Malú escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 23
Capítulo 22




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— Eu? Ser professora de piano da Malú? – pergunta Maria, surpresa. Nunca passou pela sua cabeça que seu filho a cogitaria para fazer algo desse gênero. Ela sorri, com um misto de timidez e surpresa, pois lhe faltam palavras.

— Sim, qual o motivo da surpresa, mamãe? – pergunta Thiago, curioso. Nunca em sua vida tinha visto sua mãe surpresa com algo.

— Bom, pois não é tão simples assim ser professora de piano. É preciso excelência no que faz saber passar o conhecimento... Nem todo musicista nasceu para ser professor e não me vejo com capacidade para fazer tal coisa, ainda mais quando se trata de Maria Luísa, uma pedra bruta em todos os sentidos.

—Mamãe, por favor, sei que a senhora é o melhor para ela. – alega Thiago.

— Meu filho, não sou nem de perto uma professora – argumenta Maria, reticente.

— Eu penso o contrário... – rebate Thiago indo em direção a sua mãe. Ele toca nos ombros de Maria a forçando encará-lo — Ainda me lembro da senhora tentando ensinar a mim e Ícaro no piano, com toda paciência, zelo, cuidado... Mesmo ele sendo contra.

—Isso é passado, hoje sou uma pessoa totalmente diferente. Não tenho a paciência de antes e Malú tem um gênio muito difícil — alega Maria se afastando.

— Tal qual a avó. – dispara Thiago colocando as mãos no bolso de sua calça enquanto observa sua mãe se virar em sua direção — Malú e a senhora não compartilham apenas o mesmo nome, aparência, mas também a personalidade das duas é exatamente a mesma. Por conta disso, sei que a senhora é a única capaz de ensinar Malú.

— Não sei, preciso pensar... – explica Maria, receosa.

— Façamos um acordo: Dê uma aula para ela hoje e se achar que não será possível ensiná-la, permito que escolha o melhor professor para ela. Estamos de acordo?

—Tudo bem – aceita Maria com certa relutância — Mas o professor que eu escolher para ela deverá seguir totalmente as minhas orientações.

— Como a senhora quiser – concorda Thiago sorrindo.

— Tudo bem, irei dar essa aula hoje, mas já adianto que será a última – garante Maria se virando e saindo do escritório.

Tenho certeza que será a primeira de muitas, pensa Thiago.

***

Aline caminha em direção a sala de música, encontrando Malú dedilhando no piano, fica admirada com sua sobrinha: aquele é um dos raros momentos em que nota felicidade na jovem que há algum tempo não existia. Malú sorri a cada vez em que acerta a nota da música Moonlight da última aula, então sua tia senta ao seu lado tocando um trecho inteiro sem o menor erro, suas mãos ágeis percorrem todo o piano, surpreendendo a sobrinha que a encara, curiosa:

— Aprendi com o pessoal do serviço – justifica Aline, erguendo os ombros.

— Rumpf, rumpf!- tosse Maria, delicadamente, atrás de Aline, assustando a neta que para imediatamente de tocar.  — Bom saber que ao menos o aquecimento ela te ensinou.

Ela caminha até o belo armário de madeira maciça, ignorando totalmente a presença de Aline que se afasta. Abre o armário, onde guarda suas partituras, em pastas com ano, estilo e músico. Pega a pasta de nome Clara Schumann.  Solta um breve sorriso ao lembrar-se da primeira vez em que ouviu falar daquele nome.

Era uma tarde de chuva, seu pai havia acabado de determinar que ela se casasse com Alexandre, filho de um jurista que estava seguindo os caminhos do pai.  Estava sentada em frente ao seu melhor amigo sem ânimo para tocar, quando seu professor chegou e a encontrou ali.

“O que houve? perguntou seu amado professor”.

“Meu casamento já foi arranjado, o que significa que não poderei seguir meu sonho de ser maestrina. Respondeu, tocando levemente o piano. Sorri e então encara seu professor dizendo: Que tola fui eu em achar que seria possível ser uma maestrina tal qual Chiquinha Gonzaga.”

“Por que acha que não poderá?”

“Não é óbvio? Casarei, serei forçada a ser uma boa dona de casa, mãe e esposa ideal. Não há espaço na vida de uma mulher casada para os seus sonhos”

“Como és tola, por pensar assim. comenta o professor. Ele mexe por alguns instantes em suas partituras e então retira uma com o nome de Clara Schumann: Convido a você conhecer uma das pioneiras no piano, casada, mãe e dona de casa. Hoje tocaremos suas músicas e verá que seus sonhos só depende de você”

Maria se aproxima de Malú, senta no banco ao lado da neta, coloca a partitura da música Allegro em seu devido lugar e então encara a jovem, dizendo:

— Hoje eu quem darei aula a você. Diferente de sua professora, não irei ensiná-la apenas a tocar as notas e escutar a música... Um músico não é somente tocar a música em sua perfeição. Se quiser ser uma musicista terá de aprender a tratar esse senhor em sua frente com todo respeito, pois ele é o que fará você a realizar os seus sonhos. Ele será o seu amigo, parceiro, companheiro, amante... Com ele você aprenderá a dançar se manifestar, dar sonoridade aos seus sentimentos. Se não tiver capacidade para tal coisa, peço que me avise assim não perderemos tempo. Alguma dúvida?

“Por que Jaqueline não veio hoje?” escreve Malú.

—Jaqueline pediu demissão e isso é tudo o que precisa saber. – responde Maria, ríspida.

— Posso ficar para assistir ou serei demitida também? – pergunta Aline, irônica.

— Se quiser ficar, tudo bem – responde Maria sem se virar. Ela segura as mãos de Malú as colocando sobre as tecladas — Sinta as teclas, elas são as extensões de seus dedos, elas agem de acordo com o que você deseja, mas esse desejo tem de vir do coração. As teclas irão transmitir tudo o que sente com a música de forma fiel.

Malú olha para a partitura, as notas são bem mais difíceis que as trazidas pela professora, tem medo de errar as composições, ainda mais na presença de sua avó que já mostrou ser uma exímia pianista.  Maria toca na mão da jovem atraindo sua atenção:

—Sei que parece uma música complicada, mas você precisa entender que não irá tocá-la com perfeição na primeira vez. Na primeira vez, quero ver o quanto de coração está colocando nas aulas. Agora eu irei contar brevemente a história de Clara e só depois irá tocar.  Clara começou a ter lições de piano desde os cinco anos com seu pai, um excepcional pianista, porém ele era muito rígido, diferente de sua mãe, Marianne, uma excelente musicista. Com o divórcio dos dois, Clara acabou ficando com seu pai. Aos 13 anos ela já desenvolvia sua carreira de pianista ao redor da Europa. Ela se esforçava para ser a melhor tanto como compositora como em desempenho, aprendendo as músicas mais desafiadores de Chopin, Car Weber, Brahms entre outros.

Aos quinze anos se apaixonou perdidamente por Robert Schumann, aluno de seu pai, boêmio e totalmente instável mentalmente. Seu pai foi contra, porém eles foram a justiça para poder viver esse amor e então Clara se casou aos 21 anos. Depois do casamento Clara e Robert passaram a trabalhar junto, porém não era a mesma coisa. Clara não conseguia consolidar sua carreira ainda mais com oito gestações consecutivas, e um marido abusivo que colocava a carreira dele sempre como prioridade.

Após quatorze anos de união baseada em crises nervosas do marido e Clara tomando as responsabilidades familiares sozinha, Robert falece. Clara fica sozinha com os filhos, e passar a dar aulas e fazer apresentações para sustentar a família. Mas isso não durou muito tempo, pois ela conseguiu consolidar sua carreira, ficando livre para compor e dar os seus concertos.

Clara sofreu por anos de uma dor crônica atribuída aos excessos de treinos na tentativa de executar as obras orquestrais de Brahms, porém ela não desistiu. Os últimos anos da compositora foram marcados por uma brilhante carreira como professora e o reconhecimento como concertista. – finaliza Maria encarando Malú — Agora toque Allegro com tudo o que sente agora.

Malú coloca seus dedos levemente sobre o teclado olhando a partitura que agora não parece ser tão difícil quanto foi a vida de Clara.  As primeira notas saem com receio, lentas, medrosas, com longas pausas, a descoberta da sonoridade da música impressiona Malú por ser tão doce, romântica, com o tempo seus dedos se tornam mais ágeis, selvagens, a jovem quase não olha para partitura como se soubesse de cor as próximas notas, algumas equivocadas a fazem torcer os lábios, fazendo Maria se recordar do gesto que também fazia quando errava. Aline admira a jovem tocando, ela parece ter nascido para aquilo, por mais que não quisesse admitir, a probabilidade de Malú aprender a tocar piano era remota se estivesse morando com ela.

Primeiro, porque não teria condições de pagar aulas de piano. Segundo, ela mesma não é fã de piano. Ainda se lembra o quão era difícil para si aprender todas aquelas partituras, quando mais jovem. Só de fechar os olhos consegue escutar sua professora alemã gritando por um erro mínimo praticado na primeira parte de Hammerklavier. Terceiro, ela não teria condições de comprar um piano e muito menos investir na carreira da sobrinha. Malú já está arfando quando finaliza a música, recebendo aplausos acalorados de Aline e dos funcionários, fazendo Maria se virar e encará-los, só de olhar eles entenderam que é a hora de voltar ao trabalho. Mara se vira para Malú:

—Bom, agora preciso que pratique três horas por dia essa música até que tenha a capacidade de recriá-la sem todos esses erros grotescos de iniciante. Para sua sorte, eu decidi aceitar e serei sua professora de piano. E você, Malú, será a melhor musicista que esse Brasil já viu. Pode se retirar agora.

Malú se levanta com um misto de felicidade e insegurança. Está feliz por sua avó acreditar que ela possa ser uma grande musicista, mas insegura sobre se realmente é isso que deseja fazer na vida. Aline nota a insegurança de Malú que passa por ela lhe dando um leve sorriso. 

Maria ajeita o piano com delicadeza, uma das coisas que terá de ensinar a Malú na próxima aula é ser mais zelosa com o piano. Está guardando as partituras no lugar quando percebe Aline ainda está na sala de música com os braços cruzados a observando atentamente.

—O que deseja Aline? – pergunta Maria fechando o armário sem olhar para a tia de Malú.

— Eu quero parabenizá-la pela aula de hoje. Achei que você fosse ser uma professora carrasca...

—A aula de hoje foi apenas um aperitivo – interrompe Maria encarando Aline, séria. — Eu sei que não ficou até agora para me elogiar, então vá direto ao assunto.

— Eu não acho correto você forçar a Malú a ser musicista.

—Eu não estou forçando Malú a fazer nada que ela não goste. Só estou dando a oportunidade dela ser mais do que realmente seria com as oportunidades que teve –alega Maria alfinetando Aline.

—Ela é muito jovem ainda para tomar uma decisão tão importante com relação a carreira.

— Nova? Malú tem 16 anos , está mais do que na hora dela começar a tomar decisões para o bem do seu futuro. – argumenta Maria se aproximando de Aline.

— Mas forçá-la não é o caminho...

— Então qual é o caminho? Ela ser igual a você?

— E qual o problema dela ser como eu?

— O problema é que nós não permitiremos  que ela vire as costas para nossa família e se torne uma errante, ou uma garçonete em um hotel qualquer.

—Ainda não vejo qual o problema dela querer ser assim...

— Tem certeza que não vê? – questiona Maria enigmática — Você melhor que ninguém aqui deve saber o que é nascer em berço de ouro e depois acabar vivendo de esmola. Você sabe o quanto isso é difícil e tenho certeza que não deseja esse destino para a Malú.

—Você não sabe nada a meu respeito – dispara Aline , irritada.

—É ai que você se engana , Aline. Eu sei tudo a seu respeito, tudo.


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