Malú caminha em direção ao carro estacionado sendo observada por sua tia que nota o rosto vermelho da jovem. Aline abre os lábios para perguntar sobre a sessão, mas desiste, sente que precisa dar espaço para Maria Luísa.

— Está tudo bem? – pergunta Aline tocando no rosto de Malú que acena positivamente para ela.

Cada uma senta em um canto do carro admirando a bela paisagem curitibana. Malú, pensando nas palavras de Ariadne, enquanto Aline pensa em quanto tempo falta para tudo aquilo se tornar apenas uma vaga lembrança. Mas enquanto isso não acontece, ela precisa encontrar uma forma de animar Malú e trazer um pouco de diversão para a vida dela. Então a tia de Malú sorri enquanto procura algo em sua bolsa, já sabe o que fazer.

— Reginaldo, pode nos fazer um favor? – pergunta Aline ao motorista.

— Sim, senhora – responde o motorista encarando pelo retrovisor.

— Coloque esse pendrive no som. Música dezenove e no último volume – informa Aline entregando o pendrive a Reginaldo.

Girls Just Want To Have Fun, da cantora Cyndi Lauper toma conta do carro fazendo Malú sorrir. Aline segura uma caneta entre as mãos e começa a dublar a cantora. Sua performance é observada com estranheza pelo motorista. Ela entrega a caneta para Malú que arrisca alguns gestos até que a música acaba.

—Dirija até o paintball mais próximo. – ordena Aline recebendo um olhar surpreso de Malú — Sim, nós precisamos de um pouco de diversão.

— Senhorita Aline, acredito que a senhora Almeida não irá gostar disso. – avisa Reginaldo.

— Deixe que com ela, me entendo depois – responde Aline, animada —Apenas dirija até o paintball... E claro, volte à música.

♫Oh girls... They wanna have fun
Oh girls Just wanna have fun♫

***

Maria Luísa ajeita elegantemente seu lenço vermelho em volta do pescoço que cai sobre a camisa social branca, combinando com o conjunto de terno e saia preto, bem como a meia calça da mesma cor. Ela encara o espelho, analisando o uniforme da Associação das Senhoras de Magistrados da qual é presidente.

As Senhoras de Magistrados se ocupam de promoções sociais e beneméritas, e colaboram voluntariamente, com as realizações comunitárias empreendidas pelo respectivo Magistrate Clube. Além de cooperar e auxiliar entidades filantrópicas, assistenciais e educativas; e outras obras assistenciais necessárias à comunidade e ao bem–estar da coletividade.

Associação das Senhoras de Magistrados é uma entidade formada, voluntariamente, por esposas e parentes de Magistrados, como sócias efetivas, e outras senhoras e senhoritas da sociedade, na qualidade de sócias cooperadoras, beneméritas e honorárias. No caso de Maria, todas as mulheres de sua família foram membros da ASM e presidentes na Entidade. E o objetivo da reunião delas em sua casa é justamente garantir o lugar de Malú na ASM e também a vitória de Thiago nas eleições. Estava na hora de fazer valer seu legado.

— Elas chegaram – avisa Adelaide na porta.

— Obrigada – agradece Maria indo em direção a porta. Ela observa seu relógio de pulso, pelo horário Malú e Aline já deveriam estar em casa. Para em frente Adelaide e ordena —Assim que Malú chegar peça para que ela vá até a sala.

— Sim, senhora – responde Adelaide fechando a porta atrás delas.

Assim que entra na sala de estar encontra todas as representantes da Diretoria, dos Conselhos e Comissões da ASM conversando, animadas. Pelo menos até a chegada da matriarca, o que faz com que fiquem caladas olhando para Maria que senta em sua poltrona de couro marrom, tranquilamente.

— Boa tarde – cumprimenta Maria.

— Boa tarde – responde todas ao mesmo tempo.

— Sei que todas devem estar curiosas com o meu pedido para essa Reunião – começa Maria rejeitando o café que está sendo servido por uma de suas empregadas a todas — Como todas já sabem, Thiago é candidato ao Senado.

— Sim e tanto a ASM quanto o Magistrate Club já oficializou o apoio ao candidato. – recorda à senhora de cabelos ruivos em Chanel antes de tomar um gole de seu café. Ela é a vice presidente da Associação.

— Obrigada por me lembrar, Silvia – agradece Maria, secamente. — Mas eu preciso mais do que o apoio do Magistrate Club e da ASM.

—Mais? –questiona Silvia erguendo a sobrancelha.

— Nós iremos focar todos os nossos esforços nas eleições do meu filho. Cada ação realizada, cada aparição, cada obra... Tudo seja relacionada ao Thiago.

— Mas dessa forma você estará ferindo aos mandamentos da ASM e também do Magistrate Club– contesta outra senhora que lutava para que o botão de seu terno não abrisse.

— Não estou não, Denise. Até por que quantas vezes vocês me pediram apoio para os projetos do marido de vocês? – questiona Maria — Eu só estou cobrando o favor. O que nos leva a outra pauta... Minha neta – olhares surpresos encaram a matriarca que não se intimida. —Por favor, não sejam patéticas. Vocês já sabiam muito bem da existência da minha neta, filha de um caso passageiro do Thiago.

— Quem sai aos seus, não degenera – comenta Sílvia, arrancado alguns risos tímidos das senhoras.

Maria Luísa fica em silêncio observando cada uma das mulheres que riram do comentário da vice–presidente.

— Espero que não acredite nessa frase, Sílvia. A menos que pretenda abrir uma clínica de reabilitação para esconder os viciados de sua família. – comenta Maria, calmamente. Ela sorri em direção a outra que está comendo um biscoito — E você Rose, o que dizer do seu marido espancador de mulher, quer que isso se perpetue para suas noras? Denise vai demorar quanto tempo até sua filha tentar suicídio? Clarice, como anda seu relacionamento com o seu sobrinho?

As mulheres se calam observando Maria que continua revelando o segredo de cada uma ali presente. Aliás, elas sabem que só estão ali graças a Maria e sua influência.

***

Aline e Malú descem do veículo que acaba de ser estacionado por Reginaldo. As duas estão descabeladas, cheias de tinta pelo corpo até nos cabelos, mas felizes pela tarde divertida no paintball.

— Obrigada, Reginaldo – agradece Aline antes de acompanhar Malú para dentro da mansão.

Mas a alegria delas acaba quando se deparam com Adelaide no hall da mansão, nervosa. Elas se aproximam sob o olhar horrorizado da governanta.

— Jesus, Maria e José, onde vocês estavam? – sussurra a empregada balançando os braços

— Depois da psicóloga, decidimos ir ao Paintball – responde Aline, animada abraçando Malú.

— A Dona Maria não vai gostar nada disso – sussurra Adelaide observando o hall. Ela segura as duas pelo braço as puxando em direção a escada —Subam logo, antes que ela veja vocês.

— Por que está sussurrando? – pergunta Aline, confusa — E o que tem ela nos ver?

— Ela está com visita das Senhoras de Magistrados. Vamos, subam. – pede Adelaide, nervosa — E você, Malú, escolha uma roupa bem bonita, pois ela pediu sua presença.

Malú encara a empregada surpresa. Por que será que a avó quer sua presença na sala?

— O que está acontecendo aqui? – questiona Maria surgindo no hall. Ela observa a neta da cabeça aos pés — Por que estão parecendo moradoras de rua? Quer saber, esqueçam , vamos. – chama a matriarca apontando para a sala.

— Vai lá –incentiva Aline.

— Você também, Aline. – comenta Maria, séria.

— Eu também? Por quê? – questiona Aline sendo ignorada por Maria que já caminha de volta para a sala.

Assim que Malú e sua tia entram na sala recebem o mesmo olhar de julgamento de Maria, só que dez vezes mais. Elas param ao lado da poltrona da Senhora Almeida que segura com cuidado à mão de Malú.

— Essa é Maria Luísa Braga de Almeida, minha neta e representa a próxima geração de mulheres de minha família a fazer parte da Associação das Senhoras de Magistrados. – apresenta a matriarca arrancando aplausos das mulheres presentes.

—Quantos anos você tem, minha jovem? – pergunta Sílvia, curiosa.

— Dezesseis anos – responde Aline no lugar de Malú.

— Uma pena, pois quando as jovens das famílias do Magistrate Club fazem quinze anos, elas participam do nosso Baile da debutante e são apresentadas à sociedade. – explica Denise fingindo estar triste – Uma pena você já ter dezesseis.

— Sim, ela tem dezesseis anos e será apresentada no baile de debutante deste ano. – revela Maria surpreendendo a todas, principalmente a Malú.

— Mas o baile acontecerá em menos de um mês. Nós já estamos com tudo preparado para as debutantes – comenta Sílvia, surpresa — Ela nem ao menos participou dos ensaios... Não repassou suas informações pessoais... Nem temos um rapaz da Magistrate Club para ela...

— Eu sei. – responde Maria. Ela toca no ombro da neta e continua — Mas não se preocupem, a Malú será preparada por mim e eu me encarregarei de tudo.

— Mas será que ela estará pronta? – questiona Clarice analisando Malú dos pés a cabeça.

— Ela é uma Almeida, Clarice, nasceu pronta. Preocupe–se apenas com a sua neta e a sua falta de conduta. – responde Maria, ríspida —Estão de acordo?

— Sim... – respondem, intimidadas.

— Malú, pode ir. – ordena Maria a sua neta que sai da sala deixando Aline sozinha no meio daquelas distintas senhoras.

— Apresento a vocês, Aline – diz Maria apontando para tia da Malú — Ela é a cuidadora da minha neta.

— Ela também fará parte da ASM? – pergunta Sílvia, nervosa.

— Não, mas ela tem uma ideia que poderá ajudar meu filho a crescer nas pesquisas e nós iremos ajudá–la. – responde Maria encarando Aline que não tem ideia do que a matriarca está falando. — Conte para elas do grupo de Aprendizagem em Libras que você descobriu.

Aline encara Maria por um bom tempo tentando descobrir como Maria sabe a respeito do Grupo e o que pretende com aquilo. Ela respira fundo, independente de quais sãos as reais intenções de Maria, nada melhor que um grupo de senhoras da sociedade para ajudar o Grupo, e então começa a contar tudo o que sabe recebendo olhares interessados conforme faz o seu relato.

***

Uma a uma, as Senhoras de Magistrados se despedem de Maria Luísa e Aline. Assim que a última senhora sai pela porta, Aline encara a matriarca com um sorriso: elas conseguiram convencer ASM a apoiar o grupo de Aprendizagem e o transformar em um grande projeto social.

— Não me agradeça – repele Maria, séria.

— Não irei – responde Aline cruzando os braços —Mas devo admitir que você é dura na queda.

— Não me tornei presidente à toa. – comenta Maria.

— Vamos ver se isso será o suficiente para convencer o Thiago a aceitar inserir o projeto na campanha.

— Eu já o convenci de coisa pior... – comenta Maria, calma.

— É eu quase tinha me esquecido que foi você quem separou o Thiago da Anna. – dispara Aline, séria.

— Sacrifício por um bem maior – responde Maria encarando Aline — Você não entenderia...

— Eu também não entendo como você ficou sabendo a respeito do grupo.

— Aline, essa é a minha casa, sempre sei de tudo. Nunca esqueça isso – responde Maria se afastando.

— Impossível esquecer –sussurra Aline subindo as escadas.

***

Malú desce correndo as escadas quando escuta as badaladas do relógio que indicam ser duas e meia da tarde. Tem apenas meia hora para estar de volta ao consultório de Ariadne. Aline caminha logo atrás da jovem, rindo da agitação da sobrinha.

— Onde estão indo? – pergunta Maria entrando na mansão quase sendo atropelada pela neta.

— Hoje é o primeiro dia da Malú no Grupo de Libras – explica Aline.

— Reginaldo – chama Maria esperando o motorista se aproximar e então ordena —Leve minha neta e fique lá até que termine seus afazeres.

— Eu sei que não posso levá–la sozinha ao consultório – resmunga Aline.

—Mas não irá com ela hoje – avisa Maria.

— Por que não? – questiona Aline, irritada. Como aquela mulher se atreve a dizer aquilo.

— Bom, é bem simples. Agora você é uma representante da campanha do meu filho perante ASM. – começa Maria analisando Aline dos pés a cabeça —Nós precisamos melhorar o seu guarda roupa, por isso iremos às compras... E ao cabeleireiro também.

—Não vejo necessidade...

— Cooperação, Aline. Cooperação – comenta Maria entrando na mansão.

Aline respira fundo e volta para mansão deixando Malú ir sozinha ao consultório.

***

"Você é pontual" diz Benjamin em libras para Malú que está sentada na porta do consultório de Ariadne.

Ela passou de ontem para hoje ansiosa pensando em como seria essa reunião com Benjamin. Já estava para desistir quando ele surgiu n no portão da clínica com sua bicicleta.

"Olá” escreve Malú chutando uma resposta para a fala incompreendida de Benjamin.

"Algumas regras precisam ser estabelecidas já que tem interesse em fazer parte do grupo. Número 1" Benjamin no tablet de Malú” Proibido outras formas de comunicação além de libras."

"Sim" tenta Malú em libras.

Benjamin segura a mão de Malú que fica vermelha com o toque, ele fecha o dedo mindinho e o polegar da jovem, os fazendo se tocar então desliza a mão dela para baixo, corrigindo o sinal de SIM. Então segura as mãos dela entre as suas, conduzindo–as pelo ar:

“Número dois: Suas mãos agora são minhas e elas farão o que eu disser. Você só as terá de volta quando eu disser que está pronta, começando agora"