Não sei se você vai ouvir ou se lembrar de tudo, mas eu tenho algumas coisas para te dizer, Aoyagi.

Eu ainda cumpro minha promessa de estar sempre ao seu lado, mesmo que você não perceba.

Fui embora de repente, eu sei, foi tão desesperador para mim quanto foi para todos vocês.

Eu não queria destruir o nosso time de dois, não mesmo, por mim, ficaríamos juntos para todo o sempre. Mas acidentes acontecem, não é mesmo? Principalmente quando se anda de bicicleta.

Minha ida não foi muito dolorosa, não fisicamente. Foi só muito confusa, muito repentina. Eu nem sei por que ainda estou aqui, vagando entre os que ainda não foram. Pelo menos, posso te ver, mesmo que você não me veja.

E eu estou do seu lado o tempo todo, vendo tudo o que você faz.

Eu vejo você se levantar de manhã, com olheiras escuras sob os olhos. Vejo você se esforçar para engolir alguma coisa de café da manhã, isso quando você não sai de barriga vazia.

Vejo você sentado atrás do balcão da cafeteria, e vejo como você dá um sorriso falso para os clientes. E eu estive ao seu lado em todas aquelas vezes em que você se escondeu no banheiro porque estava muito difícil segurar as lágrimas.

Eu vejo você rabiscar os cantinhos das folhas do seu caderno durante as aulas, desenhando estrelas e árvores, e muitas espirais, que às vezes até cobrem suas anotações. Você se esforça bastante para prestar atenção nas aulas teóricas, mas tem dias em que você simplesmente não consegue. Tudo bem, Hajime, todos temos dias assim.

Adoro te ver desenhar. Sempre me lembro de quando sentávamos na sala do nosso apartamento minúsculo, eu no sofá e você na mesa de jantar, e eu falava sobre várias coisas enquanto você enchia seus cadernos de desenhos maravilhosos.

Mas agora você não faz mais aquelas paisagens bonitas que eu tanto gostava. Agora, só eu apareço em seus desenhos. Meu rosto e meu corpo enchem seus cadernos, nas mais variadas poses e expressões. Você até mesmo pintou um retrato meu.

Nele eu não tinha rosto, e meus cabelos se espalhavam como ondas negras de um mar revolto, tão grandes e ameaçadores que pareciam saltar da tela. Eu estava ao seu lado quando você pintou um X bem grande onde meu rosto deveria estar, suas lágrimas se misturando com a tinta vermelha, e suas mãos tremendo de uma forma que eu nunca vi antes.

(No dia seguinte, você largou aquele quadro na calçada, perto da caçamba de lixo. Eu não me senti ofendido, fique tranquilo.)

E falando em lágrimas, ah, como você as derrubou.

Na semana em que eu parti, você chorou sem parar. Você parecia tão pequeno deitado sozinho naquela cama enorme. A campainha tocou tantas vezes, assim como seu celular, mas você ficava lá, engolido pelos lençóis, soluçando. Até mesmo seu pai, que não falava com você há quase dois anos, tentou te visitar, e você o mandou embora sem nem ouvir o que ele tinha a dizer. Você mal comia, e mal se cuidava. Seus cabelos loiros tão lindos ficaram ensebados por dias, e seus olhos estavam tão vermelhos que parecia que nunca mais voltariam ao normal. Eu estava deitado ao seu lado o tempo todo, tentando te dizer que eu estava bem e que você não precisava chorar tanto, mas você não podia me ouvir.

Você não tocou seus cadernos de desenhos por semanas. Eu fiquei desesperado, sabe. Pensei que você nunca mais voltaria a desenhar.

Aliás, você não andou de bicicleta depois que eu parti. Sua Corratec fica lá, largada na garagem do prédio, parecendo tão sozinha sem a minha Cannondale. Eu entendo que foi traumático, Hajime, você viu o momento em que aquele caminhão me acertou, mas você deveria ao menos tentar. Da próxima vez que o Tadokoro-san te chamar para dar uma volta, aceite o convite. Conversar com ele sempre te faz se sentir melhor, não é?

Você se tornou muito dependente de mim, Hajime, e agora eu vejo como isso foi ruim para nós dois.

Nós nos entendíamos com um olhar e conversávamos sem palavras, éramos uma coisa só. Uma parte de você foi arrancada quando eu me fui, e é por isso que você sofre tanto. Não deveríamos ter nos misturado tanto assim.

E eu sofro por te ver nessa situação sabendo que não posso fazer nada para ajudar. Você não sente meus beijos nem meus abraços, e não ouve as palavras de conforto que tento te falar. É frustrante.

(Às vezes, eu penso se não é isso que está me prendendo aqui entre os vivos.)

Então, Hajime, tente ser feliz, mesmo que seja difícil. Ninguém é responsável pela minha morte, assim como ninguém pode me trazer de volta. Você precisa superar e seguir em frente.

Não se isole, isso só vai te machucar mais, e cuide de si mesmo. Continue fazendo o que você gosta, e tente não pensar demais em mim.

Eu te amo, não se esqueça disso.

×××

Aoyagi acordou em um pulo e encarou o teto, ainda com a mente nublada pelo sono. Aquela cama não parecia tão grande e vazia assim em seu sonho.

Fazia tempo que ele não tinha um sonho bom como aquele. Fazia tempo que ele não se sentia tão feliz assim ao ver aquele rosto.

Uma sensação de solidão tomou conta de seu peito quando ele se lembrou de que estava sozinho ali. Mesmo depois de tanto tempo, ele ainda não estava acostumado.

Hajime se sentou e esfregou o rosto, só então percebendo as lágrimas que escorriam por suas bochechas. Ele riu baixinho com a face escondida pelas mãos e pelos cabelos loiros, enquanto mais e mais lágrimas caíam de seus olhos. Um murmúrio escapou de seus lábios em meio aos soluços:

— Junta...