A Diferentona escrita por Glauber Oliveira


Capítulo 10
O Corpo


Notas iniciais do capítulo

Olá diferentões e diferentonas! Sim, eu demorei um século pra postar um capítulo novo, mas antes de tarde do que nunca, né não? Espero que gostem e boa leitura!



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Ouvimos alguém bater na porta.
— Querida – é mãe de Virginia –, está tudo bem?
— Se escondam! – murmuro para Bart e Laquisha.
Fechamos a janela. Bart se esconde no closet, Laquisha, atrás da cortina, e eu me deito na cama, me enrolando com as cobertas dos pés à cabeça. A porta se abre num rangido.
— Querida? – indaga Pamela.
De costas para ela, tento imitar o tom enjoado e ríspido de McBitch.
— O que foi, mãe?
— Eu escutei gritos – ela responde, parecendo acreditar no meu fingimento. – Vim ver se estava tudo em ordem.
— Ai, que saco! Não posso nem me masturbar e ter um orgasmo que você já pensa o quê? Que alguém invadiu o meu quarto?
— Calma. Eu só fiquei preocupada. Aparentemente, sem motivo.
— Pois é! Pode voltar para o seu freezer.
— Certo. – Sua voz falha como se estivesse prestes a chorar. – Boa noite. – Ao fechar a porta, é audível som de Pamela caindo em lágrimas.
Sinto-me péssima por ter dito essas coisas a ela. Gostaria de ir lá e me desculpar. Como Virginia não sente remorso tratando a mãe tão mal? Bom, agora ela não sente mais nada.
  Desenrolo-me do cobertor e levanto da cama.
— Estou impressionada com sua atuação. – Laquisha aparece detrás da cortina. – Já pensou em entrar para o clube de teatro?
— Já pensou em levar as coisas mais a sério? – falo. – Bart, já pode sair do armário!
— Ainda bem – ele surge dali, abrindo a porta. – Não aguentava mais. Lá dentro é escuro, abafado e tem um cheiro que eu nunca senti antes.
— Você está descrevendo um closet ou uma vagina? – ela pergunta.
— Gente, foco! – digo. – Vamos vazar daqui logo.
  Partimos por aonde viemos. Fechamos a janela por fora com o pedaço de arame e descemos a escada, perto de McBitch. Olhamos uns para os outros como se decidíssemos quem verificaria se ela ainda está viva.
— Beleza, eu vou, seus bundões. – Laquisha se aproxima de Virginia, se agacha e checa seu pulso. – Tenho uma má e uma boa notícia.
— Qual é a má? – Bart pergunta.
— Ela realmente está morta.
— E qual seria a boa notícia? – questiono.
— Ela realmente está morta.
— E como isso pode ser uma boa notícia? – falo. – Nós a matamos!
— Não matamos ninguém! Foi um acidente – ela esclarece.
— Então vamos chamar a polícia – ele sugere.
— Nada de polícia – Laquisha diz. – Primeiro: quem acreditaria na gente? Porque, segundo: nós invadimos uma residência e roubamos isso! – Ela toma o Livro do Arregaço da mão de McBitch e o ergue. – E olhe só para essa cretina! Quem é que diria que ela caiu acidentalmente da janela?
— E o que faremos? – indago intrigada.
— Vamos nos livrar do corpo – Laquisha responde.
— O quê? Espera. – Faço uma pausa, pensativa. – Invasão domiciliar, roubo e você ainda quer ocultação de cadáver na nossa ficha criminal? Meu Deus. Eu moro, trabalho e estudo com psicopatas!
— Me diga com quem tu andas que eu te digo quem és! – Ela joga na minha cara. – Agora, vamos usar a escada como aquelas pranchas de resgate e por Virginia em cima dela para carregarmos.
— Bart? – Viro-me para ele, curiosa para saber qual é sua opinião em relação à situação.
— Olhe, eu não acho que isso seja o certo a se fazer, mas você quer mesmo se envolver com a polícia? Eu sou culpado demais para ser preso!
— Certo. Eu vou fazer isso porque eu respeito a democracia, não porque compactuo com essa ideia estupida – esclareço. – E porque os cachorros podem acordar e nos atacar a qualquer minuto.
Levamos McBitch na escada até o muro. Com bastante dificuldade, o atravessamos com ela. Voltamos a carregá-la como antes quando chegamos ao carro. Abrimos o porta-malas e a colocamos dentro. Antes de fechá-lo, por um momento, ficamos em pé diante dela, quietos, a observando.
— Vocês não acham que ela fica mais simpática morta? – Bart comenta do nada.
Ignoro o que ele acaba de dizer e falo:
— Vou ligar para os meus avós – pego o celular no bolso da calça.
— Por quê? – Laquisha pergunta quase em desespero.
— Porque meu avô disse para eu ligar para ele caso eu assassinasse uma pessoa e tivesse que esconder o cadáver – explico. – Aqueles dois nunca me ajudam, mas essa é uma exceção. Além disso, se eu contar o que houve, eles não irão à policia, pois estão tão sujos quanto nós.
— Tudo bem – ela concorda. – Vá em frente.
Disco para o número da minha casa.
— Alô? – Meu avô atende.
— Vovô, sou eu, Emily.
— O que foi dessa vez? E não enrole porque neste momento sua avó e eu estamos sendo introduzidos em uma seita.
— Por que você entraria para uma seita?
— Porque na iniciação tem vinho de graça!
— Então eu vou ter que interrompê-la, pois eu matei alguém e preciso me livrar do corpo.
— Finalmente uma ligação para me dizer algo importante! Querida! – ele chama minha avó. – É melhor se vestir porque hoje à noite vamos nos divertir!
* * *
Mantenho as mãos firmes no volante e os olhos vidrados na estrada. Estou com sono e cansada. Digo o mesmo de Bart e Laquisha. Um, no banco do carona e a outra, no de trás, tiram um cochilo. Como conseguem dormir depois de hoje à noite?
Eles não são fracos feito você, uma voz fantasmagórica de Virginia ecoa em minha mente.  Perfeito! Ou estou enlouquecendo ou o espírito dessa infeliz quer me assombrar para sempre.
Ligo o rádio para dispersar esses pensamentos.
* * *
Estaciono o carro em frente à minha casa. Dou uma buzinada e meus avós saem de lá com duas pás, uma cortina de plástico e cordas. Eles param atrás do porta-malas e dão uma batidinha para eu abri-lo. Assim que guardam as coisas lá dentro, ambos o fecham e se dirigem onde estou. Abaixo o vidro e meu avô se inclina para mim.
— Danadinha. – Sua empolgação é surreal. – Quem diria que você chegaria a esse ponto?
— Foi um acidente! – me justifico.
— Segundo sua mãe, você também foi um acidente – minha avó comenta.
— Ok – ele diz. – Eu dirijo a partir de agora. Vá para o banco de trás com seu amigo. Sei que estão cansados. Além disso, sua avó e eu que sabemos o caminho.
Fazemos o que ele manda, entretanto, não durmo apesar de estar exausta. Bart e Laquisha renovam suas energias, e contam toda a história para eles.
— Para onde estamos indo? – Bart indaga por fim.
— Para a reserva florestal – vovó responde.  – Saudades de quando gente morta era encontrada aos montes naquele lugar. Hoje em dia está tão chata por causa dessa coisa de respeitar a natureza e o próximo que ninguém suspeitaria de encontrar um corpo ali. Cadê a violência em Clichésville?
Está no Gates Motel, falo em pensamentos.
Sinto meus olhos pesados. Não sei quando chegaremos à reserva. Fecho as pálpebras por um instante, porém o sono é maior e adormeço por não sei quanto tempo.
— Chegamos – anuncia vovó.
Desperto com o carro parado num acostamento, abaixo de uma enorme árvore, quase que escondido. Saímos do veículo, abrimos o porta-malas um mau cheiro sobe.
— Nossa, o cadáver já começou a feder? – Laquisha tampa as narinas com uma expressão de nojo.
— Não, fui eu que peidei – Bart confessa. – Estou nervoso.
Continuamos. Olhamos para os dois lados da estrada, verificando se algum automóvel passará. Por sorte, ela está deserta. Com a ajuda de vovó, vovô estica a cortina de plástico no solo do lado do carro, que fica na direção da floresta, deita o corpo de McBitch sobre ela e a enrola. Depois, cada um dos dois amarra cada ponta da cortina e finalizam no meio.
— Uau! – Bart diz impressionado. – Ficou tão bem embrulhada que parece com um presente de natal.
— Obrigado – meu avô agradece – Bom, me ajudem a carrega-la até mais ou menos o meio do matagal.  E alguém traga as pás.
Encarrego-me do serviço. Bart, Laquisha e meus avós transportam Virginia há cerca de meia hora, fazendo pausas durante o percurso.
— Aqui está bom – vovô avisa. – Já que eu e minha esposa a empacotamos, vocês, crianças, cavem a cova.
— Espera – digo –, há apenas duas pás e somos três.
— Decidam na sorte – ela sugere. – Já sei: "dois ou um".
— Justo – Bart fala.
Nós três nos chegamos perto um do outro numa roda.
— No “três” – diz Laquisha. – Um, dois, três!
Cada um deles mostra dois dedos e eu somente um. Ganhei!
— Não valeu! – ele protesta.
— Por quê? – questiono.
— Porque você é uma perdedora e perdedores nunca vencem. Com certeza você roubou!
— Como é que se rouba no "dois ou um"?
— Sei lá, mas queremos uma segunda rodada.
— É! – ela concorda.
— Aprendam a perder!
— Tem como pararem de discutir? – Vovó se aproxima. – Quem ganhou?
— Emily... – ambos respondem em uníssono com os dentes serrados, num tom baixo.
— Então tratem de cavar a droga do buraco! Vocês dão um fim em alguém e acham que há tempo para briguinhas? Quanto mais cedo vocês terminarem isso, mais cedo poderão voltar a viver suas vidas de merda! Era para essa ser uma noite divertida e eu não vou deixar nenhum otário estragar a minha ocultação de cadáver! Estamos entendidos? – Os dois assentem balançando a cabeça, olhando para baixo. – Ótimo! Vou fumar meu baseado. – Ela nos dá as costas e sai andando. Resolvo segui-la.
Minha avó se senta em um pedaço de tronco velho e retira do bolso do casaco um cigarro de maconha. Ela o acende com um isqueiro que estava guardado em outro bolso e dá um trago. Acomodo-me ao seu lado.
— Quer? – Vovó me oferece o cigarro.
— Não, obrigada. Cadê o vovô?
— Foi mijar e deve ter se perdido. Ou o Jason Voorhees o matou.
— Vocês realmente já mataram uma pessoa ou só estão me ajudando nisso desta vez?
— Se eu te contar, terei que te matar. – Dou uma risadinha. – Não estou brincando, menina.
Silêncio.
— Obrigada por intervir na discussão – falo de repente.
— Não me agradeça. Não fiz por você ou porque era certo. É que eu odeio esse tipo de treta. Se não for pra resolver na facada ou no tiro, eu nem deixo continuarem. E como eu não trouxe nenhuma arma... – A quietude retorna até que ela solta: – Você parece incomodada com algo. O que tem de errado, querida?
— Você realmente que me ouvir?
— Não, mas eu estou chapada e já que está aqui, bote pra fora. Qual o problema?
— Essa cidade! Ela parece um mundo invertido onde o errado é o certo!
— Por qual motivo você acha que seu avô e eu viemos para cá?
— E desde que me mudei para esse fim de mundo, eu vim me tornando uma pessoa pior a cada capítulo. Qual é! Essa minha história! Eu não deveria evoluir?
— Emily, você não é um Pokémon. E você é da nossa família. É igual à gente! Está no seu sangue ser ruim.
— Não! Eu não sou igual a vocês e nem quero ser! Depois desta noite, eu vou mudar meu destino. Tudo vai ser diferente. Começando pelas minhas amizades. – Fito Bart e Laquisha preparando a cova de McBitch.
Meu avô acaba voltando e depois de horas, o buraco está pronto. Rolamos Virgínia para dentro da vala e cobrimos tudo em seguida.
— Não vamos precisar fazer um pacto de silêncio porque é bem óbvio que temos que manter o bico fechado, né? – Vovô pergunta antes de partimos. Assentimos.  – Alguém gostaria de dizer suas últimas palavras a ela?
— Confesso que roubei sua pulseira de prata – Bart fala para o túmulo.
— E eu, os seus brincos de argola de ouro branco – Laquisha acrescenta.
— Sua safada! – Ele se vira para ela, indignado. – Eu queria esses brincos!


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Notas finais do capítulo

Se gostaram (ou não) comentem o que acharam. A opinião de você me motiva a continuar escrevendo :)



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