Flávio já está deitado na cama conversando com Beatriz, quando Murilo entra em seu quarto. Ele dá um beijo em sua testa e senta na ponta da cama , com um sorriso fraco. Sua mãe se ajeita na cama , esperançosa para que eles tenham se acertado.

— O que decidiu? – pergunta Beatriz acariciando a mão do filho.

— Que ela precisa ir embora ,seguir a vida dela e eu a minha - responde Murilo , sério — Ela não pertence ao mesmo mundo que o meu.

—Não diga isso – pede Flávio, triste — Lembra da história que contei?

— Pai, nem todas as histórias acabam com um final feliz. Algumas não foram feitas para acontecer. – alega Murilo, reticente.

— Se for para ser, será – comenta Flávio. — Não a afaste de você...

— Eu não fiz isso, foi ela quem veio até aqui ... – defende Murilo, apontando para a porta, nervoso.

—Shhhh, Murilo – interrompe Beatriz tocando nos lábios de seu filho — Essa é a chance que você tem de fazer a diferença. Ela precisa de nós tanto quanto a gente dela e você sabe disso.

— Mas ela veio aqui a mando deles – alega Murilo , irritado com a atitude da mãe em não ver a realidade dos fatos — Ela não veio aqui por nós, veio para representar os interesses dos Beaufort.

— Filho, eu entendo perfeitamente a raiva que sente dos Beaufort. Todos nós sentimos – comenta Beatriz segurando a mão do esposo.

— Mas...? – questiona Murilo com uma ruga de preocupação na testa.

— Mas você não pode despejar essa raiva em cima da Ashley que sem dúvidas não sabe do que aconteceu. Então engula esse orgulho e admita que ela pode ajudar você na Decor. Mostre a Ashley o motivo pelo qual ela deve ficar conosco e sair da L&D. A verdade liberta , então seja sincero. – argumenta Beatriz.

— A senhora quer que eu a coloque perto do novo projeto? - pergunta Murilo , incrédulo.

— Não, eu quero que a coloque junto com você no projeto, como parte ativa. Confie e verá que ela vai te ajudar, independente do motivo que a trouxe aqui.

— É muito arriscado – retruca Murilo, cético — E se ela também veio aqui para levar informações dos nossos projetos , você sabe o que isso significa?

— Sei... – responde Beatriz.

— É o fim da Decor , mãe. – reforça Murilo tentando fazer a mãe mudar de ideia.

—Sim, mas ela não veio aqui pra isso e deixou bem claro que o motivo é o voto no noivo. Algo bem simples de se fazer e ainda acabará agradando a Ashley – argumenta Flávio.

— Pai...

— Arrisque, mas não a deixe ir embora. – pede Flávio deitando na cama novamente — Não cometa esse erro.

****

Ashley ajeita suas coisas , sendo atrapalhada por suas lágrimas. Só de pensar que terá de se explicar  a Clementine que fracassou, já sente um nó na garganta. Seu noivo com certeza cancelará o casamento e ela, ficará desempregada. Definitivamente se tornou tudo o que temia: um fracasso.Fecha sua última mala e a carrega , sendo ajudada pelo funcionário da casa.

— Ashley  – chama  Murilo da porta do quarto de Beatriz.

— Adeus , Murilo – despede-se Ashley se virando. Ela respira fundo e tenta manter a polidez — Obrigada pela estadia e desculpe-me...

— Você pode ficar – informa Murilo , fazendo Ashley parar de falar. Ele cruza os braços e a encara , sério — Só que tem uma condição.

Ashley encara Murilo , confusa. Há pouco tempo ele a tinha mandado embora e agora está deixando ela ficar. Ela respira fundo e solta a mala no chão,colocando as mãos na cintura e perguntando:

— Qual condição seria essa?

—  Primeiro, que me desculpe pelas coisas que disse a você. Amigos não se tratam assim. Você não mereceu escutar nada daquilo  – começa Murilo com dificuldades — Segundo, preciso que você participe ativamente do novo projeto da Decor.

— Participar ativamente? – questiona Ashley,desconfiada.

— Exato – afirma Murilo apontando os braços em direção a Ashley . As suas próximas palavras doíam , mas eram necessárias — Você irá conhecer todas as etapas desse projeto , terá carta branca para opinar e fazer alterações... Ao final, você dará um parecer a respeito dele. Claro, nós iremos contratá-la como consultora durante esse período, assim você poderá adquirir uma certa experiência para quando for exercer sua função de Diretora Geral da L&D.

— Mas isso significa que eu terei sua estratégia em minhas mãos... – explica Ashley, pensativa — Por que está fazendo isso? Sabe que eu posso muito bem passar o seu projeto para o Ludwig e acabar com você e a Decor.

— Eu sei disso, mas isso se chama confiar - responde Murilo, sério — Não que eu confie em você... mas os meus pais confiam e querem que você participe da empresa. Eles acreditam que talvez você note o erro que está cometendo.

— E o que você acha? – pergunta Ashley ,séria.

— Eu acho que você irá fingir que não venderá o projeto mais importante da Decor , será meiga com todos nós e assim que adquirir nossa confiança, irá entregar o projeto em uma bandeja de prata para o Ludwig, claro assim que tiver certeza de que votei em seu noivo e ele se tornar o Lord Speaker .Depois irá se casar e fingir que nada do que fez é errado enquanto eu e minha família tentamos nos reerguer. Isso é o que eu acho. – responde Murilo , ríspido.

— Pois então eu ficarei. Mostrarei a você que estou aqui apenas porque acredito na capacidade que o Darwin tem para ser o próximo Lord Speaker, nada além disso. – responde Ashley caminhando em direção a Murilo — Só para você morder a sua própria boca.

— Morder minha própria boca? – pergunta Murilo , confuso com o que ela quis dizer.

— Sim, aquela expressão que vocês usam quando a pessoa fala algo e acaba errando no final – explica Ashley nervosa.

— Oh, é morder a própria língua – corrige Murilo , com um sorriso na boca — É , e eu espero que você aprenda mais sobre a nossa cultura.

— Eu irei – afirma Ashley, cruzando os braços. Ela o encara , séria  — Quando começamos?

— Assim que me desculpar pelas coisas que disse – responde Murilo.

— Tudo bem, eu te desculpo. Desculpe-me também pelas coisas que disse no jantar.

—  Está desculpada. Agora  irei te levar para conhecer a Decor & Salto Alto. — avisa Murilo passando por Ashley que o encara curiosa.

****

Decor & Salto Alto, assim está escrito na fachada em enormes letras douradas em um dos maiores prédios do centro da cidade. Ashley caminha, admirando a beleza do prédio, com janelas que refletem o céu azul daquela manhã.

— Minha mãe se inspirou em sua primeira viagem ao Cairo –explica Murilo abrindo a porta de vidro para Ashley entrar.

— De muito bom gosto – elogia Ashley entrando no prédio.

A recepção é muito bem decorada com vários tipos de temas , todos já trabalhados pela empresa. Nas paredes fotos das fundadoras da Decor , os primeiros projetos e atrás do balcão um imenso retrato de Flávio Peixoto Wilkinson , pelo qual Murilo passa respirando fundo, enquanto Ashley que sente um aperto no peito ao ver a foto do padrinho . O tempo não passou para ele, pensa a jovem.

— Bom dia , Senhor Wilkinson – cumprimenta de forma sedutora, a recepcionista de belos cabelos castanhos. Enquanto a outra de cabelos curtos negros, solta um leve sorriso.

— Bom dia, meninas – responde Murilo , passando por elas enquanto Ashley revira seus olhos.

Ele entra no elevador junto com a inglesa, sério. Desde que saíram da mansão , Murilo não falou mais nada com Ashley e ela não sem importou muito com isso. Para ela é até melhor evitar conversar com ele. Após 20 andares , o elevador para abrindo suas portas para o mais belo escritório que a jovem já tinha visto. Na entrada, um balcão com uma jovem de cabelos cacheados com luzes o recepciona. Assim que os vê , a jovem vem na direção deles , sorrindo:

—Bom dia , Senhor Wilkinson – cumprimenta a jovem segurando uma pasta preta. Ela olha para Ashley com curiosidade , mas não pergunta nada a respeito.

— Bom dia , Cristina – responde Murilo sorrindo. Ele aponta para a Ashley e apresenta — Essa é Ashley Campbell Davenport, estará nos acompanhando no projeto " Pantanal".

— Bem vinda, Senhora Davenport – cumprimenta Cristina sorrindo.

— Senhorita – corrige Ashley em português. Se surpreende por ainda compreender a conversa no idioma local.

— Oh , desculpe-me a indelicadeza – pede Cristina , nervosa por ter cometido aquela grave.

— Não se preocupe , Cristina .Esse "senhorita" é só por enquanto –  alega Murilo , sério. Ele se vira para Ashley — Vamos ao projeto, tenho certeza de que irá gostar.

— Tudo bem – responde Ashley caminhando ao lado de Murilo e Cristina.

            Eles caminham em direção a mesa do Murilo, onde ele senta , sendo seguido pelas duas. O duque abre uma de suas gavetas enquanto fala:

— Eu tenho investido significativamente na equipe do Laboratório de Arqueologia do Pantanal e eles encontraram gravuras e pinturas, sendo que as gravuras têm predomínio nas representações gráficas em relação às pinturas. Nesse mesmo contexto arqueológico, foram encontrados vestígios materiais pertencentes aos primeiros habitantes da região. Além disso , mandei uma equipe nas tribos indígenas ainda localizadas no estado de Mato grosso do Sul , para conhecer melhor a arte deles. E minha equipe trouxe isto –  finaliza Murilo entregando uma peça artesanal de barro nas mãos de Ashley.

É uma travessa de argila vermelha decorada com gravuras brancas, tão bela que faz os olhos de Ashley brilharem. A perfeição da peça redonda parece ter sido fabricada em maquinário de última geração. Ashley tenta disfarçar sua admiração para que Murilo não comece a se gabar , pelo menos não ainda.

— É muito bonito... mas qual é a finalidade desse investimento? –  questiona Ashley , indiferente, colocando a travessa na mesa.

— Colocar a primeira cultura indígena brasileira na decoração contemporânea –  revela Murilo , empolgado — Quero valorizar a minha cultura , as peças , pinturas e quadros. Esse projeto "Pantanal" é o que dará a porta de abertura para os outros. Se ele funcionar, podemos expandir para as outras regiões do país. Eu quero que o Brasil e o mundo , conheça a cultura brasileira. Eu quero que cada casa decorada pela Decor & Salto Alto tenha uma peça brasileira. Quero transmitir a nossa real essência a todos e que saibam que essa travessa é a representação física da nossa cultura, dos nossos antepassados.

— É um projeto bem arriscado –  alega Ashley, receosa , pensando nos custos de manter esse tipo de decoração , além do nicho ainda não pesquisado. Um risco que ela prefere não correr.

— Sim , eu sei –  afirma Murilo , sorrindo — Eu investi tudo nesse projeto. Mesmo sabendo do risco , eu sei que ele vai funcionar. Mas preciso de alguém com outros olhos para me ajudar com ele.

— No caso, eu –  complementa Ashley, confiante.

— Sim. Nós já estamos na fase de identificação dos produtos. A minha equipe fotográfica já foi para o Mato Grosso do sul e está indo em cada uma das regiões do estado e os próximos a ir, seremos nós dois. Visitaremos a capital , onde tem peças artesanais exposta para comercialização. Quero entender como eles fazem esse processo comercial e verificar a possibilidade de uma parceria. Em seguida , Terenos , onde visitaremos uma tribo que fica entre essa cidade e Aquidauana. Logo em seguida , iremos direto para  Corumbá, onde tudo isso começou.

— E quando pretende realizar essa viagem? –  pergunta Ashley, curiosa.

— Nós dois iremos viajar amanhã. –  responde Murilo ressaltando a intenção de levar Ashley consigo.

— E por quanto tempo? – pergunta Ashley, rezando para que não passe de uma semana, assim terá tempo o suficiente de mexer com os preparativos de seu casamento.

— O tempo que for necessário. O tempo mínimo são cinco semanas no estado , precisamos saber tudo o possível e verificar a viabilidade. – responde Murilo enigmático.

— Mas daqui a seis semanas  será o meu casamento! – exclama Ashley, com as mãos erguidas — Eu não posso ficar tanto tempo assim . Não há outra maneira?

— Não , Ashley. Essa é a minha condição: Ou você passa essas cinco semanas aqui comigo , ou voltará para Inglaterra de mãos abanando – revela Murilo com os braços cruzados — O que vai ser?