Malú escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 12
Capítulo 11




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A dor irradia por todo o corpo de Malú que está esticada na calçada quente. Ela abre os olhos devagar, encontrando os de sua mãe que estende a mão em sua direção. Maria Luisa sorri e quando vai segurar na mão de Ana, escuta várias pessoas falando ao mesmo tempo próximas a sua cabeça. Ela olha ao redor e percebe a multidão que a cerca. Quando vira a cabeça para ver sua mãe, Ana já tinha desaparecido, sendo o lugar tomado por um senhor careca com o olhar preocupado.

 — Veja, ela está acordada! - grita o senhor careca exasperado apontando seus dedos gordos em direção a Malú— Vamos levá-la ao hospital, imediatamente!

 — Não, hospital não. Vocês não a reconheceram? Ela é a filha do Thiago de Almeida, o candidato - revela um atrás da cabeça de Malú, que não consegue enxergá-lo.

 — Então, temos de levá-la para o hospital. Imagina se o pai dela descobre que não a levamos?! - grita uma mulher.

 — Cadê o motorista que a atropelou? - pergunta outro.

 — Vamos levá-la para a casa do candidato.

 — É o melhor mesmo, eles decidem o que é melhor a ser feito - explica o senhor careca.

De repente o corpo de Malú é erguido do chão quente e levado para dentro de um dos carros parados na via. Nele, entram o senhor careca e a mulher que segura a cabeça de Malú.  A jovem tenta se erguer rapidamente ao perceber que não tinha visto o rapaz que a salvou.

 — Tenha cuidado você está muito machucada - explica a mulher, segurando Malú que volta a deitar no colo da mulher. 

Ela olha para fora da janela do carro, enquanto pensa se de fato aquele rapaz realmente existiu ou foi apenas uma coisa da sua cabeça.

***

Thiago chega ao escritório de advocacia, deseja trabalhar o quanto antes, assim preencheria sua cabeça com outra coisa que não seja sua candidatura e sua filha. Ele chega à recepção e nota que Raquel, sua secretária o aguarda com seus grandes olhos castanhos  preocupados. Ela tinha um pouco mais de 20 anos e era um dos motivos da presença constante de Graziela ao local.

 — Bom dia, Raquel - cumprimenta Thiago se aproximando — Aconteceu alguma coisa?

 — Sim, uma correspondência estranha chegou para o senhor - responde Raquel enquanto se estica por cima do balcão, ressaltando o seu decote na blusa preta — Não tem remetente.

Thiago ergue uma das sobrancelhas, então percebe que era o mesmo tipo de envelope da primeira ameaça. Ele toma a correspondência da mão de Raquel e vai para sua sala, fechando a porta rapidamente.

Em sua mente ainda estão às palavras da primeira ameaça: “Desista da campanha, ou perderá tudo o que mais ama... Eu prometo." Thiago segura o envelope no ar por alguns instantes, até rasgá-lo. Ali estavam as letras cortadas de revistas e jornais e colocadas, uma a uma, formando uma nova mensagem, diferente.

“VOCÊ ACHOU QUE A OUTRA MENSAGEM ERA UMA BRINCADEIRA  ?

 AGORA DAREI UMA PROVA DE QUE ESTAVA FALANDO SÉRIO. AGUARDE."

Thiago joga a ameaça na mesa, enquanto passa a mão esquerda no rosto. De quais provas essa pessoa está falando? Eu preciso desistir da campanha antes que alguém se machuque...

 — Senhor Thiago, sua mãe na linha dois - informa Raquel entrando na sala — Ela disse que é urgente.

 — Obrigado, Raquel - agradece Thiago pegando o telefone — O que foi mãe? COMO?!  Como assim a Malú foi atropelada? Eu a deixei na escola! ... Ela está muito ferida? ... Deus! Estou indo pra casa.

Ele desliga o telefone e praticamente corre pelo escritório sem falar com ninguém. Entra em seu carro e encosta a cabeça no volante. Será que...? Não é possível? Será?  .  Liga o carro e corre em direção da família pensando que talvez aquele acidente tenha sido a prova daquela carta.

***

Adelaide passa o esparadrapo com cautela por cima da gaze no último curativo de Malú, no ombro esquerdo. Nenhum dos ferimentos da jovem precisou de pontos, mostrando que não tinha sido tão grave assim o acidente.

 — Pronto - termina Adelaide, dando uma leve apertada no esparadrapo. Ela se levanta do chão do quarto e olha para Malú a censurando — Agora você está pronta para outra.

 — Não haverá outra - retruca Maria da porta do quarto. A matriarca se aproxima e diz para a neta — Seu pai está vindo. Com certeza ele gostará de saber assim como eu, de que forma você foi parar há três quadras da sua escola. O que pretendia? Fugir?

Malú abaixa a cabeça, evitando olhar para sua avó que tinha recebido aquele gesto como um sim. Ela suspira e sai do quarto deixando a empregada e a neta, sozinhas. Adelaide vai até a porta e depois a fecha com cautela. Ela se vira para a jovem e então diz:

 — O que deu em você, menina? Por que fez uma coisa dessas? 

Malú limpa o rosto por onde suas lágrimas insistem em cair. Sabe que desperdiçou a chance de fugir daquela casa e agora teria de lidar com as consequências.

A porta do seu quarto se abre com toda força, e logo em seguida surge Thiago com a expressão desesperada. Ele vem em direção da filha que está com vários curativos pelo corpo, toca em seu rosto, braços e pernas. 

 — Ela está bem, Thiago - garante Adelaide — As pessoas que a trouxeram para casa disseram que foi um acidente. Ela atravessou sem olhar e o motorista não teve tempo de parar. Aliás, ela só está aqui hoje por conta de uma boa alma que a tirou da frente do carro na hora em que ia acontecer o desastre.

 — E quem é essa pessoa? - pergunta Thiago encarando Adelaide.

 — Ninguém sabe quem era. Só sabe que era um rapaz...

Thiago fica de pé encarando a filha, agora com raiva. Ele respira fundo e aponta o dedo para Malú enquanto determina:

 — A partir de hoje você vai e volta de qualquer lugar comigo. E terá dois seguranças que a acompanhará em todos os lugares. Você não andará nunca mais sozinha, entendeu? Além disso, está de castigo. Está proibida de falar com a Aline, ou qualquer pessoa de Minas Gerais.

Thiago bate a porta do quarto, assustando Malú que começa a chorar. Sentia-se mais sozinha que nunca. 

***

Maria aguardava o filho no escritório que entra nervoso e pega um uísque. Ele o toma em um só gole e então a encara:

 — Desistirei da campanha.

A mãe de Thiago fica atônita sem acreditar que seu filho tinha mesmo dito que iria desistir da campanha, depois de tanto sacrifício. Ela se aproxima de Thiago, incrédula, tentando adivinhar o que se passava na cabeça de seu filho.

 — Posso saber o motivo o que está levando você a tomar uma atitude tão drástica? - pergunta Maria.

 — Eu recebi mais uma ameaça hoje - revela Thiago antes de tomar mais um gole de uísque — Nela, dizia que eu iria receber uma prova de como as ameaças são sérias. Logo em seguida vocês me ligaram avisando a respeito do acidente da Malú.

 — Sim, mas a Malú foi quem provocou o acidente. Não consigo ver relação entre as duas coisas. – alega Maria.

 — E se a pessoa que está me ameaçando fez de tudo para que esse ocorrido parecesse apenas um acidente, só para que eu saiba do que é capaz? - questiona Thiago, pensativo — Eu não posso correr o risco de algo acontecer com a minha família, só por conta de um cargo.

 — Isso já é paranóia sua, meu filho. A Malú pode confirmar que foi um acidente que ela mesma causou... De qualquer forma, se você desistir agora, que garantias você tem de que ele vai parar de ameaçá-lo? 

 — Eu não preciso de mais provas para desistir da campanha. Estou decidido, não irei mais concorrer. -decide Thiago.

 — Eu acho melhor esperar a Vera chegar, não se precipite sem antes conversar com ela - argumenta Maria tocando no braço do filho — Eu sei que errei muito com você e não sou digna da sua confiança, mas não tome nenhuma decisão precipitada. A população precisa de você, o que deve fazer é contratar alguém para descobrir de onde estão vindo essas ameaças... E dar um fim nisso.

 — Obrigado pelo conselho, mas eu já tomei a minha decisão. - recusa Thiago afastando a mão de sua mãe.

***

 — VOCÊ ENLOUQUECEU? - grita Vera se levantando do sofá. Seu olhar de surpresa assusta Thiago que está sentado na poltrona do escritório. Ela anda de um lado para o outro, furiosa — Então você acha que é simples assim? Vai desistir e pronto? E todo o trabalho da equipe para te colocar nas pesquisas? E o meu trabalho em transformar você em um candidato que o estado precisa, hein? Vai jogar no lixo todos esses meses de trabalho árduo, por conta de uma ameaçazinha?

 — Foram duas ameaças - corrige Thiago, calmamente — E eu não me esquecerei de nunca do que todos fizeram por mim. Fico eternamente agradecido por tudo, mas...

 — Mas o quê? Vai se acovardar e fugir da luta? É essa a imagem você quer passar aos seus eleitores? É isso que você deseja que seus eleitores pensem a respeito de você? Que na primeira pressãozinha, desiste fácil? Que é influenciável por palavras vãs? – questiona Vera.

 — Palavras vãs? - indigna-se Thiago, levantando do sofá — São ameaças as pessoas que eu amo. Ameaças direcionadas até para a sua irmã. Será que você não percebe o risco que a sua irmã também está correndo com essa situação toda?

 — Claro que percebo! Mas eu também noto que você mais uma vez está boicotando o sonho da minha irmã. - retruca Vera, apontando o dedo na cara de Thiago — Essa situação toda é simples de resolver: Coloque seguranças a postos para todos e exponha a situação na imprensa. Tenho certeza que em breve irão descobrir quem é essa pessoa e tudo será resolvido. Além de mudar um pouco sua imagem, mostrando que você é uma pessoa vulnerável e protetora.

 — Eu não entendo o motivo pelo qual você acredita que tudo pode ser resolvido através da mídia.

 — Porque a mídia tem o poder - responde Vera, pretensiosa.  — Só de deixar circular boatos sobre o reality Show do casamento de vocês, subimos três pontos percentuais na campanha. Imagina quando você expuser essa situação... Estará com o cargo nas mãos. 

 — Não acho que precisamos chegar a esse ponto. Eu prefiro que a investigação ocorra em sigilo, após eu declarar a desistência.

 — Como você pode ser tão cabeça dura?! - acusa Vera exaltada. Ela passa a mão nos cabelos e tão o encara séria — Você acha mesmo que desistir vai fazer com que a minha irmã se orgulhe de você? Ela vai finalmente perceber o fraco que você é. Seus eleitores vão perceber o quanto você é frouxo... A Malu...

 — Cuidado com as próximas palavras, Vera - alerta Thiago, irritado.

 — Sabe por que a Malú não se aproxima de você? Porque você não serve de exemplo para ela, você não é nada e não representa nada.  Ela precisa de um pilar, de alguém com quem se identifique e possa confiar... E com essa atitude derrotista, você jamais será digno do carinho e respeito da sua própria filha!

 — Como você se atreve? Você ultrapassou todos os limites, Vera! 

 — E o que vai fazer? Vai me demitir? - questiona Vera, se aproximando do rosto de Thiago. Ela se afasta e vai até o sofá, onde pega sua bolsa e então se vira para Thiago com uma das sobrancelhas erguidas — Não se preocupe, eu me demito. Assim você não precisa se sentir culpado por ser um fraco que não aguenta a verdade. Eu não deveria ter aceitado fazer parte desse circo, sabendo que o palhaço, jamais iria se tornar a atração principal. 

Ela caminha em direção à porta, deixando Thiago transtornado com as suas palavras. Vera abre a porta:

 — Somente pela minha irmã, vou dizer essas palavras: Se quiser ser mais que o filho do Juiz Almeida, me ligue. Caso contrário, me esqueça e de preferência, liberte minha irmã dessa ilusão que é o noivado de vocês.

Vera faz questão de bater a porta do escritório com toda a força.

***

Malú olha para o teto de seu quarto, pensando em tudo o que seu pai havia lhe dito. De toda a punição que lhe foi dada, falar com a Aline foi a menos significativa, afinal ela não consegue falar com a tia desde que chegou.  A jovem não tem ideia do que estava acontecendo para sua tia se quer responder suas mensagens. Tinha medo de que algo de ruim tivesse acontecido e que seu pai houvesse omitido. 

Mesmo sabendo que estava proibida de falar com Aline, Malú se levanta da cama e pega seu celular, disca o número de sua tia para mandar uma mensagem, como em tantas outras vezes e aguarda ansiosa que alguém responda. Depois de vários minutos, resta somente à esperança de que aquela mensagem finalmente fosse conferida por sua tia.

Então a porta do quarto se abre abruptamente, assustando Malú que deixa o telefone celular cair no chão, fazendo barulho. Thiago observa a cena e seus olhos entram em fúria, vai em direção do celular, o pegando do chão.

 — Eu não havia proibido você de ficar no celular? - pergunta Thiago, com o celular nas mãos.

Ele olha para a tela, onde ainda estava escrito mensagem enviada, entra nas mensagens enviadas e olha a última mensagem que dizia ”Tia, cadê você... eu não quero mais ficar aqui. Ele é um monstro e está me impedindo de falar com você. Se receber essa mensagem, saiba que preciso de ajuda... e que o ODEIO cada dia mais! Quero voltar pra casa, Malú”.

 — Então é isso o que pensa de mim? - pergunta Thiago, quase inaudível. Ele entrega o celular nas mãos de Malú e vai para a porta, onde continua, sem olhar para a filha — Saiba que farei de tudo para convencer você do contrário, Malú.

Malú o observa sair de seu quarto cabisbaixo, ela deita na cama novamente, colocando os braços sobre o rosto para esconder as lágrimas. Cadê você tia Aline, cadê você?

***

Antônio Barbosa coça a cabeça sem acreditar na história que havia acabado de escutar da boca daquela mulher de longos cabelos castanhos. Ele analisa mais uma vez todos os documentos, textos e supostas provas que, segundo ela, havia colhido naquelas últimas semanas.

 — Há quanto tempo não fala com a jovem? - pergunta o jovem advogado de cabelos negros da vara de família.

 — Desde que ela foi levada a força para Curitiba - responde Aline, se ajeitando na cadeira desconfortável da sala. Se é que ela pode chamar aquele cafofo de escritório de advocacia. O lugar era fétido, a mesa onde o advogado se encontra tem a mistura horrível de documentos velhos com fastfood semanais — Falei com um pessoal do serviço e eles disseram que seria melhor eu me afastar, assim eles não teriam como alegar alienação parental e nem iriam persuadir a Malú a contar sobre as nossas conversas. Fiz bem?

 — Talvez - responde o Advogado sem encarar Aline, Ele fecha a grossa pasta amarela e entrega para a mulher — Em todo caso, não poderei ajudá-la... Sinto muito.

 — Disseram-me que você iria me ajudar - alega Aline, quase em desespero. Perdeu as contas de quantos escritórios de advocacia procurou e todos lhe davam a mesma resposta. Alguns só de ouvir o sobrenome Almeida, recusavam qualquer orientação. Aquela é sua última esperança e ela não desistirá tão fácil — Eu sei que tudo está contra mim, mas a justiça precisa ser feita. Ele nunca teve convívio com ela. Tenho testemunhas que podem comprovar tudo isso que está nessa pasta.

 — Você não entende, estou tentando proteger você da fúria dessa família. Se eles aceitarem ir a juízo, eles podem arrancar tudo de você! Deixarão sem nada, além de destruírem a minha carreira! - explica Antônio.  — Deixe-a crescer e ter idade suficiente para escolher onde quer ficar. Até lá, aproxime-se deles.

 — Eu não posso esperar dois anos - sussurra Aline, chorando.  — Ela não pode esperar tanto tempo assim. Você não entende que eu já perdi tudo? Que a Malú é a única pessoa que eu tenho? 

 — Eu sinto muito... O único conselho que posso te dar é que se una a eles e espere ela ter 18 anos. - reforça Antônio, mesmo sabendo que no fundo deseja aceitar o caso. Não sabe se pelo desafio do caso, ou por empatia a Aline.

 — Quer saber o que eu acho? - questiona Aline que levanta pegando a pasta — É que a justiça não é cega, ela privilegia os ricos e destrói a vida dos pobres. E vocês, advogados, dão esse suporte, aceitando essas imposições... Eu ficaria enojada por saber que uma pessoa de bem está saindo da minha sala e por medo meu, estou destruindo a felicidade de duas pessoas. Mas, obrigada por esse conselho inútil.

Ela sai arrasada em direção ao beco, aquela tinha sido sua última tentativa de fazer as coisas do jeito certo. Respira fundo, enquanto observa suas mãos tremerem. Não lhe resta outra opção, além de agir fora da lei, mais uma vez.

***

TRIM!TRIM!

TRIM!TRIM!

TRIM!TRIM!

O telefone fixo toca estridente na sala branca e preta esfumaçada pelas inúmeras baforadas da pessoa que está sentada o observando, sem se importar com os toques. Após uma longa baforada, suas mãos manicuradas de vermelho, atende ao telefone calmamente dizendo:

 — Sabia que você ligaria.

 — Nós precisamos conversar... Ainda hoje. Posso contar com você aqui em casa?

 — Claro que sim. Às oito horas da noite na sua casa, tudo bem?

 — Claro.

 — Ótimo... - solta outra baforada — Thiago espero que entenda que tudo o que eu disse foi para o seu bem.

 — Eu sei Vera, e você tem razão. Preciso ser um exemplo para a Malú e para sua irmã... É somente por elas que não irei desistir. Vou desligar. Até breve. – despede-se Thiago.

 — Até - responde Vera, colocando o fone no gancho. Ela sorri animada, a partir de agora as coisas serão do seu jeito. Que comecem os jogos.


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