Avatar: A Lenda de Kyoshi escrita por Lucas Hansen


Capítulo 6
V - A Resistência das Gêmeas




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Não sabia por onde começar a procurar.

O celeiro estava queimado. Sua casa, destruída aos pedaços. A querida plantação do pai, cortada e seca. Provavelmente suprindo o exército de Chin.

Correu com Bicudo em direção a casa. O cheiro de madeira queimada ainda persistia, indicando que a casa fora derrubada recentemente. Dois, talvez três dias no máximo.

Não encontrou nada além de velhas porcarias. Um dos leques de Kyoshi. Uma escultura de madeira queimada de um texugo-toupeira feita por sua mãe. E, é claro, uma das adagas antigas de seu pai. Por alguma razão, sua longa espada não se encontrava entre os destroços, como esperava.

Vasculhou ainda mais. Perto de onde seu pai costumava plantar, não havia nada a não ser terra destruída e arrancada com restos de legumes-vegetais apodrecidos.

No estábulo, por outro lado, encontrou algo que não desejava presenciar. Besouros-baratas se arrastavam por entre as madeiras partidas e fenos despedaçados. Os insetos se amontoavam em um local em especial, e pelo cheiro, estava muito próximo.

Moveu os braços com força. A terra espalhou os destroços e os besouros-baratas. E, no meio dos escombros, encontrou o que atraiu tanto a atenção dos vermes.

Um cadáver fedorento repousava imóvel e deitado. Ratos-lagartos já haviam devorado boa parte da carne, e os olhos do homem já não se encontravam lá. Estava completamente desconfigurado e irreconhecível. 

Mas Myoshi notou algo extremamente familiar no corpo. Uma barba escura desfeita e com um ninho de rato-lagarto vazio, já que Myoshi os espantara.

Seu coração parou por um instante. Para piorar, avistou a espada longa de seu pai caída ao lado do defunto.

Não suportou olhá-lo, seja lá quem fosse. Poderia ser um soldado qualquer de Chin. Porém pensar nisso não impediu as lágrimas escorrerem de seus olhos. 

Montou em Bicudo e cavalgou sul o mais rápido que o animal aguentava. 

Kyoshi, sua mãe e... Seu pai, poderiam ter fugido naquela direção, já que os exércitos de Chin marchavam do norte. 

A primeira noite fora solitária, e triste. Nem mesmo as estrelas consolaram a ela e ao Bicudo, pois estava nublado. Uma garoa fina e irritante caía, e mal conseguira pegar no sono.

O segundo dia foi quente. Batalhou com um dobrador de terra e dois soldados do exército e derrotou-os com certa dificuldade. Encontrou um casebre perto do crepúsculo, e dormiram tranquilamente. 

O terceiro dia foi de desesperança. Nenhuma direção aparentava correta. Por sorte, não encontrou nenhum homem vestido com os uniformes de Chin. 

Pelo contrário. Ao passar por uma fazenda qualquer, que aparentava abandonada, Myoshi notou cidadãos com vestes simples saltando em um poço. Aparentemente, eles a viram. 

Uma vez seu pai lhe ensinara uma técnica realmente difícil. Precisava estar descalça para executá-la, e como Myoshi nunca gostara de ficar descalça, ele a permitia fazer com as mãos. 

Mas, por falhar, seu pai desistiu de ensiná-la. Diferentemente de Kyoshi. 

Mesmo assim, resolveu tentar. Desmontou de Bicudo, agachou e fechou os olhos. Pensou em sua família e sua fazenda, que tanto desprezava e tanto sente falta. Como um raio, espalmou a terra, afundando-a. E enxergou. 

Dezenas de pessoas se encontravam em espécies de túneis. Sentia seus pés pesados, e até os ouvia. 

Não tinha certeza. Eram essas pessoas do exército de Chin, ou sobreviventes? Só tinha uma maneira de descobrir. 

Deixou Bicudo solto. Não o levaria para o subterrâneo; sem dúvida odiaria. E ainda precisava de uma possibilidade de fuga caso eles realmente sejam de Chin. 

Myoshi abriu um buraco no chão. 

― Te vejo daqui a pouco. ― Sussurrou para Bicudo. 

O animal relinchou, e saltou com suas duas pernas inúmeras vezes enquanto fechava o caminho que abrira. Por alguma razão, aquilo foi como uma pontada em seu coração. 

Myoshi furtivamente avançou pelo seu caminho. Julgava que já deveria ter chego em algum dos túneis... Até que chegou. O buraco que fez a derrubou em um deles, e quando deu por si, estava cercada de pessoas. 

― Olá? ― Disse, insegura. 

A única resposta que obteve de todos fora: 

― Invasora! Invasora! Invasora! 

Não demorou muito para que mais de três homens a agarrassem, imobilizando-a. Tentou se livrar deles... Mas eram muito fortes. Inutilmente se rebatendo, Myoshi era levada até algum lugar, ou alguém... 

Os túneis eram comuns, ela notou. Apenas terra, nenhum tipo de estrutura de pedras ou madeira. Cilindros de terra até uma bifurcação de mais cilindros, e assim por diante. 

Enfim os soldados levaram-na aonde deveriam, supostamente. Chegaram a uma grande sala, quando comparado com os túneis, e podia enxergar uma brecha de luz vindo de cima, além dos archotes que já iluminavam. 

Por entre a madeira tapando o poço, entrava uma luz que emanava esperança pelo cômodo inteiro de terra. 

Levaram-na em direção a um grupo de pessoas ao redor de uma mesa; três, pelo que contou. Uma delas aparentava ser extremamente familiar, e lembrava de ver a roupa de outro em um momento de sua vida. 

― Senhor, senhorita... Príncipe. ― Disse um dos guardas. ― Aqui está a invasora. 

Jogaram-na na lama, ajoelhada. Fechou seus punhos com toda sua força, e em um movimento rápido para trás, arremessou rochas em dois guardas. O outro recebeu um chute direto no estômago tão forte que o homem aparentou voar... Até cair de cabeça com um estrondo. 

Como uma lebre-raposa, virou-se para confrontar os outros três adversários. Com raiva em seu olhar elevou mais duas rochas... Até enxergar os olhos de Kyoshi. 

― Irmã? ― Disse, debilmente, derramando a terra. 

― Myoshi? 

Ambas se abraçaram instantaneamente. Foi um abraço longo e apertado. Poderia ter durado dias, meses, séculos... Até mesmo lágrimas escorreram de alguma delas. A emoção fora tanta, que nem mesmo Myoshi sabia se chorava. 

― Não sabia se estava viva. ― Kyoshi disse. 

― Nem eu irmãzinha. ― Afastou-se dela e viu as lágrimas de sua irmã. Descobriu quem estava chorando, no fim.

Os guardas levantaram. 

― Não notaram que essa é mulher é igual a mim? ― Kyoshi perguntou, raivosa.

― Desculpe, não notamos...

― Não pode culpá-los, Kyoshi. Seu cabelo ainda está curto. 

― E você deixou o seu crescer. ― Ela replicou. ― Ficou lindo, mas curto é prático. 

― Curto é chato. ― Myoshi retrucou. Sua irmã riu. 

― Sinto que você não mudou nada. 

― Nem eu. ― Disse um homem se aproximando. Suas vestes avermelhadas e longa barba lembrava-a de alguém. 

― Quem é você mesmo?

― Lee! Eu te salvei de alguns bandidos uma vez, lembra? 

Ah, sim. O dia em que tomara uma flechada. 

― Se me lembro bem, derrubei muitos deles antes mesmo de você aparecer. 

― Bom, isso é verdade. ― Ele sorriu. Kyoshi tossiu. 

― Ele não é só Lee, irmã. Ele é o príncipe Lee da Nação do Fogo. 

Seu sorriso desapareceu. Com um rosto severo, ele fez uma reverência diferente do Reino da Terra, como da outra vez. 

― É um prazer conhecê-la de verdade, Myoshi, agora que já sabe quem eu sou de verdade. 

Um príncipe? Isso era demais. Um príncipe da Nação do Fogo jamais estaria em solo do Reino da Terra. Provavelmente esse fugitivo, ladrão, assassino ou pior, estava longe de sua pátria para não ser punido por uma crueldade. 

― Claro, príncipe Lee. Eu sou a Avatar Myoshi. ― Todos caíram na gargalhada, inclusive Lee. 

― Não me importo se você acredita. Aliás, prefiro assim. Ser tratado e agir como um príncipe não é pra mim. Espero que não me trate como um. 

― Claro que irei, Vosso Fogaréu. É assim que se referem a você lá? 

Ele riu e abraçou-a. 

― É bom te ver. 

― É, você também. ― Disse, desconfortável. 

Não conhecia o terceiro homem. Era gordo, sem barba e careca. 

― E quem seria você? 

― Handu, senhorita Myoshi. Ao seu dispor. 

― Caso você fique ao meu dispor, sinto que serei esmagada. 

Ele não riu, mas sua irmã esboçou um riso. 

― Controlo uma das terras dessa área com permissão do Rei de Omashu. Tenho mais de trezentos homens ao meu dispor, senhorita. Então é melhor me respeitar.

― Desculpe senhor. Apenas uma piada. 

― Tudo bem, eu entendo. Brincou com todos aqui, comigo não podia ser diferente, não é? Só espero nenhuma piada daqui pra frente, ao menos comigo. Ou deixarei vocês, rebeldes, sozinhos, e voltarei para tomar meu vinho e foder mulheres. Inclusive, escolherei alguma parecida com você. 

Myoshi sentiu uma raiva enorme tomar seu corpo. Pisou com fúria no chão, causando certo tremor. 

― Claro. ― Ele disse. ― Faça o que vem naturalmente. E você e sua irmã morrerão, ou pior. Transformarão-se em acompanhantes do exército de Chin. Sabe o que isso significa? 

― É o suficiente, vocês dois. ― Kyoshi surgiu entre ambos, tão imponente quanto um tubarão-polvo. ― Não quero mais nenhum desrespeito de sua parte, Handu. E muito menos descontrole de você, Myoshi. 

Myoshi recuou. 

― Ficarei bem, contanto que ele nunca mais fale comigo novamente... E se não puder cumprir, que nunca mais fale comigo dessa maneira novamente. 

― Prometo, com minha palavra de homem, que irei te respeitar, contanto que você também o faça. 

Apenas acenou com a cabeça. Voltou-se para Kyoshi. 

― Onde estão nossos pais? ― Ela virou o rosto. 

― Nossa mãe está comigo, mas nosso pai... ― Um pontada passou pelo seu coração. ― Nosso pai ficou para trás, na fazenda, nos protegendo. 

Então realmente era ele. O cadáver no celeiro. A espada e a barba não mentiam, mas de alguma forma ainda mantinha a esperança. Passou a mão pelos olhos. 

― Ele nos escondeu no celeiro e os enfrentou. Mandou eu fugir com nossa mãe fazendo um túnel, e para depois fechá-lo. Não sei o que houve com ele. Talvez foi capturado? ― Myoshi disfarçou. 

― Sim, deve ter sido isso. 

Um silêncio monótono governou por um instante. 

― Onde está o Bicudo? 

Maldição. Esquecera do cavalo-avestruz com tantos reencontros e distrações. 

― Está lá fora, vou buscá-lo. 

― Vá, fique embaixo do poço. 

E Myoshi ficou. Sua irmã entrou em posição e levantou os braços rigidamente, elevando-a até a entrada do poço. Impressionou-se com a velocidade da terra ao subir. 

Abrindo a portinhola, se deparou com o céu aberto de fora. A fazenda, supostamente abandonada, parecia vazia. Mais vazia do que antes, até. 

Viu a casa despedaçada, poucas nuvens em um céu azul começando a alaranjar, árvores, um pequeno morro e o sol perto do limite na terra... Mas para onde quer que Myoshi olhava, não avistava Bicudo. 


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