Avatar: A Lenda de Kyoshi escrita por Lucas Hansen


Capítulo 16
XV - O Julgamento




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Após ouvir tanto sobre Avatar Kuruk, ali estava ele. Parado em sua frente, em um local inóspito, como se não estivesse morto. Aparentando tão poderoso quanto as histórias alegavam.

― Avatar Kuruk?

― É um prazer conhecê-la, Myoshi. ― Suas palavras eram doces, sua expressão, por outro lado, emanava a infelicidade. ― Estava imaginando quando você apareceria para pedir ajuda.

― Eu... Não sei nem por onde começar.

― Mas eu sei por onde terminar. Caso não tenha nada para falar, volte para o mundo físico. Tenho um dever a cumprir. ― Ele virou as costas e começou a se afastar.

― Espere! Eu preciso saber. ― Ele parou, ainda de costas. ― Como eu controlo meu poder?

― Controlando. Você é a única responsável por controlá-lo.

― Mentira. ― Ela disse. ― Sei que você também controla.

Ele parou de falar por um tempo.

― Não só eu, como todas as suas vidas passadas. Mas, no fim, quem realmente está no controle é você, Myoshi.

― E como eu controlo?

― Com o tempo. Com dedicação. Com seus chakras.

― Chakras?

― Sim. Pontos específicos de chi e energia dentro do seu corpo.

― Você não pode me ajudar?

― Você pode? ― Ele questionou, como uma lança.

― O que quer dizer?

― Não é só você que tem demônios para derrotar, Myoshi. Eu também tenho.

― Posso tentar te ajudar com esse demônio.

― Ninguém pode me ajudar. A não ser a vingança.

― Você parece a minha irmã. Buscando a vingança acima de tudo.

― Eu não era assim. Assim como sua irmã não era. Chin a fez da forma que é.

― E quem te fez do jeito que você é?

― Koh. ― Ele disse a palavra como se fosse um veneno, sem nunca se virar para fitar Myoshi novamente.

― Koh? Quem é esse?

― Um espírito. Ele também é conhecido como O Ladrão de Faces.

― O Avatar não é a ponte entre os humanos e os espíritos?

― Sim. O Avatar é parte espírito, Myoshi.

― Então por que você quer se vingar de um espírito?

― Ele roubou a face de uma pessoa muito querida minha.

― Os espíritos não são... Bons?

― Há espíritos bons, e há espíritos ruins, Myoshi. Assim como humanos. E assim como os humanos, eles podem morrer.

― Podem?

― Tudo pode morrer, Myoshi. ― Ele falou com frieza.

― Eu posso te ajudar. ― Ofereceu-se.

― Você mais atrapalharia do que ajudaria. E ainda teria que conviver com o peso na consciência de você perder seu rosto.

― Não me subestime.

― Eu nunca subestimarei o Avatar. Porém, você também não deve subestimar os espíritos. Agora vá, volte para seu plano, para que eu possa continuar meu dever.

― Ainda não. Eu preciso da sua sabedoria.

― Você precisa de muito mais do que minha sabedoria. Porém, eu posso ceder isso para você.

― Eu estou presa em Omashu atualmente, prestes a enfrentar um julgamento. Logo, Chin marchará para a cidade, e preciso derrotar tanto o julgamento quanto Chin. O que eu faço?

― Você precisa de aliados no julgamento. Para, após terminá-lo, lutar junto com esses aliados contra Chin. E a melhor forma de conseguir isso, é usando sua influência.

― Minha influência? Eu não sou influente.

― Você é o Avatar, Myoshi. Acredite em mim, você é influente. Basta você saber usar essa influência. Eles sabem que, sem você do seu lado, eles não possuem chance alguma contra Chin. ― Ele parou por alguns segundos. ― Aliás, quem foi o imbecil que resolveu prender o Avatar, sendo que precisa tanto dele?

― General Handu.

― Um tolo. Está tão acostumado com sua autoridade que não conhece a humildade de reconhecer uma outra. Faça questão de mostrar o quão tolo ele é na audiência, Myoshi. É só isso?

― Não. ― Disse, com ódio. ― Prenderam Bicudo e Xudok. E o próprio Handu planeja me ameaçar com a vida deles.

― Eu tive um animal uma vez. Um cão-urso polar muito leal. ― Ele enfim de virou para olhar nos olhos de Myoshi. ― Faça questão de ameaçá-lo de volta. Ninguém mantém a postura quando ameaçado pelo Avatar. ― Ele esperou Myoshi falar, e quando percebeu que não falaria, disse: ― Nós nos encontraremos novamente.

Ele correu para uma escuridão sem fim, sem olhar para trás nem um momento. E enquanto observava o antigo Avatar se afastando, observou as barras de sua cela.

― Nossa... ― Disse, surpresa.

― Pensei que você iria derrubar tudo. ― Kyoshi disse. ― E não só eu.

Quando olhou ao redor, Myoshi percebeu pelo menos uma dúzia de guardas em posição de ataque, fora da cela. E no centro desses soldados, Handu.

― O que houve? ― Perguntou, inocente.

― Nós é que perguntamos a você, Avatar. ― Handu replicou. ― Esteva planejando destruir Omashu?

― Do que está falando?

― Só vi esses seus olhos traiçoeiros brilhando em duas ocasiões. E nas duas, você destruiu tudo que quis destruir. É natural eu pensar que você estava querendo cometer alguma maldade.

― Eu não cometo maldades. Eu sou o Avatar, esqueceu?

― Ah, eu lembro muito bem. ― Virou para seus homens. ― Quero ao menos cinco soldados vigiando as prisioneiras até o julgamento. 

Ele começou a caminhar para fora da masmorra, até que Myoshi gritou:

― Você precisa de mim se quiser ter alguma chance contra Chin!

― Falso. ― Ele respondeu. ― Omashu nunca caiu uma vez sequer. E nunca precisou da ajuda do Avatar para tal.

Enquanto os guardas se distraíam conversando, Kyoshi perguntou em sussurro:

― O que pelos espíritos você estava fazendo, Myoshi?

― Conversando com um espírito.

― O que quer dizer?

― Kuruk. Eu conheci Avatar Kuruk. ― A expressão de choque no rosto da irmã era evidente.

― Como? Ele não está... Morto?

― Para eu estar viva, ele tem que estar morto. Mas ele continua vivendo, da sua maneira.

― E como ele é?

― Como você.

Deixou Kyoshi processando aquela informação e se foi dormir.

Teve uma noite sem sonhos. Dormiu tão relaxadamente que, quando acordou, mal sabia onde estava. Demorou alguns segundos para lembrar de sua prisão em Omashu e de toda a situação que se encontrava.

― Vamos. ― Um dos guardas disse. ― Chegou a hora.

― A hora do que? ― Myoshi disse, grogue de sono.

― Do julgamento.

Entraram na cela e algemaram-na, e já que Kyoshi se encontrava acorrentada, apenas puxaram-na pelas correntes.

― Isso é realmente necessário? ― Questionou.

― Ordens da rainha.

― Ordens de Handu. ― Kyoshi corrigiu. Os guardas claramente ficaram desconfortáveis.

― Controle a sua língua no tribunal, Kyoshi. ― Sua irmã aparentou nervosa, mas assentiu.

O julgamento ocorreria na sala do trono. No centro, ocupando seu lugar de direito, estava rainha Maru, sentada no seu trono prateado com cristais verdes, e seus cabelos escuros encostando o chão.

Do seu lado direito, em uma cadeira qualquer, sentava general Handu, com sua pança exorbitante, seu rosto limpo sem pelos e seu rosto expressando o puro ódio.

E do lado esquerdo da rainha, um homem completamente estranho.

Ele não sentava em cadeira alguma, mas no chão, com as pernas cruzadas, em posição de meditação. Seus olhos inclusive estavam fechados. Era careca, magro e tinha uma barba branca extremamente longa, uma pele tão clara quanto leite e vestes esverdeadas que cobriam poucas partes de seu corpo. Um dos mamilos aproveitava o ar livre.

Ao seu redor, como um público vendo algum entretenimento, estavam senhores e senhoras, provavelmente nobres, para acompanhar o julgamento.

Rainha Maru levantou-se de seu trono, ordenando com as mãos para deixarem-nas logo a sua frente. Os guardas se afastaram ao cumprir a ordem.

― Avatar Myoshi e Kyoshi. Vocês duas são acusadas de desafiar a autoridade da rainha de Omashu e de seus oficiais. Há algo que queiram dizem em sua defesa? ― As duas permaneceram quietas. ― Bom, como de costume, os acusadores possuem a palavra primeiro e, por último, os acusados tentam se defender. General Handu, eu e o sábio Angui iremos ser os júris. E é óbvio que nenhum acusado ou acusador pode julgar o caso.

Myoshi ouviu a última frase com um enorme estranhamento. Mas quem falou foi Kyoshi.

― Por que ele é um juiz então? ― Apontou a cabeça para Handu.

― Ele não é um dos acusadores, Kyoshi. ― Rainha Maru olhou-a com frieza.

― Você tem certeza? Porque eu lembro das acusações dele.

― Silêncio! ― Handu disse. ― Vocês terão o seu momento de falar. Agora, o primeiro acusador.

Uma mulher entrou e ficou a frente das irmãs. Não lembrava dela particularmente, apesar de não parecer estranha. Ela se identificou como uma das cozinheiras da Resistência.

― Myoshi e sua irmã sempre se intrometeram nos assuntos de General Handu. Quando ele sugeria algo, elas sugeriam outro. Quando ele comandava seus homens, elas comandavam juntas. Até quando ele pedia uma comida específica para mim, elas faziam questão de me falar para não fazer o que o bom general queria.

O homem careca e barbudo abriu os olhos:

― E como você saberia dos conselhos de guerra de Handu, senhora? Uma cozinheira tem um assento especial para sugerir a movimentação de um exército?

― Eu levava comida durante esses conselhos também. ― Ela retrucou. ― E muitos desses, eu presenciei essas cenas. Myoshi e Kyoshi jamais respeitaram a autoridade de Omashu. ― O homem fechou os olhos novamente. ― Talvez, o exército de Chin não tenha atacado a Resistência por acaso.

― É o suficiente. ― Handu disse. ― Mandem o próximo.

O segundo era um homem forte. Alto, musculoso, cabelo desarrumado e curto. Ele parou entre os juízes e as acusadas, e se identificou como um dos soldados do exército.

― Perdi a conta de quantas vezes Avatar Myoshi me disse para obedecê-la em vez de obedecer ao general. ― Disse com tranquilidade, como se não estivesse mentindo. ― Não só eu, como muito dos meus colegas de exército podem dizer o mesmo.

― Mentiras! ― Myoshi disse.

― As acusadas não tiveram permissão para falar. ― Rainha Maru pareceu imponente.

― Como eu dizia, Myoshi e sua irmã desejavam incitar um motim contra Handu, e com isso, controlar o exército de Omashu contra Chin. Ou, quem sabe, a favor de Chin... Quem garante que essas mulheres não estão com ele? ― Rainha Maru questionou:

― Eu entendi que Avatar Myoshi e Kyoshi foram de grande ajuda em vários momentos. Inclusive, disseram-me que se não fosse por Myoshi, o exército de Chin teria destruído o de Omashu.

― Caso sejam infiltradas, vossa majestade, elas precisavam manter a aparência para se encontrarem aqui, dentro de Omashu.

― Caso sejam infiltradas, ― O careca barbudo abriu os olhos. ― provavelmente já teriam feito muito mais do que fizeram.

― Ou elas queiram que nos pensemos exatamente isso. ― Handu retrucou o homem.

O depoimento do soldado terminara após um tempo, e Maru anunciou a chegada do terceiro e último acusador. Myoshi virou-se para vê-lo, e um sentimento de traição, raiva e tristeza passou por ela.

Bonuk, o jovem soldado que tratava-a como uma mulher normal mesmo sendo o Avatar, caminhava em direção a ela. A barba rala de garoto ainda crescendo.

Antes de iniciar, ele se virou para Myoshi e sussurrou extremamente baixo:

― Me desculpe.

― Quem é você? ― Rainha Maru questionou. Bonuk se virou com ódio no olhar.

― Bonuk, vossa majestade. Um dos soldados de general Handu.

― E o que você pode dizer das acusadas?

― Eu digo apenas o que presenciei, vossa majestade. Após general Handu lidar com uma matilha de alces-leões-dentes-de-sabre que assassinaram quase metade do seu exército, ele foi até a floresta para garantir que isso nunca mais ocorresse nas terras de Omashu. Porém, Avatar Myoshi ameaçou-o para que não erradicasse esses monstros das nossas terras.

― Eles estavam massacrando filhotes inocentes! ― Kyoshi disse.

― Silêncio! ― Handu disse. ― Prossiga.

― Não contente em ameaçar o general e retirar sua autoridade perante todo o exército, e consequentemente a autoridade da rainha, Avatar Myoshi e sua irmã adotaram um desses monstros, como se fosse um cachorro-gato qualquer. E o monstro se encontra aqui, na cidade. ― Com essa última afirmação, o público que assistia fez um som de surpresa e choque.

― Matem-no! ― Um deles disse.

― É um monstro! Acabem com ele! ― Outra falou.

― Protejam seus cidadãos!

― Encostem nele que eu mato todos vocês! ― Myoshi berrou.

― ORDEM! ― Rainha Maru gritou. Quando a platéia enfim se calou, ela disse: ― Você está dispensado, Bonuk.

O garoto se foi sem nem ao menos olhar para trás. Myoshi sentia raiva dele, mas seu pedido de desculpa insinuava que ele fora coagido de alguma forma.

― O que vocês têm a dizer sobre todas as acusações? ― O careca barbudo estava com os olhos bem abertos agora.

― Absurdos. ― Kyoshi disse calmamente. ― Quanto a cozinheira, ela tem razão. Nós discutíamos sobre o que fazer, é claro. Porém, sempre respeitamos Handu e a decisão final era sempre dele.

― É ainda mais absurdo ela sugerir que nós atraímos Chin para nossa toca. ― Myoshi complementou. ― Afinal, nós lutamos contra o exército dele. O que também já desmente o segundo acusador. Infiltradas? Eu jamais me aliaria com o homem que matou meus pais e destruiu meu lar. Como muitos do próprio exército de Handu estão de prova, eu vi minha mãe ser morta pelo exército inimigo, caso vocês considerem Chin derrubar meu lar e matar meu pai mentiras.

― E nós tentando incitar um motim? ― Kyoshi riu. ― Eu e minha irmã não precisamos comandar um exército, porque nós sozinhas somos um exército. Quanto a situação dos alces-leões-dentes-de-sabre... ― Handu levantou a mão com um gesto de que era para ela calar a boca.

― É bom que tenha mencionado esses monstros. Tragam o animal!

Quando as gêmeas viraram o rosto, viram o filhote Xudok, enjaulado em uma pequena caixa e acorrentado, sendo levado até o tribunal, ao lado de Handu. O desespero em seu gemido era evidente, e o medo de seus olhos profundo.

― Este animal é a prova de quanto vocês são traiçoeiras! Caso não fossem, por qual motivo trariam um monstro para dentro de Omashu?

― Isso parece um monstro pra você? ― Myoshi disse, desesperada. ― Isso é um filhote!

― Isso vai se tornar um monstro e matar pessoas de bem um dia! E para evitar isso, nós vamos cumprir aquilo que o povo clamou. ― Handu fez um gesto com a mão chamando um soldado. E, na mão desse soldado, uma espada.

― Não! ― Myoshi e Kyoshi gritaram juntas. ― Vocês não podem! ― Quanto mais o soldado se aproximava, mais desesperadas ambas ficavam. Rainha Maru já começava a virar o rosto, e Angui observava a situação sem expressão.

General Handu segurou a espada na mão e começou a se aproximar da gaiola. Ele iria fazer. Ele iria matar o filhote Xudok...

Até que a luz pareceu sumir e Myoshi deixou de ser ela. E, em seu lugar, um homem de pele escura, barba e um cão-urso polar na cabeça apareceu. Todos pararam o que faziam, e Handu, impressionado, até mesmo deixou a espada cair.

― Meu nome é Avatar Kuruk. ― Ele disse com pesar na voz. ― É minha culpa que Chin assola suas terras hoje. Morri pois fui atrás de quem eu amo. E, caso não tivesse tido esse ato egoísta, poderia derrotar Chin com enorme facilidade. O Avatar pode derrotar qualquer um com enorme facilidade. E o Avatar não possui lados. Faça-o seu inimigo, e você irá se arrepender para sempre. Cumpram essa crueldade, e Myoshi jamais será sua aliada. Derrubará Chin com a mesma facilidade que derrubará o general em sua frente.

― Viu? O próprio Avatar Kuruk admite que quer me matar! ― Handu acusou.

― Não quero matar ninguém. Acima de tudo, o Avatar evita a morte e busca a paz. Porém, é impossível buscar a paz caso a paz não seja oferecida. Não cometam o erro de fazer o Avatar seu inimigo. O Avatar não precisa de ninguém. ― Parecia agora que todas as suas vidas passadas falavam: ― Mas todos precisam de nós.

Dezenas, centenas e até milhares de vozes continuaram ecoando "nós", toda a escuridão sumiu, e Myoshi voltou a ser Myoshi.

Ainda tonta, Myoshi observou general Handu imóvel, e em enorme desespero, gritou:

― Ela e sua irmã são culpadas de todas as acusações! Não só elas, como Avatar Kuruk também!

Porém, sua acusação não pareceu ter apoio da platéia, ou dos outros juízes.

― Eu as declaro inocente. ― Rainha Maru disse, sorrindo.

O careca e barbudo Angui levantou-se:

― Inocentes. Apenas protetoras da vida.

― Soltem o animal. ― Rainha Maru ordenou.

Com relutância, um dos soldados cumpriu a ordem, e Xudok correu em direção a Myoshi e Kyoshi de imediato, e ambas abraçaram o animal, que tremia.

― Obrigada, Avatar Kuruk. ― Disse.


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