— Eles a levaram, Aika – Kedon falou – os soldados a levaram.

As palavras que saíram da boca de Kedon me atingiram como uma facada, a minha doce e gentil Nana havia sido capturada. O meu porto seguro tinha sido arrancado de mim. Aquela que um dia ousei chamar de mãe, não estava mais ali. Uma imagem surgiu na minha mente: Nana sorrindo pra mim, na nossa velha casa. Ela não estava mais ali com seu sorriso. Eu não conseguia acreditar que isso era verdade, eu não podia deixar isso ser verdade.

—Como? – falei quase de forma assassina – como a levaram?- Thiberius me encarou, refletindo se me contava ou não. Como Kedon não se manifestou, ele começou a falar:

—Estávamos explicando para os soldados que estávamos apenas de passagem. Mas eles não acreditaram, começaram a fazer perguntas difíceis de responder sem entregar nada. Naila interviu, mas no momento que os soldados colocaram os olhos sobre ela, começaram a suspeitar ainda mais. Até que ficamos sem saída, os soldados queriam nos levar para a capital. Eles provavelmente nos entregariam para o conselheiro real e isso só nos complicaria mais, foi quando Naila não admitiu. Os dois lados, entraram em combate e tenho que admitir que foi bonito ver Naila derrubando todos aqueles soldados um por um – me assustei, eu sabia que Nana era forte, mas derrubar todos os soldados sozinha? – ficamos em meio a essa confusão, foi quando Nana desistiu, ela se entregou no nosso lugar. Eles a levaram e nos deixaram passar. Observei o caminho todo, não fomos seguidos – ele assegurou.

— É ISSO?- perguntei – eles simplesmente aceitaram deixar vocês passarem em troca de Nana? – Thiberius pareceu um pouco inseguro.

— Deve ser pelo fato dela ainda ser Chefe da guarda real, apesar de todos esses anos... – eu não consegui acreditar naquelas palavras.

—Isso não pode ser verdade... – murmurei. Kedon ainda estava cabisbaixo, totalmente abalado – precisamos ir atrás dela – ninguém me respondeu – Kedon! Precisamos ir busca-la! – Kedon me olhou, seus olhos estavam marejados, ele falou como um sussurro:

— Não podemos – como não podemos?! Ele não podia abandonar ela depois de todos esses anos separados.

— TEMOS QUE IR, KEDON – balancei os ombros dele com veemência – não podemos simplesmente abandona-la! Ela precisa de nós! Só Khosmos sabe o que farão com ela!

— Aika, você precisa entender... – ele falou calmamente.

— Eu não preciso entender, EU PRECISO DA NANA! – gritei, por um momento ele me olhou com pena e compaixão, mas logo seu olhar se tornou frio.

—Já chega, Aika! – ele exigiu, eu já estava pronta pra gritar de novo, mas Kedon foi mais rápido, ele me puxou e me jogou sobre os seus ombros e começou a me arrastar – precisamos ter uma conversa.

—KEDON ME SOLTA! EU PRECISO AJUDAR NANA! – Gritei com toda força que tinha, eu tentava me soltar, mas ele era mais forte, segurou minhas pernas e meus braços. Zandor não se aguentou e começou a grunhir pra Kedon.

— Mande seu lobo parar, não tenho medo dele! – as pessoas ao nosso redor estavam assustadas com a cena, que bela princesa eu estava sendo.

—Zandor, acalme-se! – ele deu um gemido fraco, inconformado – KEDON! NÃO POSSO ABANDONA-LA! ELA SEMPRE ESTEVE COMIGO! – meus olhos começaram arder com as lágrimas. Kedon me ignorou. Quando percebi, estava no quarto que tinha acordado pela manhã, Kedon me jogou em cima da cama, puxou uma cadeira e se sentou. Ás lágrimas continuaram rolando sobre o meu rosto – eu preciso dela, eu preciso – remunguei, me enrolei sobre a cama como um bebê, tudo que conseguia fazer era chorar. Kedon continuou sentado de forma ereta, mais com os olhos fechados. Continuei chorando até ser agarrada pelo sono.

Quando acordei, a dor da perda de Nana não havia passado, mas as lágrimas sim. Limpei o rosto e procurei por Kedon, ele ainda estava sentado na cadeira. Ele estava perdido em seus pensamentos, encarava algo em suas mãos, foi quando percebi o que era: era um anel coberto de pedras brilhosas. Aquilo só fez minha dor aumentar, quantas coisas terríveis teriam que acontecer até o fim dessa guerra?  

— Isso era pra ela? – perguntei. Ele se assustou, mas logo se recompôs, encarou mais uma vez o anel e guardou na barra do seu sinto.

— Agora ele vai ter que esperar – falou de forma serena.

— Kedon, eles podem mata-la! Se descobrirem sobre nós...

— Nana nunca nos entregaria, mesmo que tenha que morrer – ele falou convicto.

— É isso que me preocupa – falei de forma suplicante – se ela morrer, eu não conseguiria viver em paz...

— Ela não vai morrer, Aika – ele afirmou com confiança. Olhei pra ele confusa, como ele poderia ter tanta certeza? Ele estava me escondendo mais alguma coisa? - Porque Nana é sua tia. Ela tem sangue Real, assim como você!- ele esclareceu, fiquei sem palavras. Nana era minha Tia? Ela era literalmente a minha família!

—Porque ela não me contou isso?! – questionei boquiaberta.

— Ela tinha medo de isso influenciar sua decisão. A decisão precisava ser sua, sem qualquer influencia – achei aquilo um absurdo, mas era algo bem típico de Nana. Como eu não percebi isso? Nós éramos parecidas, mas sempre achei que era pelo fato dela ter me criado. Todo esse tempo ela me criou como uma filha, quando na verdade eu era filha do inimigo... Isso só fez a dor aumentar. Uma lagrima escapou dos meus olhos.

— Aika, acredite, eu sei a dor que está passando. Mas conheço Lucius, o Rei do Oeste, ele não matou seu pai, então provavelmente não vai matar Nana. Ele tem métodos diferentes de governar. Não temos condições de atacar agora, precisamos de tempo...

— Eu entendo, mas Kedon...

— A única forma de salvarmos Nana é nos dedicarmos para o ataque em 42 dias, assim regataremos seu pai, Nana e o reino. E daremos um fim a essa guerra. Eu farei o meu máximo, mas preciso saber se você fará também, eu posso contar com você, Aika? – refleti sobre tudo o que ele disse, eu não queria abandonar Nana, mas eu não tinha opção. Eu tinha que fazer o que ela faria, eu tinha que lutar nessa guerra e vencer, ou morrer tentado. Limpei meu rosto e respondi:

— Por Nana, farei meu melhor – Kedon deu um sorriso fraco e bateu no meu ombro, orgulhoso.

— Zandor, pode entrar! – ele falou do nada, o lobo acinzentado atropelou a porta e pulou no meu colo – eu não aguentava mais ele gemendo na porta. – Kedon murmurou. Abracei Zandor com força e ele ficou satisfeito. Observei aqueles olhos acinzentados e me enxerguei neles: havia dor, preocupação, tristeza. Mas ao mesmo tempo havia uma sede insaciável de vencer essa guerra. Aquele pequena faísca de raiva pela rainha estava se tornando uma chama ávida e eu não estava preocupada o tamanho que essa chama ia chegar...

— Vamos – Kedon me despertou dos meus devaneios – está na hora do jantar.

—Dinah também deve estar de guarda lá fora – falei enquanto acompanhava Kedon. Dinah estava sentada distraída na varanda da cabana, assim que me viu deu um salto.

—Senhorita Aika! Eu sinto muito... – Ela falou com grande pesar, eu não queria começar a chorar de novo, então apenas dei ombros – eu tenho certeza que logo ela estará com você, Nana é conhecida por ser durona! – ela falou tentando me animar, dei um sorriso fraco.

— Dinah, leve Aika para jantar. – Kedon pediu.

— Claro, vamos senhorita, vou preparar um prato bem generoso! – ela falou animada. Acompanhei Dinah em silêncio até o refeitório. Quando chegamos pedi para Zandor me espera do lado de fora, acredito que um refeitório não seja um lugar apropriado para um lobo. Assim que entramos Luke acenou pra mim, fui sentar ao seu lado.

— Aika! Fica aqui com a gente, nós somos os melhores! – Ele falou animado, eu sorri de forma educada e sentei, para a minha infelicidade Kaio estava sentado na minha frente, ele não tirou os olhos do prato. Luke apresentou algumas garotas que estavam com eles, mas não consegui decorar os nomes, a tristeza ainda martelava. Dinah trouxe um prato de comida, estava bonito, tinha todos os tipos de legumes e um pedaço de carne. Mas eu não estava com muito apetite.

— Está tudo bem? – Luke perguntou desconfiado, eu estava grata por ele não falar sobre toda a cena de mais cedo.

— Sim, claro – respondi da forma mais animada que consegui, mas saiu forçado. Ele tentou manter uma conversa, mas as minhas respostas não ajudavam. Ele desistiu e voltou a conversar com as outras pessoas da mesa, ele parecia um poço de animação sem fim. Depois de um longo momento comendo em silêncio, alguém falou comigo:

—Você parece chateada... – alguém falou, pensei ser Luke, mas ele discutia animado com outra garota.  Foi quando encontrei os olhos do Kaio. Eu tinha esquecido completamente dele, agora que estávamos cara a cara percebi que ele era realmente bonito. Ele tinha os olhos acinzentados e profundos, seus cabelos eram puxados pra trás, mas tinha as laterais raspadas, seu nariz era fino o que combinava perfeitamente com seu queixo longo e sue porte físico era no mínimo invejável. Ele ainda me encarava esperando uma resposta. Limpei a garganta constrangida e respondi:

—Estou bem... Quer dizer, vou sobreviver... – esperei alguma resposta dele, mas ele não falou nada. Seu olhar parecia ler todos os meus pensamentos, baixei a cabeça envergonhada.

— Sei... – ele respondeu de uma forma bem descrente. Ele se levantou e foi em direção à cozinha.

— Eu perdi alguma coisa? – Luke perguntou. Dei de ombros – Hmm, onde está o lobo?

— O nome dele é Zandor,- falei – e eu deixei ele de castigo lá fora.

— Não sabia que ele tinha nome – ele falou sorrindo – Realmente, é muita pressão comer com um lobo acinzentado encarando. – afastei meu prato, não tinha conseguido nem comer metade da comida, Dinah ia ficar decepcionada.

— Com ou sem ele estou sem fome ... – falei despreocupada.

— Eu também estou enjoado... – Luke não terminou a frase, ele olhava além de mim. Kaio vinha no nossa direção com algo em uma de suas mãos – o que ele arranjou? – Kaio parou na minha frente e colocou algo quadrado próximo de mim.

—Isso vai te animar – ele disse e depois saiu. Fiquei curiosa e puxei o pano que enrolava, um cheiro maravilhoso subiu em minhas narinas, era um pedaço generoso de bolo de maçã. 

— Como ele conseguiu? – perguntei com um meio sorriso.

— Deve ter trocado por algum favor – Luke respondeu. Fiquei maravilhada com o gesto, ele não precisava ter feito isso. Comecei a devorar o bolo de maçã – ah! Eu quero um pedaço! – Luke resmungou. No final, Kaio tinha razão, aquilo fez meu humor melhorar.