Malú escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 13
Capítulo 12




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Cabelos pretos amarrados em um rabo de cavalo, combinando com a barba que não é feita há anos, em sua orelha um enorme buraco, indicando que ali é o lugar de seu alargador, a tatuagem aparecendo tímida no braço esquerdo do fonoaudiólogo que analisa com cuidado os exames de Malú. A jovem tenta descobrir qual a banda na camiseta do médico que está por debaixo de seu jaleco.  Thiago também observa o homem com receio de ser ele mesmo fonoaudiólogo mais respeitado de Curitiba, sendo o único especializado em afonia psicogênica, pelo menos foi isso que sua noiva lhe garantiu ao marcar a consulta. Ricardo está alheio aos olhares curiosos daqueles dois, devido o caso incrível da jovem a sua frente. Ele sorri e olha para pai e filha que tentam disfarçar que olhavam para o fonoaudiólogo.

 — Maria Luísa, o que você tem nós chamamos de Afonia de conversão- revela o fonoaudiólogo empolgado com seu diagnóstico. Malú e Thiago se entreolham sem entender o que aquilo significa. Então o médico, liga seu data show e coloca a videolaringoestroboscopia de Malú feito pelo otorrinolaringologista em Belo horizonte para todos assistirem — Analisando a laringe verificamos sempre se as cordas vocais conseguem ou não manter a distância quando se tenta falar. Quando se trata apenas de uma afonia funcional, as cordas não conseguem entrar em contato, no entanto não ocorre nenhum impedimento quando a pessoa tosse. No caso de Maria Luísa podemos ver que, auditivamente, não há emissão alguma de som. Porém, existe a articulação, como podemos ver no vídeo, há fenda triangular em toda a extensão, mas não há vibração da mucosa. Logo, estamos lidando com a afonia de conversão que acomete frequentemente as mulheres.

 — Maria Luísa, me espere lá fora. Preciso conversar com o médico. – pede Thiago com a expressão preocupada.

Maria Luísa se levanta e sai sob o olhar dos dois homens. Então Thiago volta a encarar o médico.

 — E o que o senhor recomenda para que possamos reverter o quadro?  — pergunta Thiago, preocupado.  — Quais remédios a minha filha terá de tomar para voltar ao normal? Algum antibiótico? Eu estava lendo que antibióticos conseguem reverter essa situação.

 — Remédios?  — questiona o fonoaudiólogo — Submeter a sua filha a tratamento medicamentoso, inclusive com antibiótico, é totalmente desnecessário. O caso da sua filha está diretamente relacionado a distúrbios psicoemocionais, como ansiedade, angústia, depressão, a reação de conversão (incluindo disfonia), transtornos de personalidade e os conflitos interpessoais na família. Em crianças e adolescentes, essa disfonia psicogênica é rara, mas, quando ocorre, é geralmente relacionada às situações traumáticas de abuso sexual ou morte de familiar próximo, sendo este último o caso da Maria Luísa.

 — Então, qual é a sua sugestão?  — pergunta Thiago, sério.

 —  Recomendo a fonoterapia e a psicoterapia, sendo trabalhadas em conjunto. Existem estudos que comprovam que 70% dos pacientes tiveram melhora ou resolução dos sintomas vocais. Quando a fonoterapia é utilizada isoladamente, apenas 12,5% dos pacientes tiveram melhora dos sintomas vocais.

 —  Apenas 70% de chance de voltar a falar? – questiona Thiago em choque —  Isso é um valor muito... Muito... Baixo.  Ela pode simplesmente, não voltar mais a falar.

 — Senhor Thiago, preciso que entenda que qualquer tipo de terapia é um processo difícil, árduo e prolongado. Exige esforço, disciplina e determinação por parte do paciente e dos profissionais. Precisa entender a complexa relação entre os comportamentos, neuropsicológico, intrapsicológico e interpessoal que afetou a sua filha.  Preciso reforçar também que esse tipo de afonia pode demorar entre dias, meses e até anos para chegar a ter um sucesso de 70%. Compreendo que os números são desanimadores, mas veja que existe uma solução e que esse tipo de tratamento é fundamental para esta situação. Além do apoio da família, ela precisa de um ambiente familiar confortável e que não gere nenhum tipo de perturbação a ela.

 —  Ela perdeu a mãe e acabou de se mudar para a casa de um candidato a senador mais odiado do estado, como acha que está o ambiente familiar? – pergunta Thiago que levanta indo em direção à porta.

 — Se você realmente deseja que ela tenha alguma chance de voltar a falar, comece a pensar em mudar o ambiente para o melhor possível  — responde o fonoaudiólogo que recebe em troca apenas a porta sendo fechada com força.

***

 — 1, 2,3... Gravando - avisa o diretor, apontando para a câmera logo a frente de Graziela.

 — Olá, meu nome é Graziela Financhielli e... - apresentaGrazi, se levantando do sofá de couro da mansão dos Almeida. Ela dá um sorriso nervoso, havia esquecido mais uma vez a fala do comercial — Desculpem-me, vamos mais uma vez.

Ela senta novamente em seu sofá, ajeita seus cabelos loiros e o terno branco que veste. Já errou mais vezes do que imaginava algo bem simples: Chamar as pessoas para assistir o reality show do seu casamento com Thiago. Talvez realmente fosse mais fácil se ele estivesse ali do seu lado, mostrando apoio naquele projeto.

 — Pronta? - pergunta o diretor, despertando Graziela de seus pensamentos.

 — Prontíssima, vamos lá. - responde Graziela, olhando para a câmera com o maior sorriso que tinha para oferecer naquele momento.

 — 1, 2, 3... Gravando - conta o diretor, apontando para a câmera logo a frente de Graziela, mais uma vez.

 — Olá, meu nome é Graziela Financhielli e hoje tenho um convite especial a fazer para vocês em meu nome e no do meu noivo, Thiago de Almeida – Grazi se levanta calmamente, sem tirar os olhos da câmera — Quero convidar a todos para participar do grande momento de nossas vidas: O nosso casamento. Estamos abrindo as portas da nossa casa para que vocês possam acompanhar passo a passo todos os momentos importantes até chegada do nosso grande dia. Conto com a presença de vocês todas as terças no Canal A gente. Até lá.

 — E... Corta! - finaliza o diretor, encerrando as filmagens - Essa tomada ficou ótima, pessoal. Obrigada mais uma vez Graziela por ter nos recebido aqui na casa do senador.

 — Eu que agradeço a vocês pela paciência que tiveram comigo. Como perceberam, eu não nasci com o dom da atuação. – brinca Grazi.

 — Mas foi ótima, Graziela. Com certeza vai cativar muita gente. - elogia o diretor. 

 — Espero que sim - responde Graziela, sorrindo.

 — Dona Graziela, seu celular - avisa Adelaide, entregando o celular para a patroa.

 — Quem é? - pergunta Graziela, curiosa.

 — Não sei... Ele disse que era um assunto de seu interesse - responde a empregada.

 — Obrigada - agradece Graziela, praticamente arrancando o telefone das mãos da empregada.  Ela sorri para o diretor, tentando não demonstrar seu nervosismo — Eu realmente preciso atender essa ligação...

 — Tudo bem, depois eu falo dos detalhes do primeiro episódio com a sua irmã. Queremos fazer um piloto bem família para atrair a atenção... –comenta o diretor.

 — Eu até prefiro que seja com ela essas coisas. -interrompe Graziela, rapidamente. Ela aponta o telefone para o diretor — Eu realmente...

 — Tudo bem - concorda o diretor, saindo de perto sem graça.

Ela sai da sala e caminha apressada para seu quarto, onde atende ao telefone dizendo:

 — Quantas vezes tenho que dizer para você que sou eu quem tem que ligar?

 — Eu preciso saber...

 — Já disse que temos de esperar a poeira baixar... Mas estamos todos bem, entendeu? Estamos TODOS muito bem. Aguarde eu entrar em contato. Até – despede-se Graziela secamente, desligando o telefone.

 — Com quem você estava falando Graziela?

 — Olá, Vera - reconhece Graziela se virando, sorridente.

 — Olá, irmãzinha... Então com quem você estava falando tão brava? - pergunta Vera, mais uma vez.

 — Com um repórter chato... Depois que saiu aquele boato do reality show, meu celular não para de tocar. Estou sendo forçada a ser grossa com alguns- responde Graziela, nervosa. Ela sorri para a irmã e muda de assunto - Viu o comercial? O que achou?

 — Bom... Ficou muito bom. Você ficou bem natural. Depois temos de nos reunir com eles para definir o piloto, tudo bem? – informa Vera.

 — Sabe, eu acho que o comercial teria ficado melhor se houvesse a participação do Thiago - confessa Graziela — Ele sabia que tínhamos o comercial para hoje...

 — Ele tinha a consulta da Malú, lembra? Aquela que você marcou justamente hoje - retruca Vera, erguendo a sobrancelha — Sem contar que ele já concordou em participar do reality, então não devemos forçar a barra para que ele participe também do comercial. Além do mais temos de ganhar a confiança dele para permitir que a Malú também participe do reality. Imagina como seria demais todos participando. Será uma vitória esmagadora contra todos os outros.

 — Eu sei é que... -começa Graziela, parando alguns instantes.  — Eu só queria ter um pouco de prioridade na vida dele. 

 — Irmã, não começa com drama. Esse não é o momento de sermos egoístas. Estamos em busca de um bem maior... Que é a candidatura dele. Daqui uns meses, todos nós estaremos com o que desejamos... E você o terá só para ti.

 — Você só esqueceu-se da Malú, Vera - argumenta Graziela.  — Ou ela vai simplesmente desaparecer, assim que tudo isso acabar?

 — Não se preocupe com ela agora. Só a deixe sempre perto de você que após o seu casamento, ela deixará de ser um muro entre você e o Thiago, tenho certeza – sugere Vera.

 — De qualquer forma tenho de esperar mais dois meses para isso tudo acontecer.

 — Para quem esperou a vida toda, o que seriam dois meses? - pergunta Vera. Ela respira fundo— Bom, eu vou verificar algumas coisas com o pessoal do reality show... - ela se vira e continua — E vou fingir que a ligação era de um repórter.

Graziela estremece com as últimas palavras da irmã que caminha tranquilamente pelo corredor. No fundo, tem grandes chances da irmã realmente saber quem era a pessoa do telefonema.

***

Assim que Thiago e Malú chegam à mansão, são recepcionados pelas irmãs Financhielli e toda a equipe do reality show. Ao ver seu noivo chegando, Graziela abre um belo sorriso. 

 — Oi, amor. Até que enfim você chegou - exclamaGrazi, o beijando logo em seguida.

 — Desculpe-me por não ter conseguido comparecer na chamada do programa – pede Thiago, não muito convincente. 

 — Tudo bem - responde Graziela, tocando no queixo do noivo — Nós estamos preparando agora o piloto para o programa, se quiser opinar em algo essa é a hora.

 — Não, meu bem – recusa Thiago, beijando as mãos pálidas da noiva — Eu prefiro deixar em suas mãos, esse é um projeto seu. Só me avise quando eu tiver de aparecer, que o farei.

 — Então tenho carta branca? - pergunta Graziela, curiosa.

 — Carta branca. O Reality show é todo seu - responde Thiago. Afasta-se um pouco— Agora eu vou analisar algumas coisas da campanha, peça para sua irmã ir ao escritório quando vocês terminarem.

 — Pode deixar - diz Graziela com um sorriso de orelha a orelha.

Ela observa o noivo se afastar e por fim entrar no escritório, então se vira em direção à irmã, caminhando alegremente.

 — Você escutou o que ele disse? - pergunta Grazi, segurando no braço da irmã, se controlando para não pular igual uma criança no pula-pula.

 — Sim! - responde Vera, alegre.  — Está pensando o mesmo que eu?

 — Eu acho que sim - responde, olhando para as escadas.

 — Então suba e faça esse reality se tornar inesquecível.  — incentiva Vera fazendo uma pose triunfante com as mãos.

 — Pode deixar - concorda Graziela, andando em direção as escadas.

Vera observa a irmã subir, agora está conforme o que ela tinha planejado.

***

O rosto cor de ébano que a salvara, era a única coisa que ocupa a mente de Malú, que mantém seus olhos fechados, enquanto escuta suas músicas pelo fone de ouvido. Quem será você? Onde está agora? Será que foi coisa da minha cabeça?Será que está pensando em mim? Aposto que deve ter me achado uma tapada... Será que um dia vou poder agradecer?

Maria Luísa sente como se alguém a observasse, o que a faz abrir os olhos, encontrando com dois grandes olhos verdes a encarando, curiosos. Ela se levanta rapidamente, tirando os fones de seus ouvidos.

 — Desculpe se a acordei, Maria Luísa - pede Graziela, se ajeitando na cama da jovem.   — Como você está? Faz muito tempo que não tenho o prazer de sua presença à mesa.

 “Ando ocupada" escreve Malú em seu tablet.

 — Claro... Soube de suas últimas atividades - zomba Graziela, apontando para os machucados da jovem. Ela sorri ao ver os olhos de Malú se arregalarem — Não se preocupe, já fui assim como você. Como eu te disse: Sei exatamente pelo o que você está passando... E estou aqui para o que você precisar.

“Obrigada"

 — É por saber que você está se sentindo fora do ninho, que vim lhe convidar para ser a minha madrinha de casamento - revela Graziela sorrindo.

“Madrinha de casamento?"

 — Não é bem madrinha... Minha irmã já ocupou esse cargo, mas você pode ser assistente da madrinha, o que acha? - pergunta Graziela, com um sorriso nervoso que amedronta Malú.

“Não sei... parece ser algo de grande responsabilidade”.

 — Nada, vai ser uma coisa divertida e sem interferência do seu pai. Tenho certeza que é melhor que passar horas dentro do quarto. - garante Graziela, que observa o quarto todo. Ela segura na mão de Malú e faz uma cara de pena — Diga que sim, Malú. Faça isso por mim, uma noiva que não têm amigas para lhe ajudar nesse grande momento e uma irmã carrasca. Por favor?

“Não sei Grazi... E se o Thiago não gostar? Ele me proibiu de sair de casa sem sua presença" responde Malú, se lembrando da última conversa que teve com seu pai.

 — Não se preocupe com ele, se você quiser ir, pode ter certeza que o Thiago não será problema. - garante Graziela.

“Posso pensar a respeito?"

 — Pode... Vamos fazer o seguinte: Pense com calma e me avise, assim eu consigo marcar alguma coisa com o pessoal que possa incluir você, combinado? – propõe Grazi.

“Okay"

 — Ótimo - responde Grazi, se levantando, Ela vai até a porta e se vira — Eu me sentirei lisonjeada se você comparecer.

Malú balança a cabeça e então coloca os fones, mergulhando novamente em seus pensamentos, e no rosto de seu salvador.


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