As imagens tremeluzem ao meu redor e uma escuridão me engoliu por completo. A imagem de meu pai em lágrimas comigo nos braços grudam em minha mente. Ele confiou em mim, Ele acreditou em mim, assim como Nana. Eu me sentia desmerecedora daquelas pessoas. Meu pai, Nana, Kedon, Thiberius, Karol e até o velho Brókus, todos acreditavam em mim, eles tinham esperança que o nosso povo ressurgiriam das trevas que nos encontrávamos.

Uma força invisível me lança no ar e sou arremessada em um chão coberto de neve, estou em meio a uma tempestade de neve. Eu reconhecia aquele lugar, eu tive o mesmo sonho na noite que cheguei na aldeia.  Escuto passos atrás de mim, mas não são humanos, são passadas leves de um animal, giro meu corpo e me deparo com um enorme tigre laranja, seus olhos verdes me encararam e são completamente ameaçadores, dou passadas pra trás a fim de me distanciar.  Olho para a direita e encontro Zandor, ele me encara sem medo, ele espera meu comando.

O tigre ruge pra nós e uma espada surge na minha mão, encaro a espada sem acreditar no que está acontecendo. Algo inunda meus pensamentos, uma voz como a da guardiã sussurra em meus ouvidos “Não esqueça seu destino!”. A verdade era essa, eu tinha um destino, milhares de pessoas dependiam de mim e eu não podia desistir. Procuro aquele ódio que estava se enraizando em mim e não encontro, ele foi substituído por sede de justiça! Seguro a espada na posição de ataque, encaro Zandor, essa era a hora...

Corro com toda a coragem que possuo na direção do tigre, ele corre na minha direção, estamos muito próximos, eu já posso sentir o calor do seu corpo. Levanto a espada a fim de desferir um golpe, deu um salto e abro os olhos. Não estou mais na floresta. Olho ao redor desesperada, eu estou no meu quarto, sentada na cama, uma mão toca o meu ombro, me assusto.

— Está tudo bem! Está tudo bem! – a voz me conforta, Kaio me encara preocupado – Você está se sentindo bem?

— Eu...Eu... – as palavras não conseguem sair da minha boca. Começo a lembrar das visões, uma a uma elas voltam a minha memória e junto com ela as lágrimas, Khosmos tinha mais uma vez me mostrado o verdadeiro motivo de eu estar aqui. As lágrimas começam a cair descontroladamente, tudo que consigo fazer é abraçar o meu próprio corpo.

— Aika, você está sentindo algo? – Kaio pergunta desesperado, ele senta na minha frente e segura meus ombros – Aika, fale alguma coisa...

— Eles… Eles se amavam – falo entre as lágrimas, ele me puxa pra si e me abraça, percebo a confusão em seu rosto, mas o abraço com força, era exatamente disso que eu precisava agora.

— Está tudo bem, Aika – ele fala num tom reconfortante – Você está bem – ele fala repetindo pra si. Passo um longo momento abraçada com ele, tudo que consigo fazer é chorar no calor do seu corpo. Logo Zandor aparece ao pé da minha cama, passo os dedos no topo da sua cabeça, mas ele não se aguenta e sobe na cama enroscando o seu corpo no meu. Gargalho com a bagunça que ele causa.

— Você é muito grande pra essa cama, lobo – falo o abraçando.

— Você não pode culpá-lo por ficar preocupado – fala Kaio. Limpo o rosto com um lençol – Você já deve está cansada de escutar isso, por Khosmos, mas o que aconteceu Aika?

— Há quanto tempo estou dormindo? – pergunto.

— Mais de um dia – ele responde, meu queixo cai – Quando vim lhe procurar pela noite, encontrei você se contorcendo na cama com febre, eu realmente fiquei preocupado. Encontrei aquele fruto perto de você, mas Zandor não deixava eu me aproximar dele, num momento de distração o lobo pegou o fruto e escondeu em algum lugar. Dinah e Kedon estão furiosos comigo, ele ficaram me pedindo explicação, sem eu ao menos saber a loucura que você cometeu.

— Desculpas! – sussurro para ele.

— O importante é que você está bem agora – ele fala aliviado – Dinah fez de tudo pra você melhorar, assim como Kedon. Ela passou o tempo todo com você, não queria deixá-la só por momento nenhum, não preciso nem dizer que Kedon ficou louco de preocupação – me senti mal por deixar todos tão preocupados –Pedi pra ficar de vigia agora a noite, para os dois poderem descansar... Agora sua vez de explicar!

Eu não tinha a mínima ideia por onde começar, como explicaria que tinha encontrado uma Guardiã na floresta? E como o fruto tinha me feito voltar no tempo? Isso soaria como loucura pra ele! Reflito por um momento e decidi começar pelo mais simples.

— Desde quando soube quem eu era, digo, qual era o meu destino, eu venho alimentando um ódio desenfreado por minha mãe...

— A rainha – ele ressalta.

— Sim... E isso estava me afetando... O fruto me mostrou coisas que eu precisava saber e ver, pra aguentar tudo o que estava por vir – ele me observa por um momento.

— Aika – ele segura minha mãos entre as suas – Você pode achar que tudo isso que está acontecendo é uma obrigação e que você não tem escolhas, mas você não precisa carregar esse fardo, se você não quiser participar dessa guerra, você não participará, eu tenho certeza que seu pai entenderia e Khosmos nos providenciará outro líder. Mas caso você decida lutar e defender nosso povo, eu estarei aqui para carregar esse fardo com você, assim como Kedon, Thiberius e até Dinah.

Uma lágrima escorre sobre o meu rosto, apesar de toda aquela carranca de durão, ele tinha um coração bom. Eu já tinha tomado minha decisão, assim como no sonho, eu ia lutar por Justiça.

— Eu já tomei minha decisão, iremos derrotar o tigre! – falei séria.

— Então lutaremos! – seus olhos se encontram com o meu e cresce em mim uma vontade de beijá-lo, aproximo meu rosto do seu, completamente ludibriada com seus olhos. A porta se abre e Dinah corre na minha direção.

— Senhorita Aika! – ela fala exasperada – A senhorita está bem! – ela fala com alivio – Graças a Khosmos! – Kaio me olha desapontado, mas beija minha testa antes de sair – O que aconteceu, senhorita Aika? A senhorita comeu algo estragado?

— Eu estou bem, Dinah – tento tranquilizá-la – Como você sabia que eu tinha acordado?

— Eu posso sentir! – ela respondeu séria. Gargalho com sua resposta. Kedon também entra no quarto, sua cara é de completa preocupação.

— Você finalmente acordou! – ele fala aliviado – Kaio me disse, mas não acreditei naquele garoto. Você está sentindo algo?

— Não, eu estou bem – respondo com um sorriso – Dinah, você pode trazer algo para eu comer? – eu estava me sentindo fraca e também queria conversar a sós com Kedon.

— Claro, senhorita Aika – ela saí do quarto, me deixando sozinha com Kedon e Zandor.

— Então, o que aconteceu agora princesa? – ele pergunta já premeditando que vou lhe contar algo.

— Eu vi tudo Kedon – disparo – Desde antes do meu nascimento, antes de meu pai ser Rei. Eu vi tudo! – falo. Ele me olha confuso.

— Mas como? – ele pergunta. Conto tudo pra ele, sobre a guardiã, sobre os frutos, as visões, ele e Nana mais jovens ajudando meu pai, abstenho o sonho com o tigre, porque acredito que não seja necessário ele saber. Ele fica espantando com tudo, mas no fim acredita em mim.

— Só Khosmos para fazer algo desse tipo... – ele diz por fim.

— O que aconteceu depois, Kedon? Depois que meu pai decidiu me manter protegida? – pergunto. Ele fica um momento em silêncio, mas logo começa a falar.

— Seu pai resolveu realizar uma falsa morte sua, Thiberius ficou encarregado de roubar um falso corpo de uma criança do cemitério do reino, enquanto eu cuidava da fuga de Nana com você ... Sua mãe estava ‘visitando o Oeste’, bom, você sabe o que ela estava planejando. Quando ela chegou e seus soldados começaram a nos render, eu estava com seu pai no seu quarto. O cheiro do corpo da criança falecida impregnava todo o quarto... Sua mãe invadiu o quarto com no mínimo vinte soldados, seu pai chorava enquanto segurava a criança nos braços enrolada em um lençol.

‘Assim que sua mãe viu a situação, ficou completamente desesperada e correu na sua direção, só que não deixei ela se aproximar, seu pai acusou ela de abandonar você e trai seu próprio povo. ‘O que aconteceu com minha filha?” ela perguntava, “ela morreu de desgosto de você” seu pai respondia com fúria. Quando as coisas começaram a ficar séria, seu pai jogou o corpo na lareira, foi quando tudo desmoronou, fomos feitos reféns e por um momento achei que sua mãe fosse matar seu pai’

‘Eles nos deixaram presos por dias, sempre perguntavam por Nana e mentimos dizendo que ela fugiu após sua morte. Escutamos os gritos e choro de sua mãe por mais de um ano, foi quando me libertaram, assim como a maioria de nós. Menos seu pai é claro, dizem que sua mãe sempre o visita, as vezes pra gritar, ameaçá-lo ou simplesmente chorar... Eu realmente sinto muito por isso tudo, Aika, mas nós precisávamos protegê-la’

Agora tudo fazia sentido, ela tinha me escolhido em vez do meu pai, mas com a minha falsa morte, ela acabou ficando apenas com meu pai. Isso provavelmente só alimentou sua raiva de nós e a fez querer nosso reino como vingança. Respiro fundo e salto da cama e me lanço nos braços de Kedon com um abraço. Ele fica confuso, mas coloca um dos braços sobre o meu ombro.

— Obrigada por tudo, Kedon – falo com toda sinceridade que possuo.

— Eu fiz tudo o que estava ao meu alcance para ajudá-la, Princesa – ele fala. Afasto-me dele e sorrio.

— Agora, com licença, eu gostaria de me trocar...

— Não é melhor você descansar...

— Não – nego com firmeza – Precisamos treinar, uma guerra nos aguarda– falo decidida.