós.

— Aika, este é Tuka, ele trabalhou comigo durante todos os anos que estávamos aqui.

— É um prazer, Tuka, obrigada por toda a sua colaboração! – seus olhos se enchem de admiração mais uma vez.

— Tudo para termos nosso reino de volta, Princesa – ele responde – mas venham, não podemos perder tempo, temos uma guerra para ganhar! – ele nos guia por um pequeno corredor que dá em um pequeno quarto. O quarto tem poucos móveis, apenas uma cama e uma cômoda de madeira. Na cama está uma jovem senhora, ela segura um bebê que chora sem parar – a princesa chegou, Rory – Tuka fala com um sorriso.

— Princesa Aika, é uma honra ter a senhorita conosco! – fala Rory com um enorme sorriso.

— A honra é minha participar de um momento tão especial – retribuo o sorriso.

— Por favor, se aproxime! – fala Rory – pegue-a nos braços! – ela fala com ansiedade – hesito, olho para Kedon e Luke pedindo socorro, mas a ajuda não vem de nenhum deles, vem de uma voz por trás:

— Você consegue, Princesa Aika! – Dinah fala me dando um leve empurrão para frente. Confio em sua palavra e pego o bebê nos braços com delicadeza.

Na minha antiga aldeia, sempre que nascia uma criança considerávamos uma vitória, as pessoas evitavam ter filhos de todas as formas possíveis devido a miséria. O bebê que já não é tão recém-nascido pois está com olhos abertos, para de chorar quando o coloco nos braços, seus olhos que são tão azuis como os do pai, se encontram com os meus e ele abre um leve sorriso. Eu retribuo o sorriso. Uma gratidão invade todo o meu peito.

— Como é seu nome? – pergunto para os pais. Eles trocam olhares,

— Bom, nós não havíamos decidido ainda até o dia que você chegou na aldeia – falou Rory – quando você fez o primeiro discurso, estávamos todos encantados! Finalmente estávamos conhecendo uma legítima herdeira do trono! Foi quando Tuka sussurrou pra mim “ Rory, ela é tão bonita que parece uma estrela” – sorri mais ainda com o elogio – foi aí que decidimos colocar esse nome: Keila! Que significa estrela no nosso idioma mais antigo.

— Um nome muito bonito – comento enquanto passo o polegar no rosto de Keila – Eu desejo pra você, Keila, saúde, que em nenhum dos seus dias você pereça por doença nenhuma. Lhe desejo liberdade, que nós vençamos logo o Oeste, para que você cresça em uma nação livre. Também lhe desejo felicidade, que todos os seus sorrisos sejam genuinamente sinceros e que nos dias maus, você ainda possua força para sorrir. E por último lhe desejo amor, que é o sentimento mais forte de todos e que na maioria das vezes é o que nos mantem em pé! – olho ao redor e estão todos me encarando com olhares emocionados, vejo Luke limpando uma lagrima do rosto. Devolvo com gentileza o bebê para a mãe.

Os pais me agradecem pelos ato e eu me sinto envolvida por todo o amor fraternal deles, enquanto caminhamos de volta a nossas atividades, Luke se aproxima de mim.

— Obrigado, Aika – ele sussurra. Olho para ele sem entender  - Você me mostrou o porquê devo ter coragem para lutar - tudo que consigo fazer é segurar sua mão forte.